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CURSO DE PSICANÁLISE TEORIA PSICANALÍTICA

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Academic year: 2022

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CURSO DE PSICANÁLISE

TEORIA PSICANALÍTICA

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MÓDULO: SEMIOLOGIA PSICANALÍTICA

Profa.: Rejane Rodrigues de Campos1

São José dos Campos 2017

1 Psicanalista e Didata; Professora; Supervisora; Orientadora; Pedagoga; Licenciada em Psicologia da Educação;

Sociologia; Administração Escolar. Especialista em: Educação; Supervisão e Psicanálise; Psicologia e Saúde Mental;

Transtornos da Infância e Adolescência. Membro das Associações Psicanalíticas: APVP/SP; EPPICO/SP e APICE/SC/BR..

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S U M Á R I O

INTRODUÇÃO ... 03

1. Os signos através da história ... 05

2. O que vem a ser Semiologia ... 09

3. A Semiologia, os Mitos e as relações humanas ... 15

4. Por que Semiologia e Psicanálise ... 19

5. A Psicanálise, a cultura e os mitos ... 22

6. Semiologia psicanalítica, fundamentos para a clínica ... 25

7. Comunicação, Semiologia e Psicanálise ... 30

8. Entendendo a Semiologia ... 34

9. Semiologia Médica ... 36

10. Semiologia Psiquiátrica ... 38

11. Psiquiatria Dinâmica ... 42

12. A Psicanálise e o modelo semiológico ... 45

13. Os significados dos afetos e os traços mnésicos ... 48

14. Os mecanismos inconscientes e as defesas do ego ... 51

15. Evolução psicoemocional ... 54

16. O Complexo de Édipo e o olhar semiológico ... 59

17. O superego e os efeitos semiológicos ... 62

18. A semiologia e a interpretação ... 64

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ... 70

LEITURAS SUPLEMENTARES ... 71

Trabalho de avaliação e orientações ... 73

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INTRODUÇÃO

Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes de mim. O que eu descobri foi o método cientifico que nos permite estudar o inconsciente”.

Sigmund Freud

O ser humano faz parte de uma espécie bem sucedida em termos de sobrevivência biológica, que povoa todas as regiões do universo terrestre. Entretanto a grande adaptabilidade está na sua capacidade psíquica. É essa ferramenta que o torna capaz de modificar decisivamente o ambiente a favor de sua sobrevivência e para uma qualidade de vida, a qual proporciona a ele uma “estadia” maior no planeta terra. Esse processo de adaptação se dá por meio da construção do conhecimento que o homem vai adquirindo durante toda a sua existência, como também pela transmissão que vai ocorrendo ao longo das gerações.

Há saberes que são vivenciados no cotidiano que convivem com diferentes fontes, tornando-se muitas vezes contraditórios em determinadas ocasiões. Os vários conhecimentos adquiridos pela humanidade podem ser socializados pelo uso de um código ou sistema de símbolos que permitem a representação de uma informação. Os detentores de um conhecimento utilizam códigos como terminologia, a fim de tornar esse conhecimento socializado, assim, um fomenta o outro. É justamente através da vivência que surge a dúvida e leva o individuo à experimentação para então o conhecimento tornar- se ou não cientifico. Exemplificando, pode ser caracterizado e citado o “exossomatismo”

que consiste em uma forma de adaptação inconsciente ou consciente do ser humano às condições ambientais. Constitui o processo pelo qual os indivíduos e mesmo as espécies, passam a desenvolver ou viver uma adaptação evolutiva que culminará em um quadro de seleção natural.

O desenvolvimento humano envolve o estudo de variáveis afetivas, cognitivas, sociais e biológicas em todo o ciclo da vida, fazendo interface com a biologia, antropologia, sociologia, educação, medicina entre outras. O enfoque tradicionalmente ficava voltado para o interesse pelos anos iniciais de vida dos indivíduos, cuja origem está na história do estudo cientifico do desenvolvimento humano. Entretanto, hoje há um consenso de que a

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psicologia do desenvolvimento deve ter como foco o desenvolvimento do indivíduo ao longo de todo o ciclo vital.

Há povos que sobreviveram por séculos sem desenvolver a escrita. Entretanto, comunicaram-se e se expressaram cada um a seu modo. Muitas pessoas durante sua vida se quer conhecem as regras gramaticais ou se expressam bem, o que constitui um sinal de que a linguagem é algo mais complexo que a mera organização gramatical e a busca do étimo das palavras. O fenômeno da comunicação é visto com uma visão mais ampla por Ferdinand Saussure, que cria um novo paradigma para o estudo do mesmo. A função primordial da linguagem é a comunicação e o uso da norma culta, no entanto, nem sempre é adequada a um ambiente social descontraído.

O saber é constituído por uma dupla face, a “epistemológica” que se refere ao significado das palavras e a “semiológica” ou “semiótica” que se refere ao significante que encerra o significado. Pode ser dito que a semiótica teve sua origem na mesma época em que a filosofia, sendo proposta para indicar a doutrina dos signos correspondente à lógica tradicional. Surgiu também de forma a entender como uma ciência dos “sintomas” em medicina junto com outras disciplinas afetas a esta.

No inicio do primeiro milênio da era cristã, Galeno de Pérgamo já tinham afirmado que a diagnose é a parte semiótica da medicina. Isto deu origem à semiologia médica. Os processos de significação como os sinais do corpo oferecem à interpretação e compreensão das significações no campo das prevenções ou compreensão das semioses.

A semiologia e a teoria da comunicação podem ser sistematizadas e integradas de uma maneira metódica e ao mesmo tempo prática no cotidiano da psicanálise. Este irá fundamentar a operacionalidade da psicanálise, com contribuições da semiologia e da teoria da comunicação, considerando uma estratégia terapêutica que possibilite cobrir os níveis da ação analítica. Possibilita criar modelos que permitam reorientações pragmáticas no sentido de facilitar ao analista, uma visão mais abrangente da problemática que lhe é exposta pelo paciente. A compulsão à repetição, localizada a partir das estruturas narrativas, possíveis de serem detectadas e traduzidas operacionalmente através do material fornecido pelo paciente ao analista, em um sistema de signos passível de codificação e consequente sistematização.

O homem vive no século da comunicação. Para alguns, o mundo constituiria uma autêntica "aldeia global", habitada por “tribos planetárias”, possibilitadas uma e outra, pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Para outros tantos, a sobrecarga de

"informação" e "comunicação" não se traduz, necessariamente, em maior aproximação e solidariedade entre os indivíduos, conduzindo antes a novas formas de individualismo e

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etnocentrismo. "Comunicar" significa, etimologicamente, "pôr em comum". No processo de comunicação, que simplificadamente pode ser entendido como a troca de uma mensagem entre um Emissor e um Receptor, os Signos desempenham um papel fundamental. Sem Signos, não há mensagem, nada pode ser posto em comum. Os Signos formam um campo de grande amplitude e variedade, que constitui uma ciência que estuda a teoria e a produção destes.

1. Os signos através da história

O estudo dos signos nasceu na Grécia antiga. Os primeiros a perceber a relações e a diferença entre a natureza (semeion) e cultura (symbolon) foram os gregos. Deram origem a duas linguagens: de nome objeto – “onomasiológica”; e de palavra conceito –

“semasiológica”. Desde então vem sendo objeto de investigação constante em vários ramos do conhecimento, focalizado em diversas áreas como a filosofia, teologia, mitologia, sociologia. Engloba a lógica, a retórica, a poética e a hermenêutica. Na civilização ocidental, desde essa época até nossos dias, é marcado o desenvolvimento continuado destas questões relativas aos signos e sinais.

O espirito capta os sinais relacionais existentes na natureza (semiologia), reunindo significantes e significados, como também, constrói relações abstratas de significação (semiótica), acrescentando características e aspectos, construtos apenas imaginários pelo cérebro: o mundo cultural dos símbolos.

A partir de Platão (427-347 a. C.), filósofo das ideias que viveu no limiar de uma época, entre valores antigos e um novo mundo, encontra-se a discussão sobre a natureza dos signos e do significado. Em seus diálogos com Crátilos, ao falar da linguagem e do conhecimento, faz a constatação de que os nomes não seriam capazes de dizer da essência das coisas, bem como, o desenvolvimento de uma teoria sobre a iconicidade das imagens mentais.

Aristóteles (384 – 322 a. C.) foi um sujeito devotado à cultura e dedicado à prática literária. A partir da linguagem baseava sua definição de signo em uma teoria da significação e da referência. Ele reconhece que as palavras “não são significantes por elas mesmas, enquanto que os estados de alma são semelhantes às coisas que lhes correspondem”. A palavra, em Aristóteles, é dita “símbolo de um estado psíquico”, isto equivale a dizer que a relação da linguagem com o ser não é imediata. O que o autor tenta mostrar é conservar uma relação mediata entre linguagem e realidade, evitando um abismo entre “palavra” e “coisa”. Para o filósofo, o signo contém as bases de uma teoria da

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significação e da referência. As palavras são convencionais em sua forma oral e escrita e não naturais. Esse fato é observável por qualquer indivíduo e as regras mudam de uma comunidade a outra. A palavra é, pois o símbolo de um estado psíquico. O estado psíquico é uma imagem das coisas reais, e linguagem não tem qualquer relação de semelhança com as coisas.

A Escola Estóica (300 a. C e 200 d. C.) apresentava sua filosofia como um modo de vida. O individuo não era o que a pessoa diz, mas como se comporta (universo corpóreo governado por um Logos divino). Fundada por Zenão de Cítio, cuja crença é de que o conhecimento é atingido pela razão, pois tudo está enraizado na natureza. O estoicismo se desenvolveu como um sistema integrado pela lógica, pela física e pela ética, articulados por princípios comuns. Para viver uma boa vida era preciso entender as regras da natureza. Assim, encontrada uma teoria em que o signo “reúne” três componentes: o significante, o significado (ou sentido) e o objeto externo. Nessa proposta o significante e o objeto externo eram definidos por uma natureza material, e o significado ou o sentido, denominado de “Lekton”, que quer dizer “aquilo que é significado” era considerado incorpóreo.

Epicuro de Samos (Século I), um filósofo grego do período helenístico, viveu uma vida foi marcada pelo ascetismo, a serenidade e a doçura. Sua proposta é atingir a felicidade, caracterizada pela “aponia” - ausência de dor física, e “ataraxia” - impertubalidade da alma. As dores da alma estavam associadas às frustrações. Entretanto, junto a seus seguidores, sugere a crença de que a linguagem verbal humana tal como o comportamento animal e os gestos de uma criança, origina-se de uma convenção natural e não de uma determinação de origem intelectual. Percebeu a superstição das pessoas, em sua grande maioria, o que as afastavam da verdadeira função das religiões e dos deuses.

Segundo ele, os deuses viviam em perfeita harmonia, desfrutando da bem-aventurança, - a felicidade divina. Piores e mais difíceis de lidar são as dores da alma. Estas estão associadas às frustrações, segundo ele, e em geral oriundas de um desejo não satisfeito.

O filósofo búlgaro Tzvetan Todorov, historiador e sociólogo foi um dos intelectuais mais reconhecidos do mundo. Estudioso de Filosofia da Linguagem, pesquisador de linguística, teoria da linguagem e crítico literário, situa as origens da Semiótica ocidental nas "tradições particulares" da semântica, da lógica, da retórica e da hermenêutica antigas.

Este autor considera Santo Agostinho o primeiro dos semióticos por ter sido ele Padre da Igreja, por ser o primeiro a satisfazer os dois requisitos fundamentais implicados na noção de semiótica: ter como objetivo o conhecimento, a teoria; ter como objeto de estudo signos de espécies diferentes e não exclusivamente os linguísticos.

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Santo Agostinho desenvolveu sua inteligência dentro de conceitos filosóficos e científicos distantes dos ensinamentos religiosos e de infância. Vivenciou várias formas de vida contemplativa, estudou retórica e contribuiu para a promoção da proliferação de sentidos. Ele fez referência à mente do interprete como um terceiro componente da semiose, retomando o caráter triádico: “Um signo é alguma coisa, que além e acima da impressão que causa nos sentidos, traz à mente alguma coisa como consequência”.

Encontram-se os mesmos elementos: signo, significante e significado, afirmando Santo Agostinho que “um signo é uma coisa que, além da espécie ingerida pelos sentidos, faz vir ao pensamento, por si mesma, qualquer outra coisa”.

A descoberta do funcionamento dos organismos vivos é que inicialmente vem ser chamada de semiótica, devido à elaboração intelectual de alguns estudiosos e autores.

Partem do princípio de que todo o animal, principalmente aqueles dotados de percepção devem aprender que determinada matéria tem para suas vidas um significado fundamental.

As denominações “semiótica” e “semiologia” são nomes que passaram a existir por uma questão de origem devido aos seus precursores do estudo nessa área.

As contribuições do filósofo Ferdinad du Saussure, um linguista de origem suíça, marcou a história da linguística. Afirmou que “a língua é o palco de fenômenos relevantes”, através do que é possível compreender a importância da constatação quanto à inexistência de sociedade sem linguagem para interagir como o outro e com todos os elementos que a rodeiam. Os conceitos como “langue e parole”, “sintagma e paradigma”, e “significante e significado” fizeram com que ele fosse considerado o “pai da linguística moderna”.

Defendeu que a linguagem seria um fenômeno psicossocial constituindo a língua e a fala.

Afirmou que a “língua é o sistema, é aquilo que nenhum falante pode mudar”. O autor buscou definir um objeto de estudo e objetivo de outro estudioso, ocasionando, assim, a fundação de uma ciência autônoma e independente de outros estudos. Embora, conforme o mestre “a linguística tem relações bastante estreitas com outras ciências, que tanto lhe pegam emprestados como lhe fornecem dados, cujos limites que a separam de outras ciências não aparecem sempre nitidamente”,

Saussure trabalhou com a fala e a oralidade, preocupando-se em “ver” como é que

as línguas se cruzam umas com as outras. Com a inquietação proveniente dessa ideia veio chamar de “semiologia” os seus estudos sobre os signos. Ele trabalhou com a língua francesa, o latim e o italiano, conhecendo bem o grego. Procurava saber como é que estas línguas, no fundo se suportam, indo atrás de respostas para suas inquietações. O autor, através da linguística, salientou que existia um lugar nas ciências sociais para uma ciência

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que estudasse os signos. Isto fez com que montasse uma teoria, entretanto, não chegou a escrevê-la.

Portanto, “Semiologia é uma ciência que estuda os signos”, segundo Saussure. O núcleo de significação de linguagem é o signo. Para o autor o signo é composto de:

“significante” (Se), constituído pela “matéria acústica” ou a “imagem acústica”, nada mais do que o som, algo que pode ser dividido e que tem contorno sonoro definido2; e

“significado” (So) que é o “conceito da coisa”, constitui um conceito de âmbito da memória, cuja junção destas duas faces resultará no “signo”. Portanto, o “signo” é sempre “mental”, ele é a “representação” daquilo que a nossa mente percebe. Quando alguém que não domina uma língua estrangeira ouve uma palavra, ele capta o “significante”, ou seja, o

“som”, mas não consegue apreender o “significado”3, o conteúdo do que foi dito, por não conhecer a língua. Saussure não considera a matéria externa, só acredita na existência da palavra que é percebida pela mente. Portanto, a representação dessa materialidade é feita pelo autor, através da equação “significante (Se) + significado (So) = signo”. Mais tarde Adair Peruzzolo e Elizeu Verón e Martini, estudiosos que precederam Saussure, classificam a “representação” como sendo “matéria significante”.

As formas como o individuo dá significado a tudo que o cerca, refere-se a um conhecimento que existe há um longo tempo. Da raiz grega “semeion”, provém a semiótica que constitui a “arte dos sinais”. Portanto, é a ciência que estuda os signos e todas as linguagens e acontecimentos culturais como se fossem fenômenos produtores de significado. O “ponto de vista semiótico” se refere ao significante, enquanto o “ponto de vista epistemológico” esta conectado ao sentido dos objetos. A Semiótica na sua origem remonta à Grécia Antiga. Portanto, ela é contemporânea do nascimento da Filosofia. Mais recentemente é que se expressaram os mestres conhecidos como pais desta disciplina. No início do século XX, ao lado das pesquisas de Ferdinand ddu Saussure surge Peirce com a

“Ciência da Significação”.

Charles Sander Peirce, um lógico e matemático americano, surge com um estudo, onde propõe a “ciência da significação” como um “processo de produção do signo”. A este sistema chama de “semiose”, e não apenas a ciência que estuda o signo. Em relação à semiose, o autor propõe o estudo da relação triádica entre o “signo” (representâmen),

“objeto” (mental) e o “interpretante” que se formam a partir do “representâmen” (sinal,

2 A escuta da língua estrangeira é como se fosse uma sonoridade continua, por não conhecer a língua;

quando escuta a própria língua sabe onde termina e onde começa a palavra.

3O sentido e acepção do vocábulo; correspondência que um vocábulo de uma língua tem em outra.

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matéria externa, matéria significante). Peicer vai buscar na filosofia política, através de John Locke (1690) a palavra Semiotikês para designar a “semiótica”.

O termo “semiótica” vem do grego “semiothiké” que significa a “arte dos sinais”. A semiótica, portanto é a ciência geral que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem “sistemas sígnicos”, ou dizendo de outra maneira, “sistemas de significação”

envolvendo os signos e a semiose. Abrange um ocupar-se do estudo do processo de significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito ou da ideia. Na cultura e na sociedade as marcas como sistema de significação remontam desde a antiguidade, na mitologia, na música, nas artes visuais, fotografia, cinema, moda, religião, gestos e em todas as formas de manifestações sígneas em todos os tempos.

Com referência ao signo, pode ser dito que este é constituído por qualquer objeto, som ou palavra capaz de representar uma outra coisa. Na modernidade, todos os indivíduos dependem do “signo” para viver e interagir com o meio onde estão inseridos.

Para o homem comum, a noção de signo e suas relações, do ponto de vista teórico, não são tão importantes, porém estão presentes em seu cotidiano entendidos de maneira prática e precisa. Os signos são úteis, existem ou sucedem o momento, são compreendidos e vão além do que se pode imaginar. Pode ser exemplificado com o ato de dirigir um carro: lemos os discursos contidos nas placas de sinalização, sinais de trânsito, nas luzes dos semáforos, pelas reações do veiculo ao meio ambiente, entre outros.

O homem intelectualizado não vive sem o signo, precisa dele para entender o mundo, a si mesmo, as representações de seu mundo interno e as pessoas com as quais se relaciona. Estão nas relações humanas. Portanto no cerne de tudo – semiologia ou semiótica – o signo que é o tema central de um discurso, como um outro discurso, constitui o produtor complexo da semiose. “A semiótica é um saber muito antigo que estuda os modos como o homem significa o que o rodeia”.

2. O que vem a ser Semiologia

A semiologia é uma área do conhecimento que se dedica a compreender os sistemas de significação desenvolvidos pela sociedade. O objeto da mesma são os conjuntos de signos, sejam eles linguísticos, visuais, ou ainda ritos e costumes. A palavra Semiologia vem da união das palavras gregas “semeion” que significa “sinal”, e “logos” que quer dizer “estudo”. A Semiotica e a Semiologia, portanto, representam o memo campo de estudos. Entretanto a partir de 1969, a Semiotica foi determinada como o nome da

“Ciência Geral dos Signos”.

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A Semiologia, também chamada de Semiótica e definida como a "teoria geral dos sinais” se ocupa não apenas de Linguística, pois aquela possui uma maior abrangência do que esta. A Linguística é o estudo científico da linguagem humana, e a Semiologia preocupa-se não apenas com a linguagem humana e verbal, mas também com a dos animais e de todo e qualquer sistema de comunicação, seja ele natural ou convencional.

Assim, pode ser dito que a Linguística se insere como parte da Semiologia.

Semiologia e Semiótica são termos permutáveis. Enquanto a Semiologia surgiu na Europa, com o filósofo e linguista suíço Ferdinand du Saussure, o qual entendeu que a língua é um sistema de signos que exprime ideias no seio da vida social, a Semiótica desponta nos Estados Unidos, com o filósofo Charles Sanders Peirce, cujo projeto consistia na definição dos quadros lógicos de representação da experiência e das categorias do pensamento. O primeiro autor acentuou a “função social” do signo, enquanto o segundo destacou a sua “função lógica” do mesmo.

As elaborações teóricas de Saussure propiciaram o desenvolvimento da linguística

como ciência autônoma. Seu pensamento exerceu grande influência sobre o campo da literatura e dos estudos culturais. Os conceitos propostos ganharam notabilidade: de fundação, ou seja, estrutural para inúmeros estudos e teorias contemporâneas; e notabilidade de indução, ou seja, estruturante em outros tantos estudos não linguísticos – da antropologia de Lévi-Strauss à psicanálise de Lacan, em especial.

Para Saussure o signo é a união do sentido e da imagem acústica. O que o autor chama de “sentido” é a mesma coisa que “conceito” ou “ideia”, isto é, a “representação mental de um objeto” (ideia), ou da “realidade social” em que nos situamos. Essa representação é condicionada pela formação sociocultural que nos cerca desde o berço, ou seja, no núcleo familiar e na cultura, inicialmente da própria família. Este autor, em outras palavras propõe um conceito que é sinônimo de significado (plano das ideias), algo como o lado espiritual da palavra, sua contraparte inteligível, em oposição ao significante (plano da expressão), que é sua parte sensível. Por outro lado, a imagem acústica “não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som”. Melhor dizendo, a imagem acústica é o significante. Com isso, temos que o signo linguístico é “uma entidade psíquica de duas faces”, semelhante a uma moeda.

Considerando o estudo de algumas teorias do signo e suas significações, cabe uma reflexão sobre os fundamentos da Semântica e da Semiótica, bem como, as relações destas com o signo. Reputando ao homem biopsicossocial e sua subjetividade, a semiologia é necessária para a compreensão e entendimento da Psicanálise. A Psicanálise acaba confundindo–se com a linguística. Entretanto, a “escuta” de um linguista e de um

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psicanalista é diferente. A razão de existir da língua é o sujeito, e traz consigo uma ideia inseparável de intersubjetividade. O dizer de um ser falante é sempre constituído de uma alteridade. Tentar entender essa inclusão do outro no dizer do eu por circunstâncias que consideram o dialogo, a interação, trazem à cena um Outro elemento subjetivo: o sujeito do inconsciente, cuja atuação na linguagem é silenciosa e constante. O primeiro elemento do método semiótico é o “significante”, caracterizado pela imagem acústica. A impressão psíquica do som é o “significado” que pode desencadear outro fenômeno psico-semiológico e constitui o segundo elemento do signo.

Saussure estipula duas características primordiais do Signo:

a) O Signo é arbitrário: Isso quer dizer que não há um laço natural entre o significante e o significado. Por exemplo, lua em Inglês é ‘moon’, enquanto em é italiano é ‘luna’, em francês ‘lune’. Com essa inferência Saussure distingue um signo de um símbolo; um símbolo teria uma relação com o objeto representado. Como exemplo, pode-se dizer que a cruz evoca muita coisa para um cristão, enquanto a suástica a um nazista ou a um judeu. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um objeto qualquer, um carro, por exemplo.

b) Caráter Linear do Significante: O significante é de natureza auditiva, desenvolve-se no tempo, unicamente, e tem as características que toma do tempo em determinada cultura. Com a constituição da linguagem verbal, existiriam relações sintagmáticas e relações associativas. As relações sintagmáticas estariam baseadas no caráter linear da língua, que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. Estes se aliam um após o outro na cadeia da fala e tais combinações podem ser chamadas de sintagmas. Por exemplo, “re-ler”, “contra-todos”, “a vida humana”, etc.

Saussure fazia frequentemente comentários sobre o conjunto dos fatos semiológicos sem, contudo, apresentar qualquer detalhamento da maioria desses sistemas de signos. O pesquisador tinha a língua como o principal dos sistemas sígnicos, mencionando outros sistemas como o “Braille”, o “código de bandeiras marítimo”, “sinais militares de corneta”, “códigos cifrados” (ex. música), etc. Somente no campo da literatura Saussure empreendeu estudos mais extensos de sistemas sígnicos não-verbais. Por exemplo, um estudo mitológico sobre a lenda germânica Niberlungen, que é descrita como um sistema de símbolos que estão inconscientemente sujeitos às mesmas variações que qualquer outra série de símbolos, bem como as palavras da língua.

Nos anagramas da poesia latina, Saussure se destacou no âmbito da semiologia.

Em determinado ponto das discussões teóricas, a semiologia saussureana ficou inscrita no

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âmbito da sociologia e da psicologia (1901). O que mais ressaltou este enquadramento foi a menção feita pelo linguista à aplicação da semiologia ao estudo das instituições jurídicas.

Ainda que o próprio Saussure tivesse a linguística como parte da semiótica, estudos posteriores conseguiram provocar sérios equívocos que se tornaram polêmicas até hoje, não sanados no que tange à posição dessas duas ciências: a semiótica contém a semiologia ou a semiologia contem a semiótica? Convém, no entanto, buscar entender as contribuições fundamentais do patrono da linguística na formulação de uma teoria geral dos signos:

a) A arbitrariedade do signo linguístico em relação a sua constituição fonológica, do que decorre o princípio suplementar da convencionalidade.

b) A não-arbitrariedade, a posterior, uma vez que ao falante não é facultado eleger signo diferente do convencionado quando estabelece a comunicação com outrem, disto decorre o princípio suplementar da imutabilidade do signo.

c) A imotivação dos signos quanto ao seu significado.

O princípio do binarismo: significado & significante indicam a associação psíquica entre a imagem acústica e o conceito, sendo os três termos do modelo diádico de Saussure: signo = significante + significado. O autor aponta a língua como o mais importante dos sistemas de signos. Ele considera este o mais complexo e o mais utilizado dentre os chamados sistemas de expressões sígnicas, mesmo considerando a língua como apenas uma parte do universo semiológico. Ainda para Saussure, existe uma ciência geral dos signos (Semiologia), da qual a Linguística poderia ser tão somente uma subdivisão.

Enquanto a semiologia de Saussure afirmava que a teoria do sentido deveria ser estudada pela semiologia sem “contaminação” de outras áreas como a Filosofia e a Sociologia, a semiótica proposta por Charles Sanders Peirce abraça as demais áreas do conhecimento. Afirma que a teoria do sentido só pode ser recebida num corpo filosófico maior. Este autor que estudou particularmente linguística, filologia e história, além de todos os tipos de ciências, dominava dez idiomas. A semiótica peirciana pode ser considerada uma filosofia cientifica da linguagem. A fenomenologia é a ciência que permeia a semiótica de Peirce, devendo ser entendida no seu contexto. Para ele a fenomenologia é a descrição e análise das experiências do homem, em todos os momentos da vida. Nesse sentido, o fenômeno é tudo aquilo que é percebido pelo homem, seja real ou não.

Peirce acreditava que a semiose era uma manifestação da tendência humana de buscar a verdade. O autor afirmava que a “verdade” é uma atividade dirigida para um objetivo capaz de permitir a passagem de um estado de insatisfação para um estado de satisfação, sendo este o motor do comportamento. Conceituou de forma indissociável de

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sua investigação semiótica. Propõe o conceito de psique, mente, e consequentemente analisou as atividades humanas. Psique para o autor remete à palavra grega “psyche”, termo usado e que representa o princípio da vida nos seres viventes. Portanto, a “psíquica”

seria a ciência preocupada com os fenômenos mentais ou com as leis, manifestações e produtos da mente. A mente por sua vez, nada mais é do que semiose, ou processo de formação das significações.

A semiótica para Charles Sanders Peirce (2000) é constituída em três níveis: o sintático – que revela a relação que o signo tem com o seu interpretante; o semântico – que diz respeito a relação existente entre o signo e o seu referente (objeto); o pragmático – que se importa com a relação do signo com ele mesmo e com outros signos. Para este autor, o universo é semiótico e o homem interage com os sinais, lendo os que o antecedem e formulando novos sinais em suprimento das necessidades emergentes.

Um signo, ou “representamen”, para Peirce é aquilo que em certo aspecto, representa alguma coisa para alguém. Dirigindo-se a essa pessoa, esse primeiro signo criará na mente ou “semiose” dessa pessoa, um signo equivalente a si mesmo ou, eventualmente, um signo mais desenvolvido. O signo criado na mente do receptor recebe a designação de “interpretante”, ou seja, que não é o interprete, e a coisa representada recebe o nome o nome de “objeto”. Signo, Interpretante e Objeto constitui o que é chamado de “representação triádica do signo”. O Interpretante comporta uma divisão tripartite: o Interpretante Imediato corresponde ao Sentido (palavra à qual Peirce continuou preferindo o termo antigo Acepção), o Interpretante Dinâmico equivale ao Significado e o Interpretante Final, referido à Significação.

A visão pansemiótica de Pierce sobre o universo resultara no entendimento das cognições, das ideias e até do homem como entidades semióticas. Como tal, um signo se refere a outras ideias, a outros objetos do mundo e se reflete num passado. Suas ideias projetam uma dimensão muito mais ampla. O homem denota qualquer objeto de sua atenção num momento dado. Conota o que conhece ou sente sobre o objeto e é também a encarnação desta forma ou espécie inteligível; o seu interpretante é a memória futura dessa cognição, o seu eu futuro, ou uma outra pessoa à qual se dirige, ou uma frase que escreve, ou um filho que tem.

Pierce retomou a teoria estóica do significado, em termos que lhe deram direito de cidadania na lógica moderna. As concepções semióticas do autor demonstraram ser fecundas na lógica e na semiótica contemporâneas, do mesmo modo que se tornaram fecundas as múltiplas distinções e classificações de signos que ele forneceu nos seus escritos. Para ele, Lógica e Semiótica identificam-se. Em seu sentido geral, Peirce afirma

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que a lógica é apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos. A Semiótica é quase necessária ou formal no sentido em que, segundo o autor, procede por observações abstrativas, partindo dos signos particulares e de que os signos "são", para as afirmações gerais, o que os signos devem ser. Segundo Peirce a Semiótica tem três ramos:

a) Gramática Pura - a sua tarefa é determinar o que deve ser verdadeiro quanto a representação utilizada por toda a inteligência científica a fim de que possa incorporar um significado qualquer. É a teoria geral da relação de representação e dos vários tipos de signos.

b) Lógica Pura ou Crítica - ciência do que é quase necessariamente verdadeiro em relação aos “representâments” de toda a inteligência científica a fim de que possam aplicar-se a qualquer objeto, isto é, a fim de que possam ser verdadeiros. Ciência formal da verdade das representações, compreendendo a teoria unificada da dedução, da indução e da retodução - inferência hipotética ou abdução.

c) Retórica Pura ou Especulativa - o seu objetivo é o de determinar as leis pelas quais, em toda a inteligência científica, um signo dá origem a outro signo e, especialmente, um signo acarreta outro. Refere-se à eficácia da semiose.

Esta tripartição da Semiótica viria a ser retomada por Charles Morris em 1938 que substitui as designações de Pierce pelas de Sintaxe, a qual trata da relação formal dos signos uns com os outros; Semântica, que trata da relação entre os signos e os objetos a que se aplicam, e Pragmática, a qual procede da relação entre os signos e os intérpretes.

Como sabemos, Sintaxe, Semântica e Pragmática constituem, hoje em dia, os três grandes domínios da Semiótica.

Pierce distingue, ainda, entre Semiótica geral e "ciências psíquicas" que mais propriamente pode ser chamada de "ciências semióticas", as quais incluem as ciências psicológicas e sociais, a linguística, a história, a estética, etc.. Para o autor, a Lógica e a Semiótica se identificam, pois afirma que "em seu sentido geral, a lógica é, como acredito ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária, ou formal, doutrina dos signos". A Semiótica é "quase-necessária" ou "formal" no sentido em que, segundo Peirce, procede por "observação abstrativa", partindo dos signos particulares (signos - como "são"), para as afirmações gerais (signos - "devem ser"). Isto se observa através de uma carta que escreve a Lady Welby, dizendo que "desde o dia em que, com doze ou treze anos, apanhei no quarto do meu irmão um exemplar da Lógica de Whately nunca mais fui capaz de estudar o que quer que fosse - matemática, moral, metafísica,

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gravitação, termodinâmica, fonética, economia, história das ciências, homens e mulheres, vinho, metrologia - senão como estudo de semiótica".

É perfeitamente perceptível que a sociedade atual organiza-se em torno de um grande e poderoso universo de signos, e bastante complexo. De igual modo, é também perceptível o estado absoluto em que se portam a linguagem humana e seus signos de valor incondicional. Conforme Barthes (1991), nenhum outro sistema com a mesma complexidade e grandeza foi observado em nosso espaço e tempo.

No cerne de tudo – semiologia ou semiótica –, o signo, tema central para também um outro discurso: o signo, produtor complexo da semiose. Ora, como faz notar Umberto Eco: “A semiose é o fenômeno, típico dos seres humanos (e, segundo alguns, também dos anjos e dos animais), pelo qual – como diz Peirce – entram em jogo um signo, seu objeto (ou conteúdo) e sua interpretação. A semiótica é a reflexão teórica sobre o que seja a semiose. Em consequência o semiótico é aquele que nunca sabe o que seja semiose, mas está disposto a apostar a própria vida no fato de que ela exista”.

3. A Semiologia, os Mitos e a Cultura

A semiologia estuda todo o sistema de signos da vida social e se debruça sobre a significação de toda e qualquer linguagem. Constitui a ciência das formas, considerando que estuda as significações, independente do seu conteúdo. O tema é complexo e subordinado a múltiplas intepretações segundo o ângulo que é tomado para descrever fenômenos tanto da mitologia como de outras ciências. Constitui num assunto que se insere na perspectiva histórica da humanidade, como também, um aspecto vital da civilização humana.

O mito é um sistema semiológico que aglutina o significado e o significante, a própria relação entre os dois, o “signo”, na forma de entidade concreta. A comunicação pode fazer do mito, a marca, “um signo linguístico perfeito”. Os mitos servem de modelo para a sociedade desde épocas remotas, por conseguinte, possuem uma importante função (des)organizadora para a humanidade, eles constituem um sistema de comunicação, uma “mensagem”. Formam parte essencial de uma marca, é um sistema de significação que tem uma massa ilimitada de significantes. A alteração comportamental nas sociedades faz com que o mito seja “re-apresentado” inúmeras vezes, funcionando como uma verdade profunda da mente mergulhada no inconsciente. Ele faz compreender e acima de tudo impõe-se na mente das pessoas. A linguagem da mitologia constitui num repertório de narrativas transmitidas oralmente de geração a geração através de um

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conjunto de mitos narrados ou cantados. Muitas são as formas de abordagem e definição dos mitos.

O mito vem do grego “mythós” que significa “mensagem”, “discurso”. Constitui uma forma de comunicação de cunho simbólico. Procura explicar a origem e o significado do mundo. Representa um sistema de pensamento de uma cultura, uma maneira de sistematização das questões de âmbito das angústias do ser humano em busca de conhecimento, tais como: origem do universo e do homem; o nascimento; o divino; a morte, entre outros. Múltiplas são as funções das histórias míticas que se baseiam em tradições e lendas em uma perspectiva temporal indefinida e que envolve muitas vezes a força divina.

O “Mito cumpre na cultura primitiva”, de acordo com Grimal (2005), “uma função indispensável; expressa, acentua e codifica a crença, protege e reforça a moral; vigia a eficiência do ritual e de certas regras práticas para a orientação do homem (...) não é uma fabula vã, mas uma força criadora. Um ingrediente vital para a civilização humana”.

Os mitos, como histórias sagradas, são muitas vezes endossados pelos governantes e sacerdotes, intimamente ligados à religião. O mito, na sociedade em que é divulgado, geralmente é considerado um relato verdadeiro, narrativa de um passado remoto, dos antepassados em suas conquistas, peripécias e suas relações no âmbito dos deuses e dos humanos. A condição humana, na Grécia antiga estava vinculada à existência dos deuses do Olimpo, representações de força e níveis de realidade transcendente. O Mundo era povoado por deuses que atuavam sobre a vida humana. Ao homem cabia viver da melhor maneira possível de acordo com os desígnios divinos. Não havia separação clara entre o sagrado e o profano. A vida humana era regida por uma divindade e que para uma vida harmoniosa era preciso conhecer seus genitores, condições de seu nascimento, seu lugar na genealogia divina, para assim agir de forma piedosa a este Deus.

Na origem mitológica e religiosa da criação e queda do homem transcende seu tempo e sua própria origem através da narrativa da sua aporia do “pecado original”. Nesta se esconde e desvelam a um só tempo a incompatibilidade lógica entre o objetivo divino da

“obediência” e o objetivo humano da “liberdade” e da “igualdade”, segundo Fiori (1973). A criação do homem está posta no “poder da palavra” de Deus capaz de criar os céus, a terra, os animais e o homem a partir do nada, através de uma simples designação.

Adão e Eva no paraíso não resistiram em provar do fruto da árvore do conhecimento sem a sarcástica intervenção da serpente tentadora. O primeiro delito humano seria então a busca em se apropriar do que é do Pai criador. Porém, “antes do pecado original, o homem conhecia o bem e o mal: o bem por experiência (per experientian), o mal por

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ciência (per scientiam). Mas após o pecado, o homem conhece o mal por experiência e o bem somente por ciência”, afirma Autun (apud AGMBEN, 2005). Eva foi quem caiu primeiro em tentação. O mito do paraíso trouxe uma duplicidade ao signo feminino entre outras narrativas. A debilidade implícita de Eva cede ao chamado do diabo. Ao profanar o paraíso conduz a humanidade ao ciclo de vida e morte, de procriação e realização da vida humana, para além do paraíso exclusivo de Deus. O mito de Eva representa vida e mundo. A transgressão dela é criadora. É a palavra iluminadora da dualidade humana, que, fora a posse da semente do bem e do mal em sua essência, emana a capacidade reprodutiva e de reprodução do mundo, o poder criador que remete ao divino, afirma Gea (2007). Noé e a esposa, depois do Dilúvio, receberam a ordem dada a Adão e Eva: “sejam fecundos e multipliquem-se pela terra”. Mas logo Noé é obrigado a amaldiçoar seu próprio filho pela primeira desobediência.

Os mitos, a partir da escrita, obtiveram a condição de representatividade na literatura, sobretudo através dos trageógrafos gregos, como Ésquilo, Sófocles e Euripedes, entre outros. São autores de textos mitológicos enriquecidos pela arte da fantasia e imaginação criativa do artista. A tragédia é uma forma transformada do mito, segundo Azevedo (2015), cujas alterações são feitas para que o relato se encaixe na escrita. O mito é na verdade o conjunto de suas variantes, transmitido em diferentes versões. A obra literária pode ser entendida como “recorte” de uma ou mais variantes que se adapta à leitura que o autor faz de um determinado mito. Como exemplo pode ser citado a versão literária de Sófocles na peça de Édipo Rei, entre outras tantas do mito edípico. Portanto, há uma clara diferença entre mito e tragédia. A tragédia é uma variante recortada e transformada formal e esteticamente para a arte. Ela compreende o relato de situações de acontecimentos terríveis que inspiram comoção. Constitui em uma forma dramática cuja finalidade é despertar o terror e a piedade, baseada no percurso do herói que termina quase sempre num acontecimento que enuncia ou precede a morte.

Na modernidade os mitos continuam existindo, porém mais adequados à realidade atual, segundo Müller que afirma: “com a diferença apenas de que atualmente não reparamos nela, porque vivemos sua própria sombra e porque, nós todos, retrocedemos ante a luz meridiana da verdade”. Entretanto, nem por isso deixam de serem naturalmente mitos e de inspirarem as pessoas, seja por meio das religiões ou da ciência.

O mundo moderno procura satisfazer todas as necessidades do homem através do consumo. Entretanto, esse mesmo consumo o escraviza. Torna-se seu único objetivo, destrói sua individualidade. O homem comum, preocupado em obter todos os bens ou produtos de massa, torna-se um mero componente na máquina de consumo, um operário

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que quer ser um consumidor. Incapaz de obter satisfação vê-se impotente e diminuído. O mundo moderno procura suprimir a religião, os mitos e os heróis, pois é nestes que o homem procura forças para superar o sentimento derrotista em que mergulhou. As religiões aparecem como fonte de conforto, esperança de sucesso que o mundo material não lhe pode oferecer.

O herói é uma das manifestações mais fortes do mito, presente em todas as áreas da cultura. Seja no cinema, na literatura, na televisão ou nas histórias em quadrinhos, o herói surge na vida dos povos como guardião de seus valores mais nobres e justos. É responsável não só pela defesa dos homens, mas pela transmissão de ensinamentos para as gerações futuras, através de suas narrativas. Entre os ídolos na atualidade, os do futebol estão mais próximos do herói clássico, como também os da música. Segundo o sociólogo Ronaldo Helal (1999), a trajetória do herói do futebol, ligada à luta, à disputa e ao sucesso em virtude da derrota do oponente, é semelhante às batalhas dos mitos da antiguidade. O autor afirma que essa característica do “ídolo-herói acaba por transformar o universo do futebol em um terreno extremamente fértil para a produção de mitos e ritos relevantes para a comunidade”.

O herói atual tem sua narrativa construída segundo um padrão midiático para corresponder aos anseios do público. Se por um lado o homem contemporâneo des- sacraliza os deuses e heróis de antes, de outro, reforça e fetichiza os mitos da pós- modernidade. O consumo e o estilo de vida de um mundo cujos rituais já não giram mais em torno de figuras sagradas, mas sim de desejos mundanos, ao invés de libertar o homem dos limites da religião, apenas a substituem, aprisionando o espirito humano e submergindo-o em suas próprias ambições. É importante perceber que não se pode retirar do mito o seu poder emocional, tão pouco seu efeito metafisico sobre os homens. O simbolismo que está atrelado aos mitos lhes dá legitimidade, mesmo que para isso tenham mudado de forma e de apresentação.

Na verdade não há uma oposição entre mito e realidade, verdade, modernidade, mesmo que de fato na consciência e no senso comum, “o apelo ao moderno evoca um tempo percorrido e denominado vitorioso desmantelamento a antigas mitificações sedimentadas e enraizadas no costume” de acordo com Grossi (2007). Segundo o autor, devido às conquistas do progresso humano através da secularização e a consequente posse de verdades cientificas. No consciente coletivo, o mito não significa somente coisa fantasiosa, irreal, de acordo com Costa Neto (1999), mas quer dizer, em primeiro lugar, uma narrativa de significação simbólica e, como tal, pode auxiliar a ciência a expor suas teorias de forma viva e imaginativa.

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4. Porque Semiologia e Psicanálise

O estatuto epistemológico é fundamentalmente diferente entre linguística e psicanálise. A primeira é a ciência da linguagem, a segunda é mais complexa, é a ciência do inconsciente. Enquanto um “lapso” se torna a “escória involuntária”, que mal se nota para um linguista, para o psicanalista é a brusca irrupção do “inconsciente no discurso”.

Freud (1923) define a Psicanálise como o nome de um método “de investigação de processos anímicos que são dificilmente acessíveis de outra maneira; de tratamento dos distúrbios neuróticos, que se funda sobre essa investigação”, assim como propõe como o nome de “uma série de princípios psicológicos adquiridos por esse meio, que crescem progressivamente para reunir-se em uma disciplina cientifica nova”.

A psicanálise aparece como que clivada, terapêutica de um lado e cientifica de outro.

Amplamente discutido por Lacan (Seminário 11), ele manifesta a assimetria fundamental entre a “ciência da linguagem” de um lado e a “ciência do inconsciente” de outro, embora interrogativo e parcial quanto a esta última. Contemporâneos e pertencentes à mesma geração, Freud (1856-1939) e Saussure (1857- 1913) não se conheceram. Embora a linguística já existisse no universo da cultura, Ferdinand não escreveu sobre o que teorizou e por outro lado não entrou em contato com os escritos freudianos, no entanto, o filho de Saussure, Raymond de Saussure, foi analisando de Freud.

Lévi-Strauss (1958) com sua antropologia estrutural contribuiu para a construção da semiologia psicanalítica, justificando o autor, sua proposição dos mitos como sendo universais linguísticos, reveladores do inconsciente humano apoiando-se em Freud e na Psicanálise. O antropologista, pensa sobre a noção de mito e também de inconsciente, admitindo que “as constelações psíquicas que reaparecem à consciência do doente possam constituir um mito”, e ainda, “o objeto próprio dos mitos é oferecer uma derivação a sentimentos reais mais recalcados” (Lévi-Strauss, 2003). Diretamente Freud não propõe nenhuma “Semiologia Psicanalítica”, porém a ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social ensina as leis que regem os signos, e como tal vinculada a um domínio dos fatos humanos.

Na biografia de Freud, Ernest Jones sublinha o pai da psicanálise em toda a sua vida, “provavelmente foi mais absorvido pelo grande problema de como o homem veio a ser homem do que por qualquer outra questão". Impulsionado em direção a longínquas navegações, Freud intui que o vento da história do processo de humanização - do devir homem -, sopra do passado. O cerne do mito é a origem das coisas, seus primórdios segundo Eliade. O mito narra a origem do mundo, do homem, do animal, do fogo, da

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guerra, e assim outros tantos, e por tanto, giram em torno não do fim em si mesmo, mas de um novo começo. Um leque de aberturas se descortina no estabelecimento de uma comunhão entre mito e psicanálise.

O efeito do mito é desvelar as contradições, pois apresenta a recorrência de certas questões conflitantes da humanidade: vida e morte; o mesmo e o outro; a diferença sexual;

o perene e o transitório; etc.. O homem indaga muitas vezes: por que os mitos? A literatura oral de modo geral, utiliza com tanta frequência a duplicação, a triplificação de uma mesma sequência. Lévi-Strauss responde que a “repetição possui uma função própria, que é a de tornar manifesta a estrutura do mito”.

O inconsciente, a espinha dorsal da descoberta freudiana - a psicanálise e sua clínica - também se funda na figura do paradoxo, na coabitação de opostos, no conflito e na repetição - tendência de retorno ao mesmo ponto de origem, em geral, ao ponto de encontro com uma satisfação originária e absoluta, e, portanto, mortífera. Mas, o eterno retorno não significa sempre o retorno do idêntico. Ao contrário, voltar é ser, mas apenas o ser do devir, pois supõe um mundo em que as identificações prévias são abolidas, dissolvidas e metamorfoseadas.

O deus da medicina, Asclépio que é filho de Apolo, no seu santuário transmite seus oráculos por meio dos sonhos. No ritual de cura por incubação, o doente é recebido para passar a noite com o objetivo de ingressar no sono e incubar o sonho curativo. A palavra clínica origina-se, etimologicamente, do grego “Klinico”, “Kline” e do verbo “Klino” que significa tratamento, leito ou repouso, e deitar reclinar, debruçar, inclinar. Na clínica, não por acaso, coube a Freud a invenção do artifício do “divã”, representante emblemático da posição privilegiada para as experiências de nascimento, doença, sexo, morte, sonho ...

dos pacientes. Deitar-se para relembrar, retomar o que não pode ser esquecido, segundo Pastori, é o convite de trabalho psíquico a ser realizado pelo analisando. Aquilo que não pode apagar – não esquecimento -, traduzido também por desvelamento da verdade.

Lévi-Staruss esclarece que há muita psicanálise no mito, a partir do par analítico, mas dialético, e de verdade-esquecimento. No mito há verdade velada em seu interior, esta intimamente ligado à noção de verdade. Este é o anúncio de um dos princípios fundamentais da psicanalise, o princípio da dualidade como estruturante da vida psíquica.

Freud salienta que o psiquismo não se restringe ao individuo e que a vida humana é tecida entre o coletivo e o individual. Ele recomenda aos psicanalistas, não só a inclusão de um curso de mitologia na formação psicanalítica, como também a relevância em conhecermos o desenvolvimento da linguagem – a etimologia – ao trabalhar na tradução da linguagem do sonho.

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Desde os primórdios da psicanálise com a obra fundante do método psicanalítico (1900), “A interpretação dos sonhos”, o mito figura como objeto de fascínio, fonte de inspiração e reflexão para Freud construir suas teorias acerca do funcionamento psíquico.

O mito aparece como via de compreensão para os processos inconscientes. A linguagem dos sonhos é uma aproximação da linguagem dos oráculos que indica os desígnios, uma linguagem ambígua, entretanto fica a cargo do homem a sua interpretação. À semelhança do mito, o sonho abarca a projeção de desejos inconscientes de um sonhador particular. O mito expressa o sonho da humanidade, enquanto que o sonho de um sujeito designa seu mito singular, ou, o mito individual do neurótico, segundo Jacques Lacan. O mito é um saber que nos atravessa sem que o saibamos, assim como o inconsciente é um saber que não se sabe que se sabe.

Em psicanálise, os mitos são compreendidos como modelos de subjetivação. Eles é que moldam a mente do individuo. Constituem produções coletivas cujo uso que homem faz das mesmas pode ser distinguido em duas vertentes: na primeira o mito é criado, serve ao sujeito e este o vive, numa “ênfase biológica”; na segunda o mito cria o individuo, é servido e ele vive o homem, numa “ênfase cultural”. Usando a metáfora de um carro com passageiros, na primeira vertente, é como se o sujeito dirigisse seu carro e levasse os mitos como passageiros, e na segunda vertente, é como se os mitos dirigissem o carro e os indivíduos fossem os passageiros.

Os mitos, na contemporaneidade, sem serem dialéticos e lógicos ou produtores de verdade, educam, subjetivam e operam como marcadores de lugares sociais, institucionais e familiares. Esta binocularidade de compreensão dos mitos é imprescindível para definir lugares de emergência do humano – bio-psico-social -, tanto como expressão da biologia, como produção cultural intersubjetiva, família e instituições. Transubjetiva grandes grupos e etnias, assim como é subjetivadora de indivíduo, sujeito e pessoa. A psicanálise, ao tratar da análise da realidade psíquica institui, na travessia em direção ao processo de subjetivação, o caminho da construção de uma linguagem mito-poética. Caminho se origina do grego “Hódos”, de onde deriva “métodos”, que significa a busca de algo, especialmente de saber, de conhecimento que se refere, também, ao modo como essa busca é conduzida.

Para a construção do método de uma “semiologia psicanalítica”, Bento (1996) e se inspirou no linguista de Saussure e em Lévi-Straus e sua antropologia estrutural. Este autor propõe a hipótese de que os mitos são reveladores do inconsciente humano. Apoiado em Freud e na psicanálise, justificará sua hipótese quando escreve que “pensamos particularmente na noção de mito e na noção de inconsciente”, e segue afirmando que

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“inúmeros psicanalistas se recusarão a admitir que as constelações psíquicas que reaparecem na consciência do doente possam constituir um mito”. Afirma ainda que “o objeto próprio dos mitos é de oferecer uma derivação a sentimentos reais, mas recalcados”

(Lévi-Straus, 2013).

O aparecimento do humano e sua compreensão ocorreram por funções peculiares, como obras de arte, míticas criadas em espaços intersubjetivos e em presença de pessoas.

Estas figurações são específicas a cada individuo e aos vínculos específicos que são gerados, exatamente como a história pessoal vivida e como o próprio nome que carrega a cada um e o qual este carrega. Embora os mitos, como a arte, não sejam produtores de verdade como a ciência, eles residem, com sua geratividade, na fenda entre o pensamento (individual) e a linguagem (coletiva). Eles obrigam o pensamento à busca de denotação no mundo e produzem o imaginário que, caso seja inundado pela experiência religiosa, mágica como ocorre com a criança, fazem a mente pensar pensamentos que só existem, de fato, na linguagem, mas parecem estar no mundo.

O relevante, para a psicanálise em cada história, é a expressão anímica, mágica, vital – catexia libidinal. O conceito de mito aqui usado está ampliado para a produção coletiva expressiva – contida em material verbal e para-verbal – possuidora de vida, de partes de subjetividade, comprometida e sentida como histórias verdadeiras, abarcando as lendas urbanas, as histórias de grupos vários e pessoais além de expressão da arte.

Interessa menos o envelope onde está contido – linguagem, artes cênicas, plásticas – e mais a impregnação mágica associada à força de convicção, como se dá com o que é sentido como verdadeiro e real.

Freud não propõe diretamente uma “semiologia psicanalítica”. Cabe ao psicanalista determinar o lugar exato da semiologia como instrumental de seu trabalho. Em seu artigo

“Totem e Tabu”, Freud (1913) particularmente explicita e de forma clara sua primeira

“semiologia psicanalítica”. Sem a utilização e o conhecimento semiológico ele efetivamente, fez ali o que se entendeu como uma prática da semiologia psicanalítica dos signos: "totem”

e “tabu”.

5. A Psicanálise, a cultura e os mitos

Mitologia e Psicanalise são duas áreas que se entrelaçam no caminho das palavras, no discurso que envolve questões da angústia e da tragédia da condição humana. Ambas se movimentam e se deslocam pela vereda das representações dos aspectos inconscientes da mente. Em todo o lugar onde se façam frases, onde se contem

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histórias, em todos os sentidos das expressões, o mítico esta presente. Freud aponta o conceito mítico como uma repetição histórica. Este conceito do mítico conduz a um conhecer, um olhar semiológico sobre uma compreensão de um sistema particular construído a partir de uma cadeia semiológica existente e anterior a ele.

Nos processos de desenvolvimento de seu pensamento é necessário lidar com a origem e o proposito da cultura humana como tal, afirma Freud. Para o autor, cultura significa todos os aspectos em que a vida humana tem se levantado acima da condição animal e que difere da vida de uma fera. A cultura inclui todo o conhecimento e poder que os homens acumulam, a fim de dominar as forças da natureza, de um lado, e de outro, todas as providências necessárias para que as relações dos homens uns com os outros possam ser reguladas. Condições estas inseparáveis porque os recursos existentes e à medida que satisfazem os desejos dos instintos estão profundamente entrelaçados. E escreve Freud: ”Parece mais provável que cada cultura deve ser construída em cima de (...) coerção e renuncia ao Instinto”. O homem forma a cultura, entretanto, “ele é, ao mesmo tempo sujeito a ela, pois ela doma seus instintos selvagens e faz com que o homem se comporte de forma socialmente aceita”.

A essência da cultura, segundo Freud, não esta na conquista da natureza pelo homem como maneira de dar suporte à vida, mas na esfera psicológica, em que cada homem possa conter seus instintos predatórios. A religião é um dos refreadores do instinto que o homem criou para perpetuar sua cultura. O aspecto particular da religião como reflexo da consciência moral é reconhecido por Freud. Escreve que uma de suas funções é tentar “corrigir as tão dolorosamente sentidas imperfeições da cultura”. Argumenta o autor

“que sofremos de neuroses da infância que são naturais e derivam das condições exteriores e da falta de carinho”. Afirma que a religião elimina a maioria daquelas neuroses a custo de desenvolvimento da neurose que ele considerava como “a neurose universal”, a neurose mais comum, da qual “era difícil de se libertar, em oposição às neuroses tratáveis da infância”, que ele considerava curáveis.

A psicanálise, a semiologia e a teoria da comunicação podem ser sistematizadas e integradas de uma maneira metódica e ao mesmo tempo prática no cotidiano da clínica psicanalítica. Em princípio tudo parece se opor à linguística e à psicanálise, o linguista ao psicanalista, e parece que ambos não nasceram para se encontrarem ou mesmo para se entenderem. O psicanalista visa uma ação terapêutica por definição diferente e estranha ao linguista, porém ambos escutam, embora cada um tenha a “escuta” a seu modo. O linguista se preocupa em escutar de forma objetiva entre as variantes das ligações ou a diversidade dos modos de formação neológica, enquanto o psicanalista deve ter uma escuta

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diferenciada, praticando a fórmula proposta por Freud, a “Atenção Flutuante”, com seu

“terceiro ouvido” (Reik). Sua escuta deve ser sensível àquilo que “não é dito”, ou que se

“diz mal”, ou reconhecendo nos “atos falhos” os verdadeiros atos bem sucedidos, aquilo que provém do inconsciente.

Nas teorizações iniciais de Freud, ao criar a psicanálise, assim como Karl Abraham, os mitos são usados para demonstrar a existência de desejos, pulsões, e instintos. Eles são criados como ressonadores de desejos que precisam permanecer escondidos na mente humana e produtora, pelo mesmo processo de sonhos devaneios, fantasias (inconscientes) e da arte. Todos eles são considerados “formação de compromisso” e

“formações substitutivas”, cuja função é dissimular as verdadeiras motivações das pulsões, buscando algum modo de descarrega-las. Num segundo momento da obra de Freud, os mitos são compreendidos como modelos de subjetivação.

Freud foi um grande admirador e estudioso das fontes mais primitivas da evolução do homem: a mitologia, a filosofia e a literatura antiga. Ao iniciar a psicanalise, ele começou descobrindo o “poder mágico” simbólico da palavra. A clínica freudiana verifica em que medida os afetos e as representações estão ligadas a complexos laços simbólicos, bem como, a expressão verbal opera nesse emaranhado de coisas. A linguagem é a condição do inconsciente na estruturação da subjetividade humana. O sujeito se constrói a partir da fala dirigida ao Outro, organizando seu corpo, seu desejo e seus vínculos.

As mensagens inconscientes, por exemplo, seriam essas auto-mensagens que o sujeito codifica por si mesmo e que depois não sabe mais decodificar. Dentro dessa perspectiva, o psicanalista trabalha a título de intérprete entre o inconsciente, emissor que transmite em cifra, e o pré-consciente, receptor que não pode decriptar essa cifra sob pena de experimentar desprazer. Na patologia da comunicação do paciente psicanalítico, vemos fenômenos de codificação ou de decodificação patológicas ligadas a uma delimitação incorreta de classes significantes e de classes significadas; o que tem como consequência uma pragmática incorreta da comunicação.

O paciente psicanalítico se põe em comunicação patológica, de um ponto de vista pragmático, com seus objetos - na transferência, com seu analista -, na medida em que as classes significantes de seu código informativo, equivalentes às “representações de palavras”, segundo Freud, e as classes significadas desse mesmo código ou

“representações das coisas”.

Foi através dos trabalhos de Melanie Klein, Hanna Segal, Wilfred R. Bion e outros autores da escola inglesa, bem como, através dos escritos de Jacques Lacan, André Green, Jean Laplanche e outros autores da escola francesa, que progressivamente surgiu

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a consciência da importância de que se revestem os símbolos e os signos na teoria e na prática psicanalíticas. E isto a tal ponto, que acabaram surgindo como domínio específico das pesquisas e modificações constitutivas do trabalho do psicanalista.

6. Semiologia psicanalítica, fundamentos para a clínica

Freud valorizou os mitos, as lendas, os contos de fadas e as narrativas do homem primitivo supondo que poderia revelar uma verdade humana imutável, atemporal, pois “num certo sentido, ele (o homem pré-histórico) ainda é nosso contemporâneo”, assegura o autor. Nesse sentido, sua obra “Totem e Tabu" (1913) constitui uma psicologia social vista segundo uma ótica psicanalítica, que se assemelha a uma "semiologia psicanalítica", lembrando a semiologia saussuriana, aparentemente sem possuir suas raízes no pensamento de Saussure (1916). Nesta obra, Freud considerou-a como uma de suas pesquisas favoritas. Pergunta-se, o que é um totem? Freud caracteriza o “totem” como sendo o “antepassado comum do clã”, como uma “significação mitológica”. Ao mesmo tempo afirma ser “um espirito guardião e auxiliar, que lhe envia oráculos e, embora perigoso para outros, reconhece e poupa seus próprios filhos”.

Os mitos remeterão às religiões, eles se situarão na origem das instituições religiosas. Uma lei mitológica de transformação faria dos “totens” (mitos) originários de um primeiro tempo, os “tabus” (sagrado) de um segundo tempo. Quando ocorrer a ausência da transformação, permanece a conservação do mito. Freud (1913) proporá também uma psicologia dos povos primitivos a partir de uma comparação entre esta, "como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise".

Essa ideia de uma psicologia dos povos primitivos revelaria uma aproximação da semiologia de Saussure (1916), concebida como sendo "uma parte da Psicologia social".

Wundt e Jung serviram de ponto de partida, entretanto, eles também serviram de referência para se diferençar e marcar a identidade dessa obra. Freud (1913) afirma que fará: "uma comparação entre a psicologia dos povos primitivos, como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise"; ao contrário do que fará Jung, que valorizará a psicologia individual explicada pela psicologia coletiva.

Freud interrogou-se a partir do domínio da psicologia social e da psicanálise sobre o sentido do signo "mito": " Você imagina o que podem ser os 'mitos endopsíquicos'?" Os

"mitos endopsíquicos", a "psico-mitologia", serão assim valorizados como linguagem humana, "popular", atemporal, remetendo a um duplo fenômeno: social, por um lado, e o inconsciente, por outro, posto que os mitos são "vestígios deformados de fantasmas

Referências

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