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Qualidade na Educação Pré-Escolar

Capítulo 3 – Qualidade

3.2. Qualidade na Educação Pré-Escolar

A qualidade na Educação Pré-Escolar tem sido amplamente discutida a nível internacional e há diversos estudos realizados e uma crescente preocupação por encontrar caminhos que nos indiquem diretrizes/modelos.

Resultados de estudos longitudinais evidenciam os impactos duradouros na vida da criança que advém de uma educação de infância com qualidade. Esses impactos são notórios logo durante a infância e também vida futura, no âmbito do seu sucesso e progresso educativo e na sua integração positiva na sociedade (Oliveira-Formosinho, 2009). Garantir lugares na Educação Pré-Escolar para garantir a justiça social e os benefícios da mesma é bom, mas não é suficiente. É necessário e urgente garantir a qualidade do serviço.

Para Zabalza (1998):

A qualidade, pelo menos no que se refere às escolas, não é tanto um repertório de traços que se possuem, mais sim algo que vai sendo alcançado. A qualidade é algo dinâmico (por isso faz-se mais alusão às condições culturais das escolas do que aos seus elementos estruturais), algo que se constrói dia a dia e de maneira permanente (p.32).

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Nas palavras do Secretário de Estado da Educação, João Costa, nas OCEPE (2016), “Educação Pré-Escolar de qualidade é um preditor de sucesso na escolaridade e na qualidade de vida dos jovens e dos adultos” (p.4). Vasconcelos (2009) acrescenta que, além do sucesso na escolaridade e qualidade de vida da criança, “o investimento de uma educação de qualidade desde os primeiros anos” é um “factor de prevenção social” e que “o papel da educação de infância em Portugal (…) foi definido, em desde 1996, como sendo um papel estratégico” (p.19).

Park e Vandekerckhove (2016) defendem a importância de as crianças beneficiarem de uma Educação de alta qualidade tendo em conta os efeitos positivos a longo prazo para indivíduos e para a sociedade (p.3).

A qualidade está bem presente na nossa vida como consumidores. Cada vez somos mais exigentes e conscientes nas nossas escolhas. Queremos serviços de qualidade, seja na área da saúde, educação, cultura ou comunicação. Os critérios para a definição de qualidade variam de pessoa para pessoa tendo em conta as suas crenças, experiências, objetivos, entre outras influências pessoais. Definir o significado de qualidade é bastante complexo e carregado de pluralidade.

Moss e Woodhead (1994, 1996, citado em Bairrão, 1998) defendem que a definição de qualidade é relativa. Deve-se ao facto, já acima mencionado, de que a definição revela “valores e crenças, necessidades e prioridades, influências e aumento de poder por parte daqueles que organizam esses serviços” (Woodhead, 1996 citado em Bairrão, 1998, p.47).

Segundo Almeida (2016), “um sistema de qualidade representa pessoas, que desenvolvem processos para produzir resultados. Qualquer que seja a abordagem, a qualidade tende sempre para a satisfação do “cliente”, numa lógica de planeamento controlo e melhoria” (p.7).

Definir o significado de qualidade é bastante complexo e não há uma definição consensual entres os diversos investigadores, tendo em conta que, o conceito de qualidade é “um conceito é dinâmico e relativo, de modo que as percepções de qualidade se modificam à medida que vários fatores se desenvolvem” (Bush & Phillips, 1996, citado em Dahlberg, Moss & Pence, 2003, p.15).

Bairrão (1998) afirma que apesar de existir relatividade na definição de qualidade aponta algum consenso, na Europa e nos EUA. O conceito qualidade está ligado às

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caraterísticas dos profissionais que trabalham nas organizações educativas; “com políticas educativas; resultados da investigação, etc.” (p.47).

Numa educação de qualidade, segundo, Sarmento e Menegat (2016), há que respeitar as potencialidades de cada pessoa desenvolvendo-as, tendo em conta as suas caraterísticas e necessidades, formando “pessoas capazes de atuar de forma ética, crítica, participativa e responsável no contexto em que vivem” (p.57). Educação de qualidade envolve educar a criança, desenvolvendo-a de forma holística para atuar, futuramente de forma correta através dos “seus modos de ser e agir pelo bem-estar comum.” (Idem) Para que tal aconteça as escolas, ou seja, a gestão escolar, devem garantir (i) infraestruturas que correspondam as necessidades e especificidades da educação pré-escolar; (ii) formação continua para os professores; (iii) interações entre a família e a escola; (iv) parcerias entre a escola e a comunidade (p.57).

A qualidade na educação de infância permite uma maior equidade, maior sucesso escolar, mais oportunidades, permite desenvolver atitudes e valores e, além disso maior mobilidade social – a educação como elevador social. A supervisão deverá surgir para sustentar a qualidade na educação de forma sistémica, ou seja, tendo em conta a escola como uma organização, o supervisor deverá mobilizar todos os seus sistemas envolvendo-os numa ação conjunta. A dimensão organizacional da supervisão garante um trabalho assertivo com todos os intervenientes da escola, numa perspetiva de desenvolvimento organizacional de qualidade. Como Vasconcelos (2009) refere:

A inexistência de supervisão pedagógica e de regulação de qualidade dos estabelecimentos; a não avaliação dos educadores e o seu fechamento em estruturas que os isolam e não favorecem o trabalho de grupo; as novas estruturas organizativas dos “Agrupamentos” e a forma como se está a verificar uma “colonização para baixo” da Educação Pré-Escolare do 1.ºciclo; o risco dos educadores de infância verem adulterado o seu papel enquanto gestores do currículo, face à excessiva regulamentação e ao mercado de materiais educativos, frequentemente de pouca qualidade e centrados em aprendizagens académicas de carácter tradicional (p.20).

Woodhead (1996, citado em Bairrão, 1998) apresenta uma modelo tridimensional, representado por um cubo, ver a figura 1, onde permite diversas visões acerca da qualidade, em função das quais os indicadores que preenchem as faces do cubo poderão ser reconsiderados, ver quadro de qualidade para avaliar a qualidade dos programas pré-escolar e utiliza como indicadores: (i) comunidade; (ii) processos; (iii) produtos. (p.48).

33 Fonte: Woodhead (1996, citado em Bairrão, 1998, p.48) Figura 2 Modelo tridimensional de qualidade

Rôman e Torrecilla (2010) apresentam-nos quatro áreas para avaliar e promover a Qualidade na Educação Pré-Escolar:

Avaliação dos docentes e profissionais da Educação Pré-Escolar– é importante dispor de critérios e mecanismos que permitam avaliar o nível de preparação profissional dos educadores de infância.

Qualidade dos ambientes de aprendizagem – a qualidade na educação de infância requer referências e critérios mínimos de qualidade do ambiente e dos espaços educativos.

Disponibilidade, variedade e uso de materiais – a importância do material didático, no seu sentido mais amplo, deve ser tida em conta na avaliação da qualidade na educação de infância.

Desenvolvimento integral das crianças – Finalmente, e porque é essencial, a avaliação da qualidade da Educação Pré-Escolar tem de dar conta do seu contributo para o desenvolvimento da criança como ser humano completo. (pp. 5-6).

Avaliação dos docentes e de todos os profissionais de Educação Pré-Escolar, deve ser co-construída por todos, numa ótica institucional, que permita a construção dos critérios de

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avaliação, verificação de mecanismos de supervisão tendo em conta os problemas identificados ou lacunas por parte dos profissionais.

Katz (1998) apresenta cinco perspetivas de qualidade em Educação Pré-Escolar e os critérios correspondentes:

A perspetiva orientada de cima para baixo que têm como partida o rácio adultos/criança; qualificações e estabilidade dos profissionais; características das relações entre adultos e crianças; qualidade e quantidade do equipamento, materiais e do espaço por criança; condições de trabalho dos profissionais; cuidados de saúde e higiene, prevenção de incêndios, etc. (p.17).

A perspetiva orientada de baixo para cima que pretende determinar como a organização educativa é realmente experienciada pelas crianças participantes, utiliza o ponto de vista da criança com a sua subjetividade: Sinto-me preso aqui? Sou apenas um entre muitos? Se esqueceram de mim? Sou aceite ou rejeitado? Sou tratado como um anjo ou um diabo? Atividades são fúteis, aborrecidas ou interessantes? Não quero vir e só penso em ir- me embora? (pp.19-22).

A perspetiva exterior-interna consiste em avaliar como o programa é vivido pelas famílias através da relação pais/educadores; (pp. 23-24).

A perspetiva interior tem em conta o ambiente de trabalho entre colegas, as relações entre educadores e pais, mas também relações entre os profissionais e a organização educativa; (pp. 25-27).

A perspetiva exterior diz respeito à forma como a comunidade e a sociedade em geral são servidas pela organização educativa (pp. 29-30).

Qualidade segundo NAYEC é apresentada com um novo conceito, “alta qualidade, que consiste num meio ambiente rico que promove desenvolvimento físico, social, emocional e cognitivo das crianças”, dando resposta às necessidades das famílias. Os critérios, condições e práticas adequadas (idade e indivíduo), deverão ser aplicados a quatro dimensões: (i) currículo; (ii) interações adulto-criança; (iii) relações família, jardim de infância; (iv) avaliação do desenvolvimento da criança. (Bredekamp, 1992, citado em Bairrão, 1998, pp.48-49).

Doherty (1991, citado em Bairrão, 1998) apresenta um modelo para avaliação de qualidade. Este modelo apresenta categorias que têm impacto direto sobre outras categorias e que outras têm influência indireta noutras categorias. Como categorias temos: (i) fatores

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de contexto; (ii) caraterísticas do adulto; (iii) contextos da criança; (iv) interações adulto/criança; (v) cotexto de trabalho; (vi) bem-estar da criança. (p.50).

Oliveira-Formosinho (2009) defende que o conceito de qualidade é polissémico e apresenta dois paradigmas de análise a qualidade na Educação de Infância, que apresentamos no quadro 1 de modo a facilitar a comparação. No paradigma tradicional o processo de desenvolvimento da qualidade e avaliação centrada em produtos, feita por elementos externos, sem colaboração e, além disso, permite generalizações e comparações. No paradigma contextual, todo o processo de desenvolvimento e avaliação é orientado para o contexto, processos e produtos e é feito através de uma coconstrução contextual, dinâmico, apoiado, em colaboração e evolutivo através de intervenientes internos e externos.

Quadro 1 – Paradigmas de análise da qualidade Educação de Infância

Paradigma 1 – Tradicional Paradigma 2 - Contextual

Externo Interno (em diálogo)

Universal Contextual

Comparativo Permitindo o cruzamento de

perspetivas

Orientado para os produtos Orientado para os contextos, os processos e as realizações

Orientado para uma medição definida do normativamente

Orientado para a verdades singulares que podem emigrar para outros lugares sociocognitivos;

Orientado para as generalizações

Não colaborativa Colaborativo

Estática Dinâmico

Apoiado

Fonte: Oliveira-Formosinho, 2009, p.10.

O paradigma contextual remete-nos assim para uma conceção ecológica da qualidade, na medida em que alude aos contextos e às relações entre os mesmos, aos papéis dos respetivos intervenientes e às suas interações (Bronfenbrenner 1979; Galbarino & Ganzel, 2000, citados em Oliveira-Formosinho, 2009).

Early Childhood Education and Care apresenta um quadro de qualidade europeu educação e cuidados da primeira infância:

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Accessibility (1. provision that is available and affordable to all families and their children; 2. Provision that encourages participation, strngthens social incluison, and embraces diversity.)

The ECEC workforce (3.well-qualified staff whose initial and continuing training enables them to fulfil their professional role; 4.Supportive working condition, including professional leadership, which create opportunities for observation, reflection, planning, teamwork and cooperation with parents)

Curriculum (5. A curriculum based on pedagogic goals, values, and approaches which enables children to reach their full potential in a holistic way; 6. A curriculum which requires staff to collaborate with children, colleagues, and parents and to reflect on their own practice)

Monitoring and evaluation (7. Monitoring and evalution that produces information at the relevant local, regional, and/or national level to support continuing improvements in the quality of policy and pratice; 8. monitoring and evaluation which is in the best interest of the child).

Governance arrangements (9. Stakeholders in the ECEC system have a clear and shared understanding of their role and responsibilities and know that they are expected to collaborate with partner organisations; 10.legislation, regulation, and/or funding supports progresso towards a universal legal entitlement to publicly subsidised or funded ECEC and progress is regularly to all stakeholders) (Park & Vandekerckhove,

2016,p.6).

Dahlberg, Moss e Pence (2003) falam-nos sobre o “discurso de qualidade” e de como este tem sido utilizado nas instituições educativas sob diversas formas na aplicação de critérios que permitam avaliar o desempenho das instituições. Os critérios apresentam-se agrupados em (i) estrutura – refere-se aos recursos e às dimensões organizacionais, (ii) processo – o que acontece nas instituições, atividades das crianças, comportamento dos intervenientes e interações entre eles, e (iii) resultados – relativo ao desempenho e desenvolvimento da criança (p.132).

De acordo com Zabalza (1998), existem dez aspetos chave da qualidade que qualquer proposta ou modelo de educação infantil deve ter: (i) Organização dos espaços; (ii) Equilíbrio entre a iniciativa da criança e o trabalho dirigido pelo adulto no momento de planificar e desenvolver as atividades; (iii) Atenção privilegiada para os aspetos emocionais; (iv) O uso de uma linguagem rica; (v) A diferenciação de atividades para abordar todas as dimensões do desenvolvimento e todas as habilidades; (vi) As rotinas estáveis; (vii) Os

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materiais diversificados e polivalentes; (viii) Atenção individualizada para cada criança; (ix) Os sistemas de avaliação, anotações, entre outros processos, que permitem o acompanhamento global do grupo e de cada uma das crianças individualmente; (x) O trabalho com os pais e com o meio envolvente (pp.49-55).

Zabalza (1998) destaca assim a importância de serem observados estes aspetos chave, que constituem condições básicas para o desenvolvimento da qualidade na educação de infância.

Uma organização eficaz é aquela que é capaz de formar alunos de sucesso, independentemente das suas origens e da sua condição socioeconómica. (Zabalza, 1998) Purkey e Smith (1983, citado em Zabalza, 1998, p.36) nomeiam caraterísticas das escolas de qualidade – organizações eficazes – que nos permitem distinguir as caraterísticas das organizações de qualidade. As suas caraterísticas são:

Liderança orientada para a qualidade;

Forte enfase nos problemas de organização escolar;

Boas relações com a comunidade e apoio da mesma às atividades das escolas;

Definição clara dos objetivos educativos e didáticos da escola e expectativas elevadas em relação ao rendimento de cada um dos alunos;

Sistema eficaz de supervisão e de avaliação do processo seguido pelos alunos;

Procedimentos internos de funcionamento e atitudes pela equipe de direção que representem apoio às iniciativas de inovação e experimentação;

Um planeamento adequado e sistemático de formação em serviço;

Relação próximas com as famílias e envolvimento das mesmas nas atividades da escola (p.36).

Bertram e Pascal (2009) apresentam-nos o quadro teórico (a ver na figura 2) para o desenvolvimento da qualidade nos estabelecimentos de Educação Pré-Escolar. Este quadro teórico consta no manual DQP e desenvolve-se em três categorias: contextos, processos e resultados. O contexto é caraterizado pelas 10 dimensões de qualidade institucional tendo em conta o ambiente onde se desenrola a aprendizagem. O processo, aquilo que realmente acontece é avaliado por duas escalas de observação (i) envolvimento da criança, onde procura recolher evidências sobre o envolvimento da criança numa determinada atividade; (ii) empenhamento do adulto centra-se nas interações entre adultos e crianças. Além disso, os resultados estão focados nos produtos e nas aprendizagens desenvolvidas em contextos

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educativos e apresentam-se em 3 domínios de impacto: (i) aprendizagem das crianças; (ii) aprendizagem dos adultos; (iii) desenvolvimento do próprio estabelecimento. “A qualidade e eficácia de um estabelecimento é influenciado pelo modo como os valores que a orientam são acordados e partilhados por todos os intervenientes.” (pp.50-51).

Fonte: Bertram e Pascal, 2009, p. 52. Figura 3 Quadro teórico para o desenvolvimento da qualidade

Como conclusão, verificamos que o conceito de qualidade é condicional e que a variável do contexto, a comunidade educativa alargada, pode alterar muito a definição do conceito, a definição dos critérios para avaliação de uma instituição de qualidade. Em todo o caso, um dos pontos em comum é a necessidade de avaliar e ter critérios de avaliação para se poder falar em qualidade.

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