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Capítulo II Enquadramento da actividade do capital de risco no ordenamento jurídico

1. Aspectos legais

1.1 Sociedades de Capital de Risco

1.1.2. Qualificação, forma jurídica, capital social e representação

Até à entrada em vigor do DL n.º 319/2002, de 28 de Dezembro, as SCR eram qualificadas como sociedades financeiras, por estarem “autorizadas a praticar actividades exclusivas de instituições de crédito e sociedades financeiras, como seja a participação na colocação de valores mobiliários”131

. Acresce que esta qualificação sujeitava-as a um conjunto de obrigações e requisitos associados à sua constituição e desenvolvimento da actividade, que se revelava “excessivo”132

. A desqualificação das SCR enquanto sociedades financeiras, provocou por um lado, a eliminação daquelas actividades e, por outro, a simplificação do seu registo133.

A partir de então as SCR passaram a ser sociedades comerciais e a constituírem-se segundo o tipo de sociedade anónima134. O nº2 do artigo 8º do DL n.º 375/2002, de 8 de Novembro expõe que, a firma das SCR, deve adoptar a expressão «Sociedade de Capital de Risco» ou a abreviatura «SCR», as quais, ou outras que com elas se confundam, não podem ser utilizadas por outras entidades. Acresce que, por serem sociedades anónimas, a firma deverá concluir com a expressão “Sociedade Anónima” ou a abreviatura “S.A.”135

.

No que concerne ao capital social, observa-se que sofreu algumas modificações, com as várias alterações legislativas. O capital social mínimo das SCR foi, inicialmente

130 Cfr. N.º5 do artigo 7º do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro.

131 Cfr. Preâmbulo do DL n.º 319/2002, de 28 de Dezembro (revogado pelo actual DL). 132 SOARES, António de Almeida Ferreira, Breves…, p. 236.

133

SIMÕES, Ana Raquel Lopes, Sociedades de Capital de Risco e Fundos de Capital de Risco, Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2006, p. 15. Relatório do Seminário de Direito Bancário Institucional.

134 Cfr. O n.º1 do artigo 8º do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro. 135

estabelecido, no DL n.º 17/86, de 14 de Junho, em 1.500.000€. Com a alteração efectuada pelo DL n.º 433/91, de 7 de Novembro, o capital social fixou-se em 3.000.000€. A este propósito, António Soares esclarece que a razão para o legislador ter determinado este montante elevado subjaz, “segundo se crê, por haver assumido que a actividade de capital de risco das referidas sociedades se iria desenvolver, fundamentalmente, com recurso a fundos próprios”136

. No entanto, revelou-se que a actividade de capital de risco exercia-se “crescentemente com recurso à constituição de fundos de capital de risco, reservando-se as sociedades de capital de risco para a actividade de gestão de tais fundos”137,138

. Em linha de conta com este facto, e no sentido de estimular a criação de novas SCR, o DL n.º 319/2002, de 28 de Dezembro veio, então, diminuir o capital social das SCR para os 750.000€139

.

O recente DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro, estabelece uma ligação directa entre o objecto principal e o montante mínimo do capital social. Assim sendo, é necessário distinguir se a SCR tem como objecto principal investir em capital de risco, ou se tem exclusivamente como objectivo exercer a gestão de FCR. No primeiro caso, o capital social mínimo é de €750.000 e no segundo é de €250.000140. A “racionalização dos capitais sociais mínimos”141 foi reflexo da sobrecapitalização das sociedades que tinham “dinheiro parado”142

. Acresce que a redução do capital social para €250.000 justifica-se por as SCR, que apenas gerem FCR, “não exporem o seu balanço aos riscos emergentes da detenção de uma carteira de participações”143

. Esta diminuição funciona como um incentivo à criação de SCR com objecto principal circunscrito à gestão de FCR, promovendo, deste modo, a actividade de capital de risco144.

Quer o objecto principal das SCR se centre no investimento quer na gestão de FCR, o capital social é representado por acções nominativas e só pode ser realizado com entradas em dinheiro, ou com determinadas classes de activos assinaladas na alínea a) do n.º1 do artigo 6º

136 SOARES, Breves notas sobre… p. 236 137 SOARES, Breves notas sobre…, p. 236 138

A este propósito, salienta-se que os FCR estão em maior número do que as SCR - como se constatou na Parte I - pelo que detêm, também maior quota de mercado. Segundo dados da CMVM, em 2009, a sua quota foi de 76, 3%, enquanto a quota das SCR situava-se nos 23,7%. Cfr, CMVM, Relatório Anual…, p. 4.

139

Esta diminuição deveu-se, também, à desqualificação das SCR como sociedades financeiras, operada pelo DL n.º 319/2002, de 28 de Dezembro.

140 Cfr. N.º3 do artigo 8º do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro. 141 Cfr. Preâmbulo do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro.

142 FRANCO, Luís Neves; CARVALHO, Raquel, Nova lei vem clarificar regras de capital de risco em Portugal, Diário Económico, (27 Nov. 2007), p. VI. Suplemento do Diário Económico n.º 4270. [consult. Maio

2011] Disponível em WWW:

<URL:http://www.gesventure.pt/em_destaque/pdf_press/DE_cap_risco_nov2007.pdf>

143 Preâmbulo do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro. 144

do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro145,146. As entradas que se realizem mediante algumas destas classes, são objecto de relatório elaborado por auditor registado na CMVM, por imperativo do n.º8 do artigo 8º do mesmo DL. Com esta imposição o legislador pretendeu impulsionar a transparência e a prevenção dos conflitos de interesse147. Os aumentos de capital são permitidos, apenas na modalidade de incorporação de reservas e nos termos gerais, isto é, nos termos do CSC148,149.

Sobre o regime jurídico das SCR, particularizado no artigo 8º, ainda é necessário observar alguns pontos respeitantes aos fundos próprios e à representação das SCR. Relativamente aos fundos próprios das SCR, estes podem ser alvo de níveis mínimos, quando fixados por portaria conjunta dos membros do Governo e sob proposta da CMVM. Os níveis devem ser proporcionais à composição da respectiva carteira própria e dos FCR que administrem150

. O n.º6 do artigo 8º estabelece que os relatórios de gestão e as contas anuais das SCR devem ser objecto de certificação legal por auditor registado na CMVM. Por fim, as SCR regem-se pelos seus estatutos, a par do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro e demais disposições aplicáveis151

.

No âmbito das SCR as novidades introduzidas pelo actual DL foram diversas, contudo, mantiveram-se alguns aspectos do regime anterior, mormente, “em matéria regulatória, e de constituição e funcionamento das SCR”152

.

145

Cfr. N.º 3 e n.º4º do artigo 8º do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro.

146

O DL n.º 433/91, de 7 de Novembro, apenas permitia que o capital social das SCR se realizasse com entradas em dinheiro ou incorporação de reservas, proibindo, de forma expressa, qualquer outra possibilidade. Cfr. SOARES, Breves notas sobre… p. 237

147 Cfr. Preâmbulo do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro. 148

Cfr. N.º4 do artigo 8º, parte final, do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro.

149 O aumento do capital social por incorporação de reservas está estabelecido no artigo 91º do Código das

Sociedades Comerciais, que aqui transpormos:

Artigo 91º (Aumento por incorporação de reservas)

1. A sociedade pode aumentar o seu capital por incorporação de reservas disponíveis para o efeito.

2. Este aumento de capital só pode ser realizado depois de aprovadas as contas do exercício anterior à deliberação, mas, se já tiverem decorrido mais de seis meses sobre essa aprovação, a existência de reservas a incorporar só pode ser aprovada por um balanço especial, organizado e aprovado nos termos prescritos para o balanço anual.

3. O capital da sociedade não pode ser aumentado por incorporação de reservas enquanto não estiverem vencidas todas as prestações do capital, inicial ou aumentado.

4. A deliberação deve mencionar expressamente: a) A modalidade do aumento do capital;

b) O montante do aumento do capital;

c) As reservas que serão incorporadas no capital.

150 Cfr. N.º 5 do artigo 8º, do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro. 151

Cfr. N.º7 do artigo 8º do DL n.º 375/2007, de 8 de Novembro.

152 PEREIRA Gonçalves; BRANCO, Castelo, Novo Regime Jurídico do Capital de risco: Repercussões no Desenvolvimento das Operações, Newsletter Societário, Dezembro de 2008. [consult. Maio 2011] Disponível em

WWW:<URL:http://www.gpcb.pt/xms/files/PUBLICACOES/NEWSLETTERS/societario/Newsletter_Societari o_Corporate_12_2008.pdf>.

No ponto que se segue observaremos o regime jurídico traçado para a nova entidade habilitada a exercer a actividade de capital de risco: os Investidores em Capital de Risco (ICR). Não olvidaremos, no entanto, alguns dos aspectos até agora referidos, pois o regime jurídico dos ICR partilha alguns preceitos já mencionados para as SCR.