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CAPÍTULO 4: O COTIDIANO DOS ATENDIMENTOS

4.1. Sobre os atendimentos realizados

4.1.3. Quanto ao cuidado ofertado

Apresentaremos a seguir informações sobre o cuidado ofertado em ambos os serviços, quando o adolescente ou seu responsável comparecia ao serviço solicitando apoio.

Retomamos que a quantidade dos adolescentes que realizaram o primeiro atendimento devido questões relacionadas ao uso e abuso de drogas nos serviços totalizaram no CAPS IJ 45 adolescentes e, no CAPS AD, 27 adolescentes.

Gráfico 10 - CAPS IJ e CAPS AD: Desfecho do primeiro atendimento realizados com os adolescentes no ano de 2016. 44% 33% 15% 4% 4% 29% 42% 9% 20% 0% 20% 40% 60% 80%

CAPS AD encaminhou para o CAPS IJ

Agendado o segundo atendimento e faltou para continuidade da avaliação Inserido para acompanhamento Abandono Não inserido e encaminhado

para a rede

Destacamos que o CAPS AD encaminha grande parte dos adolescentes que solicitaram ajuda para o CAPS IJ, 44%, reconhecendo que a demanda apresentada não cabe no funcionamento institucional deste serviço.

No status “Agendado o segundo atendimento e faltou para a continuidade da avaliação” estão os adolescentes que, ao longo do ano de 2016, foram até o serviço, realizaram o primeiro atendimento, foi agendado o segundo atendimento e faltaram, e estão aguardando da equipe os próximos cuidados a serem realizados. Neste campo é possível reconhecer um grupo que, após o primeiro atendimento, não deu continuidade ao cuidado ofertado pelo CAPS.

No cotidiano da prática é recorrente as famílias irem até o serviço com o pedido de ajuda, solicitando a internação do adolescente, e quando é apontada a lógica de trabalho ofertada pelo CAPS, que tem como uma de suas características não priorizar o cuidado por intermédio da internação, observamos uma diminuição de investimento da família na construção de um cuidado compartilhado ao adolescente.

Dos adolescentes atendidos pelo CAPS AD e encaminhados para o CAPS IJ temos o seguinte cenário:

Tabela 04 - Usuários que após acolhimento no CAPS AD foram encaminhados para o CAPS IJ.

Total dos adolescentes acolhidos no CAPS AD e encaminhado para o CAPS IJ 10

Encaminhado do CAPS AD e acolhidos no CAPS IJ 5

Encaminhados do CAPS AD e não localizado no CAPS IJ 5

Observamos que somente a metade dos adolescentes encaminhados do CAPS AD para o CAPS IJ seguiram as orientações de continuidade do cuidado nesse outro serviço. Não houve, por parte do CAPS AD, uma busca ativa para a confirmação se o adolescente deu continuidade ao acompanhamento, seja por consulta direta ao adolescente, com o CAPS ou a UBS em, que o adolescente está referenciado.

A) CAPS IJ

 Agendado o segundo atendimento e faltou para continuidade da avaliação. Conforme a última tabela exposta, 29% do total de adolescentes faltaram no retorno de

acolhimento. O retorno de acolhimento neste CAPS IJ é o segundo atendimento do adolescente no serviço que tem como objetivo retomar a queixa, observar se surgiram novas informações pertinentes à demanda trazida e, principalmente, construir o Projeto Terapêutico Singular.

Há a situação de uma mãe que por telefone relata que o filho está trabalhando e não tem mais o interesse pelo atendimento. Há outro que a família relata a indisponibilidade para ir ao atendimento e não houve continuidade de cuidado. Os demais, após a falta no atendimento, o que pode ser um indicador da dificuldade do usuário em dar continuidade ao cuidado, houve o arquivamento da ficha, sem registros de realização de busca ativa.

Diante deste cenário, problematizamos qual foi o impacto no usuário / família do primeiro atendimento realizado, uma vez que faltaram no segundo atendimento no serviço. O primeiro atendimento também é configurado como um dispositivo terapêutico, o espaço da “fala” e da “escuta”, mobiliza as relações que neste contexto não conseguimos mensurar o impacto.

Quais são as expectativas das famílias ao irem ao CAPS para o atendimento do adolescente? Os serviços conseguem atender as expectativas ou dialogar com elas? Será que as famílias concordam com a modalidade de cuidado ofertada pelo CAPS ou, por exemplo, esperam que este serviço possa articular a “internação” do adolescente para o seu cuidado imediato? Será que o intervalo entre o atendimento e o retorno para o próximo atendimento são proporcionalmente iguais à demanda da família? Como construir estratégias para evitar que situações como estas sejam cada vez mais evitadas? Tais questionamentos serão retomados na discussão do caso que também apresentará estas características.

 Usuários que não aderiram ao acompanhamento. Representaram 20% dos adolescentes acolhidos pelo CAPS IJ e foram inseridos para o atendimento. Ou seja, a equipe observou prejuízos graves ou persistentes no desenvolvimento do adolescente, decorrentes do uso de drogas, e construiu um PTS. Ocorreram articulações para o encaminhamento do adolescente para o CAPS, como por exemplo, com a organização onde o adolescente estava cumprindo medida socioeducativa, com o conselho tutelar e com o CAPS AD. Porém, não houve a adesão do adolescente ao serviço.

Outra característica importante é que mesmo que o próprio adolescente não recorresse ao serviço, o pedido de ajuda por parte da família estava presente.

Consideramos que a família é um importante elo de cuidado entre o CAPS e o adolescente; além disso, o fortalecimento do familiar para o manejo desta situação é importante.

Neste contexto, há o histórico de um pedido de acompanhamento realizado pelo Ministério Público a um adolescente com questões relacionadas ao uso de drogas. A mãe realizou o acolhimento sem a presença do mesmo, argumentando a dificuldade de trazer o adolescente. Em discussão de equipe foi acordada uma visita domiciliar, que por fim não foi realizada. Cinco meses depois, na discussão de matriciamento na UBS, o CAPS recebeu a notícia que o adolescente havia falecido e o motivo do óbito, segundo a UBS, foi overdose.

Histórias como esta apontam a urgência em reinventar Projetos Terapêuticos Singulares que atendam as disponibilidades, necessidades e desejos do usuário e familiares. Há uma obrigação em garantir investimentos planejados e executados em um tempo mínimo de intervalo entre as ações para que haja continuidade e fortalecimento de um vínculo que aproxime o adolescente, família e CAPS. O PTS deve superar a lógica do cardápio de possibilidades terapêuticas ofertadas pelo serviço para uma possibilidade que atenda as demandas levantadas de ajuda mais próxima do “tempo” da expectativa da família.

 Busca ativa. Observamos o contato telefônico como o principal meio para acessar os usuários que não compareciam ao serviço. Este meio foi utilizado, mesmo tendo sem sucesso nas ligações, como caixa postal, para realizar altas por “abandono” de usuários do serviço.

Também identificamos pontuais intervenções via a visita domiciliar e discussões nos matriciamentos como ferramentas de busca ativa para usuários que não compareciam ao serviço.

 Espaços terapêuticos utilizados. Quando o adolescente é inserido para acompanhamento no serviço, a equipe em um atendimento constrói com ele e sua família um PTS, dispondo de diversos procedimentos como espaços terapêuticos e de acesso a demais políticas públicas. Observamos que, de forma geral, os PTSs elaborados para o atendimento dos adolescentes incluíam atendimentos familiares, atendimentos individuais, atendimento médico compartilhado, atendimento de crise, acolhida diurna, convivência, atendimento de avaliação da acolhida diurna, visita domiciliar, grupos terapêuticos

destinados aos adolescentes e familiares, grupos com adolescentes, grupo de família, oficinas terapêuticas e intervenções de arte, cultura e lazer no território.

No contexto institucional, observamos a oferta de uma variedade significativa de ações. Entretanto, a sistematização do registro da frequência de participação nas ações, e o intervalo de tempo entre elas, foi uma limitação da pesquisa nesta etapa da coleta de dados. Apontaremos com mais detalhes estas informações no caso que será apresentado.

Vale salientar que em nenhum momento observamos PTS compartilhados com a Atenção Básica.

 Participação de usuários / familiares nos grupos terapêuticos. Corresponderam a 70% do total dos usuários (adolescente e familiar) os que participaram de grupos terapêuticos. A frequência de uma forma geral se apresentou oscilante. O recurso dos grupos terapêuticos é uma importante ferramenta utilizada pela equipe do CAPS IJ na construção dos projetos terapêuticos singulares, seja para o adolescente assim como também para seus familiares.

 O cuidado por intermédio da acolhida diurna. A acolhida diurna é configurada como um dispositivo de cuidado para o usuário que está em situação de crise e é avaliado pela equipe como necessitando de uma continência mais intensiva do serviço. Neste contexto é realizado um acordo, em que usuário e familiar se comprometem a virem ao serviço por uma determinada quantidade de dias (dependendo de cada usuário) e permanecer um determinado período na unidade, circulando pela convivência e grupos terapêuticos; inclui ainda a realização de escutas diárias, na entrada e saída do serviço, com o usuário e família, quando o quadro é avaliado e são discutidas orientações para o cuidado. Neste contexto também é realizada uma avaliação da enfermagem (SAE – sistematização da enfermagem), com o objetivo de identificar se o usuário apresenta outras demandas clínicas de cuidado e realizar orientações e encaminhamentos para a rede de saúde, para avaliação médica, ou seja, é também uma importante ferramenta de cuidado na perspectiva da Redução de Danos.

Do total dos adolescentes inseridos para o acompanhamento devido ao uso de drogas no CAPS IJ, 24% passaram pela modalidade da acolhida diurna, ou seja, foi avaliado pela equipe que a demanda trazida, em relação ao uso da droga, estava configurada como uma crise, com prejuízos para a saúde mental do usuário, necessitando de um cuidado e supervisão da equipe com uma frequência diária.

 Discussão em equipe. Observamos que em 46% dos casos de adolescentes acolhidos no serviço, o acompanhamento foi discutido nas reuniões de equipe. Avaliamos ser um espaço relativamente importante para construir em equipe uma compreensão do fenômeno trazido, assim como também para construir estratégias viáveis de cuidado, pensando na perspectiva do Projeto Terapêutico Singular. Identificamos que nas evoluções nos prontuários das discussões de equipe sobre o cuidado ofertado e as condutas de manejos a serem adotadas, algumas condutas discutidas se perdiam e não tinham continuidade, acarretando de forma negativa na continuidade do cuidado que se pretendia construir. No caso que iremos apresentar mais à frente, exemplificaremos um pouco os impactos das reuniões de equipe no cuidado ofertado.

B) CAPS AD

 Usuários que não aderiram ao acompanhamento. Do total dos adolescentes inseridos para acompanhamento no CAPS AD, observamos em 15% dos casos a não adesão do adolescente ao cuidado ofertado pelo serviço e a dificuldade da instituição em construir estratégias de busca ativa contínua e efetiva, para além da ligação telefônica. Dentre eles destacamos uma adolescente, em cuja descrição do atendimento é relatado o uso de drogas (maconha e inalantes) e um histórico de violência sexual, acrescidos da não aprovação dos pais em relação a um relacionamento homoafetivo. Neste acompanhamento, a família e a usuária participaram de alguns atendimentos, depois passaram a faltar e não há descrição de busca ativa no prontuário.

Apontamos a dificuldade do serviço em construir estratégias de acompanhamentos / busca ativa em casos de adolescentes que apresentam os critérios de sofrimento psíquico grave ou persistente para o cuidado em um CAPS. A isso se soma a dificuldade de adesão do adolescente e família ao serviço. Nesse sentido, se faz importante fortalecer a construção de tecnologias de cuidado que proporcionem condições para que o serviço se torne mais acolhedor para o adolescente e família, contribuindo para sua vinculação ao serviço.

 Espaços terapêuticos utilizados. Observamos que os PTSs elaborados para o atendimento dos adolescentes incluíam atendimentos familiares, atendimentos individuais, atendimento médico compartilhado, visita domiciliar, grupos terapêuticos para adolescentes e grupo terapêutico de família.

Neste serviço observamos, em comparação ao CAPS IJ, uma variedade menor de espaços terapêuticos destinados ao público adolescente. Uma das hipóteses levantadas é que o maior público de usuários do CAPS AD é o adulto e, neste contexto as possibilidades terapêuticas estão mais focadas nesta população, que tem características diferentes. Também destacamos a inexistência de propostas terapêuticas que ultrapassassem os espaços da instituição.

 Participação de usuários / familiares nos grupos terapêuticos. Observamos que do total dos inseridos no serviço, 27% tiveram o histórico de participação nos espaços terapêuticos de grupo, seja nos destinados ao adolescente ou à sua família. Também observamos que, de uma forma geral, a frequência se apresenta oscilante.

Ao observarmos as possibilidades dos grupos terapêuticos ofertados pelo serviço, identificamos poucos espaços destinados ao público adolescente entendendo que seus interesses, afinidades e necessidades são diferentes do usuário adulto que recorre ao CAPS AD. Dentro deste cenário, talvez esta seja uma hipótese do motivo dos adolescentes e familiares terem baixa participação nos espaços de grupo do CAPS AD.

 Discussão em equipe. Em relação a 48% dos usuários acolhidos, seus casos tiveram pelo menos uma discussão em equipe; há casos em que ocorreu mais de uma discussão. Entretanto há poucas descrições nos prontuários da avaliação realizada pela equipe, os objetivos do cuidado, assim como sobre a conduta tomada.

Acreditamos que talvez estes pontos tenham sido abordados na reunião, mas o não registro contribui para a não continuidade dos acordos institucionais perante o acompanhamento realizado, acarretando negativamente na linha de cuidado que o serviço pretende construir. Tal cenário faz com que as informações fiquem centradas somente nos profissionais que participaram da discussão e com a alta demanda do trabalho estes dados vão se perdendo.

 Encaminhamento para o CAPS IJ. Mesmo antes da portaria da Secretaria Municipal de Saúde, Nº 2311/2016-SMS.G – de 23/12/2016, já havia uma percepção do CAPS AD de que a demanda relacionada a adolescentes com histórico de uso / abuso de drogas era uma demanda de cuidado para o CAPS IJ, vide o total de 44% de adolescentes acolhidos neste serviço que foram encaminhados para o CAPS IJ no ano de 2016.

Dentre estes encaminhamentos, em um único prontuário está descrita a justificativa que motivou esse procedimento: a relação que o adolescente estabelece com a droga é secundária, comparada à situação de vulnerabilidade social vivenciada pelo usuário, e há um entendimento de que o CAPS IJ terá melhores condições para realizar o atendimento e o cuidado necessário. Entretanto no registro da evolução nos demais prontuários não há uma clareza de qual argumento foi norteador para a não inserção do adolescente no CAPS AD ou para o encaminhamento para acompanhamento no CAPS IJ.

Do total de adolescentes encaminhados do CAPS AD para o CAPS IJ apenas a metade realizou acolhimento no CAPS IJ, apontando a necessidade de rever este fluxo de encaminhamento e a entrada no CAPS IJ diante desta circunstância.