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O sucesso de Robert Nesta Marley (Bob Marley) impul- sionou a carreira de outras bandas jamaicanas, fazendo com que o Reggae viesse a despertar também os interesses de parte das indústrias fonográficas norte-americanas e inglesas que, na década de 1970, lançavam e exportavam álbuns de reggae para inúmeros países. (WHITE, 1999, p. 38-9).

A tradicional música rítmica jamaicana, desde a década de 1920, era o mento que, unido ao rhythm and blues, o jazz e o blues norte-americanos, deu origem ao ska que, na década de 1950, sob a influência de novos elementos rítmicos somados às inovações dos músicos jamaicanos originou o rock steady. Esse teria sido o primeiro ritmo pelo qual os músicos jamaica- nos tiveram oportunidade de expressar sua consciência política e musical, falando de temas como a fome, o desemprego e a perseguição policial sofrida pela população negra das favelas de Kingston e de outras cidades da Jamaica. (PINHO, 1997; SILVA, 1995; WHITE, 1999).

O reggae é uma versão do rock steady com a introdução de elementos originais na estrutura melódica das composições e letras aludindo às ideias do legado cultural rastafári. No final da década de 1960, os primeiros LP’s de reggae music já faziam sucesso na Jamaica e nos Estados Unidos e Inglaterra.

Paralelamente ao sucesso do reggae, difundiu-se, aqui, um estilo de indumentária e o uso de cabelos conhecidos como “rasta” que adquiriram fortes conotações identitárias, indepen- dentemente da filiação religiosa do indivíduo. Atualmente, a es- tética e a ideologia rasta atraem jovens de todas as classes so- ciais, não importando as suas identidades étnico-raciais, pois a maioria dos admiradores do reggae apenas aprecia a cadência peculiar e a estética deste estilo musical.

Disseminada, a reggae music influenciou e possibilitou o surgimento de grupos musicais, nos mais diferentes lugares, nos quais bandas e cantores inebriados adaptariam às suas realidades locais a cadência, as letras e os temas, para produzir uma reggae music própria que, com o passar do tempo, se mis- turou com outros ritmos, originando novos estilos musicais. No Brasil, fundiu-se com o samba e deu origem ao samba-reggae e, atualmente, há disk jóqueis (DJs) que se dedicam a tocar ex- clusivamente dub, variante mais experimental do reggae, inva- riavelmente associada ao farto consumo de cannabis e a níveis elevados de “consciência canábica” (SIMUNEK, 2002, p. 128).

Na década de 1960, em São Luís do Maranhão, a música reggae começava a ser tocada em algumas “radiolas”30 espalha-

das nos salões da cidade, e, antes mesmo de seus controlado- res a conhecerem, já era utilizada para animar festas de forró, merengue e lambada. A população da capital maranhense, que

30 Termo usado em São Luís para designar o conjunto de equipamentos de

som, comandados por um disk jóquei, usado para animar as festas nos di- versos salões da cidade.

já era simpática aos rimos caribenhos, logo se identificou com a novidade que chegara aos seus ouvidos. Mesmo com letras em um idioma diferente, ganhou o gosto das camadas populares de maioria negra que lotavam os salões, dançando ao sabor da reggae music. Na década de 1980, já se contavam mais de oitenta “radiolas” em São Luís dedicadas exclusivamente a ela. (SILVA, 1995, p. 52).

Na Bahia, em 1972, foi gravada, por Caetano Veloso, em seu álbum Transa, “Nine out of ten”, uma das primeiras canções reggae, no Brasil, de autoria de Gilberto Gil que, em 1977, lançou “Não chores mais”, o primeiro reggae de sucesso no país, versão do clássico de Bob Marley “No woman no cry”. Em 1978, um bar no Pelourinho – que continua em funciona- mento até os dias atuais – adotou o nome de “Bar do Reggae” e passou a tocar exclusivamente reggaes como música ambiente. (PINHO, 1997, p. 182).

Na década de 1980, esse estilo já se encontrava conso- lidado no mercado musical e com admiradores mundo afora, impulsionando a formação de novos grupos musicais. No ano de 1981, dissidentes do bloco “Olodum” fundaram o “Muzenza” que, tendo como ícones Bob Marley, sua música e sua crença, foi o primeiro a se dedicar, exclusivamente, ao samba-reggae em seus desfiles, ficando conhecido como “bloco do reggae”.

Em 1983, surgiu, na capital baiana, um grupo chamado “Legião Rastafári” que congregava jovens, adeptos e simpati- zantes das ideias e práticas rastafári para trocar informações, consumir ganja, ouvir música e fazer leituras bíblicas (CUNHA, 1993; SILVA, 1995, p. 14). Ainda em 1983, na cidade de Ca- choeira, no Recôncavo baiano, iniciava sua carreira o rastaman Edson Gomes, cantando reggaes com letras de conteúdo seme- lhante às jamaicanas.

Em agosto de 1988, realizou-se, em São Luiz do Mara- nhão, o congresso “Reggae: o som da negadinha”, o primeiro especificamente sobre reggae (SILVA, 1995, p. 45); no mesmo ano, Edson Gomes teria seus primeiros sucessos conhecidos pela grande mídia: canções como “Malandrinha” e “Samarina”.

No Brasil, o reggae é produzido em meio a uma cena musical diferente da jamaicana, uma produção diversificada e marcada por fortes ligações étnicas com a população negra, embora muitos brancos estejam, também, entre seus músicos e público. Nas relações políticas e econômicas, as questões raciais se apresentam de forma diferente assim como a reli- giosidade que, no Brasil, por exemplo, é fortemente marcada pelo Catolicismo, apesar das muitas outras religiões e cultos existentes, enquanto a base cristã do Rastafarianismo é Pro- testante.

A reggae music e o Rastafarianismo originaram um le- gado considerável que é também aglutinador das noções de identidade étnica de seus simpatizantes e adeptos, empres- tando marcado teor contestatório às suas atividades musicais e religiosas. As mudanças e ressignificações decorrentes das especificidades dos novos contextos sociais brasileiros impu- seram novas configurações na produção musical, na religião, na maneira de gerenciar a vida cotidiana e de fazer frente às estigmatizações.

Trabalhos acadêmicos sobre a música reggae indicam que a sua difusão no Brasil está ligada, de forma muito mais perceptível, à produção divulgada pelos eixos britânico e norte- -americano do que a uma ligação Brasil–Jamaica, mas, apesar de chegar até nós de forma indireta, um dos fatores elencados a respeito da aceitação da reggae music aqui no Brasil, em gran- de parte, mas não exclusivamente, pela população negra, é a de que o público encontra no estilo de vida dos habitantes das

favelas jamaicanas e na sua música elementos com os quais se identifica. (CUNHA, 1993; PINHO, 1997; SILVA, 1995).

Quanto à formação de identidades étnicas, o antropólo- go Lívio Sansone (2003, p. 16-21) preconiza a necessidade de lidar com o conceito de etnicidade levando em conta os diversi- ficados elementos envolvidos no processo de formação de uma determinada identidade étnica. Recomenda aos pesquisadores que desconstruam, em seus campos, as noções de raça, obser- vando os processos de racialização, diferenciando raça de etnia e etnia de cultura, pois no contexto brasileiro, devido ao “mito” da democracia racial e ao passado escravista com especificida- des próprias, o senso comum e as iniciativas de reconstrução de um identitário pan-africano tendem a igualá-las.

As formas específicas que os conceitos de raça e etnici- dade adquirem no Brasil e no resto da América Latina são di- ferentes da forma norte-americana que é, claramente, baseada na dicotomia branco–negro. As noções de identidade e cultura na conjuntura brasileira são outras e as relações raciais e cul- turais se entrelaçam de maneiras variadas e complexas. As in- tervenções da cultura da globalização são acessíveis de formas diferenciadas nos centros urbanos e nos territórios do interior do país, mesmo com todas as novas tecnologias de comuni- cação e mídia de massa. Consumir um determinado estilo é mais simples nos grandes centros que nas periferias, de poder econômico reduzido, o que acarreta, também, mudanças nos significados culturais desse consumo.

O mercado de música no Brasil possui uma imensa va- riedade de oferta de ritmos regionais e globais. Na Bahia, essa multiplicidade de produção musical é notória e mundialmente conhecida e Salvador, nos dias atuais, é a cena musical de vários estilos, dentre os quais o reggae, cena musical podendo ser compreendida como o conjunto de demandas e produções

em torno de um determinado estilo musical que surgem após o aglutinamento de indivíduos que compartilham empatia, incli- nações estéticas ou ideológicas parecidas. É relevante ressaltar que as pessoas, antes de configurarem uma coligação, estão sujeitas aos tradicionais critérios formadores de identidade como classe, gênero e etnia, segundo Freire Filho e Fernandes (2005).

Atualmente, são inúmeras as bandas de reggae atuantes na cena soteropolitana e, várias dentre elas têm como propos- ta fazer música espiritual em louvor a Jah com componentes adeptos ao Rastafarianismo. Em Salvador, há, também, a “As- sociação Beneficente, Cultural e Recreativa União Rastafari”, fundada em 1993, que reúne adeptos da crença Rastafari em diversas atividades.

Na arena política, o uso de cannabis e o preconceito li- gado a este uso tendem a relegar os Rastafari à categoria de simples drogados, equiparando-os a delinquentes e marginais. Assim, apesar do sucesso da música reggae e do grande núme- ro de adeptos do Rastafarianismo, raramente é dada a devida atenção aos preconceitos sofridos pelos rastas.