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Reflexões finais: incluídos e excluídos na busca por felicidade

Enfatizando a perspectiva mercadológica, à exceção de um único interlocutor – justamente um que atualmente só con- some uma substância, a ayahuasca, como “o remédio” –, todos os outros participantes da pesquisa acreditam que a política proibicionista acaba agregando violência ao consumo. Já as substâncias psicoativas comercializadas como medicamentos, que não agregam violência física ao mercado de consumo, são apontadas, por alguns interlocutores residentes em medicina, como produtos que podem sedimentar o processo de consumo como uma relação de mercado cuja violência está na sua quase compulsoriedade. Um deles é enfático:

Buda – Há um consenso de que antidepressivo e ansiolíti-

cos não são drogas, são remédios. Receitar um destes hoje é normal, porque você sabe que muitos médicos trabalham juntos com os laboratórios. Nos EUA, se um médico não adota os consensos da indústria farmacêutica [para pres-

crever medicamentos em praticamente toda consulta],

pode ser processado pelos pacientes que vão ali pra rece- ber alguma prescrição e não para ouvir conversa. Querem fazer o mesmo por aqui. (VALENçA, 2010, p. 172).

O aspecto criticado por esse residente é a cristalização da medicalização como um processo de consumo de bens de saúde por pessoas que, ao confiar nos especialistas médicos, demandam a administração de fármacos como incontornável. Nessa perspectiva, o consumo deixa de ser um direito e passa a ser um dever, mas o ponto de vista deste pós-graduando não é

universal. Para Jorge Pagura, ex-secretário de Saúde da Prefei- tura de São Paulo e neurocirurgião do Hospital Albert Einstein, a cultura da medicalização não acarreta riscos à segurança do consumidor, pois “o importante é que as pessoas tenham bem- -estar e se aliviem das tensões que as acometem no dia-a-dia”, (VALENçA, 2010, p. 296). Os riscos procedentes dessa banali- zação do consumo parecem estar amortecidos em decorrência de sua incorporação às práticas cotidianas:

Vício em remédio supera abuso de drogas ilícitas (FSP,

25/02/10)

Um relatório com dados de 2009 divulgado ontem pela Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes, li- gada à ONU, revela que houve um crescimento no abuso de medicamentos, que, em alguns países, tornou-se mais comum do que o consumo excessivo de drogas ilícitas como heroína, cocaína e ecstasy juntas.

Remédios como benzodiazepínicos (tranquilizantes), anal- gésicos opióides e anfetaminas (como os inibidores de ape- tite) estão entre os mais usados para esse fim – em doses acima ou para fins diferentes do recomendado. Muitos são de tarja preta, mas podem ser comprados na internet, con- trabandeados ou falsificados. (VALENÇA, 2010, p. 296). Segundo os interlocutores residentes na área médica – seis no total –, esse é um discurso corrente em suas escolas. Não fugindo à perspectiva, alguns desses estudantes relatam que vêem as drogas ilícitas de suas escolhas como substâncias ansiolíticas (é o caso da maconha), ou como antidepressivas (no caso do ecstasy). Essa cultura positiva das drogas, baliza- das por um saber especializado, as consagra como remédios. De acordo com esse raciocínio, em uma cultura de consumo onde as pessoas dispõem de ferramentas que aliviam as ten- sões do dia-a-dia, é possível interpretar que celebridades do porte do cantor Michael Jackson e do ator Heath Ledger não

foram vítimas de erros médicos ou suicidas acidentais, foram pessoas que tentaram aliviar as tensões e pagaram com a pró- pria vida o consumo das suas escolhas.

Este presente artigo é a síntese de uma pesquisa bem mais extensa e complexa. E se o objetivo geral de tal investiga- ção foi apreender como o universitário consumidor de drogas interage com as representações sociais dominantes e os contro- les sociais civilizatórios, e se sinaliza outro(s) modo(s) de repre- sentação e de controles sociais que contemple(m) tal consumo – na medida em que para manter seu estilo de vida, ele precisa configurar uma estrutura de vida e torná-la representação – foi fundamental a abordagem qualitativa adotada para levar a investigação a cabo. De modo contrário, seria muito difícil ter uma aproximação do estilo de vida correspondente e, então, se teria construído dados quantitativos em um quadro descon- textualizado. Abraçando uma postura socioantropológica foi possível conviver quatorze meses com esses interlocutores e, através dessa imersão etnográfica, foi constatado como o tipo de reflexividade que circula na cultura universitária os afeta de modo que novos habitus sociais passam a ser incorporados em seus estilos de vida. Dentro dos seus campos relacionais, es- ses interlocutores ressignificaram modelos de relação buscan- do estreitar laços de confiança e tendendo a interpretar a sua comunidade universitária como uma família eletiva, escolhida em adequação com sua “liberdade de opção”.

Essas novas configurações não se restringiram ao ter- ritório acadêmico, perpassando seus vários campos relacio- nais e, se as mudanças de representações observadas não se limitaram ao consumo de drogas, é preciso apontar que esses interlocutores mostraram novas significações para as relações que envolvem confiança, como amizade, sexualidade, política, religiosidade, e o papel social do universitário e de sua cultura.

Em uma dimensão social mais ampla, tais interlocutores tran- sitam numa cultura cotidiana onde, além da normatização do consumo de fármacos com efeitos psicoativos, gradativamente, há mais controles formais e informais para o consumo de álcool e tabaco; mais tolerância para o consumo controlado de ma- conha, principalmente, o medicinal; menos tolerância e mais representações estigmatizantes quanto aos danos associados ao consumo de cocaína e crack; e uma maior distinção da ayahuasca pela sua utilização como recurso terapêutico para minorar os danos do uso abusivo do álcool e da cocaína.

Ao fim e ao cabo, não apenas convivem, pois, tais interlo- cutores são proativos nesse processo de câmbio de representa- ções, alguns como pesquisadores da problemática outros como militantes a favor da causa antiproibicionista. No que se refere aos limites dos controles sociais que a política proibicionista propõe, como também quanto aos limites da autonomia que a cultura universitária sustenta, esses sujeitos estão forman- do novas representações quanto ao que pode ser interpretado como estabelecido ou outsider, incluído ou excluído, integrado ou desviante, saudável ou patológico. E enquanto ressignificam valores seguem sustentando sua busca por doses de felicidade no cotidiano. Eis a questão!

REFERÊNCIAS

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York: The Free Press, 1997.

ESCOHOTADO, A. Historia general de las drogas: fenomenología de

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ELIAS, N.; SCOTSON, J. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia

das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2000.

MACRAE, E. Redução de danos para o uso de Cannabis. In: SILVEIRA, D.; MOREIRA, F. (Orgs.). Panorama atual de drogas e dependências. São Paulo: Atheneu, 2006.

ROMANI, O. Prohibicionismo y drogas: ¿un modelo de gestión social agotado? In: BERGALLI, R. (Org.). Sistema penal y problemas sociales. Valencia: Tirant lo Blanch, 2003. p. 429-50.

VALENçA, T. Consumir e ser consumido, eis a questão! configurações entre usuários de drogas numa cultura de consumo. Salvador, 2005. Dissertação (Mestrado em Ciências

Sociais) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.

VALENçA, T. Consumir e ser consumido, eis a questão! (parte II) outras configurações entre usuários de drogas numa cultura de consumo. Salvador, 2010. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) –

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2010.

VELHO, G. Nobres e anjos; um estudo de tóxicos e hierarquias.

Introdução

A prática clínica com usuários de drogas, sobretudo aque- les que se denominam ou são denominados de dependentes ou toxicômanos, nos levou a indagar a posição radical em que se encontram, marcada por um imperativo ao consumo e, conse- quentemente, por um gozo impossível de ser a princípio abdicado. A teoria psicanalítica nos auxilia nessa abordagem e re- corro ao Seminário: Mais, ainda (1972) em que encontramos uma definição contundente de Jacques Lacan: “Nada força nin- guém a gozar, senão o supereu. O supereu é o imperativo de gozo: Goza!” (1982, p. 11). A partir desse enunciado, proponho fazer um percurso a fim de localizar o que é nomeado de su- pereu no texto freudiano e identificar como Lacan o associa à questão do gozo para, finalmente, situá-lo no modo particular como se apresenta na clínica com toxicômanos.

Embora em textos iniciais de Freud já esteja posta a refe- rência à Consciência Moral como uma instância reguladora das relações humanas no seu processo civilizatório, o termo supe-

69 Trabalho apresentado na XX Jornada de Psicanálise do Espaço Moebius -

Salvador, BA - Nov. 2010.

70 Psiquiatra – Psicanalista. Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas

reu será, pela primeira vez, nomeado na sua obra “O ego e o id” (1923) em que aparece com uma evidente posição estruturante no aparelho psíquico. (1969, v. 19, p. 42-54). Nessa publicação, o termo tem um caráter ambíguo, sendo, a todo instante, rela- cionado ao conceito de ideal do eu, não havendo uma diferen- ciação clara dessas duas funções. O supereu surge, também, na forma de sentimento de culpa, de crítica, instância atrelada a uma função reguladora, punitiva, enfim, a um imperativo que é de ordem moral e que regularia as relações do indivíduo com o mundo externo.

É dessa forma que Freud se refere ao Complexo de Édipo e aos mecanismos de identificação daí oriundos, para ressaltar a im- portância do pai na formação do supereu. Essa instância se consti- tuiria por uma internalização da autoridade das figuras parentais, sendo o pai, nessas circunstâncias, referido como modelo. Introje- ção de valores que define o supereu como herdeiro do Complexo de Édipo, função normatizante que aparece como o não e onde encon- tramos o imperativo categórico da proibição, da Lei do pai.

Sabemos que muitos analistas que sucederam Freud re- alizaram uma leitura de cunho reducionista, pouco precisa, ao privilegiarem essa via da normatização do supereu, adjeti- vando-o de benévolo, protetor, ausente, assegurador do êxito, dentre outros atributos. Dessa forma foram deixados de lado os paradoxos freudianos em torno dessa conceituação e que, justamente, permitiram avanços na sua teorização, como o proposto posteriormente por Lacan.

Freud diz no “Esboço de Psicanálise” (1940): “Alguma parte das aquisições culturais indubitavelmente deixou um precipitado atrás de si no id; muita coisa do que é contribuição do superego despertará eco no id” (1969, p. 237). Dessa forma, acompanhando Freud, o supereu é também herdeiro do isso que instiga a partir do pulsional. Por aí caminhamos ao cons-

tatar que a questão do supereu ultrapassa a simples identifi- cação com os progenitores, até o declínio do Édipo, enfatizando que há algo da pulsão aí implicado.

Em “O mal estar na civilização” (1930), Freud retoma o conceito de pulsão de morte e de supereu, apontando para um refinamento do dualismo pulsional. Assinala o caráter silencio- so, pouco perceptível da pulsão de morte cujo aspecto repetiti- vo, destrutivo, mais além do princípio do prazer, se dirige tanto para os outros quanto para o próprio eu. O supereu é aqui apresentado como polarizador e catalisador de toda a agressi- vidade entre o exterior e o eu. Assim, a agressividade recalcada pelas exigências da civilização, retornaria na forma de supereu.

Por esse caminho, Freud transita do supereu, enquan- to instância reguladora, normativa, para as vias de um exces- so, para algo que se voltaria contra o próprio sujeito. A via da agressividade nos permite uma aproximação da questão do gozo. Freud diz em “O mal estar na civilização”:

[...] os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes pulsionais devem-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade e em resul- tado disso o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele sua agressividade, a ex- plorar sua capacidade de trabalho sem com- pensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá- -lo e matá-lo. (1969, p. 133).

Lacan comenta essa passagem no Seminário A ética da psicanálise (1959-60) com certa ironia, dizendo que o texto de

Freud parece com o de Sade, e que Freud nos guia pela mão para dizer que o gozo é um mal – ele é um mal porque comporta

o mal ao próximo. (1991, p. 225). A existência do Bem, no sen- tido kantiano do bem para todos, é algo que não se coloca para o sujeito. O moralista tradicional tenta nos persuadir de que o prazer é um bem, que a via do bem nos é traçada pelo prazer. Em muitos casos, observamos que, “em nome do prazer”, um primeiro passo, um pouco mais sério, é dado em direção ao gozo, como verificaremos na prática clínica com toxicômanos.

Lacan coloca, inicialmente, a primazia imaginária do supereu referindo-o como uma figura, uma “figura feroz”, tal como nos mostra nessa formulação do Seminário Os escritos técnicos de Freud (1953-54):

O supereu é a um só tempo, a lei e a sua destruição [...] a lei se reduz inteiramente a alguma coisa que é uma palavra privada de todos os sentidos. É dessa forma que o su- pereu acaba por se identificar àquilo que há de mais devastador, de mais fascinante nas experiências primitivas do sujeito. Acaba por se identificar ao que chamo figura feroz, às figuras que podemos ligar aos traumatis- mos primitivos, sejam elas quais forem que a criança sofreu. (1983, p. 123).

Trata-se, também para Lacan, da relação do supereu com o registro da lei. Nesse contexto, ele transita da lei proibitiva do pai para a lei da linguagem. Essa relação com a lei, para o supereu, é da ordem da tirania e da insensatez, revelando-se como o próprio desconhecimento da lei. Dessa forma, alude que o imperativo do supereu aflora da fissura da lei simbólica.

Em várias passagens do Seminário A identificação (1961- 62), Lacan (2003) fala da relação do sujeito com o significan- te, situando-a na sua articulação primordial com a linguagem,

com o Outro inaugural. Refere-se aqui ao S1 (traço unário) en- quanto matriz fundante do sujeito, o mais íntimo de nós mes- mos; suporte da cadeia que escapa ao sentido.

O S1, significante mestre, alude ao momento de identifi- cação inaugural com o significante radical. Nessa direção, S1 introduz, submete o ser falante em uma relação de total assu- jeitamento à linguagem. Com S1, desconhecemos, a princípio, a significação, já que, para isso, seria necessária a introdução de um segundo significante S2 (o saber), que dará sentido ao primeiro de forma retroativa. Com S1, trata-se de uma lei in- sensata, apelo privado de todos os sentidos. Por isso, na sua raiz, o supereu tem sido articulado a esse S1. Situamos aqui uma primeira premissa lacaniana ao tomar o S1 como manifes- tação do imperativo de gozo. (CAMPOS, 2009).

No Seminário A angústia (1962-63), Lacan aborda o su- pereu como uma das formas do objeto a: mais especificamente como o objeto voz. A constituição do sujeito a partir do campo do Outro, faz cair o objeto a como resíduo dessa operação. É do Outro que ele “ouve primeiro um tu és [...] sem atributo, que chega ao sujeito de forma interrompida” (2004, p. 297). Para Lacan, não é possível instituir o Je sem esse “tu és” interrom- pido (que ele aproxima do supereu). Tu que se precipita e toma posse da intimidade.

Linguagem, desamparo e dependência configuram a base do supereu, que está excluído e, ao mesmo tempo, se manifesta no interior do sujeito, como sua mais íntima exterioridade.

A voz aqui não é assimilada, o que seria vinculado à co- municação, à linguística, dimensão puramente simbólica e ar- ticulada ao significante, mas que é incorporada, em alguma

instância, pelo sujeito – objeto a – na sua dimensão de real. Ao abordar o que é da ordem da comunicação e do que se incorpora por outra via, ocorreu-me um fragmento clínico.

Recebo uma mãe que busca ajuda para o filho usuário de cra- ck. Anuncia que vem para falar da droga do seu filho. Diz que, desde muito pequeno o advertia sobre os perigos da droga, pelo medo que tinha que se tornasse um drogado. Quando havia um programa na televisão sobre drogas ela sempre o convoca- va para vê-lo. Também falava dos perigos da droga, desde que entrou para a escola. Mostrava o exemplo do tio drogado para que ele não o seguisse. Não entende porque o filho passou a se drogar tanto. Ao final, conclui que falou demais da droga para o filho. O que seria esse amais que ultrapassa qualquer boa intenção da comunicação, da informação e que, nesse caso, funciona de modo paradoxal para esse filho? Nasio nos ajuda nessa formulação quando diz:

O sentido da proibição, sentido que pode ser veiculado através de qualquer fala sim- bólica e estruturante, é anulado pelo som penetrante da vociferação parental. O som fantasiado expulsa o sentido simbólico e se converte, no cerne do eu, no domicílio so- noro, isolado e errante que constitui a sede mórbida do supereu tirânico. (1977, p. 134). Dessa forma a voz não se assimila, ela se incorpora. Ope- ra como pura ordem desencarnada a partir do campo do Outro de forma imperativa: Goza! Supereu, objeto voz, a serviço do gozo.

Como vimos em Lacan, encontramos um supereu atre- lado à noção de real, S1, significante sozinho, solto na cadeia, ou então como objeto voz. A voz como aquilo que do sujeito é indizível, impossível de se integrar à cadeia significante e que Lacan nomeia como “mais de gozar”. O supereu na dimensão de real se coloca então para Lacan como intrusão do Outro, através de um imperativo impossível de se realizar, justamen-

te, porque se remete a um além do Outro. A impossibilidade se dá porque o imperativo se origina justamente daquilo que do Outro é ilimitado, sem sentido, o que pode ser mortífero para o sujeito.

O gozo, para o neurótico, é marcado por um furo que não lhe deixa outra via senão a do gozo fálico. Há uma localização do gozo a partir do significante fálico, da inscrição do Nome do pai, ou seja, a partir da castração. É um gozo que tem borda, é limitado pelo significante.

É na prática clínica em uma instituição de atendimento para usuários de drogas que acolhemos demandas muito parti- culares. São pacientes que chegam identificados ao significante drogado, viciado e nos falam da sua impossibilidade de parar de consumir a droga. Dizem: “o crack é imbatível”, “a droga é mais forte do que eu”, “fico agoniado, alguma coisa dentro de mim me chama prá usar e ai não consigo parar”. Essas falas ilustram a intensidade da relação à qual estão submetidos e que apontam na direção de um imperativo ao consumo.

Em “O mal estar na civilização” (1930), Freud fala da im- possibilidade do ser falante de encontrar a felicidade e, para tanto, recorre a métodos que aliviariam o seu sofrimento. Diz: “O mais grosseiro embora também o mais eficaz desses méto- dos de influência é o químico. Com ele nos tornamos incapazes de receber impulsos desagradáveis” (1969, p. 96).

Freud diz que a última técnica vital que permite ao sujei- to satisfações substitutivas é a fuga na doença nervosa (o sin- toma). Diz também que diante do fracasso desse recurso, pela via do sintoma, a intoxicação crônica se apresenta como uma

solução. O sujeito escolhe a droga buscando aliviar o sofrimen-

to, a impossibilidade de suportar a dor da sua ex-istência. Para não enlouquecer ou morrer, usa a droga. O enunciado do toxi- cômano é: encontrei a felicidade! Paradoxo que se sustenta na

sua impossibilidade, pois, ao se aproximar demais do objeto, é capturado por um gozo que o precipita em direção à morte.

Dissemos, anteriormente, que a submissão à função fáli- ca implica para o sujeito perdas constitutivas que o conduzem a se ordenar frente ao desejo e a sua posição sexuada. O gozo fálico sustenta o sujeito nas relações sociais reguladas por uma lei ordenadora. Nesse sentido, a posição do toxicômano é muito singular. Ele escapa desse compromisso. Coloca-se em uma posição de ruptura, ao eleger um objeto com o qual passa a ter um vínculo exclusivo.

Diz um paciente: – Quando uso o crack fico desconectado do mundo real. Não penso nada, só sinto o meu corpo que fica oco, um pedaço de carne.

Foge, por essa via, de todos os apelos impostos pelo Outro