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4.6 Análise Intracaso

4.6.5 Recuperação

As ações de recuperação devem incluir atividades relevantes para retomada das operações, funções ou processos críticos da cadeia produtiva, representadas pela interação entre os elos da cadeia para coordenação dos recursos e retorno aos níveis normais dos fluxos de produtos, materiais, pessoas e informações (NORRMAN; JANSSON, 2004, p. 450; CRAIGHEAD et al, 2007, p. 144). Na fase de recuperação o principal objetivo é voltar a normalidade e eventualmente as empresas podem buscar aumentar sua produtividade para compensar o tempo mal aproveitado durante a crise ou ruptura. Para análise desta fase considerou-se a crise hídrica com sua fase mais severa entre 2014-2015 e a recuperação a partir de 2016.

4.6.5.1 Cadeia da Cana

Produtores: Para o produtor de médio porte para que haja recuperação do setor sucroalcooleiro há necessidade de aumentar a colaboração entre os elos da cadeia produtiva e melhorar a ajuda do governo.

Os produtores de grande porte, geralmente destilarias de grande porte e usinas, são empresas que estão passando por mudanças no processo produtivo devido cumprimento dos protocolos ambientais, especialmente voltados para eliminação da queimadas e mecanização da lavoura, na área agrícola, e controle do uso de recursos hídricos, na indústria.

O produtor de grande porte revelou que não estão ocorrendo investimentos voltados para recuperação do meio ambiente e aumento da capacidade de represamento de água. Por isso, a percepção que a crise hídrica foi superada, representa uma ilusão no longo prazo, segundo o respondente.

Processadores: Entre os processadores entrevistados a maioria são usinas associadas a Cooperativa 1. Segundo os respondentes não houve consenso para afirmar que houve recuperação após a crise hídrica. A justificativa para não recuperação são as sucessivas crises enfrentadas pelo setor agrícola, principalmente sucroalcooleiro (crise econômica, crise política, preços dos combustíveis, energia e açúcar). Para a Usina 5, por exemplo, a cadeia não recuperou seu patamar anterior a crise hídrica, porque tem enfrentado sucessivos problemas de produtividade. O gerente agrícola comenta que as mudanças de temperatura

têm afetado mais este ano, juntamente com aumento de pragas em virtude da extensão nos prazos de colheita, deixando para finalizar a colheita da safra nos meses do ciclo seguinte, também chamada de colheita da “cana bisada”.

Do lado das usinas que acreditam na recuperação, a principal justificativa utilizada foi os indicadores de normalidade das chuvas, que trouxeram uma boa recuperação dos índices dos reservatórios e não prejudicaram o plantio ou a colheita em 2016, nem pela falta de chuva, nem pelo excesso, como ocorrido em meados de 2013-2014.

Como medidas para recuperação no longo prazo, duas usinas (1 e 3) apontaram investimentos em irrigação, apesar dos custos não justificarem esta decisão atualmente. Contudo, as ações mais observadas nestas usinas não envolvem a área agrícola, mas sim a industrial. Trata-se especialmente da eliminação água na lavagem da cana, com substituição dos processos para lavagem a seco e aumento do reuso da água com utilização de sistemas fechados para o processamento da cana e limpeza de gases e particulados substratos do processo produtivo.

Durante a crise hídrica houve desenvolvimento de equipamentos para melhorar o reuso e diminuir a dependência dos recursos hídricos. Para o superintendente da usina 3, a crise contribuiu para ações que levaram a uma recuperação superior ao patamar antes da crise. Isto é uma pequena evidência sobre resiliência na cadeia de suprimentos da cana. Entre as ações apontadas por este respondente (Usina 3) como vantagens estão os estudos sobre a logística para distribuição da vinhaça, se por caminhões, tubulações ou canais, além do aprendizado para desenvolvimento de novas variedades de cana mais resistentes ao stress hídrico, isto na área agrícola. Na área industrial, as mudanças estão nos processos internos com desenvolvimento de novos decantadores, condensadores e equipamentos para reuso da água.

Desta forma, pode-se notar que o foco das usinas voltado para recuperação e aumento da capacidade de resiliência, envolve o emprego da capacidade de flexibilidade em diferentes dimensões. Por exemplo, ora para buscar redundância para distribuição da vinhaça (canais, tubos ou caminhões), ora para alterar e criar processos devido desenvolvimento de novos equipamentos (decantadores e condensadores) para reuso da água na indústria.

Outro ponto percebido na entrevista com o respondente de da usina 7 revela que o processo de recuperação é gradativo, isto é, para retomada da produtividade é necessário análise e melhorias em um conjunto de fatores (clima, preços de mercado, empresas). Não há como acelerar o processo na área agrícola, pois os investimentos não são capazes de provocar uma reação imediata e não justificam os custos envolvidos. Contudo, na área industrial as

mudanças nos processos e inovações de equipamentos para usinas podem trazer economia de recursos hídricos e menor dependência do recurso em futuras crises.

Neste sentido, a capacidade de velocidade mostra que possui maior influência na área industrial e pouca interferência na área agrícola, porém, no curto prazo. Considerando o longo prazo, a capacidade de velocidade torna-se importante para área agrícola, pois se não forem tomadas medidas prévias e constantes voltadas para recuperação, isto é, se não houver freqüência de investimentos mesmo em anos que não ocorrerem crise mais severas, dificilmente será desenvolvida resiliência que atinja a fase de recuperação na área agrícola.

Processadores Destilarias: Entre as barreiras para recuperação na opinião de processadores de bebidas (destilarias de pequeno porte) está a falta de orientação tecnológica, altos custos envolvidos para aquisição de novos equipamentos: “(...) então, o país é muito prejudicado. O sistema de tributação brasileira invalida as coisas” (DESTILARIA PEQUENO PORTE 1). Como medidas para recuperação são citadas que seriam necessários investimentos em armazenamento da água de nascente e água de chuva, além de continuarem os investimentos em variedades mais resistentes à falta de chuva e principalmente um monitoramento mais profundo da meteorologia, afirma o participante da Destilaria de Pequeno Porte 1. Ainda conforme este respondente, as informações estão mais confiáveis, mas restritas ao curto prazo e não são compartilhadas entre os demais membros da cadeia. A capacidade de colaboração entre fornecedores e compradores é baixa, o respondente alegou que sequer havia pensado nesta possibilidade.

Compradores: Entre os compradores da cadeia, a opinião da Cooperativa 1 é que a cadeia já retomou a produtividade anterior a crise hídrica. A participante destaca que os investimentos em circuitos fechados para uso de água nas usinas irão permitir uma recuperação mais rápida em situações mais severas e conquistar maior segurança. Apesar das melhorias ocorridas, na opinião da Gerente de Sustentabilidade a situação das usinas em relação ao reuso e fechamento de circuito ainda não é satisfatória, porque em alguns casos já operam abaixo do patamar estabelecido pelo protocolo ambiental e outras ainda não conseguiram atingir estes objetivos de redução para 1m3 por tonelada de cana.

Para a respondente de Cooperativa 1, a cadeia sucroalcooleira atualmente é capaz de se recuperar rapidamente frente a estas mudanças, porém dependeria de um apoio maior do governo e entender melhor cenários. Outro respondente da Cooperativa 1 sugeriu a EMBRAPA como mediadora para construção destes cenários futuros juntamente com órgãos do governo. Destacou que há necessidade de colaboração para realização de estudos sérios

com participação do governo para favorecer a consistência das informações, inclusive por meio de debates.

Outros compradores como as redes de refrigerantes (1 e 2) e a rede de alimentos concordam que a cadeia de retomou aos patamares de produtividade anteriores a crise e que seu faturamento foi crescente durante o período, haja vista que a população comprou mais água, sucos e refrigerantes. Não houve medidas apontadas por estes compradores como justificativas para esta recuperação, isto é, na opinião dos respondentes a recuperação aconteceu de forma natural após retorno das chuvas e não conseqüência das ações da cadeia.

4.6.5.2 Cadeia da Laranja

O produtor de laranja de médio porte comentou que uma das medidas para facilitar a recuperação da cadeia, envolve a segurança para que os produtores consigam ter o mínimo esperado com sua produção e continuar assim investindo na qualidade de produtos. Acrescentou que deveriam facilitar a irrigação e liberarem mais outorgas que permitissem ajudar a enfrentar a crise hídrica. Outro ponto para recuperação seria investir em pesquisa para combater os problemas das doenças nos pomares como o greening, apesar de o Brasil ter tratado bem o assunto, na opinião dos respondentes produtores.

Para o produtor de laranja de grande porte as medidas tomadas durante a crise hídrica somente poderão ser testadas na próxima crise, para verificar efetivamente quais lições foram aprendidas para melhor preparação e resposta mediante os eventos climáticos que tragam impactos para a produção agrícola. Comentou que as culturas agrícolas variam em tempo de recuperação, sendo que a laranja precisa de um período maior, entre um a dois anos, enquanto que a cana em torno de um ano. Segundo o produtor, as velocidades para recuperação podem ser comparadas com a cultura da soja, por exemplo, que em 15 dias já sente efeito de ações tomadas para correção de possíveis impactos climáticos ou estiagens. Ainda de acordo com este produtor de laranja, a estrutura é muito importante em se tratando de capacidade de preparação, resposta e recuperação, pois o planejamento pode ser voltado para seis meses, com visão mais de curto prazo, ou podem ser realizados combates mais extensivos por até dois anos, com investimentos voltados para a nutrição dos pomares.

Para os processadores a recuperação da cadeia da laranja está longe de ser alcançada. Para o gerente de operações da processadora de pequeno porte, o período para recuperação será grande até a retomada da produtividade e aponta que a demanda pelo suco de laranja está diminuindo. Esta queda na demanda foi confirmada pelos demais respondentes processadores. Para a empresa processadora de médio porte as vendas melhoraram durante a

Copa do Mundo, mas a partir de 2014 declinaram bastante. De acordo com o diretor agroindustrial da processadora de grande porte, o Brasil irá alcançar novamente os números obtidos no passado em relação a produção de laranja:

Para os compradores é preciso dar continuidade às ações após o evento da crise hídrica: “[...] O que estamos fazendo é procurando fazer capacitações com os produtores trazendo a eles o que tem de ponta no mercado, empresas que estão com propostas boas e tentando conscientizar os produtores” (COOPERATIVA 3). Mas, reforçam que o foco será no longo prazo e acaso novas interferências negativas provocadas pelo homem persistam (desmatamentos de áreas ciliares aos rios/ riachos e topos de morros, perfuração de poços clandestinos, captação de água de rios sem outorgas), não haverá recuperação.

As ações apontadas pelas cooperativas compradoras envolvem o contato com os produtores, para adaptação da tecnologia de produção e utilização de diferentes manejos das plantações em relação ao tradicional, visando retenção de água no solo e evitando a compactação do campo: “[...] até o ano passado o que os produtores faziam, hoje está mudando toda a tecnologia de produção, está sendo feito o manejo diferente da cultura, já visando uma retenção maior de água no solo, fazer uma roçagem. Então eles estão precisando mudar as máquinas que eles têm para se adequar à essa nova realidade”. Neste sentido, as cooperativas possuem um papel duplamente relevante nesse cenário, pois são fornecedoras de equipamentos, máquinas, informações, crédito aos produtores, e são compradoras, armazenadoras e distribuidoras da produção aos demais elos da cadeia.

Para os demais compradores respondentes há recuperação será alcançada se o foco for mantido e passar a fazer parte da cultura das empresas. A Rede de Restaurantes 1 visa a recuperação por meio da continuidade das ações após o evento da crise hídrica, inclusive o respondente comentou que será sua função manter o assunto e trabalhar a prevenção para fazer parte da “cultura” da empresa.

Para recuperar desta crise hídrica, o respondente da Rede de Restaurantes 2 comentou que seria importante uma parceria com as Universidades, para melhorar o controle sobre o consumo racional de água. Sugeriu que o assunto fosse tratado além dos muros das Instituições de Ensino Superior, pois mostrar como controlar o uso de água dentro de uma grande organização ou indústria seria um bom know-how para estudantes, uma boa atividade.

Muito precisa ser feito para melhorar as condições do uso adequado de água em São Paulo, principalmente porque não há uma contribuição para a bacia que fica fora da cidade. De acordo com o respondente da rede de restaurantes 2, "informação existe, mas ela é difícil de encontrar, diferente do momento do olho do furacão, da crise". Ressaltou ainda, que a

atenção dada durante o período da crise foi importante para algumas lições aprendidas, todavia já estamos baixando a guarda, principalmente, devido aos outros fatores que começaram a preocupar também como energia, política e economia, os quais nem sempre acontecem na mesma velocidade.