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3 ESTUDOS SOBRE A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DA SOCIOLINGUISTICA VARIACIONISTA

3.1 NA LÍNGUA FALADA

3.1.1 Região Centro-Oeste

3.1.1.1 Sgarbi (2006)

Sgarbi (2006) descreveu e analisou a variação de concordância verbal entre o verbo e o SN sujeito de 3ª pessoa do plural usada por 144 falantes, 82 homens e 82 mulheres, oriundos de 30 municípios do Estado de Mato Grosso do Sul. A amostra foi composta por falas registradas pela equipe de pesquisa do Atlas Linguístico do Mato Grosso do Sul (ALMS).

Para a realização do estudo, a variável dependente ficou constituída das variantes A e B:

A ± Presença de marca formal de plural. (23) ...os menino falaro que ela... B ± Ausência de marca formal de plural (24) ...as mulher de hoje tá tudo mudada.

8Tentamos manter uma média de 3 (três) estudos por região.

9Na região Centro-oeste, só encontramos na fala dois estudos sobre concordância verbal na perspectiva da Sociolinguística Variacionista.

Já as variáveis extralinguísticas selecionadas foram: a) sexo (feminino e masculino); b) faixa etária (12 a 20 anos, 21 a 30 anos, 31 a 49 anos, 50 anos em diante); c) escolaridade (nula, ensino fundamental incompleto (máximo 3 anos de escolaridade), ensino fundamental completo (8 anos de escolaridade) e d) procedência (rural, urbana).

Quanto às variáveis linguísticas, foram assim distribuídas: a) saliência fônica verbal (verbos regulares ± a diferença entre singular e plural reside na nasalidade, a diferença entre singular e plural está em uma vogal final átona, possivelmente nasalada (nasalização e adição de segmento), elemento vocálico tônico oral no singular, em contraste com ditongo tônico nasal no plural (nasalização e mudança de qualidade), pretéritos perfeitos regulares, independentemente da conjugação, pretéritos perfeitos irregulares, com variação no grau de abertura da vogal tônica, em ambas as formas do singular e do plural, e forma completamente distinta para o singular e o plural); b) posição do sujeito em relação ao verbo (anteposto, posposto, sujeito oculto); c) distância entre o sujeito e o verbo em número de sílabas (ausência de material fônico entre sujeito e verbo, presença de uma ou duas sílabas entre sujeito e verbo, e presença de três ou mais sílabas entre sujeito e verbo); d) constituição morfossintática do sujeito (pronome pessoal, pronome indefinido e/ou demonstrativo, pronome possessivo e numeral, nome não precedido por artigo ou pronome, nome precedido por artigo ou pronome, pronome relativo precedido de nome, e não se aplica); e) categorização semântica do sujeito (humano, não-humano, não-animado); f) paralelismo formal (presença de marca formal de plural em todos os elementos (também os pronomes), ausência de marca formal de plural no 2° elemento, não se aplica (sujeito oculto); g) sujeito pronominal (presença/ausência de sujeito pronominal ± eles, elas, vocês ± (sujeito pronominal explícito, sujeito pronominal não-explícito, sujeito não-pronominal; h) função discursiva do sujeito (tema, rema); i) valor semântico do verbo (ação, processo, ação-processo, estado).

Seus resultados, em relação à percentagem geral da variável dependente revelaram que, de um total de 832 ocorrências de terceira pessoa do plural encontradas na amostra do corpus, 439, isto é, 53% apresentaram a variante zero de plural nos verbos e dos 393 restantes das ocorrências, 47% apresentaram marcas explícitas de concordância nos verbos, obedecendo à regra padrão. A seguir, vejamos a tabela 3 que apresenta essa percentagem geral de concordância/não-concordância verbal com a terceira pessoa do plural.

Tabela 3 - Percentagem geral de concordância/não-concordância verbal com a

terceira pessoa do plural

Concordância Percentual Número de ocorrências

Com concordância 47% 393/832

Sem concordância 53% 439/832

Fonte: Sgarbi (2006, p. 116)

Para a pesquisadora, esses resultados mostraram que, de fato, os falantes do português popular registrado na comunidade estudada se inclinaram a não aplicação da regra padrão estabelecida pela gramática normativa.

Em relação à procedência, primeiro fator a surgir na ordem de relevância, a pesquisadora concluiu que 77% das ocorrências oriundas de falantes urbanos seguem a norma; em contrapartida, nos falantes rurais, apenas 27% atenderam à regra.

O fator sexo dos informantes, segundo lugar na ordem geral de relevância, também se mostrou significativo para a concordância de 3ª pessoa do plural. A concordância entre as 157 mulheres chegou a 74%, enquanto que entre os homens não ultrapassou o percentual de 28%.

Em terceira posição, o fator escolaridade se mostrou também relevante para a CV na 3ª pessoa do plural. Ou seja, os informantes escolarizados tenderam a utilizar a variante de prestígio com maior frequência que aqueles que tinham menor escolaridade ou escolaridade zero.

Os resultados linguísticos evidenciaram, por exemplo, que o sujeito não- pronominal favoreceu mais o uso de uma forma verbal não-marcada (40%) se comparado ao sujeito pronominal explícito (49%), que o uso de marcas formais de plural em todos os elementos do SN sujeito (52%) contribuiu mais para a concordância se comparada a ausência de marcas formais de plural no 2º elemento (30%) e que as formas de maior saliência é/são (60%), fez/fizeram (58%), falou/falaram (56%) e dá/dão (42%), propiciaram mais ocorrências de CV que as formas de menor saliência fala/falam (38%) e faz/fazem (34%).

Apesar da influência dos dados linguísticos na pesquisa realizada, a autora reitera em seu corpus a força que o fator extralinguístico tem sobre o linguístico.

3.1.1.2 Mattos (2013)

Mattos (2013) analisou contextos linguísticos e sociais fundamentais na compreensão da alternância de uso de nós e a gente e da concordância verbal com cada forma, relacionados à 1ª pessoa do plural na fala goiana. A amostra foi composta de 55 pessoas, 27 homens e 28 mulheres.

As variáveis extralinguísticos selecionadas foram: a) sexo (masculino, feminino); b) faixa etária (16 a 24 anos, 25 a 40 anos, 41 a 86 anos); c) nível de escolarização (10 a 11 anos de estudos, mais de 11 anos de estudos), englobando pessoas com pós-graduação latu sensu e stricto sensu.

Já as variáveis linguísticas foram compostas por: a) tipos de sujeito (nós e a

gente expressos e não expressos e 1ª pessoa do plural não pronominal); b) tempo verbal (presente, pretérito perfeito, imperfeito e outros tempos verbais); c) ritmo (paroxítono para proparoxítono, paroxítono para paroxítono, oxítono para paroxítono); d) tipo de estrutura sintática (orações coordenadas, subordinadas, contexto de oração principal); e) tipo da fala (afirmação, negação e interrogação).

Relativamente, seus resultados estatísticos revelaram, para a alternância das formas, uma frequência de 77% de a gente e de 23% de nós de 2412 dados de 55 pessoas com um mínimo de 10 anos de escolarização. Em relação à não CV, ela encontrou um percentual de 22% de singular verbal com nós e de 3% de plural verbal com a gente, como ilustrado na tabela 4 a seguir:

Tabela 4 - Distribuição dos dados amostrais por tipo de sujeito e por desinência

verbal na amostra goiana.

Tipo de sujeito

Desinência verbal

Singular Plural Total por tipo de sujeito

Nós expresso 98/423 = 23% 325/423 = 77% 649/2412 = 27%

Nós não expresso 50/200 = 25% 150/200 = 75%

A gente expresso 1395/400 = 99,6% 5/1400 = 0,4% 1763/2412 = 73% A gente não expresso 323/363 = 89% 40/636 = 11%

Fonte: Mattos (2013, p. 81).

Para a autora, a tendência de uso de nós + {-mos} em Goiás parece ser recente, certamente, devido à força de atuação da escola. A seleção estatística apontou, para o uso de singular verbal com nós, 3 variáveis: nível de escolarização, faixa etária e

sexo/gênero do falante. De acordo com os resultados, os mais jovens (16 a 24 anos) foram favorecedores (.82) do singular verbal em oposição aos mais velhos (41 a 86 anos) que o desfavoreceram (.22), mulheres favoreceram (.69) a não CV com nós e homens desfavoreceram (.34).

Em 1631 dados de a gente, o Goldvarb X apontou 4 variáveis de caráter linguístico e uma de caráter social: expressão do sujeito, tempo verbal, sintaxe da

oração, ritmo e faixa etária. Para caracterização linguística, a variável expressão do

sujeito apontou a condição de sujeito não expresso como favorecedora (.97) do plural verbal e de sujeito expresso como desfavorecedora (.30). Com tempo verbal, verificou o favorecimento de plural verbal em contexto de pretérito perfeito (.74) e futuro do presente perifrástico (.98) e desfavorecimento em caso de pretérito imperfeito (.31) e presente do indicativo (.47). Para a variável sintaxe da oração, verificou favorecimento de plural verbal com a gente para contextos de oração principal (89), desfavorecimento em caso de orações subordinadas (.23) e leve tendência de favorecimento em caso de coordenação (.53). Para ritmo, verificou favorecimento de plural no verbo (incorporação de {-mos}) quando se trata do grupo 3, oxítona/paroxítona, (.65), nesse caso um movimento do sistema rítmico orientado para a paroxitonicidade. Finalmente, a seleção da variável faixa etária apontou que as pessoas mais velhas (41 a 86 anos) favorecem (.80) o plural verbal, ao passo que as demais faixas etárias desfavorecem: .47 para os falantes entre 25 e 40 anos e .37 para os mais jovens.

Nos 2205 dados considerados na análise estatística para a alternância entre

nós e a gente na fala goiana, a seleção, centrada no a gente, apontou 3 variáveis linguísticas, tempo verbal, ritmo e expressão do sujeito, e as 3 variáveis sociais, faixa

etária, nível de escolarização e sexo/gênero do falante. No conjunto das variáveis linguísticas temos, para tempo verbal, pretérito imperfeito (.64) e presente (.58) favorecendo a gente; e pretérito perfeito (.29) e futuro do presente perifrástico (.23) desfavorecendo; para ritmo, grupo 2 (.63) e grupo 1 (.54) favorecendo o uso de a

gente, em oposição ao grupo 3 (.41) que o desfavoreceu; para expressão do sujeito, sujeito expresso favorecendo (.54) e não expresso desfavorecendo (.34) a emergência do a gente. No conjunto das variáveis de cunho social tiveemos, para

faixa etária, os mais jovens (16 a 24 anos) favorecendo (.70) o uso de a gente e os

demais segmentos etários desfavorecendo: falantes entre 25 e 40 anos (.49) e falantes entre 41 e 86 anos (.23); para nível de escolarização, falantes com 10-11

anos de estudos formais favorecendo a gente (.69) e falantes acima desse patamar de estudos desfavorecendo (.37); para sexo/gênero do falante, tivemos mulheres favorecendo (0,60) e homens desfavorecendo o uso do a gente (.41).

A maioria das tendências de natureza linguística e extralinguística, apontadas estatisticamente pela pesquisadora, não são, segundo ela, privilégio da fala goiana. A grande diferença relativamente à 1ª pessoa do plural consiste no uso do singular verbal com nós, uma vez que faz remeter às raízes rurais da cultura e que os goianos praticam sem estigmatização.