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3 ESTUDOS SOBRE A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DA SOCIOLINGUISTICA VARIACIONISTA

3.3 NA LÍNGUA FALADA E NA LÍNGUA ESCRITA

4.1.2 Variação versus mudança linguística

Primeiramente, salientamos que, através da Sociolinguística Variacionista, é possível estudarmos os fenômenos da língua que apresentam variação, em que algumas variantes, por exemplo, são mais prestigiadas que outras, conforme já discutido na subseção anterior. Nesses casos, havendo variantes que estão em competição, alguma pode acabar, ao longo do tempo, por substituir a outra, operando- se assim a mudança linguística que se observa em vários níveis: fonológico, lexical, morfológico, sintático.

Weinreich, Labov e Herzog ([1968]2006) argumentam que nem toda variação e heterogeneidade envolvem mudança, mas toda mudança envolve variação e heterogeneidade. Assim sendo, é possível assumirmos com Chambers (1995, p. 349) TXH ³D PXGDQoD p XP WLSR GH YDULDomR OLQJXtVWLFD FRP SURSULHGDGHV VRFLDis SDUWLFXODUHV´ Mi TXH SDUD TXH KDMD PXGDQoD D OtQJXD QHFHVVLWD SDVVDU SRU XP

período de variação, isto é, necessita passar por um período em que coexistam duas ou mais variantes.

Para compreendermos a relevância de Labov no estudo da mudança linguística, destacamos as correntes linguísticas do século XX: o estruturalismo saussuriano e o gerativismo chomskyano. Ao frisar, no início do século XX, a necessidade de distinguir fatos sincrônicos ± tudo quanto se relacione com o aspecto estático da ciência, e diacrônicos ± tudo o que diz respeito às evoluções, Saussure representou uma ampla ruptura com o pensamento anterior, pois enfatizaou incisivamente não só a possibilidade mas a necessidade de estudar os fatos linguísticos sem qualquer correlação com sua história. Afinal, a intenção de Saussure era isolar o estudo da língua de tudo que é exterior a ela. Ao mesmo tempo, como reação ao tipo de linguística que se praticava na época, Chomsky, em meados do século XX, também com o objetivo de abstrair considerações sociais, interessou-se especificamente pela relação língua e mente, ou seja, pelo conhecimento individual a respeito da língua. (CHAGAS, 2010).

No entanto, como nem a visão estruturalista nem a gerativista relacionaram a língua, as suas variações e as alterações com a heterogeneidade da sociedade, o caminho percorrido por Labov segue uma direção contrária. Para ele, toda língua apresenta variação, que é sempre potencialmente um desencadeador de mudança. Nesse sentido, faz da variação e da mudança linguística os objetivos centrais de estudo, relacionando-as justamente à estrutura da sociedade e à sua história, alguns dos aspectos que Saussure e Chomsky mantiveram fora da análise da língua. (CHAGAS, 2010).

Seguindo a perspectiva laboviana, Rubio (2012, p.80) afirma:

Conquanto o reconhecimento da mudança linguística preceda o advento da sociolinguística, é somente após o seu surgimento que se inicia a compreensão dos estágios intermediários entre o momento anterior e posterior a essa mudança e a captação de sua instalação gradativa e contínua, ou mesmo a concorrência e co-ocorrência das variantes num mesmo recorte do tempo, as quais passam a ser sistematicamente observadas.

Ao romper com as fronteiras entre sincronia e diacronia, Weinreich, Labov e Herzog ([1968]2006) defendem que a mudança linguística, inevitavelmente, deve ser concebida como encaixada no sistema linguístico e na matriz social, sendo o processo de mudança envolvido com estímulos e restrições tanto da estrutura social quanto

linguística. Para Paiva e Duarte (2006), o entrelace desses dois eixos defendidos por Weinreich, Labov e Herzog ([1968]2006) propicia um passo teórico importante, já que ³DVHYLGrQFLDVGDYDULDomRVLQFU{QLFDSDVVDPDFRQVWLWXLUXPH[FHOHQWHODERUDWyULR para a compreensão de mudanças Mi FRPWHPSODGDV RFRUULGDV QR SDVVDGR´ Cf. MONTE, 2012, p. 23).

Como afirmou Eugenio Coseriu (1979), o importante é entender que:

>«@DOtQJXDQXQFDHVWiSURQWD(ODpVHPSUHDOJRSRUUHID]HU$FDGDJHUDomR ou mesmo em cada situação de fala, cada falante recria a língua. Dessa forma, ela está sujeita a alterações nessa recriação. Por outro lado, depende de uma tradição, já que cada falante diz as coisas de determinada maneira em grande parte porque é daquela maneira que se costuma dizer. Há então um delicado jogo de continuidade e de inovações, estas sempre em menor número. Como a língua está sempre sendo recriada, ela comporta o surgimento de inovações a todo momento. O crucial é que nem toda inovação vinga, nem toda inovação é realmente incorporada e difundida pelos falantes de uma determinada FRPXQLGDGH>«@ (CHAGAS, 2010, p. 150).

Dentro da perspectiva variacionista, tomemos, agora, como exemplo, o caso do fenômeno variável da CV discutido por Galves (1993), Berlinck (1988, 1989) e Monguilhot (2009).

Galves (1993) faz uso dos resultados das pesquisas de Berlinck (1988, 1989) que trabalha no campo da sociolinguística e relaciona o enfraquecimento da morfologia de flexão verbal com outras mudanças sintáticas verificadas no Brasil a partir do século XIX. De acordo com Berlinck (1988, 1989), esse enfraquecimento ocasionou um intenso decréscimo da frequência da ordem VS(O) ao longo dos últimos séculos do português escrito no Brasil. A autora identificou que, de 45% de VS(O) no século XVIII, passou-se para 31% no século XIX, e chegou a 21% no século XX. Para ela, essa queda está, principalmente, condicionada pela transitividade do verbo e, como resultado, percebe-se o aumento do preenchimento do sujeito e o enrijecimento da ordem SV.

Monguilhot (2009), investigando também o fenômeno da CV no que se refere à terceira pessoa do plural no PB e no PE em uma amostra sincrônica (século XXI) e diacrônica (séculos XIX e XX), apresentou resultados gerais que mostram uma maior tendência à aplicação da regra de CV nas duas amostras, exibindo frequências maiores de marcas explícitas de plural nos verbos em PE do que as frequências encontradas no PB. Dos 794 dados de variação na CV do PB, 640 dados apresentaram marcas de plural nos verbos, o que correspondeu a 80,6% da amostra,

e 154 dados, 19.4% do total, com marcas zero de plural nos verbos. No PE, do total obtido, 742 apresentaram marcas de concordância nos verbos, correspondendo a 91.95% da amostra, e 65 dados, 8.05% do total, apresentaram a variante zero de plural nos verbos. Considerando as duas variedades investigadas pela autora, ela observa que os sujeitos antepostos com traço [+ humano], os contextos verbais mais salientes e marcas presentes na fala de jovens com escolaridade superior são contextos que podem estar restringindo uma possível mudança e, consequentemente, favorecendo o uso das marcas de plural nos verbos. Em contrapartida, os contextos de sujeitos pospostos com traços [- humanos] e os contextos verbais menos salientes, para a pesquisadora, estão favorecendo possível mudança no caminho da não marcação da concordância verbal. Ao recortarmos algumas de suas conclusões a respeito do PB, destacamos que (i) a não marcação da concordância verbal parece estar levando o PB a uma língua de sujeito preenchido, (ii) essa mudança vai encadear a mudança na ordem do sujeito, (iii) a posição do sujeito cada vez mais preenchida, vai levar a um enrijecimento da ordem SV.

Destacamos que, embora o nosso estudo seja o fenômeno em variação da CV de 1ª e 3ª pessoas do plural, o entendimento de mudanças linguísticas se faz necessário para uma compreensão mais adequada do fenômeno em estudo como um todo.