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3 ESTUDOS SOBRE A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DA SOCIOLINGUISTICA VARIACIONISTA

3.1 NA LÍNGUA FALADA

3.1.2 Região Nordeste

3.1.2.1 Santos (2010)

Santos (2010), com o objetivo de analisar a CV na fala de menores carentes que vivem em entidades filantrópicas de Maceió, capital de Alagoas, investigou a CV na fala dessas crianças e adolescentes. Para tanto, foram analisadas como variáveis linguísticas: a) posição do sujeito (sujeito anteposto ao verbo, sujeito posposto ao verbo); b) número de elementos entre o sujeito e o verbo; c) traço de número/pessoa (1ª pessoa do singular (sintagma pronominal eu), 1ª pessoa do plural (sintagma pronominal nós), 3ª pessoa do singular (sintagmas pronominais ele, ela, a gente e sintagma nominal) e 3ª pessoa do plural (sintagmas pronominais eles, elas e sintagma nominal); e como variáveis extralinguísticas: a) escolaridade (início do ciclo do ensino fundamental, fim do ciclo do ensino fundamental); b) tempo de permanência na entidade filantrópica (menos de cinco anos de permanência na entidade filantrópica, mais de cinco anos de permanência na entidade filantrópica); c) localidade (capital, interior).

A autora constatou que a variável número/pessoa foi considerada como a mais relevante em termos de percentagem, pois apresentou uma percentagem maior para a forma não-padrão. A 1ª pessoa do plural e a 3ª pessoa do plural apresentaram uma percentagem maior para a forma não-padrão (52% e 70%, respectivamente). Já o peso relativo, segundo Santos (ibid) mostrou que apenas o fator 1ª pessoa do singular exerceu influência significativa para o uso da variante padrão (.97). Por conseguinte, os demais fatores (3ª pessoa do singular, 3ª pessoa do plural e 1ª pessoa do plural) foram apontados como influenciadores do uso da variante não-padrão (.36, .15 e .10,

respectivamente). Seguem alguns exemplos (cf. (25), (26),(27) e (28)) extraídos da amostra de Santos (2010):

Posição do sujeito em relação ao verbo:

(25) rapai - o que o que eu menos gosto é porque: lá o ban o banhero é sujo os copo

fica na privada - essas cosas

(26) de manhã eu me aco:rdo me arrumo aí tomo café e vô pro colégio - chegando do colégio a gente já vai trocá de roupa

Os fatores extralinguísticos escolaridade e tempo de permanência na entidade

filantrópica foram favorecedores da aplicação da regra de CV; o início do ciclo do

ensino fundamental confirmou sua hipótese, ao gerar mais o uso da variante ausência de marcas de CV (.43) e o fim do ciclo fundamental concebeu mais o uso dessa variante (.056).

Escolaridade (início do ciclo fundamental):

(27) um dia? foi quano: teve as férias inesquecível - teve as férias aí ur minino tudinho

saiu aí só ficô poco minino - a gente: quase ficamo sem um nego um negócio de XXX

(...)

(28) elas são gente fina -- todo mundo é legal

De acordo com a pesquisadora, embora a escolaridade tenha despontado em último lugar na ordem de significância, a análise dessa variável continua sendo fundamental para o estudo da variação entre [-conc] e [+conc].

3.1.2.2 Brito (2013)

Brito (2013) realizou, em Vitória da Conquista/Bahia, uma pesquisa com 24 indivíduos dessa comunidade para analisar o fenômeno variável da CV na 3ª pessoa do plural. Foram analisadas as seguintes variáveis linguísticas: a) a realização e posição do sujeito (sujeito imediatamente anteposto ao verbo, sujeito anteposto com um ou mais constituintes intervenientes, sujeito anteposto ao verbo com uma relativa, sujeito retomado por um pronome relativo, sujeito anteposto ao verbo com SPrep, sujeito referencial não realizado, sujeito imediatamente posposto, sujeito posposto

com um ou mais constituintes intervenientes, sujeito posposto ao verbo ser); b) a concordância nominal no SN (SN com concordância, SN sem concordância); c) a caracterização semântica do sujeito ([+humano], [-humano]); d) indicação de plural no SN sujeito (mórfica, com numeral, lexical, com quantificador, mórfica e lexical ou mórfica, com quantificador e lexical, sujeito posposto); e) tempo verbal (presente do indicativo, pretérito perfeito, pretérito imperfeito, pretérito mais que perfeito, futuro do presente, futuro do pretérito, futuro perifrástico, presente do subjuntivo, pretérito imperfeito do subjuntivo, futuro simples do subjuntivo); f) tipos de verbo (transitivo, locativo, intransitivo, inacusativo, de ligação, auxiliar, voz passiva, modal, aspectual e leves, intransitivo com sujeito paciente e ergativo); g) a saliência fônica (nasalização sem envolver qualidade, nasalização com mudança de qualidade, acréscimo de segmento no plural, ditongação e/ou mudança de qualidade, acréscimo de segmento com supressão da semivogal do singular ou mudança de tonicidade, acréscimo e mudança de raiz, que pode ser completa); h) relação núcleo do SN sujeito e verbo (núcleo adjacente com marca de plural, núcleo adjacente sem marca de plural, último constituinte do SN com marca de plural, sujeito pronome eles, determinante ou modificador pré-nominal com marca de plural, determinante ou modificador pré- nominal sem marca de plural, numeral, sujeito terminado por tudo, sujeito terminado pela palavra todos/as); já as variáveis extralinguísticas foram: a) sexo (masculino, feminino); b) nível de escolaridade (0 a 2 anos de estudos, 3 a 5 anos de estudos); c) faixa etária (25 a 34 anos, 45 a 55 anos, mais de 65 anos); d) rede de relações sociais (alta rede de relações, baixa rede de relações). Na fala desses informantes, totalizaram-se 1055 ocorrências de CV na 3ª pessoa do plural. Os dados obtidos pela análise quantitativa dos grupos de variáveis selecionadas apontaram, conforme tabela 5 a seguir, números estatísticos bem significativos.

Tabela 5 - Aplicação da regra de CV em P6

Concordância verbal em P6 Número de ocorrências Percentual

(+) aplicação da regra 181/1055 17.2%

(-) aplicação da regra 874/1055 82.8%

Fonte: Brito (2013, p. 113)

Os resultados do trabalho demonstraram 17.2% de aplicação da regra de CV e 82.8% de não aplicação da regra. Em relação às variáveis extralinguísticas, a autora verificou a influência da escola (0 a 2 anos ± 16.6%, .471 e 3 a 5 anos ± 17.6%, .525) e das redes de relações (alta rede de relações 19% (0509) de favorecimento à aplicação da regra e baixa rede de relações 15.8% (0493) de aplicação da regra geral de concordância) sobre os falantes do português popular.

Para o pesquisador, as duas normas popular e culta coexistem num quadro de variação estável, mas, atestou, a partir de seus dados, que a norma popular segue uma tendência à mudança, na direção da aquisição da norma culta pelos falantes jovens (25 a 35 anos).

3.1.2.3 Araújo (2014)

Araújo (2014) realizou 48 entrevistas, 36 da norma popular (12 gravadas na zona rural e 24 na zona urbana) e 12 da norma culta urbana, em Feira de Santana, município do interior da Bahia, com o objetivo de discutir a formação e a caracterização atual da realidade sociolinguística brasileira, a partir do uso variável da CV em orações finitas na 3ª pessoa do plural dessa população. Os fatores sociais foram: a) escolaridade (nível baixo: informantes analfabetos ou que tivessem estudado por, no máximo, quatro anos; nível superior: informantes com ensino superior completo com ou sem pós-graduação); b) sexo (masculino, feminino); c) idade (faixa 1: informantes com 25 a 35 anos; faixa 2: informantes com 45 a 55 anos; faixa 3: informantes a partir de 65 anos); d) diazonalidade (falares urbanos x falares rurais); e) origem do informante (Feirenses filhos de feirenses, Feirenses filhos de migrantes); f) saliência fônica; g) efeito de gatilho; h) forma do último constituinte do SN. Os fatores linguísticos constituíram-se de: a) realização e posição do sujeito (sujeito imediatamente anteposto ao verbo, sujeito anteposto ao verbo com um ou mais constituintes intervenientes (a partir de mais de duas sílabas), sujeito anteposto

ao verbo com uma relativa, sujeito anteposto ao verbo com SPrep, sujeito retomado por pronome relativo, sujeito não-realizado com referência determinada, sujeito imediatamente posposto, sujeito posposto separado por um ou mais constituintes, sujeito posposto ao verbo ser sem constituintes anteriores); b) concordância nominal no sujeito (SN com concordância, SN sem concordância); c) indicação do plural no SN sujeito (mórfica, com numeral, com quantificador, mórfica e lexical (marcação dobrada) ou mórfica, com quantificador e lexical (com tripla marcação), sujeito composto); d) caracterização semântica do sujeito ([+ humano] e [-humano]); e) tipo de verbo (transitivos, locativos, intransitivos, inacusativos, cópula/de ligação , auxiliares, passivas, modais, aspectuais e leves, transitivos com sujeito paciente e verbos ergativos). Nas suas análises quantitativas, a autora nos mostra que a realização e posição do sujeito e o sexo do informante foram as variáveis que se destacaram nas duas amostras (culta e popular). Ao comparar as falas culta e popular, ela localizou em sua pesquisa um dado interessante. Na fala culta, percebe-se um processo de perda de morfologia flexional, já, na popular, o inverso, ou seja, um processo de aquisição dessa morfologia. Nos dados da fala culta, a retomada do sujeito por relativo (87.8% .63) e anteposição imediata do sujeito (97.3% .62) foram os fatores que mais favoreceram a CV padrão e a posição pós-verbal do sujeito (66.7% .10) como a que mais desfavoreceu essa aplicação. Nos dados do português popular, 75.5% das ocorrências de verbo com sujeitos de 3ª PPL se realizaram com a variante não-padrão. Na norma popular dos jovens, foi constatado um padrão ascendente, ou seja, eles acabam por utilizar mais a variante padrão do que os mais idosos; enquanto que, na norma culta, os mais idosos são os que mais a usam, apesar de as frequências de uso serem altas em todas as faixas etárias.