• Nenhum resultado encontrado

3 ESTUDOS SOBRE A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DA SOCIOLINGUISTICA VARIACIONISTA

3.3 NA LÍNGUA FALADA E NA LÍNGUA ESCRITA

4.1.1 Regra variável e variantes

Regra variável e variante são termos fundamentais na Sociolinguística Variacionista, tendo em mente que a variação faz parte do sistema linguístico heterogêneo composto por regras e unidades variáveis dentro de uma comunidade de fala observável (WEINREICH; LABOV; HERZOG, [1968]2006).

De acordo com Tarallo (1996), as variantes linguísticas referem-se às várias formas de se dizer uma mesma coisa em um mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade. Para ele, cada uma das variantes é correlacionada com fatores que favorecem ou inibem sua ocorrência. Várias condições são levadas em consideração na escolha da regra para análise, isto é, devem ser observadas as possíveis regras indicadoras de estratificação social ou etnicidade e/ou marcadores de variação estilística, assim como examinar cada uma das variantes da regra. Desse modo, a variação não é caótica nem aleatória e muito menos desprovida de qualquer regularidade. A variação pode, sim, ser analisada e sistematizada (TARALLO, 1991). Bortoni-Ricardo (2014, p. 69) vai ao encontro desse modelo teórico ao dizer que as IRUPDVTXH³VXSRVWDPHQWHWUDQVPLWHPRPHVPRFRQWH~GRVHPkQWLFRH[SUHVVRFRP

recursos linguísticos distintos, vão caracterizar regras variáveis, e suas alternativas são denominadas variantes´

Da mesma forma, Rubio (2012, p. 68) também considera que

>«@DYDULDomRLPSOLFDRXVRDOWHUQDQWHGHIRUPDVGLVWLQWDVSDUDVHWUDQVPLWLU um mesmo conteúdo informativo. O conjunto desses usos constitui, por sua vez, a variável linguística. Cada uma dessas formas alternantes que expressa o mesmo valor de verdade em um mesmo contexto é denominada variante linguística.

No caso do fenômeno da CV, duas variantes compõem a variável linguística, a saber: a) presença de marcas de plural nos verbos e b) ausência de marcas de plural nos verbos. Em uma comunidade de fala, há uma concorrência entre as formas variantes pelos falantes, já que eles conferem valores sociais diferentes a cada variante.

Dentre algumas questões que merecem ser investigadas pela Sociolinguística destacam-se: a origem da variação linguística, sua extensão e propagação ao longo dos tempos. Nessa perspectiva, Labov observa que, de início, uma forma linguística ³QRYD´SDVVDDVHUDGRWDGDSRUXPGHWHUPLQDGRJUXSRSRGHQGRHVVDIRUPDHVWHQGHU- se ou não para os demais grupos; em caso afirmativo, quando essa forma passa a ser adotada por outro grupo, ela passa a ter sua extensão e, por conseguinte, quando adotada por todos os membros da comunidade, passa ter a função de marcador, de estereótipo.

Vale pontuarmos que, para Tarallo (1996), as variantes de uma comunidade de fala normalmente se encontram numa relação de concorrência: padrão versus não- padrão; conservadora versus inovadora; de prestígio versus estigmatizada. De uma forma geral, a variante considerada padrão é, concomitantemente, conservadora e prestigiada sociolinguisticamente na comunidade. Em contrapartida, as variantes inovadoras são quase sempre não-padrão e, diferentemente daquela, são estigmatizadas pelos membros da comunidade.

A propagação das formas linguísticas variáveis não se dá bruscamente no GHFRUUHU GD KLVWyULD SRLV DR VHU SURSDJDGD XPD ³QRYD´ IRUPD RXWUDV IRUPDV linguísticas vão aparecendo em decorrência daquela. Vale salientarmos que, quando é iniciada no grupo de maior status social, a variação passa a ser aceita mais rapidamente pelos demais grupos. No entanto, se iniciada no grupo de menor status

social, passa a ser estigmatizada pela classe dominante, podendo tornar-se ou não, posteriormente, uma forma de prestígio.

A exemplo disso, Labov faz um estudo do fenômeno do r final pós-vocálico na língua falada dos novaiorquinos e observa que, no século XIX, a ausência do r era a forma de prestígio adotada pelo grupo de maior status social, enquanto, no século XX, esse mesmo grupo passa a estigmatizar tal forma, primando, agora, pela presença do r final pós-vocálico em palavras do tipo car, finger.

Fazendo esse estudo sociolinguístico do r final pós-vocálico na Ilha de Martha´s Vineyard e em Nova Iorque, Labov (1966) verificou que a posição geográfica do falante é um dos fatores determinantes para o surgimento de formas linguísticas variáveis. Por ser a Ilha de Martha´s Vineyard constituída por uma população rural e pobre com pouco desenvolvimento industrial e alto índice de desemprego, a probabilidade de aplicação do r final pós-vocálico é muito pequena, sendo os falantes idosos mais conservadores do que os jovens. Já, em Nova Iorque, verifica-se que há maior probabilidade de aplicação por ser uma região industrializada onde os falantes têm melhor situação financeira e mantêm maior contato no meio urbano.

Com base na estratificação social em Nova Iorque, Labov (1966) faz um estudo em três grandes lojas: Sak´s Fifth Avenue, Macy´s e S. Klein. Em Sack´s, há uma distinção muito grande entre empregados e patrão, havendo falantes estrangeiros com sotaque francês e europeu ocidental, sendo a clientela pertencente à classe média alta, havendo maior incidência de aplicação do r final e pós-vocálico; em Macy´s, há uma concorrência de formas, pois ora se aplica, ora não se aplica o r final pós-vocálico e, em S. Klein, não há distinção entre patrão e empregados, tendo os falantes vários sotaques (judeu, portorriquenho e europeu oriental), sendo quase todos de origem negra, o que favorece a não aplicação do r final pós-vocálico devido ao contexto informal ser mais marcante do que nas outras lojas.

Além da estratificação social, outro fator não-linguístico que contribui para o aparecimento de formas linguísticas variáveis é a faixa etária, pois falantes idosos são mais conservadores do que os jovens. Fazendo uma pesquisa de campo em Nova Iorque, Labov considera que, apesar de jovens e idosos estarem numa mesma zona geográfica, pertencem a comunidades de fala diferentes: enquanto os primeiros primam pela forma de prestígio, os segundos tendem a solidificar formas linguísticas ³QRYDV´ e EHP YHUGDGH TXH, no contexto pragmático, as formas conservadoras e inovadoras estão em constantes embates, o que possibilita sua alternância.

Nesse sentido, é defendido por Labov que as formas variantes têm as seguintes funções: a) indicador de diferenças sociais, o que é demonstrado pela relação complexa de estratificação social (+status social versus ±status social), b) diferenciador de estilos (casual, espontâneo e cuidado) e c) marcador de uma dada comunidade definido como estereótipos, ou seja, marcas linguísticas que marcam socialmente uma dada comunidade. Para descrevermos, portanto, as formas linguísticas inovadoras, é necessário investigar o grau de estratificação social e os contextos em que elas aparecem, cabendo ao pesquisador coletar grande número de dados da língua na interação entre os interlocutores.

Por estar fundamentado numa ciência de base empírica, Labov constata, a partir dos dados coletados, que as classes sociais refletem-se na língua; quer dizer, a língua é o veículo que, por meio de contextos diversos, sejam eles formais e informais, diferencia os vários grupos sociais de uma dada comunidade, ocasionando, assim, a variação estilística (fala casual, espontânea ou cuidada). Falantes de status social elevado tendem a adotar a forma de prestígio, enquanto os de menor status tendem, em sua grande maioria, a adotar formas linguísticas variáveis.

Um dos fatores que também ocasiona maior aparecimento de formas linguísticas variáveis na fala das pessoas de menor status social diz respeito ao fenômeno da hipercorreção que consiste na aplicação de uma norma linguística imperfeitamente assimilada, resultante do alto grau de insegurança linguística, sobretudo, em se tratando das mulheres.

É importante dizermos que, no contexto formal, a classe de menor status social tende à hipercorreção no intuito de usar a forma padrão, o que vai de encontro à classe de maior status social que usa formas de prestígio não só em contextos formais, mas também em contextos informais, sendo isso resultado de um grau menor de hipercorreção. Nessa acepção, mudando-se a classe social, muda-se o comportamento linguístico.

Alguns fatores sociais, além da classe social, são convocados na caracterização do comportamento linguístico dos indivíduos como: contexto de fala, escolaridade, sexo, origem geográfica, profissão e religião. Ainda assim, de acordo com Naro (2003), existe um comportamento considerado esperado, apesar de as organizações sociais de cada comunidade de fala possuírem certas peculiaridades não preditas. Como, por exemplo, pessoas com maior grau de escolaridade podem preservar mais as formas conservadoras.

Indo na mesma direção do raciocínio de Monte (2012), podemos perceber que a sociolinguística não concebe a variabilidade como um algo aleatório e insiste na necessidade de um controle sistemático e empírico dos fatores estruturais (internos) e sociais que motivam o uso de uma ou outra variante.

Em relação à CV, para Tarallo (1996), o caso da marcação de plural no PB, por exemplo, é um dos fatores que influencia o uso da variante padrão e não-padrão, pois a variante [s] é padrão, conservadora e de prestígio e a variante ø é, por outro lado, inovadora, estigmatizada e não-padrão. Ao estudar o fenômeno variável da CV, Rubio (2012, p. 83) observa que:

fatores de ordem social poderão influenciar as escolhas linguísticas dos IDODQWHVHPUD]mRGDVµSUHVV}HV¶VRFiais que regularão a escolha de uma ou outra variante, ou seja, a inserção do indivíduo em um grupo social influenciará o seu comportamento linguístico, se não for o caso de realmente determiná-lo.

Muitos estudos, preocupados com essa diversidade linguística, vêm sendo desenvolvidos de acordo com os pressupostos teóricos da sociolinguística, mas, como já dito por Santos (2013), um tipo de estudo que sempre desperta a atenção, dentre as pesquisas sociolinguística, é o do fenômeno da concordância sujeito-verbo no PB.