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Variação e ensino: a favor da polarização sociolinguística

3 ESTUDOS SOBRE A CONCORDÂNCIA VERBAL NO PORTUGUÊS BRASILEIRO NA PERSPECTIVA DA SOCIOLINGUISTICA VARIACIONISTA

3.3 NA LÍNGUA FALADA E NA LÍNGUA ESCRITA

4.2.1 Variação e ensino: a favor da polarização sociolinguística

Como dito por Bortoni-5LFDUGR S DVRFLROLQJXtVWLFDpXPD³FLrQFLD que nasceu preocupada com o desempenho escolar de crianças oriundas de grupos VRFLDLVpWQLFRVGHPHQRUSRGHUHFRQ{PLFRHFXOWXUDOSUHGRPLQDQWHPHQWHRUDO´ORJR o domínio do lar para o domínio da escola é uma transição de uma cultura predominante oral para uma cultura permeada pela escrita. Ou seja, permeada pela cultura do letramento, e, nessa realidade sociolinguística de sala de aula, convivem variedades regionais, sociais e estilísticas. Por isso, é indispensável haver uma cadência entre o que propõe a sociolinguística e o que o profissional de Língua Portuguesa pratica. (BORTONI-RICARDO, 2014).

De acordo com Bortoni-Ricardo (2005), a escola, ao mesmo tempo que não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas, respeitando e valorizando as peculiaridades linguístico-culturais dos alunos, não pode negar a eles um direito alienável: o aprendizado da variante de prestígio. Para Martins, Vieira e Tavares (2014, p. 9),

um dos maiores desafios das aulas de Português diz respeito, sem dúvida, ao tratamento das variações linguísticas e, fundamentalmente, aos saberes gramaticais ± permeados por diferentes normas linguísticas ± que devem estar presentes na escola. Como o amplo acesso dos brasileiros aos bancos escolares, especialmente no primeiro nível de ensino fundamental, a multifacetada realidade brasileira, em todas as suas expressões socioculturais, reflete-se na produtiva e saudável convivência de diversas variedades linguísticas na vida escolar. Conhecer essa realidade plural ocupou e ocupa a agenda dos estudos sociolinguísticos brasileiros, cujos resultados vêm sendo expostos, há meio século, em eventos da área e em publicações diversas no país e no exterior.

Segundo Bortoni-Ricardo (2004, 2005, 2008), o contínuo de normas que o professor precisa dominar deve levar em consideração as peculiaridades da comunidade de fala brasileira. Esse contínuo vai do mais monitorado/formal ao menos monitorado/informal (contínuo de monitoração estilística); do mais rural ao mais urbano (contínuo de urbanização) e do mais oral ao mais escrito (contínuo de oralidade-letramento). Quer dizer, deve haver por parte do docente, o manejo e o

reconhecimento da produtiva variação de registro que devem estar presentes nas aulas de Português, seja em gêneros textuais falados, seja escritos e, dessa forma, (re)conhecer a pluralidade de normas com as quais efetivamente terá de trabalhar na sala de aula.

Para Bortoni-5LFDUGR  S   ³D LGHQWLILFDomR GR SHUILO VRFLDO do aluno, IDFLOLWDRWUDEDOKRQDVDODGHDXOD´SRLVTuando o professor lida com alunos de acesso bastante limitado à norma culta em seu ambiente social, precisa considerar a interferência das regras fonológicas e morfossintáticas de seu dialeto na aprendizagem do português-padrão. Essa maior atenção aos fatores extralinguísticos associada ao processo de aprendizagem, a partir de novas estratégias pedagógicas, possibilitam ao aluno uma melhor aprendizagem desta língua padrão.

Ao mesmo tempo, Bortoni-RicaUGR  S   DILUPD TXH ³D SROtWLFD educacional do Brasil tem insistido em ignorar as diferenças linguísticas que separam RVHVWUDWRVVRFLDLVGRSDtV´MiTXHDQRVVDWUDGLomRVHJXQGRDDXWRUDFRQIXQGHR conceito de unidade linguística e se apoia no mito da perfeita inteligibilidade entre todos os brasileiros. No entanto, não podemos desprezar, por exemplo, as variedades populares dos falantes que apresentam sérias dificuldades de compreender não só estilos formais da língua padrão escrita e oral como também a linguagem da radiofusão e da imprensa em geral.

Almeida-Baronas e Cobucci (2016) salientam que, atualmente, diante da evolução dos estudos sociolinguísticos, impera a necessidade de uma formação totalitária do alunado. Para isso, a formação docente deve ser realimentada constantemente, a fim de permitir conhecimentos linguísticos que conduzam à reflexão sobre a língua e a linguagem; assim como, seus conhecimentos sociossimbólicos na sociedade.

Segundo Martins, Vieira e Tavares (2014), independente da norma praticada, é fundamental que o professor reconheça as discrepâncias entre fala e escrita. Portanto, é importante salientarmos que a fala e a escrita de indivíduos com alto nível de escolaridade é distinta. Do mesmo modo, é válido entendermos que não é produtivo relacionar, de modo automático, a modalidade falada ao registro informal, e a modalidade escrita ao formal. Essa associação rejeita a autonomia de cada contínuo de variação que caracteriza a complexa realidade sociolinguística brasileira. Além GLVVR³HPSUREUHFHRPDQHMRHRUHFRQKHFLPHQURGDSURGXWLYDYDULDomRGHUHJLVWUR

que devem estar presentes nas aulas de Português, seja em gêneros textuais falados, VHMDHPJrQHURVWH[WXDLVHVFULWRV´ ,ELGS 

Na escola, o compromisso do professor é de ajudar o aluno a refletir sobre sua língua materna e, assim, colaborar de forma efetiva com o ensino que permita o pleno e o necessário desenvolvimento das competências de leitura e de produção textual, inegáveis pilares das aulas de português nas múltiplas realidades acerca dos usos linguísticos na fala e na escrita. Ou seja, o professor de Língua Portuguesa necessita (re)conhecer a pluralidade de normas com as quais terá de trabalhar na sala de aula H ³D VRFLROLQJuística brasileira tem apontado para a necessidade do mapeamento GHVVDSOXUDOLGDGHQRHQVLQRGH/tQJXD3RUWXJXHVD´ ,ELGS 

Desse modo, o cumprimento dos propósitos para o ensino requer:

sem dúvida, ampla formação sociolinguística do professor, que deve abranger o conhecimento: (i) das normas de uso cultas orais em comparação às normas em uso na escrita, consoante a diversidade de gêneros textuais; (ii) das normas de uso populares, para medir o distanciamento destas em relação às cultas; e (iii) das normas típicas de outras variedades ou sincronias do português, para promover o reconhecimento de estruturas que não pertencem mais às normas efetivamente brasileiras. (VIEIRA; FREIRE, 2014, p.113).

A partir dessas reflexões, ao discutirmos o uso variável da CV na língua falada e escrita de alunos, fica evidente que a escola não pode ignorar as diferenças sociolinguísticas nem deve tratar oralidade e escrita como duas entidades dicotômicas, tendo em vista que a heterogeneidade linguística é inerente a ambas modalidades de uso da língua.

Sem dúvida, pesquisas sociolinguísticas brasileiras, a partir da descrição das variedades e, consequentemente, da divulgação dos resultados dessas descrições, têm muito a contribuir com o ensino de Português tanto conceitualmente como descritivamente.

Salientamos que nossa pesquisa apontará algumas reflexões para o trabalho com a variação em sala de aula no que se refere, por exemplo, ao fenômeno variável da CV, mas não será uma pesquisa-ação no sentido de ser realizado um estudo em sala de aula.

No capítulo seguinte, detalhamos os procedimentos metodológicos adotados para o desenvolvimento da pesquisa.