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Fluxograma 2 – Processo de Validação do Projeto de REDD+ da RDS do Juma

4.3 RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO JUMA

4.3.2 Aspectos jurídicos da RDS do Juma

4.3.2.4 Regularização das posses na RDS do Juma

Em vista de se tratar de unidade de conservação de domínio público, a propriedade da RDS foi conferida ao Estado. Assim, às populações tradicionais que residem na RDS foi reconhecida apenas a posse.

A regularização da posse e do uso das áreas ocupadas ou utilizadas pelas populações tradicionais em RDS deve ser feita por meio de Termo de Compromisso e de contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) (Lei do SNUC, art. 23, caput e III, c/c Decreto Federal n. 4.340/2002, art. 13).

A doutrina conceitua CDRU como sendo:

um instrumento que possibilita que o proprietário dê o domínio útil de seu imóvel a um terceiro interessado. Esta concessão é aplicável a áreas públicas e particulares. Trata-se de direito real sobre coisa alheia, em que o proprietário de uma área (cedente) outorga a terceiro (cessionário), por meio de contrato gratuito ou oneroso, o direito de usar o seu imóvel por prazo certo ou indeterminado, da forma estipulada no contrato, sendo resolúvel, tanto pelo descumprimento das condições contratuais quanto pelo decurso do prazo estipulado. Por ser direito real, a concessão de uso é transferível inter vivos ou causa mortis e, descumpridos nos termos contratuais ou ao término de seu prazo, faz reverter o bem ao uso da administração (BENATTI apud OLIVEIRA, 2009, p. 64).

O contrato de CDRU foi instituído pelo Decreto-Lei n. 271/67, que, no caput de seu artigo 7º, traz as finalidades para a sua elaboração:

Art. 7o É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios

de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas (grifos

da autora).

Portanto, a CDRU é o instrumento adequado para realizar a regularização fundiária das comunidades tradicionais da RDS do Juma, o que é reforçado pela Lei do SEUC (art. 75, caput).

Em compasso com a doutrina e com o Decreto-Lei n. 271/67, a Lei do SEUC estabeleceu também que o contrato de CDRU deve ser instituído apenas sobre imóveis dominicais estaduais localizados na unidade de conservação e conferirá ao cessionário direito real resolúvel, a título gratuito, por tempo certo, e vinculado ao atendimento de suas finalidades socioambientais (art. 75, § 1º). Determinou, igualmente, que o contrato de CDRU deve ser firmado com o órgão fundiário, o ITEAM, após ter sido ouvido o órgão gestor, o CEUC (Lei do SEUC, art. 75, § 2º).

Cumpre destacar que é dispensada a licitação para a emissão de CDRU para fins de regularização da posse das populações tradicionais localizadas em RDS (Lei Federal n. 8.666/93, art. 17, I, “f”, c/c Lei do SEUC, art. 75, caput).

O contrato de CDRU traz normas que obrigam o cessionário, sob pena de rescisão, em caso de descumprimento. No caso do Estado do Amazonas, o ITEAM obriga o cessionário a:

a) promover a exploração racionalizada da unidade produtiva62 sem impactos ambientais, ficando ciente da proibição de uso de espécies localmente ameaçadas de extinção ou de práticas que danifiquem seu habitat;

b) observar a legislação ambiental, contribuindo para a conservação do meio ambiente, ficando ciente da proibição de práticas ou atividades que impeçam a regeneração natural dos ecossistemas;

c) inserir-se na organização da comunidade, contribuindo para o desenvolvimento social e humano;

d) desenvolver a agricultura familiar fomentando a solidariedade entre os membros da comunidade (OLIVEIRA, 2009, p.65).

Segundo a Lei do SEUC (art. 75, § 2º), o contrato de CDRU será firmado entre o órgão estadual fundiário, o ITEAM, e as associações representantes das comunidades tradicionais ou, quando necessário, poderá ser firmado individualmente. Portanto, a Lei do SEUC parece ter conferido prioridade à emissão de CDRU a título coletivo (com as associações), e, apenas quando necessário, a título individual (com o comunitário).

Essa parece ser a melhor alternativa, uma vez que as populações tradicionais possuem formas de apossamento diferenciadas, consubstanciadas na posse agroecológica. A posse agroecológica conjuga tanto a posse coletiva – na qual se manifesta o uso comum da terra – como a posse familiar – na qual se manifesta o trabalho familiar. José Heder Benatti (2004, p. 112) explica a diferença dessas formas de apossamento:

62 Unidade produtiva é a área utilizada para pequenas plantações, popularmente conhecidas como roçados (OLIVEIRA, 2009)

A posse coletiva podemos entender como sendo aquela explorada mediante trabalho de mais de uma família, ou da comunidade, com o intuito de desenvolver atividades agroflorestais, extrativistas, religiosa, cultural, educacional ou recreativa, tais como a igreja, o campo de futebol, a casa de farinha, a sede da comunidade, a escola, o porto etc., enquanto que a posse familiar seria aquela explorada mediante trabalho pessoal ou de uma família, admitida a ajuda eventual de terceiro, proveniente de atividade agroflorestal ou do extrativismo.

No entanto, a prática do ITEAM vinha sendo a de ignorar a emissão de CDRU na modalidade coletiva e de emitir apenas CDRUs na modalidade individual. Assim, não vinham sendo contempladas as formas de apossamento das populações tradicionais em sua totalidade, pois o ITEAM apenas regularizava as áreas de apossamento familiar dos comunitários, restando excluídas as suas áreas de apossamento coletivo (OLIVEIRA, 2009, p. 76).

Recentemente, porém, o ITEAM fez uma consulta jurídica à Procuradoria Geral do Estado do Amazonas (PGE-AM), sobre a possibilidade de emissão de múltiplas CDRUs para a mesma associação de moradores de unidade de conservação. Em 29 de julho de 2011, a PGE-AM exarou o Parecer n. 18/2011, o qual foi favorável a essa possibilidade. Assim, respaldado pelo parecer da PGE-AM, o ITEAM deve passar a emitir CDRUs coletivas para as unidades de conservação.