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3 AS QUESTÕES ORÇAMENTÁRIAS E FISCAIS DAS PPPs

3.1 Marcos Legais, Regulamentares e Definições

3.1.2 Outras regras não constantes da Lei de PPP mas que lhes

3.1.2.2 Relatório de Gestão Fiscal – Anexo da LDO

Por fim, outras disposições ainda de anexos da LDO que não as das metas fiscais, e que dizem respeito às parcerias público-privadas, são encontradas no Relatório de Gestão Fiscal (RGF).

O RGF também é determinado pela própria LRF em seu artigo 54, e tem extrema importância por apresentar o cumprimento – pelos entes federados – dos limites estabelecidos para algumas despesas instituídos pela própria Lei de Responsabilidade Fiscal. Este anexo é muito famoso no meio dos interessados ou que militam com as finanças públicas, por ser o documento que apresenta a consolidação das despesas com pessoal, e o consequente atendimento (ou não) dos limites da própria lei em relação àquelas despesas.

Hoje em dia, a 9ª edição do Manual de Demonstrativos Fiscais (versão 2019), instituída pela Portaria/STN n.º 389/2018, continua trazendo o anexo de “Demonstrativo da Dívida Consolidada Líquida”, que tem campo específico a respeito das PPPs.

Este anexo é o de número 02 do RGF, que traz a seguinte disposição gráfica.

Figura 6 - Anexo 2 do RGF - demonstrativo da dívida consolidada líquida

Fonte: Manual de Demonstrativos Fiscais, 9.ed., 2019. Portaria STN 389 de 14/06/2018.

Como se nota da figura acima, o demonstrativo do RGF trata da “Dívida Consolidada Líquida”, que já tratamos acima no item 3.1.1.4, para o qual se remete.

Outra constatação – óbvia nos parece – é que a única menção à PPP do anexo a coloca no campo da (provisão de) dívida, mas que não integra o cálculo da dívida consolidada propriamente dita.

O próprio Manual, esclarece:84

DÍVIDA CONTRATUAL DE PPP

Registra o saldo apurado até o quadrimestre de referência dos valores referentes aos passivos decorrentes da incorporação de ativos da PPP. [...] (grifos no original, sublinhados nossos).

Continua o texto:

Não compõem a dívida consolidada para efeito de verificação do cumprimento dos limites, e são apresentados em quadro específico do demonstrativo, os precatórios judiciais emitidos antes de 5 de maio de 2000, o passivo atuarial dos regimes próprios de previdência e a dívida contratual de PPP (grifo nosso).

Assim, o que nos intui a apresentação destes demonstrativos fiscais, sejam os de apresentação obrigatória para instauração de PPPs do Anexo de Metas Fiscais (item 3.1.1.2, acima), sejam os demais constantes da execução orçamentária, é que, para STN, o controle orçamentário-fiscal das PPPs se dá única e exclusivamente pelo fluxo das despesas. Não há controle de dívida, ou de “estoque de dívida” como gosta de nomear a doutrina.

Da mesma forma, por mais que o artigo 10, I, c) da Lei de PPP remeta para regulamentação da STN as condicionantes de dívida para estes projetos, o fato é que a Portaria STN 614/06 não o fez, já que disciplina a alocação de bens no ativo ou passivo, mas sem maiores contornos sobre a dívida e seu controle.

Ainda, mesmo o risco, assunto constante e praticamente a motivação da Portaria STN 614/2006, inclusive com determinação para sua contabilização, não foi contemplado para fins de dívida, conforme novamente nos confirma o Manual:85

84 BRASIL. Secretaria do Tesouro Nacional. Manual de demonstrativos fiscais: aplicado à União e aos Estados, Distrito Federal e Municípios. 9.ed. Brasília: STN, Subsecretaria de Contabilidade Pública, Coordenação-Geral de Normas de Contabilidade Aplicadas à Federação, 2018.

Não deverão ser considerados como parte integrante da Dívida Consoli- dada as provisões e apropriações por competência que representam o reconhecimento de obrigações cujo valor ainda não esteja definitivamente determinado, tais como provisões para riscos trabalhistas, provisões mate- máticas, provisões para riscos tributários, provisões para riscos cíveis, provisões para riscos de contratos de parceria público-privada, apropriações de 13.º salário e férias, entre outros. (grifo no original, sublinhado nosso).

Assim, forçoso reconhecer que o controle – por parte dos anexos da LDO – contempla fortemente o fluxo das despesas, com caracterizações e apontamentos pouco ortodoxos, é verdade, mas com direcionamento firme neste sentido.

No entanto, já em relação ao controle do estoque da dívida, os anexos os apontam, inclusive em quadros que podem dar a real noção da sua escala de grandeza em comparação com outros aspectos da dívida consolidada; mas não os contemplam para fins de compor os índices de endividamento dos entes. É, em síntese, o que nos mostra o Manual.

No entanto, nem sempre foi assim.

A primeira versão do Manual dos Demonstrativos Fiscais, válido para o ano fiscal de 2009 e estabelecido pela Portaria STN 577/2008, trazia – para o anexo do Relatório de Gestão Fiscal – modelo de documento que contemplava as despesas com PPP como componente da dívida consolidada, em consonância com o que pregava parte da doutrina à época e em rota clara de choque contra o Demonstrativo 1 das Metas Anuais do mesmíssimo Manual – estabelecido pela mesma Portaria da STN – e que não considerava as despesas com PPP como componentes do cálculo da Dívida Consolidada.

O Anexo II do RGF da primeira versão do Manual Técnico de Demonstrativos Fiscais é apresentado pela figura 7 abaixo:

Figura 7 - Anexo 2 do RGF da 1.ª Versão do Manual Técnico de Demonstrativos Fiscais - demonstrativo da dívida consolidada líquida

Fonte: Manual Técnico de Demonstrativos Fiscais. 1.ed., 2009. V. III. Portaria STN 577/2008.

Como se nota da apresentação gráfica, a dívida contratual das PPPs fazia, efetivamente, parte do cálculo da Dívida Consolidada. A confusão à época deve ter sido grande por conta destas incongruências de determinação de contabilização dos anexos fiscais.

Não por outra razão, já para o exercício fiscal seguinte – 2010 – houve o lançamento da segunda versão do Manual de Demonstrações Fiscais por parte da STN, agora pela Portaria STN 462/2009; onde houve completa alteração do respectivo Anexo 2 do RGF, retirando as despesas com PPPs do cálculo da Dívida Consolidada.

Nesta edição e nas quatro seguintes do Manual, a dívida contratual das PPPs foi retirada do cálculo da Dívida Consolidada e agrupada com as dívidas contratuais, com expressa previsão a contratos daquela tipologia concessória – mas agora sem influir no cálculo da Dívida Consolidada – permanecendo assim até a sexta edição do MDF, válida para o exercício fiscal de 2015 e instituída pela Portaria STN 553/2014.

Na sétima edição do MDF (válida para o ano fiscal de 2017 e estabelecida pela Portaria STN 403/2016), não houve nenhuma menção a dívida de PPP no respectivo Anexo 2 do RGF. Permanecendo somente a linha da dívida contratual, mas sem fazer menção especificamente àquela tipologia concessória.

Por fim, a partir da oitava edição do Manual – válida para o ano fiscal de 2018 e estabelecida pela Portaria STN 495/2017 – o respectivo Anexo 2 do RGF passou a ter a apresentação conforme a figura 6 acima, repetida na nona edição; e com as despesas com PPPs sendo apresentadas propositadamente fora do cálculo da Dívida Consolidada.

Essa hesitação no tratamento das despesas com PPPs como dívida ou não por parte da STN é digna de nota, atenção e uma certa curiosidade sobre os rumos desta discussão. Em conversas informais com servidores e técnicos que milita(ra)m na STN, há a informação de que é corrente naquele órgão a ideia de que a existência do limite do artigo 28 da Lei de PPP, justamente por estar presente na norma, e por ter como base um valor com lastro em informação orçamentária/fiscal fidedigna e contundente (a RCL), aplacaria a necessidade de se inserir o cálculo de dívida das PPPs nos instrumentos fiscais da LDO; refletindo- se inclusive no rating dos entes federados.86

86 “Embora não tão comuns quanto os ratings corporativos e soberanos, as agências de classificação de risco Moody’s, Fitch, S&P e a brasileira Austin, se dedicam também a atribuição de notas a cidades e estados brasileiros“.

Diferentemente dos ratings de empresas e países, que visam alertar aos investidores o grau de segurança do investimento em títulos de dívida dos analisados, as notas subnacionais têm outros objetivos.

Ainda, é digna de nota a citação a pretensa dificuldade de se caracterizar como dívida as despesas correntes dos contratos, já que pode haver PPPs com baixíssimas despesas de capital e altas despesas correntes e, portanto, a extrema dificuldade de se caracterizar despesas eminentemente com serviços como dívida.

E, por fim, também foi citada a dificuldade – inclusive jurídica, mas principalmente política – de se classificar as despesas com PPPs como dívidas, uma vez que haveria uma intromissão exacerbada da União em questões orçamentárias de estados e municípios, com reflexos diretos na situação fiscal daqueles entes.