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F RENTE DE ÁGUA O C ONCEITO

No documento Frentes de água. Ao encontro do rio (páginas 36-38)

2.2 F RENTES DE ÁGUA A ORIGEM

2.2.4 F RENTE DE ÁGUA O C ONCEITO

ùComo se tanta terra fosse demais e só o mar pudesse ser, efectivamente, uma partida. Mas depois, constato agora, o mar também era demais. Acabei por ficar num espaço de ninguém, entre a terra e o mar, ou, mais prosaicamente, numa frente de água.ù (Ferreira V. M., 1997)

Um corpo de água; um espaço físico fronteiriço que separa a água e a terra; uma frente de água? Numa visão simplista, poderia ser esta a explicação para o conceito de frente de água.

Nos diferentes estudos relacionados com o tema das frentes de água, que foram alvo de análise, verifica-se, em grande parte dos casos, a ausência de uma definição formal do conceito. O tema é abordado, maioritariamente, depositando a atenção no que envolve as frentes de água, como seja a sua evolução, a respetiva importância ou os diferentes tipos de renovações que sofrem, sendo a explicação do que realmente é uma frente de água algo que passa despercebido. Esta ausência prende-se, possivelmente, com o facto de ser intuitiva a definição das ditas frentes de água, associadas geralmente à visão simplista apresentada. No entanto, considerou-se pertinente e fundamental clarificar este conceito, surgindo o presente ponto, que se apoia em referências bibliográficas que sugerem definições para o conceito ou, simplesmente, dão pistas que permitem alcançar a tal definição de frente de água. Na língua portuguesa, o conceito é formado por um conjunto de palavras ù frente de água ù não existindo uma definição direta no dicionário. No entanto, reportando ao inglês, tem-se o estrangeirismo regularmente usado ù waterfront ù, como tal, considerou-se interessante consultar um dicionário de língua inglesa, por forma a indagar qual o seu significado. Assim, o dicionário de inglês

The American Heritage (2000) sugere as descrições a seguir apresentadas de forma traduzida:

Waterfront 1. Terra confinante com um corpo de água. 2. A parte de uma vila ou cidade que confina com a água, especialmente numa área de cais onde os navios atracam.

Magalhães (2009) assume a definição sugerida por Sairinen et al (2006) que define a frente de água como a linha de contacto com os espelhos de águas nas cidades, independentemente das suas dimensões, sendo que esta ùáguaù pode representar um rio, um lago, um oceano, uma baía ou um canal. Estes autores defendem que a frente de água abrange não só a linha de contacto, como também, todo o tecido urbano que está de alguma forma ligado ao corpo de água em questão. Assim, tem-se como frente de água a faixa que abraça o elemento líquido e todas as construções ou áreas que, não

estando em contacto direto com o mesmo, têm a sua influência ao nível visual, histórico ou ecológico.

Magalhães (2009) engloba, nesse contexto, os portos e as docas, as áreas destinadas ao armazenamento de produtos que chegam ou partem por vias marítimas e as zonas de restauração e de lazer que se encontram nas margens.

Sairinen et al (2006) referem também, considerando Karvinen, que a frente de água é a fronteira entre

a controlável estrutura urbana e a incontrolável natureza. Este autor crê que esta zona de fronteira

deve permitir aos seus utilizadores o encontro com a natureza selvagem através de um mergulho ou de uma simples caminhada ao longo da linha de costa e constata, nas renovações de frentes de água concretizadas nos últimos anos, que há um ritual que tende a enfatizar a presença da natureza e a vista para o mar, tornando-se estes espaços importantes em termos de aparência visual.

Costa (2006) e, mais tarde, Castro (2011)assumem uma posição face a este conceito semelhante à dos autores anteriores. Ambos caraterizam a frente de água como a unidade morfológica territorial dentro

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da organização geral da cidade correspondente ao corredor de contacto com a linha de separação entre a terra e a água, considerando como parte integrante do conjunto os espaços que permitem a sua contemplação, nomeadamente, os miradouros e os jardins a cotas superiores à da linha de água.

Shamsuddin et al (2012) considera as frentes de água como zonas da cidade de elevado valor, que devem ser tratadas assentes num desenvolvimento sustentável pela força do recurso natural que aí se encontra, a água. No seu estudo, integra a definição de frente de água sugerida pelo Department of

Irrigation and Drainage of Malaysia (DID, 2003). Esta entidade define frente de água como o

corredor ao longo do curso de água cuja extensão se prolonga por 50 metros para cada lado das margens ou entre as primeiras linhas de construção que marginam esse curso de água de ambos os lados. Entende-se que esta definição é demasiado rígida e que pode não ser aplicável em todos os casos.

Amaral (2005) usa o termo waterfront, não propriamente como um espaço ou conjunto de espaços mas sim, como um tipo de intervenção de renovação urbana que se centra na orla de um rio, tendo em conta o seu caso de estudo. Diferencia-se dos autores apresentados por tratar a frente de água como orla1. E apresenta-a com vários sentidos possíveis atendendo às dimensões: natural, socioeconómica e política. Relativamente à dimensão natural identifica uma definição de caráter principalmente geomorfológico, na medida em que se refere à área limite entre as terras emersas e as águas oceânicas. Esta área não é necessariamente uma linha de costa em que se sentem os efeitos da maré, é uma zona do litoral, ou seja, uma faixa costeira. Neste âmbito sugere, ainda, a definição do Plano Nacional de

Gerenciamento Costeiro, que define a orla ou a zona costeira como ùo espaço geográfico de interação entre o ar, o mar e a terraù, não descurando os seus recursos renováveis e não-renováveis. Amaral

(2005) entende, no entanto, estas definições restritas a espaços virgens, livres de marcas humanas e sem qualquer interação entre sociedade e natureza, pelo que, as considera desajustadas com o carácter urbano que as frentes de água das cidades assumem.

Assim, Amaral (2005) define, tendo em conta o seu estudo, a orla como o conjunto das terras e das

produções/construções que estão à margem do rio e da baía alvos de estudo, considerando como

limites, de um lado esses cursos de água e do outro lado as vias públicas que lhes são imediatamente paralelas.

Ansari (2009) apresenta no seu trabalho uma definição de frente de água urbana que resulta da compilação de opiniões de diferentes autores, nomeadamente de Breen & Rigby que consideram como frente de água a baía, o canal, o lago, a lagoa e o rio juntamente com as construções adjacentes; de Torre que usa a mesma definição, porém associada às margens de oceanos, lagos, rios, córregos e estuários; de Carr et al que sugere um tipo de espaço que inclui portos, praias, frentes ribeirinhas, cais e frentes de lagos e de Bruttomesso que descreve a ùfrente de água como um tipo de margem especial

da zona urbana que, ao mesmo tempo que é parte da cidade, está em contacto com um corpo de água específico".

Ansari (2009) aponta, ainda, o documento US Coastal Zone Management Act que define este conceito como ù(ù ) qualquer área desenvolvida, que é densamente povoada e que está a ser usada, ou foi

usada, com fins residenciais, de lazer, comerciais, de transporte ou fins industriais (ù )ù,

considerando que estas definições, embora de tempos diferentes, apresentam uma certa analogia. No entanto, manifesta maior agrado pela definição de Bruttomesso, por considerar a mais global, inclusiva e adequada para definir ùfrente de águaù, na medida em que se refere especificamente à natureza

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urbana das mesmas e por transparecer flexibilidade quanto ao corpo de água associada à frente de água.

Atendendo às opiniões reunidas verifica-se, de facto, um certo paralelismo entre todas, cruzando, de uma forma geral, a ideia simplista que desafiou a concretização deste ponto. Conclui-se que não existe uma regra que limite o espaço de frente de água, sendo estes limites definidos consoante cada caso específico. Cada cidade ou aglomeração populacional que integra uma frente de água, encontrará os limites da mesma, tendo em conta a influência que a presença elemento água tem nos restantes espaços da urbe e vice-versa. Entende-se, por isso, que a definição apresentada pelo Department of

Irrigation and Drainage of Malaysia, que aponta uma distância fixa desde a linha de fronteira água-

terra, apenas funciona em termos teóricos; em termos práticos não se pode limitar, por distâncias, a frente de água, é essencial pensá-la como um todo, um conjunto que resulta de interações e ligações ao nível visual, histórico e ecológico.

Importa, também, introduzir a ideia que quando se fala em frente de água não se pode apenas pensar em terra e água. O Homem é a razão que motiva a existência deste conceito, pois é por ele, e para ele, que se verifica, desde cerca da década de 60, o aparecimento deste conceito de espaço público que urge ser criado, renovado e/ou valorizado.

Assim, e para efeitos da presente dissertação, entenda-se as frentes de água como o território que

engloba a zona de contacto entre a terra e a água, bem como toda a envolvente que esteja, de algum modo, relacionada com essa zona.

Esta envolvente não tem uma extensão específica, pelo que não há uma dimensão rígida que a defina, a largura que pode tomar a partir da linha de água varia, de caso para caso, consoante a influência e a ligação que determinados espaços assumem para com o corpo de água. A frente de água estende-se, então, a partir da zona de contacto entre a terra e a água por todo o território adjacente que seja influenciado pelo corpo de água, tendo em conta:

x Aspetos visuais ù espaços que permitam a contemplação da água;

x Aspetos históricos ù espaços que tenham elementos que evidenciem o passado daquela frente de água;

x Aspetos ecológicos ù espaços que abriguem espécies de fauna ou flora características dessa zona;

x Aspetos funcionais ù espaços que abriguem usos ou atividades que privilegiem da proximidade de água.

Importa salientar que esta definição privilegia as frentes de água que possibilitem a interação do Homem, pois entende-se que esta temática só faz sentido se se pensar a frente de água enquanto espaço público que permita o usufruto do Homem, mesmo que ainda não reúna as melhores condições para tal.

No documento Frentes de água. Ao encontro do rio (páginas 36-38)