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F RENTE DE ÁGUA O S USOS

No documento Frentes de água. Ao encontro do rio (páginas 78-81)

3.4 E SPAÇO P ÚBLICO F RENTES DE ÁGUA

3.4.4 F RENTE DE ÁGUA O S USOS

ùO espaço público é por natureza um lugar de circulação, de encontro, de troca, de lazer e de memória.ù, diz Bettencourt (2010). A descrição desta autora relativamente ao espaço público assenta

numa caracterização tão eloquente, e ao mesmo tempo realista, que quase faz o leitor imaginar-se a passear por uma cidade encontrando cada elemento que Bettencourt refere. Primeiramente faz uma representação dos elementos físicos que se podem encontrar num dado percurso. Sugere, de seguida, que a cidade é composta por percursos ù ruas ù onde as pessoas de deslocam e passeiam alcançando espaços públicos como um largo ou uma praça, onde encontram uma esplanada ou uma fonte, que se

59 liga a outra rua com edifícios públicos, museus e espaços comerciais, refere a possibilidade de se observar um monumento e se atravessar uma ribeira, que, por sua vez, conduz a mais uma praça com uma velha árvore e um fontanário, e mais outra rua, que percorre a cidade e encontra novas esplanadas, restaurantes, parques ou miradouros, continuando por uma calçada estreita íngreme ou uma escadaria que se liga ao mar ou a um forte. Descreve, ainda, as atitudes e ações que o indivíduo pode ter durante o tal percurso: encontrar pessoas, conhecidas ou não; observar atitudes; (re)descobrir lugares; visitar lojas, museus ou igrejas; apreciar crianças a brincar no parque; encontrar pedintes; escutar diversos idiomas; sentir o aroma da comida que vem de uma casa; parar e comer algo enquanto observa um barco a entrar no porto; passar pela antiga escola ou pelo mercado que fica a caminho de casa (Bettencourt, 2010).

Possivelmente, a leitura desta caracterização elevou o imaginário do leitor, que se sentiu como se estivesse no meio de uma cidade, certamente uma cidade que se mostra viva, com movimento, cheia de pessoas nas ruas e com uma diversidade entusiasmante de usos e atividades ù como se espera que as cidades e os seus espaços exteriores sejam: ativos e vivos.

É importante que a cidade seja dinâmica, garantindo uma mistura de características e funções entre diferentes espaços públicos que se unem e complementam através de uma rede de percursos, evidenciando continuidade e ùsentido de conjuntoù. De salientar, que sendo a cidade o resultado das ùofertasù e ùescolhasù, o ato de passear deve ser intuitivo, pelo que os percursos devem, de uma forma natural, conduzir aos pontos de interesse, que devem ser facilmente alcançáveis por qualquer pessoa independentemente da sua condição física, social ou económica (Bettencourt, 2010).

Assim, a maior ou menor atratividade que o espaço público exerce sobre os seus utilizadores tem uma forte dependência dos usos e atividades que oferece, verificando-se a transversalidade desta dependência também no caso específico das frentes de água. Como tal, no momento de repensar a frente de água por forma a torná-la desejada pelos utilizadores ou futuros utilizadores do espaço público, os usos e atividades a inserir e desenvolver merecem particular atenção. A organização

Project for Public Space coloca em evidência a importância de garantir frentes de água ativas, pelo

que sugere ser importante que as frentes de água não sejam dominadas pelo uso residencial, pois são as zonas ideias para a ocorrência de festivais, mercados, espetáculos variados ou concertos, sendo estas atividades que proporcionam a circulação e adesão das pessoas no espaço por horários mais prolongados. Caso a frente de água seja dominada pelo uso residencial, isso não será permitido, originando espaços vazios durante o período noturno. Os usos e atividades propostos para as frentes de água devem assumir horários diversificados e complementares por forma a garantir que o movimento se prolongue durante o maior tempo possível. (PPS, 2013)

Outra questão sugerida pela organização Project for Public Space está relacionada com necessidade de considerar usos e atividades que possam ocorrer ao longo de todo o ano, não sendo grandemente influenciados pelas estações do ano ou pelas condições climatéricas. Pelo que aquando do momento de renovação de uma frente de água é essencial reunir condições que diminuam os efeitos negativos causados pelas chuvas ou ventos. (PPS, 2013)

De salientar que, no caso específico em que se verifica proximidade a um corpo de água, há uma relação recíproca para o sucesso quer do espaço em si, quer dos usos e atividades. Esta afirmação apoia-se no facto de que, como se disse, os usos e as atividades serem influenciadores dessa maior ou menor atratividade, porém, a presença da água também assume um papel decisivo para o sucesso dos próprios usos e atividades.

Quando se procura a solução ideal para uma frente de água, além de outros fatores deve ter-se em conta de que forma é que a presença de água é ou não benéfica para a prosperidade ou para o simples

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existir do uso/atividade em causa. Esta é uma particularidade dos usos e atividades a que Ankersen & Ruppert (2006) se referem como a ùdependência de águaù e que consideram essencial para a preservação e conceção de espaços públicos de frentes de água. Estes e outros autores refletem sobre as diferentes formas de dependência da água e apontam os raciocínios inerentes a cada uma delas. Assim, pode dizer-se que a ùdependência da águaù, ou seja, a relação que se verifica entre os usos e atividades com a água, pode assumir quatro formas de dependência:

x Usos e atividades dependentes de água [Eisenman et al, 2010; Ankersen & Ruppert, 2006; NOAA, 2013; Latip et al, 2010];

x Usos e atividades relacionados com a água [Ankersen & Ruppert, 2006; NOAA, 2013; Latip et al, 2010]

x Usos e atividades beneficiados/melhorados pela água [Eisenman et al, 2010; Ankersen & Ruppert, 2006; NOAA, 2013]; e

x Usos e atividades não dependentes de água [Eisenman et al, 2010; Latip et al, 2010] A organização Scenic Hudson (Eisenman et al, 2010) define os usos e atividades dependentes de água como aqueles que apenas se podem desenvolver na presença de e/ou adjacentes a um corpo de água, pois como Ankersen & Ruppert (2006) completam, a sua utilização requer, necessariamente, acesso direto à água. Como exemplos: instalações de embarque, docas-secas, marinas, clubes náuticos, estaleiros de barcos, museus interpretativos da atividade marítima, áreas e instalações de apoio à pesca comercial e de recreio, instalações para o embarque de produtos petrolíferos e agregados, desembarque de ferries, instalações de apoio para comércio marítimo e de lazer, áreas de pesca recreativa, áreas de mergulho e natação e áreas para o embarque e desembarque de barcos de recreio.

Alguns autores apresentam ainda uma classificação intermédia de usos e atividades relacionados com a água que traduzem atividades que não dependem diretamente do acesso à água, para a sua ocorrência e implementação, porém, por oferecem bens ou serviços relacionados diretamente com a água a sua presença junto a um corpo de água poderá representar o aumento da qualidade dos serviços prestados (NOAA, 2013). Pode verificar-se, também uma dependência dos usos dependentes da água perante os usos relacionados com a água, pelo que estes podem até ser fundamentais para o funcionamento eficiente dos primeiros (Ankersen & Ruppert, 2006). Como exemplos de usos relacionados com a água, tem-se: estacionamento de curta duração essencial para usufruto de usos dependentes de água (por exemplo, para o uso de rampas para barcos), vias de acesso, comércio de pequena dimensão (por exemplo, loja de isco), espaços para escritórios administrativos necessários para usos dependentes da água, retalhista e grossista de produtos provenientes do mar, armazenamento associado ao transporte marítimo e comércio de barcos [Ankersen & Ruppert, 2006; NOAA, 2013; Latip et al, 2010].

Relativamente aos usos e atividades beneficiados/melhorados pela água, estes não exigem acesso direto visual ou físico à água. No entanto, a presença deste tipo de usos e atividades nas frentes de água aumenta a afluência do público, permitindo a fruição e apreciação do corpo de água. Assim, a localização desses usos e atividades junto da água pode representar uma mais-valia para a prosperidade económica, na medida em que os indivíduos recorrem a eles também pelo prazer de estar à beira da água (Ankersen & Ruppert, 2006). Como exemplos apresentam-se: restaurantes, museus, hotéis, spas, parques, jardins comunitários, praças públicas, esplanadas, jardins infantis, lojas de lembranças ou outro tipo de áreas de uso misto (zonas comerciais, de serviços e residenciais) [Ankersen & Ruppert, 2006; Eisenman et al 2010].

Os usos e atividades não dependentes de água não necessitam de acesso direto à água, nem apresentam vantagens numa localização em frentes de água, quer para o espaço público, quer para o

61 próprio funcionamento da atividade. Como tal, são usos e atividades que não faz sentido ocuparem espaços nobres na frente de água. Este grupo engloba atividades como lavagens de automóveis, stands e oficinas automóveis, garagens e armazéns não envolvidos em operações de transporte marítimo (Eisenman et al, 2010).

Estas relações de dependência esclarecem como a presença e proximidade de água pode influenciar os usos e atividades que aí decorrem, pelo que se conclui que, excluindo os interesses da comunidade, a água só por si já determina quais os usos mais ou menos coerentes com a sua presença.

No documento Frentes de água. Ao encontro do rio (páginas 78-81)