HISTÓRIA CLINICA EM PEDIATRIA A Identificação
L. Resultados de Exames Complementares de Diagnóstico
§ Exames imagiológicos e procedimentos médicos anteriores
Ecografia realizada a 15/05/2014: diagnóstico de refluxo vesico-‐uretral (RVU) de grau V
bilateral, rim direito com cicatriz global, que requereu internamento para cirurgia electiva no Serviço de Urologia do HDE por RVU grau V bilateral com cicatriz no rim direito, tendo decorrido sem intercorrências. A cirurgia decorreu sob anestesia geral, tendo o doente sido submetido à correcção endoscópica do RVU bilateral com deflux 0,4 cc à direita e 0,3 cc à esquerda. Na citoscopia intra-‐ operatória apresentava: uretra normal, bexiga com mucosa normal e ostias bilaterais. O doente teve alta, no mesmo dia, tendo ficado medicado com analgésicos e mantendo a profilaxia da IU com trimetropim 1 mg/kg/dia.
Cistografia (13/10/2014): “Bexiga com morfologia normal e capacidade ligeiramente
aumentada (60 cm3). No fim do enchimento observamos refluxo grau IV para o rim direito. Este refluxo caracteriza-‐se por mega ureter e mega bacinete. O referido mega bacinete sobre tensão, que admite-‐se proteger parcialmente o rim do refluxo calicial. A lavagem do conteúdo refluxivo é lenta. Aquando do início da micção observamos refluxo grau III agora para o rim esquerdo. Apesar de o ureter esquerdo ser tortuoso os cálices apesar de apresentarem bordo rombo não estão evertidos. A uretra posterior apresenta-‐se ligeiramente ectasiada acima do esfíncter externo. Resíduo pós miccional refluxivo.
Ecografia vesical supra-‐púbica (16/10/2014): “Rins em topografia habitual com diâmetros
bipolares de: Rim direito 45 mm e rim esquerdo 55 mm. Aumento da ecogenicidade renal à direita, com perda de diferenciação córtico-‐medular, aspectos que se associam a dilatação piélica de 15 mm, sem ectasia do excretor intra-‐renal: nefropatia médica? Uretero dilatado no segmento lombar e pélvico, respectivamente com 5 e 7 mm, de terminação afilada. Rim esquerdo mantendo a espessura parenquimatosa, embora com contorno irregular, com diferenciação corticomedular. Apresenta bacinete de 8 mm, sem ectasia do aparelho excretor intra-‐renal ou uretero visível. Bexiga em mediana replecção de parede fina, regular, conteúdo anaecogénico. Sem ureterocelos ou evidência de preenchimento da transição uretero vesical actualmente visível.”
§ Notas de entrada das ocorrências no SU do HGO: não disponíveis.
§ Nota de entrada no SU (14/10/2014)
Febre com picos máximos de 39,2ºC, alguma tosse.
EO à entrada revelou boa vitalidade, sem ar de doença, febril, eupneico, hidratado. Orofaringe com hiperemia amigdalina. Otoscopia sem alterações. Abdómen distendido, sem alterações, timpanizado.
§ Resultados Laboratoriais (14/10/2014)
Avaliação analítica: Hb 11,8 g/dl, RDW 15,8 %(aumentado), leucócitos 18,90 x 10^9/L,
neutrófilos 14,90 x 10^9/L, monócitos 0,08 x 10^9/L, PCR 14,3 mg/dl, Ureia 47 mg/dl, Cr 0,672 mg/dl, Na 129 mEq/L (reduzido).
Urina tipo II (colhida por algaliação): Características físicas: Aspecto turvo. Densidade 1,008.
pH de 7. Características bioquímicas: Vestígios de proteínas. Positivo para hemoglobina. Negativo para nitritos, glucose, corpos cetónicos, urobilinogénio, bilirrubina. Exame microscópico do sedimento: leucócitos 858,0 /ul.
Urocultura e TSA: Contagem de colónias de Escherichia coli > 100.000 UFC/ml.
Betalactamase de espectro estendido positivo (ESBL +). TSA sensível a cefotaxima e gentamicina e resistentes a cefuroxima, ampicilina, amoxiciclina e piperacilina/tazobactam.
§ Ecografia reno-‐vesical (14/10/2014)
“Rins em topografia habitual medindo o rim direito 46 mm e o rim esquerdo 47 mm de eixo longitudinal. A direita observa-‐se redução da espessura parenquimatosa com alguma irregularidade do contorno. A esquerda a espessura do parênquima está conservada e os contornos são regulares. Bilateralmente está relativamente elevada a ecogenicidade do parênquima sendo visível a diferenciação corticomedular. Ligeira distensão das hastes caliciais e bacinetes medindo o direito 14 mm na fase miccional e o esquerdo 10 mm. Ligeira dilatação dos segmentos pélvicos dos ureteros o direito com 4 mm e o esquerdo com 7 mm. Bexiga com moderada replecção sem evidentes alterações”.
M. Discussão
Na suspeita de uma ITU, devemos atender à diversidade de manifestação dos sinais e sintomas consoante a idade, não existindo, ainda assim, especificidades que permitam o diagnóstico de ITU numa criança. Está descrito um aumento de risco ITU no sexo masculino com idade inferior a 6 meses e não circuncisados.
Os sinais e sintomas mais característicos de uma ITU na criança entre os 2 meses e 2 anos são: anorexia, febre, vómitos, diarreia, dor abdominal/lombar, irritabilidade, enurese. Assim, é fundamental a confirmação diagnóstica através de exames laboratoriais e urocultura. Segundo a Academia Americana de Pediatria, o critério de diagnóstico de ITU em crianças de 2-‐24 meses é a presença de piúria e/ou bacteriúria na urinálise e pelo menos 50.000 UFC (unidades formadoras de colónias) /mL na urocultura. O doente em questão apresenta factores de risco que aumentam a susceptibilidade para ITU, (malformação renal congénita, alteração da flora peri-‐uretral por antibioterapia prolongada e recente combinada), tendo ainda realizado um exame invasivo (cistografia) no dia que antecedeu o episódio que motivou o internamento.
Notar ainda a ocorrência de episódio de PNA prévio tendo sido medicado empiricamente em ambulatório com amoxicilina + ácido clavulânico e adicionalmente, após resultado de urocultura, com cefuroxima. Porém, a sintomatologia sucede-‐se 4 dias após a finalização da referida terapêutica, sugerindo uma recorrência da PNA a estirpe resistente face à antibioterapia implementada.
Da análise dos resultados analíticos, verifica-‐se que a urinálise revela aspecto turvo, hemoglobinúria e piúria, que juntamente com os resultados analíticos de PCR elevada e leucocitose com neutrofilia (que sugere uma etiologia bacteriana) são sugestivos de PNA. A avaliação de eventual positividade da procalcitonina acrescentaria valor preditivo positivo a este diagnóstico, não sendo no entanto realizada nesta instituição.
A elevação dos valores de creatinina e de ureia [creatinina 0,672 mg/dl (0,16-‐0,39) e ureia 47 mg/dL (10,8-‐38,4)], permite estimar uma CrCl de 24,99 ml/min (segundo fórmula de CrCl Cockroft-‐Gault, pouco específica para crianças), que se encontra abaixo do valor esperado para o lactente (80+/-‐30), devendo monitorizar-‐se atentamente a função renal do doente.
resistências existentes sendo fundamental para a eficácia terapêutica antibiótica, sendo evidentes neste doente resistências para antibioterapia de 1ªlinha.
Refere-‐se que a Secção de Nefrologia Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria recomenda que, para lactentes com menos de 3 meses e crianças com nefropatia conhecida, seja instituída a terapêutica empírica com amoxicilina + ácido clavulânico e cefotaxima como primeira linha até resultado de TSA. Segundo estes o doente também apresenta critérios de internamento. A hospitalização é necessária nos doentes com ITU que apresentam sinais de uropatia obstrutiva, naqueles que não toleram ingestão de líquidos ou de medicação e/ou se apresentam sépticos, devendo tratar-‐se a ITU febril como sendo uma PNA requerendo antibioterapia parentérica, sendo que o presente caso apresenta critérios de internamento pela malformação existente e antibioterapia continuada e recente.
Considera-‐se que, no primeiro episódio de ITU há cerca de 3 semanas, o doente apresentava critérios de internamento e deveria ter sido instituída uma antibioterapia parentérica mais adequada, dado que a prescrita em ambulatório poderá ter-‐se revelado insuficiente, tendo dado lugar à recorrência da PNA, que pôde aumentar as sequelas renais cujas consequências futuras poderão ser significativas neste doente.