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RESULTADOS E DISCUSSÃO

No documento Série III: RESULTADOS DE PESQUISAS (páginas 35-44)

SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO EM LONDRINA, PR

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O espaço não é estático, e envolve diversas complexidades, e é possível compreendê-lo sob diversas óticas e teorias, isto também inclui o urbano. Uma das abordagens possíveis ao espaço, é a de Henri Lefebvre, o qual discorre sobre a produção do espaço em suas obras, e como a referida produção se forma mediante o excedente de energias, ou seja, todas as relações que ocorrem, se dão a partir do excedente da simples necessidade de sobrevivência. Sendo assim, a produção do espaço se mostra como um mecanismo complexo que precisa ser aprofundado sob a luz da teoria do referido autor. É possível iniciar a reflexão com o seguinte trecho de Lefebvre (2006, p. 59):

Desta forma então, o espaço social “incorpora” atos sociais, os de sujeitos ao mesmo tempo coletivos e individuais, que nascem e morrem, padecem e agem. Para eles, seu espaço se comporta, ao mesmo tempo, vital e mortalmente; eles aí se desenvolvem, se dizem e encontram os interditos; depois caem e seu espaço contém sua queda

Então é possível vislumbrar um espaço que é na realidade, dinâmico e social. Em sua dinamicidade, pode-se observar uma triplicidade: a prática espacial, as representações do espaço e os espaços de representação. E estes três contribuem de suas próprias maneiras, para a produção do espaço, de acordo com as diversas características únicas de determinado espaço para a atuação da triplicidade

(contexto histórico, modo de produção que o espaço em questão está inserido, etc.) (JUNIOR, 2015).

A partir dessa triplicidade que o espaço social se produz e é produzido, e fica evidente como cada sociedade distinta produz o seu próprio espaço com suas particularidades. Os itens dessa triplicidade também promovem alguns momentos, ou uma relação dialética entre as dimensões da produção do espaço, que são: o espaço percebido, vivido e concebido. Estes não são simples, nem estáveis, pelo contrário, é um emaranhado caótico no qual a decodificação unitária é um grande desafio (LEFEBVRE, 2006).

Mas por que a partir da triplicidade? Porque uma triplicidade é ligada a outra, possuem uma relação direta. Parecidos no sentido de que um conjunto (prática social, representações do espaço e espaços de representação) é diretamente ligado ao outro (espaço percebido, concebido e vivido) respectivamente. Quando falamos de espaço percebido, estamos falando da prática social como um todo, decorrente do cotidiano. Quando falamos de representações do espaço, estamos falando também do espaço concebido, que é o espaço representado, idealizado. Enquanto os espaços de representação correspondem ao espaço vivido, o espaço do sentimento, do realizado (JUNIOR, 2015).

A partir disto, se molda então mais três conceitos de espaço, e indo por partes, é importante começar pelo espaço absoluto. O espaço absoluto seria, de acordo com Santos (2015, p. 171) um “espaço sacralizado, metafísico e atribuído às divindades”.

Desse modo, ele é consistido por fragmentos da natureza, e que nisso são consagrados, e acabam perdendo essas particularidades ditas naturais. É assim que ele é produzido, a partir, sim, das relações – mas normalmente não a partir do dinheiro e da mercadoria. Como Lefebvre (2006, p. 78) expõe então que o espaço absoluto se molda quando “O espaço-natureza se povoa de forças políticas”. É, portanto, um espaço dotado de valor de uso, e este por si só é político (LEFEBVRE, 2006).

Por outro lado, temos o espaço abstrato, que de acordo com Santos (2015, p. 171) “[...] pode ser descrito como geométrico, ótico, fálico e homogeneizante na aparência e fragmentado em sua essência”. E ele vai aparecer no momento em que

ocorre a superação do espaço absoluto. Então, na realidade o espaço abstrato atua de diversas maneiras e por ser homogeneizante procura se propagar e apropriar-se de todos os espaços próximo de si mesmo por meio da reprodução das relações de produção, e nessas diversas maneiras em que atua, sempre busca o mesmo objetivo: favorecer o capital e suas mercadorias, e se concretiza buscando sempre possuir um valor de troca embutido.

Por essa ótica é possível observar que o espaço abstrato se comporta como uma mercadoria, com esse latente valor de troca. Ele se dobra e serve ao capital, e as suas relações de produção. No entanto, sob a sua homogeneização, buscando acabar com os conflitos e diferenças, busca então esconder as contradições, mas não é capaz pois a sua própria configuração trará novas diferenças, e é isso que dá o ponto de partida ao espaço diferencial (SOUZA, 2015).

Isso é corroborado quando Lefebvre (2006, p. 84) mostra:

Contradições do espaço procedem, em parte, de antigas contradições, oriundas do tempo histórico, modificando-as: ora agravando-as, ora atenuando-as. Entre essas antigas contradições nascem novas, que eventualmente conduzem o espaço abstrato em direção a seu fim. No seio desse espaço, a reprodução das relações sociais de produção não se consuma sem um duplo movimento: dissolução de relações, nascimento de novas relações

É neste escopo que nasce o espaço diferencial. As diferenças permeiam entre o concebido ao vivido, supera a tentativa abstrata de se homogeneizar o espaço, levando à novas contradições a partir das antigas, e culmina no chamado espaço diferencial. É então um espaço que resiste, luta e evidencia a tentativa fracassada do abstrato em extirpar as diferenças do espaço, a partir da homogeneização. O diferente então perpassa por todos os espaços trabalhados (LEFEBVRE, 2006).

É possível também afirmar que as diferenças são resistências, muitas vezes na margem. Esses poderes diferenciais se manifestam de maneira tímida, resistindo. Mas existe uma necessidade dessa diferença atacar a homogeneização (SOUZA, 2015).

Então, conclui-se que o espaço diferencial é um espaço importante, que resiste contra as forças dominadoras do espaço abstrato. Tendo os conceitos

principais do espaço para Henri Lefebvre, pode-se pontuar uma característica importante do espaço neste contexto.

Esta característica consiste na simultaneidade. É o conceito no qual Lefebvre expõe que o espaço social não é uma coisa entre as coisas, mas sim compreende todas as coisas (produzidas). É possível observar esta característica com o que Lefebvre (2006, p. 149) coloca:

A forma do espaço social é o encontro, a reunião, a simultaneidade. O que se reúne? O que é reunido? Tudo o que há no espaço, tudo o que é produzido, seja pela natureza, seja pela sociedade, - seja por sua cooperação, seja por seus conflitos. Tudo: seres vivos, coisas, objetos, obras, signos e símbolos.

Sendo assim, fica possível perceber essa visão holística na qual o autor tenta remeter aos leitores, e é nesse sentido que o presente trabalho tentará enxergar o espaço urbano, que é o principal foco.

Com a exposição dessas reflexões acerca do que é o espaço social na concepção de Lefebvre, é possível a formulação de uma questão importante: Qual a relevância dessa delimitação dos conceitos Lefebvrianos para a agricultura urbana?

Mas antes disso, como se enquadra o urbano pela ótica Lefebvriana? O urbano seria um resultado direto da simultaneidade exposta anteriormente como uma característica importante do espaço social para o Lefebvre. É a projeção da sociedade em um determinado espaço. Atualmente, é pautada pelas relações produtivas inerentes ao capitalismo e ao seu corrente valor de troca, mas no fim, a cidade e o urbano são formas sociais, e por isso apresentam as contradições. É um espaço dominado pelas forças homogeneizantes, pela força do cotidiano (o consumo programado), mas ao mesmo tempo com a complexa presença das diferenças, e a sua resistência. É, portanto, a manifestação dos espaços (concebido, percebido, vivido) que foram apresentados pela concepção de Lefebvre até o momento, e com isso, seria justamente através das contradições então (ou seja, pelo espaço diferencial) que se enxerga o potencial do urbano, o potencial para uma revolução (ARAÚJO, 2012).

Como Araújo (2012, p. 140) deixa claro, “[...] o urbano poderá restituir, como possibilidade, a reapropriação da unidade tempo e espaço”. Desse modo, é necessário a superação do tempo e espaço como mercadoria, possuindo um valor

de troca, superando-a de modo que leve à uma visão com a presença recorrente do valor de uso. Fica evidente esta possibilidade do urbano, uma possibilidade de rompimento, a possibilidade diferente de cada lugar, cada sociedade reproduziria a sua libertação da homogeneização do abstrato sobre si de uma maneira diferente (ou seja, a instauração de um espaço diferencial).

O urbano é caracterizado pela sua multiplicidade. É ali que os espaços se superpõem. De acordo com Lefebvre (2006, p. 130) “Os espaços sociais se compenetram e/ou se superpõem. Não são coisas, limitadas umas pelas outras, se chocando por seu contorno ou pelo resultado de inércias”. É uma rede complexa, um emaranhado que demanda por si só que seja decifrado, não por uma ciência parcelar, mas por um olhar holístico, que pode ser atingido a partir de uma abordagem unitária do espaço (e da sua produção). É esta premissa que acaba por ser a grande pauta da proposta do autor Henri Lefebvre.

Essa breve tentativa de esclarecer o urbano na perspectiva que vem sendo trabalhada, nos leva novamente a original pergunta, qual a relevância disso para a agricultura urbana?

Mas afinal, o que é a agricultura urbana e periurbana? É possível começar com uma definição mais enxuta, pontuando o principal cerne, desenvolvido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em 2006, de acordo com Santandreu e Lovo (2007, p. 10). Nesta definição consta o seguinte:

A AUP (Agricultura Urbana e Periurbana) é um conceito multidimensional que inclui a produção, a transformação e a prestação de serviços, de forma segura, para gerar produtos agrícolas (hortaliças, frutas, plantas medicinais, ornamentais, cultivados ou advindos do agroextrativismo, etc.) e pecuários (animais de pequeno, médio e grande porte) voltados para o autoconsumo, trocas e doações ou comercialização, (re) aproveitando-se, de forma eficiente e sustentável, os recursos e insumos locais. (solo, água, resíduos, mão de obra, saberes, etc.)

Bem, com esta conceituação pode-se vislumbrar uma definição concisa, que surge a partir de diversas discussões acadêmicas internacionais que vinham se estruturando, buscando referências em alguns autores, como por exemplo, Mougeot (2000), que com sua obra procura conceituar historicamente a chamada UA (Urban Agriculture ou Agricultura Urbana) em seus escritos. Obviamente, Mougeot proporciona diversos aprofundamentos, entrando em méritos como os tipos de atividades econômicas nos quais entram no perfil da Agricultura Urbana, distinção

espacial de intraurbano e periurbano, categorias dos produtos orgânicos e não orgânicos produzidos, tipos de sistemas produtivos comuns, destinação dos produtos e escalas de produção. No fim, há um aprofundamento maior, que será realizado no decorrer da realização do presente projeto. Embora discorra em sua obra citada sobre os aspectos citados e mais alguns, aprofundando a definição, ainda admite em sua conclusão que a definição precisa ser mais desenvolvida (MOUGEOT, 2000).

Esta seria uma visão mais recente a atualizada de como estaria a discussão da conceituação de agricultura urbana, caminhando diretamente agora com diretrizes mais sustentáveis e com qualidade assegurada e contenção do uso de componentes químicos, de modo que venha a suprir necessidades locais, entre outras variáveis, mas não excluindo comercialização por exemplo. A discussão acaba se mostrando complexa. (MARGETIC; SOULARD; VALETE, 2011).

Corroborando com a presente teoria discutida sobre a agricultura urbana, temos Almeida e Costa (2012, p. 63) expondo o seguinte:

Referenciada na economia política da urbanização, a matriz da reforma urbana que vem respaldando as políticas urbanas e o planejamento contemporâneos, tem como pilares os conceitos de direito à cidade e de função social da terra, este último impropriamente formulado como função social da propriedade. Nesta concepção, os vazios urbanos e áreas não construídas em geral são tidos como improdutivos e devem ser combatidos, ou seja, as políticas e propostas devem estimular que tais áreas sejam usadas prioritariamente, como forma de potencializar o aproveitamento dos investimentos já realizados

Observando esse trecho, é possível realizar uma ligação. Se a apropriação desses vazios urbanos e áreas não construídas em geral são uma possível abordagem na política de urbanização, para o emprego da agricultura urbana, poderíamos dizer então que a agricultura urbana, nessa perspectiva citada por Almeida e Costa (2012) compõe o que Lefebvre chama de espaço diferencial? Não. Pois o trecho final da citação deixa exposto como age de acordo com o capital, tal espaço deve se apropriar de uma finalidade abstrata para se (re) aproveitar os investimentos já realizados, a influência do capital ainda muito presente.

Mas é possível salientar a visão de Lefebvre (2006, p. 234), quando diz que “Um espaço existente, tendo tido sua finalidade (sua razão de ser, condicionando formas, funções, estruturas) pode se encontrar vago e em seguida desviado.

Portanto, reapropriado por um uso outro que o primeiro”. Nessa reapropriação, existe atualmente uma discussão sobre a superação do que a citação direta anterior de Almeida e Costa (2012) denota. Um olhar ambiental, enxergando uma potencialidade para o planejamento urbano de contribuir diretamente com a noção de sustentabilidade das cidades, com funções ambientais como permeabilidade do solo em espaços não construídos, culminando no emprego da agricultura urbana por meio de apropriações do espaço. (ALMEIDA; COSTA. 2012)

É aqui que se começa a realizar uma tentativa de responder àquela indagação inicial: Qual a relevância dos conceitos de espaço Lefebvrianos para a agricultura urbana?

Pois como não poderia? Se temos numa conjuntura onde predomina o espaço abstrato, com suas relações de produção exercendo o poder homogeneizante, o que, como previsto, levará a expor as contradições (ou novas contradições pós espaço homogeneizado), como os vazios urbanos por exemplo, que por sinal ainda não abandonaram o seu valor de troca enquanto vazios, pois este valor ainda se encontra presente, por meio de especulação imobiliária por exemplo.

Mas se uma apropriação se mostra possível, pode ser que ocorra por meio de uma manifestação da discutida ressignificação do espaço abstrato, em direção à um espaço diferencial, no qual após essa apropriação, o valor de troca seria substituído (ou é realizada uma tentativa) pelo valor de uso naquele espaço. No caso o valor de uso sendo evidenciado e concretizado com a agricultura urbana. Mas é de fato um espaço diferencial? A agricultura urbana não servirá ao capital, seguindo a lógica mercantilista e industrial com os produtos que seriam gerados?

De acordo com Almeida (2015, p. 430), é possível vislumbrar que:

O uso agrícola do solo urbano não representa, necessariamente, uma virtuosidade. Na região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) observa-se a presença de atividades agrícolas orientadas pela lógica industrial e integradas ao atual sistema agroalimentar hegemônico nas zonas rurais, mas também localizadas dentro ou próximas dos núcleos urbanos dos municípios metropolitanos.

Ou seja, a agricultura urbana e peri-urbana pode sim ser contribuintes ao capital. Isto quer dizer, fazer parte para a estruturação e homogeneização de um espaço abstrato. No entanto, noutro trabalho, Costa e Almeida (2012, p. 74) buscam

expor como “A diversidade [...] espacial associada às experiências de agricultura urbana da RMBH chama a atenção para a importância de visibilizar a existência de formas de resistência à homogeneidade das tendências da urbanização”. Na mesma região metropolitana é possível vislumbrar abordagens diferenciadas e essa é a dinâmica esperada pela produção do espaço social. E essa é a relevância dos conceitos de Lefebvre (2006) para a agricultura urbana, a capacidade de analisar a atuação da agricultura urbana no espaço. Será mesmo que é um espaço de resistência, andando em direção ao espaço diferencial, ou seria apenas uma forma de manter a homogeneidade territorial, em manutenção com o espaço abstrato.

É possível vislumbrar uma defesa da agricultura urbana (principalmente das hortas urbanas) como um espaço diferencial, lutando contra essas amarras. É uma potencialidade que pode ser vista teoricamente, porém a manifestação na realidade é mais complexa, como já dito anteriormente, há a multiplicidade dos espaços, as suas superposições e a inerente simultaneidade, de acordo com Henri Lefebvre (2006), portanto não é uma tarefa simples de ser abordada.

Tratando-se do município de Londrina, o IPPUL (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina) com a revisão do Plano Diretor de 2018/2028 disponibilizou o mapeamento dos vazios urbanos identificados no município (Figura 1).

É possível vislumbrar na figura 1 a presença de diversos vazios urbanos no município. O perímetro urbano da cidade então se mostra com alguns espaços com extensão considerável sem um valor de uso atribuído. Estão imbuídos, portanto, de um valor de troca, mas não de um valor de uso, e tudo isto dentro da complexa e caótica dinâmica urbana.

A agricultura urbana pode se aproveitar dessa situação dentro do município. Um exemplo seria o emprego das hortas urbanas nestes espaços que carecem do valor de uso.

Figura 1. Vazios urbanos no município de Londrina – PR. 2018

Fonte: LONDRINA (2018)

As hortas urbanas são uma contribuição para a coesão do espaço urbano. Desafiam a noção convencional de espaço urbano e o desenho de como devem integrar-se na cidade. São estes espaços que contêm uma memória de ruralidade e evocam o campo ou o que este terá sido, uma paisagem humanizada ainda acessível no coração da cidade e um espaço para construir a sensação de estar no campo e um sistema que mantém o modo de vida rural. O crescimento da cidade é cada vez mais recorrente surgirem estes espaços de prática agrícola nos lugares fragmentados e/ou abandonados. Podemos ver esses espaços de hortas construídos em sítios que não são de ninguém. Vazios abandonados e sobrantes que fogem a qualquer planeamento para serem integrados no tecido urbano (TEIXEIRA, 2016. p. 24).

Essa apropriação dos vazios urbanos para dar espaço às hortas urbanas possuem respaldo teórico e precedentes. O caso da definição anterior diz respeito à

uma dissertação que possui como objeto de estudo algumas hortas urbanas localizadas em Portugal, na cidade de Guimarães por exemplo.

No documento Série III: RESULTADOS DE PESQUISAS (páginas 35-44)