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5- AUTONOMIA COMO PROCESSO LIBERTADOR PARA O CUIDAR DE SI

5.4 RESPOSTAS DOS USUÁRIOS E SEUS FAMILIARES

5.4.1 Retrato Sociológico de uma usuária do CAPS II

A seguir apresento a construção do retrato sociológico de uma usuária do CAPS II, por meio de entrevistas no período de 13\05\18 a 14\12\18. Associado ao referencial utilizado para o cuidado de si permite o entendimento de que este é um processo com intensas adversidades em diferentes momentos de sua história. Momentos acompanhados por fortes posicionamentos das diferentes partes envolvidas, constituindo-se num complexo com sucessivos movimentos de disposições favoráveis e de resistência à construção da autonomia pela usuária e para sair de sua posição de dependência ao seu contexto sociofamiliar.

Você gostaria de falar a seu respeito?  Sou N.L.S., nasci no dia 29/02/1984.

Desde pequena fui agressiva e desconfiada. Meu pai não tinha muito diálogo e resolvia as coisas no grito. Já minha mãe era e sempre foi muito atenciosa. Cuidava muito do nosso estudo e educação, tive uma infância sem muitos brinquedos, pois meus pais ganhavam pouco. Era um brinquedo para três irmãs brincarem, meus relacionamentos não duravam muito, pois eu desconfiava das pessoas e até hoje desconfio.

Aos 15 anos comecei a juventude turbulenta, agredia as pessoas verbalmente e fisicamente. Começava a trabalhar e não durava nos empregos, pois a cabeça não ajuda e não ajudava. Quando comecei a fazer o técnico em enfermagem notei que precisava de ajuda psicológica e então busquei ajuda no CAPS desde 2010.

No começo eu não aceitava que precisava de ajuda, mas notei que sem tratamento eu iria morrer ou ficar internada a vida toda em uma clínica psicológica. Tive alguns surtos e internações. Briguei várias vezes com meu pai ao ponto de um agredir o outro, meus vizinhos tinham medo do meu comportamento ou eu vivia trancada no quarto ou caminhando sem rumo na vida o dia inteiro.

Hoje venho no CAPS faço tratamento e sei que não posso ficar sem o remédio e terei que tomar a vida inteira. Quando eu entrava em crise andava com algo para me defender tipo canivete e facas.

Na adolescência eu jogava futebol pelo colégio e jogava bem. Na verdade eu tive pouco carinho dos meus pais acho que eles não sabiam como me tratar, pois eu era diferente.

Análise e interpretação dos dados:

Em sua resposta, é possível caracterizar as condições difíceis de sua infância, “Desde pequena fui agressiva e desconfiada. Meu pai não tinha muito diálogo e resolvia as coisas no grito”. Que disposição de subjetivação gera-se num ambiente onde não há acolhimento, escuta e sim autoritarismo e agressividade? Questiono também o quanto a entrevistada não

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consegue relacionar esta sua maneira agressiva de agir com a agressividade de seu ambiente familiar, especialmente por parte de seu pai.

Percebe-se um diálogo desconexo que reflete a fragmentação de suas ideias, associado a sua forma de pensar. Esta forma de pensar e falar cria uma dificuldade de comunicação, e consequentemente de se relacionar.

Ao longo de seu relato observam-se os sintomas iniciais: “Desde pequena fui agressiva e desconfiada”, “Aos 15 anos comecei a juventude turbulenta, agredia as pessoas verbalmente e fisicamente”. Em se tratando de uma pessoa com psicose crônica (esquizofrenia) são os sintomas que precedem e agudizam-se em seu primeiro “surto”. Questiono o quanto essa fase de sua vida (“aos 15 anos”) possa ser uma fase de maiores exigências sociofamiliares, as quais ela não consegue responder adequadamente. Reflito o quanto esta situação pode ser traumática a todos os envolvidos, pois é quando se evidencia a fragmentação de seu mundo interno e, por projeção, de seu mundo externo.

Observa-se nesta jovem uma intensa luta para aceitar seu adoecimento psíquico e consequentemente buscar ajuda. “No começo eu não aceitava que precisava de ajuda [...].” Mas logo a seguir aparece o seu lado mais saudável, a sua capacidade em pedir ajuda, o que reforça sua intensa busca pela saúde, o que eu considero ser um incipiente, mas significativo passo na luta pelo cuidar se de si.

Mesmo fora das crises, seu sofrimento maior está em conviver com suas desconfianças: consigo mesma, com as pessoas e com o mundo. Isso pode ser para ela um duplo sofrimento: lidar com o adoecimento associado às suas limitações e com as exigências de desempenho que, em muitos momentos, se fazem presentes em sua vida, especialmente na adolescência quando é frequente o aparecimento das primeiras crises. E os familiares como reagem?

Assis 53(2013) observa as dificuldades que os próprios familiares encontram para agir habitualmente nos momentos de intenso conflito e sofrimento. Acrescento a isso o quanto se faz necessário neste momento um espaço de acolhimento e de esclarecimentos educativos ao usuário e ao seu familiar em sua própria comunidade.

A “esquizofrenia” é tomada como um exemplo clássico das psicoses crônicas. Esta doença pode ser “controlada” e, mais do que isso, pode-se planejar o seu tratamento por meio

53Assis:Os familiares normalmente ficam sem saber como agir quando um membro da família adoece com esquizofrenia, É uma experiência nova e que traz dificuldades, e os familiares podem ficar entre dois extremos: o conformismo, que leva a não procurar caminhos para melhorar os relacionamentos, ou a não aceitação, que leva a querer que as coisas se resolvam de uma hora para outra, seja mudando o medicamento, confiando em apenas um tipo de profissional da saúde ou não aceitando a doença”. (ASSIS, 2013, p. 28).

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de um plano terapêutico, com a participação do usuário, de seus familiares e de uma equipe interdisciplinar presente na comunidade por meio do CAPS II. Espera-se que o objetivo maior deste tratamento possa ser o de construir disposições acolhedoras para melhorar a qualidade de vida de cada uma destas pessoas com sofrimento psíquico crônico, viabilizando-se assim a construção de sua autonomia possível.

Lembro que a construção de uma disposição implica exposição a um estímulo de forma regular e por um tempo maior, e está associada ao sentir, ao crer e ao agir. É isso que se espera que o usuário possa encontrar ao longo do tempo: um local acolhedor em sua participação em um “grupo operativo-terapêutico”.

Como você vê o seu tratamento no momento atual?

Hoje agradeço a Deus por estar fazendo tratamento no CAPS. Se não fosse o CAPS eu provavelmente estaria em um presídio ou internada em alguma clínica. Tem dias que não consigo controlar minha mente. Tenho vozes de comando e pensamento negativos, mas o que me incomoda é a perseguição das pessoas por estarem me cuidando.

Quando vejo que estou em crise procuro ajuda dos profissionais do CAPS, na verdade eu só confio no meu psicólogo para falar da minha vida. Minha desconfiança e agressividade diminuíram com o uso da medicação clozapina, conheci várias pessoas no CAPS, algumas são minhas amigas.

Na verdade o CAPS é uma família pra mim e me sinto protegida por estar vindo aqui, sei que preciso me tratar o resto da vida e que preciso tomar medicação e participar das terapias do CAPS.

As pessoas me julgam por vir no CAPS, dizem que as pessoas que se tratam aqui são “loucas”, mas tenho orgulho de vir, pois me sinto protegida participando, mas Deus sabe o que faz, ele faz o melhor para cada um.

Meus pais me cuidam muito bem. Sempre estão me dando atenção e cuidando o meu uso do remédio, eu sei que preciso tomar senão entro em crise e não controlo minhas atitudes, mas o importante é ter saúde que o resto a gente consegue.

Análise e interpretação dos dados:

Percebe-se em suas palavras que, neste momento, seu medo em não controlar a mente não diminuiu e tem a clara percepção dos riscos que corre: “Tem dias que não consigo controlar minha mente”. Permanece o que se pode considerar como os sintomas residuais, ou seja, vozes de comando, pensamentos negativos e sentimentos de perseguição. Ela tem consciência do lugar (CAPS II) onde pode buscar ajuda.

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Assis 54(2013) observa que em cada crise alguns vínculos são quebrados, o que se confirma nas vivências de uma pessoa com esquizofrenia. É necessário ressaltar que a esquizofrenia é “uma doença multifatorial” como demonstra a própria usuária do CAPS II ao longo de sua fala. Entre os fatores, o bioquímico é verificado pelo excesso do mediador químico dopamina presente nas pessoas com esquizofrenia.

A clozapina é uma medicação antipsicótica muito utilizada nas psicoses crônicas. Não só pela sua característica básica, que é a de inibir o excesso do mediador químico dopamina, especialmente presente nas crises da esquizofrenia, mas essencialmente por contribuir na socialização dos pacientes. Tendo em vista que seus efeitos colaterais são mínimos, sua especificidade permite a redução do uso excessivo de medicação em tais situações. Relaciono a esses dados o papel de destaque que ela (usuária) dá à medicação clozapina, pois se trata de um antipsicótico de “última geração”, com importante papel na prevenção das crises e apoio para a socialização.

Além do enfoque clínico-medicamentoso, não se pode desconsiderar a persistência que ela mantém há mais de cinco anos, qual seja a de buscar um ambiente “familiar” no CAPS, o que pode estar relacionado com sua motivação de encontrar um ambiente acolhedor e de proteção tendo em vista os frequentes conflitos mencionados anteriormente em sua própria família, associados a uma proteção de caráter autoritário (interditatório?), embora agora descritos como cuidadosos.

Que aspectos você considera importante destacar em seu tratamento?

Participo do CAPS desde 2010. Tenho acompanhamento psicológico, terapia ocupacional e psiquiatria (grupo). No colégio gostava da disciplina de português, mas tinha dificuldade em matemática, reprovei dois anos na escola.

Sinto-me melhor quando participo do CAPS, se eu pudesse eu viria todos os dias participar. A comida e o almoço são muito bons e os profissionais dão atenção e se preocupam com os pacientes. Sinto falta do futebol que tinha no SESC as sextas com o professor de Educação Física.

54ASSIS destaca: Em um episódio psicótico agudo, a pessoa pode sofrer uma série de perdas; por isso, é

importante procurar ajuda médica. O fato de ela acreditar nas experiências que está vivendo e de ter a capacidade crítica obscurecida pelos sintomas, causa perdas nos relacionamentos e perdas difíceis de recuperar na vida interior. Relacionamentos importantes e que servem de referência para a pessoa, muitas vezes, quebram-se de maneira que as situações criadas dificilmente são superadas. As vivências internas nas crises são reais, assustadoras e profundas que podem levar muito para serem compreendidas e causar desajuste social e perda de autoestima, ambas difíceis de serem superadas. (ASSIS, 2013, p.36).

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A gente jogava no SESC toda sexta, mas essa atividade não tem mais. Também gosto dos passeios do CAPS é muito bom passear com a equipe e os “pacientes”, participo de segunda e quarta no CAPS.

Meus pais quando podem participam dos grupos e assembleias, mas eu procuro saber o tratamento certinho para não entrar em crise. Sei que não posso ficar sem medicação, pois entro em surto e não controlo minhas atitudes. Eu sempre tive o comportamento explosivo, mas hoje fazendo o uso da medicação, fico melhor.

Tenho poucos, mas alguns amigos que conquistei participando do CAPS. Na verdade o CAPS é uma família e precisamos dar valor. Sinto falta dos passeios com a antiga T.O. (Terapeuta Ocupacional) que não faz mais parte do CAPS II, de Ijuí.

Análise e interpretação dos dados

Destaco, no primeiro parágrafo, a fragmentação de seu discurso, isto é, são frases que parecem não ter conexão entre si e decorrem de sua própria forma de pensar que, em muitos momentos, apresenta-se desconexa. Este processo é muito frequente no pensamento e na fala da pessoa com esquizofrenia, o que dificulta o seu processo de comunicação, aumentando assim sua propensão ao isolamento.

As informações sobre a vida escolar são muito limitadas e parecem estar fora de contexto. É possível pensar que essas dificuldades estejam associadas a algum tipo de limitação cognitiva e/ou à sua percepção distorcida da realidade, vendo o meio externo de forma hostil, e/ou as suas frequentes desistências de suas atividades.

Ela menciona em sua fala a redução das atividades fora do CAPS II, “A gente jogava no SESC toda sexta, mas essa atividade não tem mais”, como o futebol junto ao SESC, organizado por estagiários da UNIJUÍ e que deixou de existir. Essas interrupções nas atividades, especialmente as realizadas na comunidade e de caráter “extramuros” deveriam provocar algo de inquietante aos envolvidos nas políticas de saúde mental na comunidade de Ijuí, especialmente pelos prejuízos da descontinuidade nos tratamentos de seus usuários.

Essa inquietação deve gerar alguns questionamentos: O CAPS não estará funcionando como uma ilha na comunidade? Qual o verdadeiro movimento do CAPS em direção à comunidade? Estarão esses estagiários sem o devido vínculo de continuidade com a estrutura pública de saúde mental, contribuindo assim para a interrupção de algumas atividades junto à comunidade? Que efeito tem para a usuária essas interrupções nas atividades?

A usuária do CAPS II fala em algumas entrevistas das diferentes atividades as quais ela se sentia motivada a participar mas deixaram de existir. O que representa para ela as

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interrupções nos vínculos que ela começa a estabelecer com essas pessoas e depois são interrompidos de forma prematura ou não trabalhados adequadamente? Ao se referir à falta da terapeuta ocupacional que saiu, evidencia-se a sua provável capacidade (disposição) de formar vínculos. “Sinto falta dos passeios com a antiga T.O. que não faz mais parte do CAPS”. Ela também pode estar falando de sua dificuldade na elaboração de perdas.

É indispensável um planejamento por parte do CAPS II de Ijuí para a construção de um programa de integração dos seus usuários, familiares e profissionais da saúde mental em atividades junto à comunidade, o que inclui o planejamento de um programa de estágio mais duradouro com as instituições de ensino superior, ou parcerias com outras instituições da comunidade. Essas questões estão profundamente associadas à efetiva criação de políticas públicas para inserção dessas pessoas com psicose crônica na comunidade, pois, para que uma disposição de participação se constitua como tal, é necessário um estímulo regular e contínuo.

Essas são abordagens que considero indispensáveis na construção de relacionamentos para uma autonomia possível. Assis 55(2013), a esse respeito, refere que a

pessoa com psicose crônica não perde suas qualidades humanas. Observo nesta usuária do serviço de saúde mental um profundo reconhecimento pelos profissionais que a acolhem e lhe dão atenção e carinho. “Sinto-me melhor quando participo do CAPS, se eu pudesse eu viria todos os dias participar. [...] os profissionais dão atenção e se preocupam com os pacientes”. Esta acolhida considero indispensável para desfazer a hostilidade do mundo externo que está tão presente em seu mundo interno.

Esse acolhimento poderá ser estendido a seu ambiente familiar, pois pode ser sentido e visto nas atividades da usuária junto ao CAPS por seus próprios familiares, e por extensão poderá ser experenciado no seu cotidiano familiar. Esse novo ambiente poderá contribuir decisivamente para que ela possa ter condições de uma nova subjetivação que não a de exclusão (“do louco”). E na construção de uma nova disposição familiar mais acolhedora a essa pessoa com sofrimento psíquico crônico.

Quais atividades você estás planejando realizar, neste momento, em sua vida?

55Assis (2013), falando sobre a capacidade de estabelecer relacionamentos: “É importante compreender que a pessoa com esquizofrenia mantém suas qualidades humanas, e são estas que permite estabelecer relacionamentos, por meio dos quais o crescimento se torna possível. Muitas pessoas com esquizofrenia e familiares desanimam diante das dificuldades imediatas, mas é preciso ter em mente que os resultados são construídos com o tempo, como dissemos anteriormente. Sempre é possível melhorar, independentemente do número de crises agudas que se tenha vivido ou do grau de comprometimento que elas causaram”. (ASSIS, 2013, p.135).

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Estou conversando com algumas amigas para voltar a jogar futebol. Faz muito tempo que não pratico atividade física, no momento estou dando muita atenção para a saúde de minha mãe que não está bem. Procuro ajudar em casa no que meu pai me pede.

Gosto muito de vir no CAPS porque tenho amigos de verdade. Em casa tenho o hábito de ler livros de religião católica, também gosto de ver filmes de ação.

Às vezes fico pensando o que será da minha vida, mas sei que sem remédio não posso ficar e preciso do acompanhamento do CAPS.

A gente faz planos e Deus faz outros. O importante é ter saúde, o resto a gente dá um jeito, tenho vontade de viajar conhecer lugares diferentes, passear com a família porque a família da gente são quem realmente se importam. Agradeço a Deus pelo CAPS existir porque não sei o que seria de mim sem o acompanhamento psicológico e os remédios.

Minha família sempre está presente procurando me ajudar e me auxiliar no tratamento. Eu entrego minha vida a Deus, pois ele faz o melhor pra mim.

Às vezes fico pensando o que será da minha vida, o que Deus guardou pra mim? Mas eu acho que as pessoas têm algo para realizar na vida. Ninguém nasceu sem um motivo, todos têm algo para ensinar para outros.

O mundo é muito sujo, as pessoas geralmente não se importam com ninguém e querem estar por cima pisando nos outros. Ganância, Inveja... Enfim temos que ter jogo de cintura para não cair.

O mundo é muito sujo, mas ainda existem pessoas boas que fazem atitudes de coração aberto para ajudar os outros.

Análise e interpretação dos dados

Em sua fala aparece um intenso sentimento de apreensão com o seu futuro: “Às vezes fico pensando o que será da minha vida...”, associado a seu basal de medo e de desconfiança com a crueldade do mundo.

Na continuidade, novamente o discurso mostra-se muito fragmentado, porém sempre está presente mesmo que de forma velada a sua preocupação com o seu futuro. Aparece também uma disposição, um sentimento de proteção ora associado à religião ora à família. Assis 56(2013), especialmente a respeito do papel da família na vida dessas pessoas, enfatiza

56Assis:Nossa forma de ver a esquizofrenia e a família parte da compreensão de que a doença não caracteriza o sujeito, e que ele, como qualquer outra pessoa, tem seu jeito de ser, seus desejos, suas qualidades e seus defeitos. Há situações em que o indivíduo com esquizofrenia necessita tanto receber cuidados, compartilhar a vida com a família. Muitas pessoas com a doença são exiladas dentro de sua própria casa. Essa é uma situação que pode ser mudada”. (ASSIS, 2013, p.168).

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que suas vidas não se restringem a sua doença e que necessitam compartilhar a vida com a família.

Percebe-se nas palavras da entrevistada que sua família está presente em sua vida embora em alguns momentos com um forte componente de autoritarismo. Mesmo assim ela frequentemente procura fazer-se presente nas necessidades da família. Porém, isto não lhe basta para fazer a mudança interna: perceber o seu lado humano e prestativo, pois seu mundo interno projetado no mundo externo permanece sendo muito mau, muito sujo. Associo esta dificuldade à falta de estímulos adequados ao longo de sua vida, a um possível déficit cognitivo e/ou por “sequelas” de suas frequentes crises prévias embora seu esforço para construir as disposições mais adequadas: condições mínimas de apoio no grupo, no CAPS II, na família e, quiçá, na própria comunidade.

Compreendo a angústia intensa que lhe provoca esse esforço e as limitações para construir objetivos de longo prazo, e isso faz pensar que este seu processo na busca de autonomia possível será contínuo, sofrido e possivelmente com momentos de recaídas, o que não impede que se façam questionamentos a respeito dessas dificuldades:

-Será essa uma disposição que recebe de sua própria classe social e que lhe destina apenas objetivos limitados no tempo e no espaço, e que perpetua assim as injustiças e desigualdades sociais?

-Será essa uma disposição em função de sua própria psicose crônica e que lhe dificulta planejamentos de longo prazo, o que de certa forma também lhe dificulta sua mobilidade social?

-Ou será essa a disposição que lhe é oferecida pela sociedade pós-moderna que não