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Um espaço pedagógico de construção da autonomia possível às pessoas com esquizofrenia para o melhor cuidar de si

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO

RIO GRANDE DO SUL-UNIJUÍ

ANTONIO CARLOS GONÇALVES DO AMARAL

UM ESPAÇO PEDAGÓGICO DE CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA POSSÍVEL ÀS PESSOAS COM ESQUIZOFRENIA PARA O MELHOR CUIDAR DE SI.

IJUÍ/RS 2018

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UM ESPAÇO PEDAGÓGICO DE CONSTRUÇÃO DA AUTONOMIA POSSÍVEL ÀS PESSOAS COM ESQUIZOFRENIA PARA O MELHOR CUIDAR DE SI.

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul-UNIJUÍ, como requisito parcial para obtenção do título de doutor em educação.

ORIENTADOR: PROF. DR.WALTER FRANTZ

Linha de pesquisa: Educação popular em movimentos e organizações sociais.

Área de saúde mental.

IJUÍ/RS 2018

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A485e

Amaral, Antonio Carlos Gonçalves do.

Um espaço pedagógico de construção da autonomia possível às pessoas com esquizofrenia para o melhor cuidar de si / Antonio Carlos Gonçalves do Amaral. – Ijuí, 2018.

221 f. : il. ; 30 cm.

Tese (doutorado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Educação nas Ciências.

“Orientador: Walter Frantz.”

1. Esquizofrenia. 2. Grupo operativo-terapêutico. 3. Autonomia para o cuidar de si. I. Frantz, Walter. II. Título.

CDU: 616.89

Catalogação na Publicação

Eunice Passos Flores Schwaste CRB10/2276

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DEDICATÓRIA E AGRADECIMENTOS

Dedico este trabalho àqueles que, ao longo desta caminhada, não tiveram voz e vez para enfrentar a exclusão da sociedade. Dedico este trabalho àqueles que ficaram à margem do social.

Dedico este trabalho aos meus familiares sempre presentes no meu mundo real e no meu mundo imaginário.

Em especial, ao meu pai Epifânio e a minha mãe Ondina in memorian pelo esforço que fizeram para saírem das margens do social,

e de dar melhores condições culturais a todos seus filhos: Elza, Iolanda, Marlene, Marli, Aldeci, Jussara e Antônio Carlos.

Dedico aos professores que tive ao longo da vida. Pelo idealismo e amorosidade com que me acolheram

quando, pelo determinismo social, deveria ter ficado às margens.

Aos clientes, pela sua bondade de tolerarem minhas limitações e acreditarem no meu profissionalismo,

permitindo que, ao lado de uma “técnica de atendimento”, estivesse presente a minha preocupação pelo humano no social.

Aos professores do mestrado e do doutorado em Educação nas Ciências da Unijuí, instituição que me acolheu com respeito e profissionalismo. Especialmente ao professor e orientador Walter Frantz, que muita luz trouxe para este tema tão complexo, qual seja, a associação entre educação e saúde.

Por fim, obrigado aos meus filhos Clarissa, Daniel e Carolina. A Isabela e a Elisa por serem a vida em continuidade...

E àquela que me incentivou em todos os momentos com solidariedade e amorosidade sem limites, Profª. Roseli.

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EPÍGRAFE Epitáfio

Titãs Devia ter amado mais

Ter chorado mais Ter visto o sol nascer Devia ter arriscado mais E até errado mais

Ter feito o que eu queria fazer

Queria ter aceitado As pessoas como elas são Cada um sabe a alegria E a dor que traz no coração

O acaso vai me proteger Enquanto eu andar distraído O acaso vai me proteger Enquanto eu andar

Devia ter complicado menos Trabalhado menos

Ter visto o sol se pôr

Devia ter me importado menos Com problemas pequenos Ter morrido de amor

Queria ter aceitado A vida como ela é A cada um cabe alegrias E a tristeza que vier

O acaso vai me proteger Enquanto eu andar distraído O acaso vai me proteger Enquanto eu andar

Devia ter complicado menos Trabalhado menos

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RESUMO

O estudo envolve as pessoas com esquizofrenia e seus familiares no CAPS II, na cidade de Ijuí, no estado do Rio Grande do Sul, Brasil. No total, foram entrevistados vinte e um (21) usuários e vinte e um (21) de seus familiares. A pesquisa tem como problemática: “Um espaço pedagógico de construção da autonomia possível às pessoas com esquizofrenia para o melhor cuidar de si”. Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritiva compreensiva de Minayo (2013), acrescida da análise de conteúdo de Bardin (2011). Contém um resumo histórico da reforma psiquiátrica no Brasil, associando-a com a fala dos usuários e de seus familiares no atual contexto da mesma. Adquirem destaque na reforma psiquiátrica os usuários e os seus familiares no papel de protagonistas na produção de conhecimento. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) recebe atenção especial por ser um indispensável referencial para o momento atual da saúde mental no Brasil. O CAPS II, como território pedagógico, por meio do grupo mostra o enfrentamento dos déficits cognitivos, frequentemente presentes nas pessoas com esquizofrenia, por meio de um relato da circulação dos usuários por diferentes “territórios culturais” da cidade de Ijuí e da região. No processo educativo, usa-se a educação popular como um método para dialogar com os usuários e seus familiares sobre esta nova realidade possível em saúde mental, qual seja, a construção da autonomia possível às pessoas com esquizofrenia para o melhor cuidar de si. Associam-se, necessariamente, a participação familiar e sua observação da participação ativa e criativa dos usuários por meio da técnica do grupo operativo (PICHON RIVIERE 2009). Examina-se a autonomia como um processo de emancipação, na visão de Freire (2013) por meio de uma educação popular, e na contextualização de Foucault (2014) a partir do cuidado de si. O aprendizado da autonomia para o cuidar de si é o que se espera encontrar nas respostas dos usuários e de familiares tendo como pano de fundo o “grupo operativo-terapêutico”. É necessário que, além da inclusão social da pessoa com esquizofrenia inicialmente em sua família e na própria comunidade, se evidencie o quanto de empoderamento essas pessoas estão conquistando para o cuidar de si nesse processo de retorno à sua comunidade e à sua própria família. Observa-se ao longo desta investigação o quanto o “grupo operativo-terapêutico” pôde constituir-se num espaço pedagógico para a construção da autonomia possível às pessoas com esquizofrenia para o melhor cuidar de si.

Palavras-chave: Esquizofrenia. “Grupo operativo-terapêutico”. Autonomia para o cuidar de si.

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SUMMARY

The study involves people with schizophrenia and their families at the CAPS II, in the city of Ijuí, in the state of Rio Grande do Sul, Brazil. In total, twenty one (21) users and twenty one (21) of their families were interviewed. The research has as problematic: "A pedagogical space of construction of the possible autonomy to the people with schizophrenia for the best care of itself". This is a comprehensive descriptive qualitative research by Minayo (2013), plus content analysis, Bardin (2011). It contains a historical summary of the psychiatric reform in Brazil, associating with the speech of the users and their relatives in the current context of the same. Users and their families are prominent in the psychiatric reform, as protagonists in the production of knowledge. The Psychosocial Care Network (RAPS) receives special attention for being an indispensable reference for the current moment of mental health in Brazil. The CAPS II as a pedagogical territory, through the group, shows the confrontation of the cognitive deficits, frequently present in people with schizophrenia, through an account of the circulation of the users by different "cultural territories" of the city of Ijuí and the region. In the educational process, popular education is used as a method to dialogue with users and their families about this new possible reality in mental health, that is, the construction of the possible autonomy for people with schizophrenia to take better care of themselves. The family participation and observation of the active and creative participation of the users are necessarily associated with the technique of the operating group (PICHON RIVIERE 2009). Autonomy is examined as a process of emancipation, in the vision of Freire (2013) through a popular education, and in the contextualization of Foucault (2014) from caring for oneself. The learning of autonomy to care for oneself is what one expects to find in the responses of the users and their relatives, against the background of the "therapeutic-operative group”. It is necessary that, in addition to the social inclusion of the person with schizophrenia, initially in their family and in the community itself, it is evident how much empowerment these people are conquering to take care of themselves in this process of return to their community and to their own family. It is observed throughout this investigation how the "operative-therapeutic group” could constitute a pedagogical space for the construction of the possible autonomy to the people with schizophrenia to the best care of itself.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AIHS Autorizações para Internações Hospitalares

AMA Auto Mútua Ajuda

ASG Antipsicóticos de Segunda Geração

AL Alagoas

BA Bahia

C Categoria

CAAE Certificado de Apresentação para Apreciação Ética CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CEO Centro de Especialidades Odontológicas CNSM Conferência Nacional de Saúde Mental

CNTRICS Cognitive Neuroscience Treatment Research to Improve Cognition in Schizophrenia-

CTI Centro de Tratamento Intensivo

DATASUS (SAI-SUS) Departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil Sistema de Informação Ambulatorial

DATASUS (SIH-SUS) Departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil Sistema de Informações Hospitalares

dlPFC Disfunção do Córtex Pré-Frontal dorsolateral

DSM V Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais ECRO Esquema Conceitual Referencial e Operativo

ECT Eletro Choque Terapia

ESF Equipe de Saúde da Família

e-SIC Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão F Familiar

FIDENE Fundação de Integração Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado FDA Food and Drug Administration

HBP HospitalBomPastor

HCI Hospital de Caridade de Ijuí

HU Hospital da Unimed

HUSM Hospital Universitário de Santa Maria

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INSS Instituto Nacional do Seguro Social

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MATRICS Measurement and Treatment Units for Research to Improve Cognition in Schizophrenia

MS Ministério da Saúde

OMS Organização Mundial da Saúde

OPAS Organização Pan-Americana da Saúde

P Paciente

PA Pronto Atendimento

PS Pronto Socorro

PVC Programa De Volta Para Casa RAPS Rede de Atenção Psicossocial

SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

SESC Serviço Social do Comércio

SINITOX O Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas SIOP Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento

SMS Secretaria Municipal da Saúde SRTs Serviços Residenciais Terapêuticos

SUS Sistema Único de Saúde

TO Terapia Ocupacional

U Usuário

UFSM Universidade Federal de Santa Maria

UNJUÍ-RS Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UPA Unidade de Pronto Atendimento

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Espiral Dialética ou Cone Invertido... 41

Figura 2 - Mapa do Rio Grande do Sul ... 73

Figura 3 - O Grito - Edward Münch - 1893 ... 87

Figura 4 - Fases do Circulo da Cultura (segundo Freire 2016, p.78) ... 94

Figura 5 - Esquema do processo educativo e o grupo operativo ... 105

Figura 6 - Esquema do processo educativo e o grupo "operativo - terapêutico" ... 106

LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Classificação dos pacientes em relação à idade no CAPS II, Ijuí/RS - 2013 ... 79

Tabela 2 - Classificação dos pacientes em relação à escolaridade no CAPS II, Ijuí/RS - 2013...80

Tabela 3 - Classificação dos pacientes em relação ao estado civil no CAPS II, Ijuí/RS - 2013 ... 81

Tabela 4 - Classificação dos pacientes em relação à renda declarada no CAPS II, Ijuí/RS - 2013 ... 81

Tabela 5 - Tempo de participação dos pacientes no grupo no CAPS II, Ijuí/RS - 2013 ... 82

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1- Gastos em ações hospitalares ... .111

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... ...12

1 CAMINHO METODOLÓGICO E REFERÊNCIAS TEÓRICAS ... ...28

2 A REFORMA PSIQUIÁTRICA ... ...47

2.1 O MOVIMENTO DA REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL ... ...50

2.1.1 Nise da Silveira e o seu pioneirismo na Psiquiatria Brasileira ... ...50

2.1.2 Histórico da Reforma Psiquiátrica no Brasil ... ...53

2.1.3 A Reforma Psiquiátrica e a importância da participação familiar ... ...56

2.1.4 RAPS um referencial para o momento atual da saúde mental no Brasil ... ...62

3- A SAÚDE MENTAL E A COMUNIDADE LOCAL ... ...69

3.1 MUNICÍPIO DE IJUÍ (RS) ... ...72

3.1.1 A saúde mental no município de Ijuí no atual momento ... ...74

3.2 CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS II) ... ...78

3.2.1 Caracterização da População Pesquisada no CAPS II ... ...79

3.2.2 O CAPS II como território pedagógico ... ...83

4-O PROCESSO EDUCATIVO ... ...90

4.1 A EDUCAÇÃO EM SAÚDE MENTAL ... ...90

4.2 EDUCAÇÃO POPULAR ... ...92

4.3 O “GRUPO OPERATIVO-TERAPÊUTICO” ... ...99

4.3.1 “Grupo operativo-terapêutico”: espaço de contestação ao modelo biomédico...110

5- AUTONOMIA COMO PROCESSO LIBERTADOR PARA O CUIDAR DE SI...121

5.1 VENCER PRECONCEITOS PARA UMA NOVA SUBJETIVAÇÃO...122

5.1.1 Referenciais teóricos para uma nova subjetivação em saúde mental ... .127

5.1.2 Autonomia um referencial indispensável para uma nova subjetivação ... .135

5.2 AUTONOMIA COMO PROCESSO LIBERTADOR ... .137

5.3 AUTONOMIA PARA O CUIDAR DE SI ... .144

5.4 RESPOSTAS DOS USUÁRIOS E SEUS FAMILIARES ... .149

5.4.1 Retrato Sociológico de uma usuária do CAPS II ... .154

5.5 CIDADANIA ... .177

CONSIDERAÇÕES FINAIS...181

REFERÊNCIAS...186

APÊNDICES...194

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

OLHANDO O MAR, SONHO SEM TER DE QUÊ.

Olhando o mar, sonho sem ter de quê. Nada no mar, salvo o ser mar, se vê. Mas de se nada ver quanto a alma sonha! De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos, Em ruas ou em estradas ou sob ramos, Temos esta certeza e sempre e em tudo Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

As árvores longínquas da floresta Parecem, por longínquas, estar em festa. Quanto acontece porque se não vê! Mas do que há ou não há o mesmo resta.

Se tive amores? Já não sei se os tive. Quem ontem fui já hoje em mim não vive. Bebe, que tudo é líquido e embriaga, E a vida morre enquanto o ser revive.

Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser. Motivos coloridos de morrer?

Mas colhe rosas. Porque não colhê-las Se te agrada e tudo é deixar de o haver?

Novas Poesias Inéditas.

(Fernando Pessoa ,20-1-1933)

No transcorrer deste estudo sobre o processo educativo em saúde mental conto frequentemente com a companhia de Fernando Pessoa para romper a convencionalidade, por vezes presente em um texto científico, e dividir com todos um pouco de sua emocionante e inquietante busca de seu eu, mas também com seu enfoque em temas universais, como o processo de individuação no social. Importante lembrar que este poeta também tinha um sofrimento psíquico crônico, transformado e sublimado em sua criativa obra poética.

Nesta poesia o poeta expressa uma profunda inquietação por não conseguir decifrar o enigma do seu ser. O sujeito poético quer encontrar uma resposta para o mistério da sua existência como ser. Como não encontra essa resposta, passa a viver numa angústia e solidão interior. Passa então a sonhar para sair do isolamento, viver outra realidade, e não a vida como ela é. Com tantos e intensos questionamentos, de quais ele consegue se apropriar? Em que consistem suas experiências verdadeiras? E em que tempo? “Quem ontem fui já hoje em mim não vive.” São os seres humanos frutos desta eterna dialética de inquietações e sonhos?

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“Mas colhe rosas”. Porque não colhê-las “Se te agrada e tudo é deixar de o haver”?

Faz-se oportuno destacar algumas inquietações/motivações que me levaram a assumir o desafio de resgatar através da escrita e da pesquisa de doutorado um pouco de minha vivência como médico psiquiatra nessas possíveis e diferentes aprendizagens na saúde mental da rede pública na cidade de Ijuí/R.S. Assim, ao longo deste percurso, busco a apropriação de alguma dessas vivências, tornando-as verdadeiras experiências de vida. “Por que não colher rosas”?

A saúde pública brasileira, na conformação atual do SUS, data da recente redemocratização do país, tendo pouco mais de vinte anos. Embora a participação do usuário, na forma do chamado “controle social”, seja uma das marcas importantes e valiosas do novo sistema, a agenda do SUS (e do campo acadêmico da saúde pública) não incorpora ainda o usuário como coprotagonista da produção do conhecimento em saúde. (PRESOTTO 2013, p.2839)

Eis uma forte inquietação para a realização desta pesquisa: é possível trabalhar com os usuários do CAPS II na cidade de Ijuí/RS e seus familiares na produção do conhecimento, tornando-os protagonistas em um processo de pesquisa em educação na saúde mental?

Considero que a participação dos usuários e de seus familiares na pesquisa em saúde é um dos temas cruciais no debate da saúde pública e para a construção de conhecimentos sobre o momento atual da saúde, em especial, a saúde mental, objeto de nosso estudo.

O estudo tem como problemática “Um espaço pedagógico de construção da autonomia possível às pessoas com esquizofrenia para o melhor cuidar de si”. Esta pesquisa pode ser uma vivência prática do quanto essa participação das pessoas com esquizofrenia viabiliza a produção de conhecimentos para a saúde mental. É oportuno lembrar “Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (FREIRE, 2013, p.47).

Outra importante motivação para a realização desta pesquisa se dá pela necessária aproximação entre as áreas da saúde e da educação. Esta aproximação vem ocorrendo ao longo de minha vivência profissional, pois iniciei minhas atividades profissionais com a formação básica em Farmácia, especialização em Análises Clínicas, como professor junto a alunos do ensino técnico em Análises Clínicas em escolas públicas e particulares na cidade de Santa Maria/RS, no fim dos anos 70, início dos anos 80. Esta oportunidade me possibilitou uma rica experiência de diálogo e aproximação entre escola e comunidade através das atividades de pesquisa e prevenção em saúde pública por meio de trabalhos na disciplina de

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Parasitologia Humana, entre eles a realização da pesquisa1 “Índice de Verminose na comunidade da Vila Maria”.

Durante o curso de Medicina mantive o mesmo interesse pela atuação em saúde pública, como se evidencia na pesquisa: “Diagnóstico médico social de uma população pediátrica e sua relação com a desnutrição” (1989). Posterior à referida pesquisa, ocorreu o processo de educação em saúde com relação à desnutrição infantil nessa mesma comunidade carente, na cidade de Santa Maria. No período da residência em psiquiatria no serviço de residência médica da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), pude ter uma formação integrada e integradora com os diferentes saberes em saúde mental, pois o Serviço de Saúde Mental é composto por uma equipe interdisciplinar com atendimentos individuais e em grupos, situado em uma região com uma forte participação da comunidade local e regional.

Esta formação, além de um aspecto dinâmico de orientação psicanalítica, propiciou uma visão integradora com aspectos orgânicos e sociais do adoecer, pois funciona junto ao Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) o ambulatório de saúde mental e uma unidade para internações psiquiátricas de curta duração.

O interesse pela educação em saúde esteve muito presente na minha atuação profissional nesses anos de atividades na saúde pública como médico psiquiatra. No atual momento se faz por meio de uma vivência de aprendizagem no diálogo com os usuários, com os seus familiares e com os colegas na área de saúde mental por meio de um grupo “operativo-terapêutico”2 no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II), na cidade de Ijuí/R.S.

Esse diálogo me permite refletir e modificar as minhas próprias e “dogmáticas” convicções profissionais inicialmente baseadas em um modelo biomédico de assistência em saúde para buscar um modelo biopsicossocial, ou seja, de um modelo baseado prioritariamente na doença e sua medicalização para um modelo baseado no atendimento do sujeito em seu contexto sociofamiliar. Encontro respaldo nas palavras de Benevides (2010, p. 135):

A produção do cuidado em saúde mental perpassa todo o processo terapêutico do indivíduo. Ao cuidar do sujeito, deve-se levar em consideração sua autonomia, seus

1 Índice de Verminose na comunidade da Vila Maria (1979) uma comunidade com alta vulnerabilidade social, na

cidade de Santa Maria e que despertou em todos os envolvidos (alunos, professores, lideranças da comunidade) o interesse pelo processo de educação em saúde na referida comunidade.

2 No presente estudo tomo como conceito de grupo operativo aquele grupo que visam “operar” com uma tarefa

definida, especialmente ligada ao aprendizado e podem ser divididos em quatro subtipos: ensino-aprendizagem, institucionais, comunitários e terapêuticos, e como grupo terapêutico o que permite o “insight” para mudanças. (ZIMERMAN apud PEREIRA, 2013, p.26). A tarefa nesta pesquisa é o conhecimento da doença mental associada a capacidade do usuário em cuidar de si. E terapêutico para significar que o aprender a cuidar de si está sendo um insight/empoderamento para o usuário. Sendo assim na presente pesquisa uso o termo “grupo operativo-terapêutico”. (grifo meu).

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valores e sua subjetividade. Com o trabalho em equipe (envolvendo trabalhador, usuário e família), percebe-se uma integração na busca de melhorias de vida para esses sujeitos.

Com a reforma psiquiátrica e o deslocamento do tratamento em saúde mental para a comunidade3 e não mais nos manicômios, faz-se necessário estudar as contribuições da comunidade local e, em especial, as contribuições educativas. Dessas, destaco: o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II), o grupo “operativo-terapêutico”, a terapia ocupacional, a arte terapia, as intervenções interdisciplinares, a participação dos familiares, a educação popular em saúde, as alternativas não formais da própria comunidade e a possibilidade de aproximação e intercâmbio com a rede ambulatorial de saúde na cidade de Ijuí. É nesse espaço territorial que efetivamente a vida das pessoas ocorre em toda sua complexidade.

Constata-se ao longo desta pesquisa “Um espaço pedagógico de construção da autonomia possível às pessoas com esquizofrenia para o melhor cuidar de si”, o quanto as estratégias de atenção em saúde mental na própria comunidade precisam estar articuladas entre si. Disso decorre a necessidade de um espaço onde as contribuições educativas em saúde mental possam ser integrativas e integradoras na construção da autonomia possível em saúde mental. Neste estudo, o termo usuários refere-se às pessoas com sofrimento mental crônico, isto é, as pessoas com psicose crônica, em especial as pessoas com esquizofrenia.

A esquizofrenia é das psicoses crônicas a mais grave pelas acentuadas limitações que provoca na vida cotidiana das pessoas com tal enfermidade. Tem como principais características as distorções do pensamento e da percepção, associadas a sintomas como delírios, alucinações, afeto inadequado ou embotado, possibilidade de déficit cognitivos, ambivalência e os sintomas de desorganização em suas atividades especialmente para o cuidar de si. Há diversos prejuízos funcionais na esquizofrenia, por exemplo, independente, funcionamento social, habilidades ocupacionais e autocuidado. Em relação aos déficits funcionais e aos prejuízos que causa a essas pessoas, tanto para suas atividades ocupacionais, quanto para os próprios autocuidado, Pontes & Elikis 2013, p. 38 destacam:

Em relação ao funcionamento ocupacional, menos de 10% dos pacientes trabalham em tempo integral em empregos competitivos, enquanto apenas 20% mantem-se em empregos assistidos por meio período. As deficiências no autocuidado se manifestam por meio das comorbidades médicas e são percebidas também no cuidado com a higiene básica. A gravidade desses déficits funcionais parece estar relacionada a aspectos como a capacidade de vida independente e o grau de adaptação social, acadêmica, e ocupacional antes dos primeiros sintomas da doença.

3 Comunidade: A comunidade tem um locus territorial especifico e logo a seguir ele cita: “Comunidade é uma

coletividade de atores que partilham de uma aérea territorial limitada como base para o desempenho da maior parte das atividades cotidiana”. (Dicionário de Ciências Sociais, 1986, p.229).

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Existe uma forte correlação entre déficits funcionais e déficits cognitivos. Para Pontes & Elikis 2013, p. 18, os principais déficits cognitivos, quando presentes, encontram-se no âmbito da:

Atenção, da memória (verbal, não verbal e de trabalho), da habilidade visuoespacial, da fluência verbal e não verbal e das funções executivas; verifica-se, além disso, um baixo desempenho em avaliações do quociente de inteligência. Também foram descritas alterações na coordenação motora simples e complexa e déficit de linguagem expressiva e receptiva, ainda que estes prejuízos tenham sido considerados secundários às alterações na atenção, na memória e nas funções executivas.

Pela importância das funções cognitivas, especialmente para atividades diárias, fica evidente o prejuízo no desempenho do dia-a-dia das pessoas com esquizofrenia. Para Tufrey (2010), na área da esquizofrenia é consenso entre os autores que a disfunção cognitiva constitui uma característica elementar da patologia, sendo um fator de prognóstico importante no que diz respeito à autonomia, à qualidade de vida do doente e ao funcionamento em comunidade. Pesquisas que estudam o comprometimento cognitivo das pessoas com esquizofrenia podem enriquecer as alternativas terapêuticas a essas pessoas. Elas têm indispensável importância para viabilizar a inclusão social, com a autonomia possível aos usuários de um serviço de saúde mental.

Marder (2004) detaca o projeto Measurement and Treatment Units for Research to Improve Cognition in Schizophrenia (MATRICS) que envolve os centros norte-americanos de pesquisa acadêmica, a indústria farmacêutica e a Food and Drug Administration (FDA). Essa pesquisa visa identificar os déficits cognitivos da esquizofrenia e alternativas medicamentosas e intervenções psicossociais para serem utilizadas no tratamento desses sintomas.

Sabe-se que existem diversas funções cognitivas que podem estar comprometidas pela esquizofrenia. Como parte integrante do projeto MATRICS foi criado em parceria entre os EUA e a Inglaterra o Cognitive Neuroscience Treatment Research to Improve Cognition in Schizophrenia- (CNTRICS). Com auxílio do pesquisador Carter (2007), estabeleceram-se neste centro seis parâmetros nos domínios cognitivos: Working memory, controle executivo, atenção, memória de longo prazo, recepção e processamento social/emocional para a investigação clínica das alterações neurocognitivas na esquizofrenia.

Em relação aos déficits cognitivos nas pessoas com esquizofrenia considero indispensável destacar o papel da medicação antipsicótica, em especial neste estudo na cidade de Ijuí/RS, onde os usuários utilizam, prioritariamente, como medicação a clozapina,

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considerado um antipsicótico de segunda geração (ASG). Meltzer (2010) destaca que a clozapina foi o primeiro medicamento antipsicótico a mostrar eficácia para a melhora de alguns elementos da cognição, como fluência verbal, aprendizagem verbal e memória, embora nos seis primeiros meses pouco tenha alterado a memória de trabalho.

Outra alternativa de tratamento aos déficits cognitivos que podem estar presentes na esquizofrenia são as “terapias de reabilitação neuropsicológicas”. Embora estejam presentes de maneira não formal nas contribuições educativas da presente pesquisa de doutorado, considero oportuno realçar o que Pontes & Elikis 2013, p. 61 destacam a respeito das terapias destinadas aos déficits cognitivos. Eis suas palavras:

Os termos reabilitação neuropsicológica, reabilitação cognitiva, treino cognitivo ou remediação cognitiva têm sido usados como sinônimos para descrever qualquer programa sistemático de terapia ou tratamento destinado a recuperação ou à modificação das capacidades cognitivas de um indivíduo […]

O estudo das terapias de reabilitação neuropsicológicas é relativamente novo mas muito poderá contribuir para o tratamento da esquizofrenia, especialmente, quando a terapia for precedida de uma minuciosa avaliação neuropsicológica (testes psicológicos) que também pode ser subsidiada pelos exames de neuroimagem cerebral. Esses podem demostrar não só alterações estruturais mas também déficits funcionais no fluxo sanguíneo, como no metabolismo dos lobos pré-frontais. São exames não invasivos que permitem avaliar o funcionamento de diferentes áreas do cérebro, antes e após diferentes alternativas terapêuticas.

Levis (2002), em seus estudos sobre a psicopatologia da esquizofrenia, encontrou diversas evidências de que o déficit cognitivo está associado à disfunção do córtex pré-frontal dorsolateral (dlPFC). Jones (2006), em seus estudos, enfatiza que até o momento não há cura para a esquizofrenia e que o tratamento é mais eficaz quando usa uma combinação de farmacoterapia, psicoterapia e suporte familiar e social.

Destaco que estes déficits funcionais e cognitivos possam ocorrer também pela falta de estímulos adequados (contribuições educativas) e pela privação de convivência em meios mais estimulantes e enriquecedores. Essa convivência passa a ser uma motivação fundamental para a atual pesquisa criar as condições de convivência adequada entre os usuários, seus familiares e os profissionais da saúde mental, em um espaço onde os “estímulos” enriquecedores e de forma regular possam ser vivenciados por todos.

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Neste cenário, é indispensável que se possa trabalhar o aspecto educativo do usuário com esquizofrenia em um serviço de saúde mental, inicialmente o entendimento de sua enfermidade, das limitações cognitivas que possam estar associadas a ela e as alternativas terapêuticas e educativas para enfrentá-las. Assim, é possível tomar consciência do quanto ele pode assumir-se nos cuidados de seus tratamentos, nos cuidados de si, indispensáveis para a autonomia possível e a emancipação libertadora.

No contexto de frequentes déficits cognitivos nas pessoas com esquizofrenia, esta pesquisa passa a ser um intenso desafio, pois se propõe a avaliar a viabilidade de o “grupo operativo-terapêutico” constituir-se como um espaço4 para construção da autonomia possível aos usuários do CAPS II, na cidade de Ijuí. Esta problemática é avaliada com auxílio das diferentes contribuições educativas a todos envolvidos, em especial a participação dos familiares, considerando que a autonomia é um processo libertador, em construção por meio de uma metodologia de educação popular, vivenciado em uma técnica grupal para o cuidado de si.

Estudo as contribuições educativas ao processo de autonomia possível aos usuários de um serviço de saúde mental da comunidade e, de modo particular, a importância da participação de seus familiares em seus tratamentos, pois, embora a acentuada evolução e opções para o tratamento em saúde mental, ainda se reconhece uma severa dependência dos usuários ao CAPS II, na cidade de Ijuí/RS. Estudo a autonomia possível dos usuários em relação à dependência excessiva de suas próprias famílias, do CAPS II, do uso abusivo da medicalização, não só nas fases iniciais de seus tratamentos. Esta dependência excessiva possivelmente ocorre pela, ainda excessiva, vinculação ao modelo biomédico presente no CAPS II, na cidade de Ijuí, e/ou pela pouca valorização de terapêuticas que não priorizem a medicalização, como o “grupo operativo-terapêutico”, a terapia ocupacional, a arte-terapia e outras terapias que priorizem a escuta da pessoa com sofrimento mental e dos seus familiares.

Entre as contribuições educativas é dado um destaque especial à participação dos familiares, pessoas que vivem a complexidade do cotidiano com os usuários do CAPS II. Como consequência da participação e do aprendizado dos familiares por meio do “grupo operativo-terapêutico”, espera-se que eles possam estar mais aptos para a compreensão e a solidariedade com seu familiar enfermo. Disto decorre a possibilidade de serem mais efetivos

4 Neste contexto, uso o termo espaço como um novo meio para novos e diferentes estímulos (contribuições

educativas) que são oferecidos de forma regular e sistemática aos usuários (reuniões semanais do grupo com duração média de uma hora) e aos familiares (reuniões mensais)

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em suas intervenções (estímulos) e no apoio à construção da autonomia possível a esses usuários.

A esta visão do atendimento da pessoa com doença mental em sua própria comunidade associa-se o pensamento de Heidrich5(2007), para quem o tratamento baseado no modelo hospitalocêntrico para a pessoa com psicose crônica, em especial a pessoa com esquizofrenia, redireciona-se para o tratamento na comunidade, através do modelo biopsicossocial, referenciado pelo movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira. É oportuno, neste momento, recordar as ideias de Ferreira (2013) a respeito de como a Reforma Psiquiátrica apresenta novas possibilidades de pensar e lidar com o adoecimento mental:

[...] O movimento da Reforma Psiquiátrica apresenta novas possibilidades de pensar e lidar com o adoecimento mental, inserido em um processo de mudanças políticas, sociais e culturais, tem possibilitado o avanço para além das práticas manicomiais. As ações centralizam-se no fortalecimento do poder contratual dos sujeitos acometidos por um transtorno mental. Desta maneira, o novo modelo assistencial tem como eixo condutor a ampliação da autonomia. Para tanto, o objeto de intervenção deve se deslocar da doença mental para o sujeito inserido em seu contexto social (FERREIRA, 2013, p. 46).

Nesta pesquisa em saúde mental entendo a autonomia como um processo libertador do estigma de inválido para o de uma pessoa capaz de um cuidar de si. Noto (2012) destaca que na medicina o termo estigma é usado para representar um sinal de uma doença física. Acrescenta, porém, que no campo da psiquiatria: “é que o conceito de estigma segue importante para descrever a persistência quase universal de conceitos, atitudes e discriminação sociais imputados às pessoas que sofrem de transtornos mentais” (NOTO, 2012, p.82).

Considero a autonomia6 como um processo libertador do processo condicionante das regras de normalidade, ainda presente na sociedade atual e indispensável para um melhor cuidar de si. Faz-se oportuno lembrar Freire (2013), que em seu livro Pedagogia da Autonomia, destaca que o processo de autonomia exige o reconhecimento de ser

5 HEIDRICH, Andreia Valente, autora da: Reforma Psiquiátrica à brasileira: análise sob a perspectiva da

desinstitucionalização. Tese de Doutorado, (HEIDRICH, PUC 2007).

6 Autonomia: Assim, autonomia é um processo de decisão e de humanização que vamos construindo historicamente, a partir de várias, inúmeras decisões que vamos tomando ao longo de nossa existência. Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se construindo nas experiências de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. (STRECK, D.R., REDIN, E., ZITOSKI, J.J. (Orgs.)

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condicionado. Associo, também, a autonomia como um processo do cuidar de si, enfatizado na obra de Foucault (2014) História da sexualidade III: O cuidado de si.

Utilizo as palavras empregadas por Noto (2013, p.188) para evidenciar a importância e a necessidade de se estimular a autonomia das pessoas com psicose crônica, especialmente, neste estudo, as com esquizofrenia:

Uma maneira de contribuir para que a pessoa com esquizofrenia se sinta integrada no ambiente familiar é incentivando sua autonomia nas tarefas cotidianas em que ela tem capacidade para mostrar sua eficiência. Isto pode contribuir para que ela se sinta capaz de enfrentar novas situações.

Estudar este processo de autonomia dos usuários de um serviço de saúde mental é considerar também que junto ao sofrimento psíquico crônico de cada um há sempre um aspecto criativo à espera de estímulo e valorização. É neste sentido que a presente pesquisa pretende ser um espaço de voz e vez aos sujeitos participantes, reforçando a ideia de que a autonomia é um processo de conquista dentro do contexto da educação popular em saúde em especial aos usuários de um serviço de saúde mental.

A autonomia que se estuda é uma autonomia libertadora, portanto emancipatória,7 presente na metodologia da educação popular aplicada à saúde, neste estudo, à saúde mental. Autonomia que permita ao usuário um melhor cuidado de si, bem como uma maior e melhor inserção na sua própria comunidade, onde o seu “ser diferente” seja devidamente respeitado. Isto é, reconhecido, inicialmente e prioritariamente, em seu próprio meio familiar.

Emprego o termo família nesta pesquisa em saúde mental a partir de alguns referenciais presentes na introdução deste tema em saúde mental no caderno de atenção básica nº 34, do Ministério da Saúde, com a pergunta o que é família:

Antes de qualquer proposição de trabalho com família, necessário será entender o que é família em sua complexidade, suspendendo juízos de valor, conceitos fechados, lineares e prontos, os quais produzem uma concepção reducionista de família. Pode ser útil compreender família como um sistema aberto e interconectado com outras estruturas sociais e outros sistemas que compõem a sociedade, constituído por um grupo de pessoas que compartilham uma relação de cuidado (proteção, alimentação, socialização), estabelecem vínculos afetivos, de convivência, de parentesco consanguíneo ou não, condicionado pelos valores

7 Emancipatória: O processo emancipatório freiriano decorre de uma intencionalidade política declarada e

assumida por todos aqueles que são comprometidos com a transformação das condições e de situações de vida dos oprimidos, contrariamente ao pessimismo e fatalismo autoritário defendido pela Pós-Modernidade, como aponta o professor Jaime José Zitkoski (2006), e ao mecanismo etapista do marxismo ortodoxo, que afirma que o processo de transformação social como sendo “certo” e “inevitável” (STRECK, D.R., REDIN, E., ZITOSKI, J.J. (orgs.) Dicionário Paulo Freire 2ªed, Belo Horizonte: Autentica Editora 2010. p. 146)

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socioeconômicos e culturais predominantes em um dado contexto geográfico, histórico e cultural (BRASIL, 2013, p.63).

Também recorro a Firmo (2015), que destaca a família como o local onde os cuidados entre seus membros tencionam-se entre tutela e libertação e o quanto estes elementos se farão presentes de uma ou de outra forma nas relações sociais, inclusive de forma especial em nosso estudo na área da saúde mental. Para o autor as relações de cuidado, poder e autonomia envolvidas revelam a família como produto e produtora das práticas de saúde (FIRMO, 2015, p.222).

A respeito do que entende por “cuidado”, Firmo (2015) destaca em seu artigo “Experiências dos cuidadores de pessoas com adoecimento psíquico em face à reforma psiquiátrica: produção do cuidado, autonomia, empoderamento e resolubilidade”que cuidado não se trata meramente do emprego de técnicas, mas toma o “cuidado” como um processo de responsabilidade com os usuários, com os familiares, na produção de autonomia, empoderamento e resolutividade. Em suas palavras a esse respeito, cuidado não é apenas aplicação de técnicas, mas sim um processo de corresponsabilidade ante a busca pelo bem-estar junto de quem o demanda.

Alves (2013) se refere a cuidado como o sentimento de compreensão por outro igual, que pode muitas vezes ter mais facilidade de compreendê-lo que um “técnico em saúde mental”. Destaca em suas próprias palavras o que pensa a respeito do cuidado estendido ao outro:

Falamos aqui de um cuidado estendido ao outro, a um "igual", que muitas vezes é mais capaz de compreender empaticamente seu sofrimento psíquico do que um profissional. Nesse processo, percebemos o lugar do usuário e do familiar como protagonistas desse cuidado, que se baseia na troca de experiências e na participação de cada ator como protagonista de sua vida, de suas histórias e peças importantes na reflexão e mudança de comportamento de cada um que ver no outro um agente empoderado (ALVES, 2013, p. 66).

Alves (2013) aborda o tema empoderamento na visão de usuários e familiares em seu artigo “A visão de usuários, familiares e profissionais acerca do empoderamento em saúde mental”. Acentua que o conceito de empoderamento apresentado por usuários, familiares e profissionais vislumbra a autonomia dos usuários e familiares, perpassando o poder de escolha, o poder de decisão e o poder de serem sujeitos com suas diversidades e semelhanças.

Bandeira (2014) destaca que há pouca referência à inclusão dos familiares dos “pacientes” psiquiátricos na avaliação dos serviços embora a sua participação seja igualmente

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importante, em particular quando atuam como cuidadores dos pacientes. Essa é uma informação privilegiada, pois os familiares constituem os principais provedores de cuidados cotidianos aos pacientes (BANDEIRA, 2014, p.42).

Bandeira (2014) em seu livro “Avaliação de serviços de Saúde Mental, princípios metodológicos, indicadores de qualidade e instrumentos de medida” apresenta indicadores de qualidade pertinentes para a realização de estudos avaliativos rigorosos sobre os pontos de vista subjetivos dos diferentes atores (“pacientes”, familiares e profissionais) e suas participações nos serviços de saúde mental.

É necessário fazer reflexões a esse respeito, pois tais estudos podem ter importantes contribuições para o constante e saudável processo de reciclagem do movimento da reforma psiquiátrica em nossa comunidade. Nas particularidades do movimento da reforma psiquiátrica em nosso meio, esta pesquisa pode ser uma oportunidade de analisar e estimular a participação dos familiares nos tratamentos das pessoas com sofrimento psíquico crônico. Pode, assim, contribuir para reduzir o estigma e a sobrecarga que essas famílias carregam ao longo de suas vidas, e ajudá-las na construção da autonomia possível a essas pessoas com psicose crônica.

A respeito do estigma em saúde mental procuro evitar na presente pesquisa o termo “paciente”8, pois ele pode estar associado a uma ideia de passividade. Do mesmo modo evito

o termo “doente mental”, que pode ter um aspecto reducionista, organicista em que o indivíduo é reduzido a um órgão ou a uma doença, característico do “Modelo Biomédico”. Assim o fazendo, espero contribuir para a redução do intenso estigma que acompanha o “rótulo” de certas “doenças mentais”, associadas com a loucura (“o louco”). Ao contrário, de forma mais ampla e integradora, a dimensão da “pessoa” em seu contexto sociofamiliar está enfaticamente presente no modelo biopsicossocial. Outro termo associado a este modelo é o termo “usuário”, que implica os direitos de alguém que usa um serviço público, portanto estreitamente associado ao ato de cidadania.

Essas mudanças conceituais se fazem presentes nesta pesquisa de doutorado, o que, por si só, considero um significativo aprendizado neste processo de construção da identidade profissional, tendo em vista que na pesquisa de mestrado (Amaral, 2013) ainda não tinha valorizado adequadamente essas diferenças conceituais, e que poderão ser vistas quando o referido mestrado for citado e onde aparecerá o termo paciente. Acrescento que essas

8 Paciente: A palavra paciente vem do latim "patientem": o que sofre, o que padece. Este sentido primitivo pode

ser encontrado também na Gramática, onde dizemos que, na voz passiva, o sujeito que "sofre" a ação do verbo é o "sujeito paciente"https://www.dicionarioetimologico.com.br/paciente/ acessado em 14/09/2017

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mudanças a partir de meu aprendizado não se restringem apenas aos aspectos conceituais, mas também à forma como vejo e me relaciono com essas pessoas em meu cotidiano. Evidencio, assim, o quanto o Mestrado e o Doutorado em Educação nas Ciências podem contribuir na discussão integradora dos referenciais teóricos e práticos de forma construtiva para a reflexão da atuação e identidade profissional de seus participantes.

Entretanto, a par desta importante preocupação com os diferentes referenciais teóricos utilizados em saúde mental, reputo oportuno caracterizar o que a literatura médica, de forma consensual, considera como os sintomas mais característicos da pessoa com esquizofrenia. Quanto aos sintomas apresentados por pessoas com esta psicose crônica (esquizofrenia), podem ser classificados da seguinte forma, utilizando-se o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (D.S.M. V) 2014, p.87:

Sintomas positivos: delírios, alucinações, desorganização do pensamento;

Sintomas negativos: diminuição da vontade e da afetividade, o empobrecimento do pensamento e o isolamento social;

Sintomas cognitivos: dificuldade de atenção, concentração, compreensão e abstração.

Sintomas afetivos: a depressão, a desesperança, e as ideias de tristeza e ruina, inclusive autodestrutivas.

Apesar do alívio desses intensos sintomas em diferentes momentos na vida da pessoa com esquizofrenia, na atual realidade do CAPS II, na cidade de Ijuí, percebe-se que não basta a desinstitucionalização e que as propostas de tratamento na comunidade se referenciem somente em modelos interrogatórios (baseados no normal e anormal) e na medicalização. Portanto questiono o quanto é necessário um adequado espaço de atenção aos usuários e seus familiares onde possam ser oferecidas novas alternativas de tratamento à pessoa com sofrimento mental crônico em sua comunidade local. Uma possível solução é que nesse novo espaço a pessoa seja prioritariamente ouvida, não só em suas queixas, mas também em que contexto ocorreu seu adoecimento, quais seus desejos e suas possibilidades de realização. Na problemática desta pesquisa, o quanto este espaço pode viabilizar as diferentes contribuições educativas, em especial a participação do familiar no tratamento, o que pode ser indispensável para a conquista da autonomia possível à pessoa com esquizofrenia.

Para Santin (2011), a partir dessa reformulação no atendimento às pessoas com sofrimento mental em sua própria comunidade, os sujeitos que antes viviam enclausurados nos hospitais psiquiátricos agora podem contar com um tratamento mais próximo de seus

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familiares e da comunidade onde vivem. Ao mesmo tempo, a referida autora questiona o preparo das famílias para receberem em seu meio e na própria comunidade essas pessoas que tanta descriminação sofreram ao longo de sua vida, e agora precisam ter dessas famílias uma atenção humanizadora. Nas palavras de Santin (2011, p 147):

Porém, nossa sociedade, bem como as famílias, estão pouco preparadas e amparadas para acolher o portador de sofrimento psíquico, havendo ainda uma lacuna entre o cuidado que se tem e o cuidado que se almeja ter em saúde mental. Por outro lado, muitos são os esforços empreendidos pelos serviços e pelos profissionais da saúde na busca por reverter a lógica de atenção à saúde mental arraigada na nossa cultura, em que prevaleceu por muitos anos, a exclusão e o preconceito.

No contexto da priorização da lógica de atenção à saúde mental na própria comunidade, considero adequado organizar a escrita desta pesquisa em cinco capítulos:

No capítulo primeiro, Caminho Metodológico e Referenciais Teóricos, busco embasamento na pesquisa qualitativa descritiva compreensiva de Minayo (2013) e destaco os elementos técnicos utilizados neste estudo:

a) Observação participante (processo interativo), observação das atividades: processo de organização das reuniões do grupo e assembleias, fragmentos de arte-terapia. Acrescento, também, a análise documental: questionários e prontuários da população pesquisada.

b) Entrevistas dos envolvidos (usuários e familiares) acrescidas da análise de conteúdo, técnica de Bardin (2011), a partir das categorias reagrupadas por similaridade sob dois temas.

c) Retrato sociológico de uma usuária do CAPS II (processo em movimento), associado à técnica da análise individual das disposições, metodologia proveniente da sociologia de Bernard Lahire (2004), especialmente presente em sua obra “RETRATOS SOCIOLÓGICOS Disposições e variações individuais”.

Nos referencias teóricos relaciono autores que deram sua contribuição para a humanização das pessoas que estão às margens do social, neste estudo as pessoas tratadas na saúde mental (inclusão social). Estes mesmos autores perceberam que não basta incluir, é necessário oferecer práticas educativas que ajudem na emancipação (autonomia possível) dos marginalizados, ou seja, usuários de um serviço de saúde mental para um melhor cuidar de si.

No segundo capítulo, A Reforma Psiquiátrica, o destaque inicial a Nise da Silveira deve-se ao seu pioneirismo na Psiquiatria Brasileira e faz parte do reconhecimento de que há

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muito tempo ela é merecedora pela sua dedicação na humanização do tratamento dos “doentes mentais” a quem ela chamava de clientes, numa maneira inovadora de referir-se ao doente mental, ao “louco”. É possível observar a evolução do discurso da loucura e sua relação com importantes autores e pesquisadores/as na área da saúde mental de diferentes nacionalidades e suas decisivas contribuições para a reforma psiquiátrica que modificou o olhar subjetivante para essa “pessoa diferente”. Faço um resumo histórico da reforma psiquiátrica no Brasil, associando-a com a fala dos usuários e de seus familiares no atual contexto da mesma. Constitui-se uma necessidade estimular o papel de protagonista aos usuários e aos seus familiares na produção de conhecimento em saúde mental. A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) recebe uma atenção especial por ser um indispensável referencial para o momento atual da saúde mental no Brasil. Ressalto a necessidade de mudança do modelo hospitalocêntrico (Biomédico) para o de atendimento das pessoas com sofrimento psíquico crônico na sua própria comunidade (Biopsicossocial).

Examino no terceiro capítulo, Saúde mental e Comunidade local, a contextualização de comunidade na pós-modernidade para chegar à realidade atual da cidade de Ijuí, e das contribuições formais e informais possíveis à saúde mental pela comunidade local, bem como questionar algumas resistências ainda presentes para um melhor acolhimento à pessoa com sofrimento mental crônico em seu próprio território (ambulatório) de referência. Estudo também as principais características das pessoas com esquizofrenia, usuários do CAPS II de Ijuí, que participam da presente pesquisa de doutorado. O CAPS II como território pedagógico mostra o enfrentamento dos déficits cognitivos, frequentemente presentes na esquizofrenia, por meio de um relato da circulação dos usuários por diferentes “territórios culturais”. Esses estímulos culturais permitem a cada um o enriquecimento de seu mundo interno e assim viabilizar melhores condições para conquistar sua própria emancipação. Destaco uma das atividades dos usuários deste serviço, enriquecida por um fragmento da arte- terapia, para mostrar uma alternativa terapêutica de que a saúde mental pode dispor frente ao forte estímulo ao uso excessivo de medicamentos que ainda teima em permanecer presente nos dias atuais.

No quarto capítulo, O Processo Educativo, analiso a Educação Popular como um método para dialogar com os usuários e seus familiares sobre esta nova realidade possível em saúde mental, qual seja, a construção da autonomia possível às pessoas com esquizofrenia para o melhor cuidar de si, necessariamente associada à participação familiar e a observação da participação ativa e criativa dos usuários por meio de um grupo “operativo-terapêutico”. Isso permite a esses usuários uma nova subjetivação que não a do “louco inválido”. Discorro,

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ainda, sobre o papel do grupo como espaço na comunidade onde devem ocorrer trocas de vivências entre todos os envolvidos, o que viabiliza a construção de novos relacionamentos, ajudando, assim, a pessoa com esquizofrenia a sair de seu isolamento. Destaco em especial o “grupo operativo-terapêutico” como um espaço de enfrentamento ao modelo biomédico de assistência em saúde mental o qual prioriza intensamente a medicalização.

No quinto capítulo, Autonomia como processo libertador para o cuidar de si, inicialmente abordo a necessidade de o usuário e seu familiar vencerem preconceitos para criarem as condições para uma nova subjetivação, sem esquecer-se de outros temas que ainda se fazem presentes, de forma inquietante em nossos dias, tais como exclusão e inclusão social, cujos enfrentamentos são inevitáveis para que uma nova subjetivação, com autonomia, seja possível à pessoa com sofrimento mental crônico (psicose crônica).

Destaco os referenciais para subjetivação em saúde mental, de maneira especial o de autonomia no processo de libertação para o cuidado de si. Examino a autonomia como um processo de emancipação na visão de Freire (2013) por meio de uma educação popular, e na contextualização de Foucault (2014) a partir do cuidado de si. O aprendizado da autonomia para o cuidar de si é o que se espera encontrar nas respostas dos usuários e familiares tendo como pano de fundo o “grupo operativo-terapêutico”.

Essas respostas são reunidas como elementos a serem refletidos pela análise de conteúdo a partir da pesquisa de mestrado (2013) e aprofundadas na atual pesquisa de compreensão da autonomia possível aos usuários de um serviço de saúde mental e sua relação com a participação familiar neste processo emancipatório e de construção da cidadania às pessoas com esquizofrenia. São acrescidas pela entrevista, em que colaboro na construção do retrato sociológico de uma usuária do CAPS II, obtido no percurso da atual pesquisa. Este retrato sociológico é representativo, pois permite observar as resistências sociofamiliares que, atualmente, ainda dificultam o processo do cuidado de si aos usuários de um serviço de saúde mental.

Discorro nas Considerações Finais sobre o processo construtivo da autonomia das pessoas que vivem às margens do social, neste estudo as que sofrem de esquizofrenia e, por consequência, de diferentes formas de discriminação e de opressão. Autonomia que significa para Freire (2013) dar-lhe poder e liberdade no contexto emancipatório, e para Foucault (2014) um novo discurso com elementos para construção de uma nova subjetivação, especialmente ligado à estética do cuidado de si.

É necessário que além da inclusão social das pessoas com esquizofrenia, inicialmente em sua família e na própria comunidade, se evidencie o quanto de empoderamento essas

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pessoas estão conquistando para o cuidar de si nesse processo de retorno à sua comunidade, à sua família. Para que isto ocorra, observo ao longo desta investigação o quanto pode ser indispensável estimular uma maior participação/cooperação dos familiares no tratamento em saúde mental na comunidade de Ijuí e, em especial, no espaço do grupo.

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1 CAMINHO METODOLÓGICO E REFERÊNCIAS TEÓRICAS

No caminho metodológico e referências teóricas registro, de diferentes maneiras, a participação dos usuários e de seus familiares em um grupo “operativo-terapêutico”. Ora faço isto através de uma observação participante, ora dando a palavra aos participantes da pesquisa por meio das entrevistas, especialmente associadas ao papel do grupo na contribuição em seus processos de emancipação. Considero, contudo, indispensável uma análise mais individualizada de uma usuária do “grupo operativo-terapêutico”, o que é feito por meio do retrato sociológico de uma usuária do CAPS II, de Ijuí, e as diferentes disposições que possam contribuir ou dificultar o seu processo de autonomia possível.

A articulação lógica de toda investigação científica exige uma sequência de relações entre esses que compõem o trabalho de investigação, sem os quais o processo de elaboração do conhecimento cientifico será deficiente e sua qualidade será deficitária. Entendemos que esses elementos deverão estar, explicitamente ou implicitamente, presentes em todo trabalho cientifico, independente de seu maior ou menor grau de coerência e articulação (GAMBOA, 2007, p. 16).

Neste contexto, utilizei as palavras de Gamboa (2007), que considera indispensável a busca dessa articulação em uma investigação científica. A articulação dos elementos metodológicos e as técnicas utilizadas são indispensáveis para um entendimento do constante fluxo, e de suas sutilezas, entre o social e o individual no processo de contribuições educativas na construção da autonomia possível aos usuários do CAPS II, na cidade de Ijuí/RS.

Na presente pesquisa investigo como problemática “Um espaço pedagógico de construção da autonomia possível às pessoas com esquizofrenia para o melhor cuidar de si”. Concebo esta investigação científica como uma consequência da pesquisa realizada no mestrado em Educação nas Ciências junto à Unijuí “Inclusão social de pacientes psicóticos: um enfoque educativo na psiquiatria por meio de um grupo terapêutico9” (Amaral,2013). Essa pesquisa foi realizada em 2013 e contou com a devida autorização pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unijuí com o nº C.A.A.E.: 08417512.70000.5350.

A referida pesquisa foi realizada na comunidade de Ijuí a partir do trabalho em saúde mental com grupo terapêutico, no período de 2004 a 2012, quando percebi a necessidade de diferentes intervenções interdisciplinares no tratamento da pessoa com psicose crônica, na

9 Na pesquisa de mestrado (Amaral 2013) o termo mais adequado seria o de grupo operativo (tarefa de inclusão),

pois só agora na atual pesquisa os usuários estão em condições de apropriarem-se de suas experiências (insight/empoderamento). Por isso passo a usar o termo “grupo operativo-terapêutico”. (grifo meu)

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busca de sua inclusão social. Na dissertação de mestrado (2013) defendi a ideia de que o grupo, por meio de uma educação dialógica entre seus participantes, constitui-se num espaço efetivo para o processo de inclusão social da pessoa com doença mental em sua comunidade e, em especial, em sua própria família.

Com esse estudo avaliei o grupo e sua real competência como alternativa terapêutica para a inclusão social das pessoas com esquizofrenia em tratamento no CAPS II de Ijuí/RS, operacionalizada por meio de uma prática de ensino e aprendizagem num grupo de atividade interdisciplinar. Essa problematização foi necessária em razão do retorno das pessoas com esquizofrenia à sua comunidade após períodos prolongados de institucionalização e da necessidade de um local na comunidade para as práticas educativas e inclusivas em saúde mental, considerando o despreparo da família e da própria comunidade para recebê-las. Evidenciou-se ao final dessa pesquisa de mestrado o quanto o grupo constitui-se num espaço efetivo no processo de inclusão das pessoas com psicose crônica junto ao CAPS II, na cidade Ijuí/R.S.

A inquietação desencadeada a partir dessa prática de inclusão social da pessoa com esquizofrenia refere-se à excessiva dependência dessas pessoas a suas famílias, ao próprio CAPS II e à excessiva medicalização, fazendo-se necessário um local adequado à discussão da autonomia possível na vida destes usuários, o que considero indispensável na construção de sua cidadania10. A presente pesquisa possibilita, também, abordar o movimento da reforma psiquiátrica e refletir sobre o seu atual momento na comunidade de Ijuí, o que pode ser feito com a ajuda de várias áreas de conhecimentos, especialmente da saúde e da educação, e que são tão caras a todos que trabalham em saúde mental.

A partir da dissertação de mestrado, Amaral (2013), criaram-se as condições e motivações para a realização da presente pesquisa “Um espaço pedagógico de construção da autonomia possível às pessoas com esquizofrenia para o melhor cuidar de si”.

Nesta pesquisa estudo, no período de 2004 a 2014, a viabilidade do grupo “operativo-terapêutico” ser um espaço para construção da autonomia possível aos usuários do CAPS II, na cidade de Ijuí. A pesquisa contou com a devida autorização pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unijuí com o nº C.A.A.E.: 61720416.0.0000.5350. Destaco que os grupos reúnem-se semanalmente, com duração de aproximadamente 50 minutos. Esses grupos

10 Cidadania: A cidadania em Freire é compreendida como apropriação da realidade para nela atuar,

participando conscientemente em favor da emancipação[...] Todo ser humano pode e necessita ser consciente de sua cidadania. É necessário que seja consciente de sua situação e de seus direitos e deveres como pessoa humana. (STRECK, D.R., REDIN, E., ZITOSKI, J.J. (Orgs.) Dicionário Paulo Freire 2ªed, Belo Horizonte: Autentica Editora 2010. p. 67)

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estudados são em número de três (3), cada grupo com média de oito (8) participantes, sendo que três (3) não preencheram as condições de participar da pesquisa, totalizando um número de 21 participantes.

Todos os participantes da pesquisa preencheram os seguintes critérios de seleção: a) Usuários:

- Ter idade igual ou superior a 18 anos e ser alfabetizado; - Ser usuário em tratamento prévio no CAPS II, de Ijuí/RS;

- Ser uma pessoa em tratamento para psicose crônica (esquizofrênicos);

- Fazer uso de medicação antipsicótica de segunda geração, ou atípica, isto ´é, com um mínimo de efeitos colaterais, preferencialmente clozapina. Quando do uso de clozapina, deverá ser considerada avaliação clínica prévia para excluir condições clínicas que contra indiquem o seu uso, bem como a realização de exames periódicos de controle hematológico;

- Aceitar participar e apresentar condições psíquicas de responder ao instrumento de coleta de dados;

- Participar de uma reunião semanal realizada com o grupo de usuários, com duração aproximada de 50 minutos;

- Estar acompanhado de um familiar na 1ª reunião do mês realizada com o grupo de usuários;

- O participante do estudo não pode apresentar três faltas consecutivas sem justificativa nas reuniões, conforme normas estabelecidas na constituição do grupo, pois isto implicará o seu desligamento do grupo.

b) Familiares:

- Ter idade igual ou superior a 18 anos e ser alfabetizado;

- Acompanhar regularmente o seu familiar enfermo em seu tratamento;

- Aceitar participar e apresentar condições psíquicas de responder ao instrumento de coleta de dados.

c) Riscos:

- Na ocorrência do usuário ou do familiar durante a aplicação do instrumento de coleta de dados apresentar qualquer alteração física ou psíquica, este receberá imediatamente atendimento adequado e poderá continuar como participante da pesquisa em outro momento, se assim o desejar;

- Se suceder que algum dos participantes da pesquisa se sinta constrangido ou desconfortável em responder a qualquer uma das questões que compõem o instrumento de

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pesquisa, este poderá, a qualquer momento, interromper sua participação no referido estudo;

- Caso algum dos participantes sentir dificuldade em responder a qualquer uma das questões do instrumento de pesquisa, esse poderá solicitar auxílio do aplicador.

d) Benefícios:

- Estabelecer uma prática de ensino e aprendizagem na construção da autonomia possível aos usuários do CAPS II, Ijuí/RS;

- Propiciar ao usuário e seu familiar um ambiente acolhedor que favoreça a criação de vínculos mais saudáveis e que possam ser estendidos ao seu cotidiano familiar;

- Permitir ao usuário um momento de reflexão sobre o seu atual estágio de autonomia para o cuidar de si;

- Permitir aos familiares um momento de reflexão sobre a sua participação no processo de construção da autonomia possível ao seu familiar enfermo;

- Propiciar à instituição (CAPS II) uma reflexão sobre a prática aplicada atualmente na “experiência” de inclusão social com autonomia aos seus usuários.

Trata-se de uma metodologia de investigação qualitativa descritiva e compreensiva Minayo (2013), com elementos da técnica de:

a) Observação participante (processo interativo);

b) Entrevistas dos envolvidos (usuários e familiares), acrescidas da análise de conteúdo de Bardin (2011);

c) Análise sociológica de Lahire (2004) à escala individual por meio do retrato sociológico de uma usuária do CAPS II (processo em movimento).

A esses elementos acrescentam-se, também, as referências da metodologia da Educação Popular. “O Método de Paulo Freire é, fundamentalmente, um método de cultura popular: conscientiza e politiza” Freire (2017), associado à técnica de grupos operativos segundo Pichon- Rivière (2009).

Elementos das técnicas utilizadas que passo a descrever de forma mais singularizada: a) Observação participante (processo interativo)

Tem como base a minha participação nos diferentes espaços de saúde mental junto à comunidade, em especial nos locais onde a pesquisa foi realizada. Entre eles destaco o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II), o “grupo operativo-terapêutico”, a casa de Auto Mutuo Ajuda (AMA) e a possibilidade de aproximação e intercâmbio com a rede ambulatorial de saúde na cidade de Ijuí. Nesses locais foram observadas diferentes atividades educativas: a participação dos usuários, a participação dos familiares, a educação

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