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REVISITANDO A DISCUSSÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

CAPÍTULO I ESPAÇO GEOGRÁFICO, DESENVOLVIMENTO E AGRICULTURA FAMILIAR

1 ESPAÇO GEOGRÁFICO, DESENVOLVIMENTO E AGRICULTURA FAMILIAR

1.1 REVISITANDO A DISCUSSÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

A geografia é uma ciência com íntima relação com a prática humana, e o espaço – seu objeto de estudo – é condição, meio e produto da reprodução social. A geografia é, assim, uma ciência que busca compreender o espaço como momento de elucidação da realidade social, isto é, dos fatos e movimentos que justifica a existência humana. Logo, o espaço, enquanto categoria fundamental da geografia, é construído por relações sociais e históricas.

O espaço é a categoria totalizante da geografia. Essa categoria é analisada por inúmeros geógrafos e em diferentes perspectivas, a partir da relação estabelecida pelo homem com a natureza. Por essa condição, serão considerados nessa leitura: Carlos (2001, 2009 e 2011), Castro (2012), Côrrea (1995), Moraes (1996) e Santos (2003, 2006, 2009, 2008, 2011 e 2012). Esses autores, além de se preocuparem com o sentido conceitual do espaço, auxiliam no entendimento do espaço como local de trabalho e demandas sociais. Por isso, a análise dos mesmos se faz no sentido de entender as especificidades das relações socioeconômicas no espaço geográfico.

Sendo assim, Carlos (2001) reflete o espaço geográfico como resultado das relações que ocorrem, em um dado período, entre o homem e o seu meio circundante, fundamentado na acumulação técnico-cultural e na relação entre o que existe e o que pode ser construído, dentro da ideia de continuidade do desenvolvimento social. Por isso, “[...] é a ação humana consciente que transforma a natureza em espaço geográfico e ao produzi-lo, produz o homem e as relações com os outros homens” (CARLOS, 2001, p.16). Por consequência, é o trabalho que medeia a relação sociedade e espaço, uma vez que determina a natureza social do espaço, em termos de trabalho, de poder e de linguagem; e sua forma de apropriação através da produção e (re)produção do capital na formação econômica da sociedade.

Ainda para Carlos (2011), no atual estágio de desenvolvimento econômico-social, reflexos dos novos padrões desenvolvidos pela sociedade de consumo, o espaço também “[...] se reproduz como realização da virtualidade do capitalismo de realizar-se expandindo-se pelo planeta, como estratégia de dominação das condições necessárias à sua reprodução continuada” (Op. Cit, p.16). A produção do espaço situa-se na ação social que remete à

totalidade do processo histórico de materialização das relações humanas, enquanto relações espaciais diferenciadas temporalmente. No contexto atual, o espaço ganha novas funcionalidades e novas formas de apropriação, mediado pelo valor de troca, transformando o espaço em mercadoria, o qual se reproduz constante e diferencialmente, de acordo com a reprodução social. Desta feita, a reprodução do espaço é reflexo da reprodução ininterrupta da sociedade, que é ao mesmo tempo histórica e imediata.

Para Côrrea (1995), o espaço geográfico é multidimensional, reflexo das práticas sociais, campo de lutas, de vivência e de trabalho, haja vista ser “a morada do homem”. Ele reflete diferentes valores de uso e de troca, pelo fato de ser absoluto, enquanto receptáculo; relativo, ao referendar as distâncias; e relacional, ao refletir o contato entre objetos para definir existência. Por conseguinte, o espaço é social, indissociável do tempo, ao ser local em que diferentes grupos produzem, circulam, consomem, lutam, sonham e vivem. Logo, o espaço é onde se refletem as práticas sociais.

Assim como para Carlos (2011) e Côrrea (1995), Castro Et. Al. (2012) asseveram que o espaço é a expressão concreta da sociedade, refletida em simbolismos através de formas, conteúdos e movimentos. Já em Côrrea (2012), o espaço se constituiu de dimensões que envolvem o lado simbólico, econômico, político e social. Essas dimensões, segundo o autor, se correlacionam e ganham destaque quando da valorização do espaço que, por vieses institucionais e econômicos, acabam articulando a dimensão política e social, definindo, assim, “[...] novos campos de investigação, como os sistemas produtivos locais, os meios inovadores, a governança, além da economia de proximidade” (Op. Cit, p.16). Por isso, a análise espacial deve considerar os efeitos da evolução tecnológica e sua repercussão na organização do espaço.

Nessa esteira, Carlos (2011) reflete que as ações sociais tornam o espaço concreto, isto é, torna-o uma condição necessária à reprodução capitalista, corroborada pelo apoio do Estado. Deste modo, o espaço é condição, meio e produto da ação do homem, que se define a partir de três dimensões: 1- Material, evidenciada na concretude física; 2 - Concreta, observada na consciência social de que suas ações promovem a produção do espaço; e 3 - Abstrata, analisada como plano conceitual, em que todas as ações em prol da produção espacial é resultante da adequação da vida humana ao mundo da mercadoria. Assim, o espaço para Carlos (2011) é uma conjugação de localização, onde se encontram agrupadas todas as atividades sociais, ao passo que é, também, processo e movimento, pois reflete as relações sociais demarcadas num dado tempo.

Na mesma linha, Moraes (1996) reflete que o espaço geográfico é espaço material, onde o homem agrega trabalho ao solo, através da apropriação intelectual dos lugares. Esse trabalho define formas que são materializações elaboradas por indivíduos históricos e sociais, isto é, formas espaciais, que “[...] são projeções dos homens (reais, seres históricos, sociais e culturais), na contínua e cumulativa antropomorfização da superfície terrestre. Um processo ininterrupto onde o próprio ambiente construído estimula as novas construções” (Op. Cit, p.22-23). Desta forma, o espaço é apropriado com variadas finalidades, sendo a vertente econômica a que dita a organização dos lugares através das funções produtivas.

Santos (2012, p. 120) também referenda o espaço como reflexo de movimento de coisas e de capital, isto é, como resultado da sociedade ao longo do tempo. O mesmo é tomado com sentido de localização e de distribuição de atividades e de homens sobre a superfície terrestre. Esse aspecto se desdobra na ideia de que a sociedade organiza uma porção do planeta, diferenciando-o. A organização espacial assegura-se, dessa maneira, na integração entre fixos e fluxos, ou seja, entre a configuração territorial e as relações sociais.

Por consequência, o espaço geográfico reúne materialidade e vida que o anima, sendo o homem um ser de ação, porque somente ele tem objetivo e finalidade. Logo,

[...] As ações humanas não se restringem aos indivíduos, incluindo, também, as empresas, as instituições. Mas os propósitos relativos às ações são realizados por meio dos indivíduos [...] As ações resultam de necessidades, naturais ou criadas. Essas necessidades: materiais, imateriais, econômicas, sociais, culturais, morais, afetivas, é que conduzem os homens a agir e levam a funções. Essas funções, de uma forma ou de outra, vão desembocar nos objetos. Realizadas através de formas sociais, elas próprias conduzem à criação e ao uso dos objetos, formas geográficas. (SANTOS, 2009, p.82-83)

O espaço geográfico é mais que relações estabelecidas por homens com elementos. Ele é constituído por redes, inclusive humanas, formadas de modo integrado por objetos e ações. Mas, quando em um desses aspectos ocorre mudança, esta acaba por repercutir em todos os outros. Nesse sentido, o espaço é resultado de um sistema de objetos e de ações que transita no passado e no futuro por considerações do presente (Op. Cit).

Ainda segundo Santos (2009), o espaço resulta das sucessivas relações entre o homem e a natureza, por intermédio da técnica3. É uma situação única e múltipla, resultante da instrução da sociedade em formas-objetos, que sofrem mudanças de função, conforme a

3

“As técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço [...]” (SANTOS, 2009, p.29).

evolução das ações. Além disso, o espaço é uma síntese da realidade social que se materializada nas formas-conteúdos com determinados valores.

Santos (2012) também explicita, conforme discussão de Carlos (2011), que o espaço equivale a um conjunto de formas que contêm frações da sociedade em movimento. As formas geográficas nada mais é que a sociedade transformada em espaço. Ele é resultado da junção de objetos sociais com a sociedade em movimento. No atual estágio de mundialização do capital, o processo produtivo cria seletividades e hierarquias na utilização do espaço, as quais se tornam efetivas ou potencialmente importantes, a partir da possibilidade de cada lugar se afirmar e se diferenciar em nível mundial.

O processo produtivo impõe ao espaço, mediante a evolução da ciência e da tecnologia, a condição de mercadoria, convertendo-o em foco da especulação econômica, ideológica, política, seja de forma isolada seja conjunta. A utilização desse espaço só se faz por quem tem capital particular, isto é, por quem possui a escrituração da propriedade privada. Deste modo, o espaço pode unir homens a partir da necessidade de engajamento no processo produtivo, ao tempo que os separa após resultados desse processo. O espaço torna-se, assim, lócus da função de mercado (Santos, 2012).

Tal aspecto mostra que o espaço sempre sofreu compartimentação, intensificando-se, no período atual, a partir da ação direta do homem e de sua presença política. Além disso, acarretou, por atividades de influência externa, a fragmentação espacial. Por fim, essas atividades exigem rapidez e fluidez, conforme as demandas e a competitividade mercadológicas. Tudo isso acaba por arrastar a atenção do Estado e de sua força normativa na concretização de condições favoráveis, principalmente, para a definição econômica de atividades dotadas de mais poder econômico. Tal aspecto agrava as diferenças de força e as disparidades espaciais em termos produtivos (Op. Cit.).

Essa questão é sentida em áreas agrícolas quando ocorre a especialização produtiva de um espaço-território em relação ao seu vizinho. A competitividade também passa a influenciar as atividades agrícolas aprofundando seu caráter científico, de modo a exigir ciência, técnica e informação dentro do processo produtivo e comercial. No mais, essas atividades acabam dividindo o espaço, tendo continuidades em função de atividades homogêneas e descontinuidades quando há diversificação produtiva.

Nesse contexto, o espaço é um conjunto indissociável de sistemas de objetos (materiais ou não) criados pelo homem e um sistema de ações (força, atos, atitudes) que movem a sociedade e obedecem de modo racional à lógica produtiva do capital, conforme seus fins. Esses dois sistemas são indissociáveis e se influenciam formando o espaço

geográfico. Deste modo, os objetos contemporâneos, isto é, objetos técnicos, definem os espaços do moderno, ao mesmo tempo que determinam frequente especialização de quem os utiliza em função da sua constante melhoria e concorrência no mercado. Essa atualização do sistema de objetos e do sistema de ações acaba reorganizando o espaço e redefinindo diferenciações regionais (Op. Cit, 2009). Disso, conclui-se que o espaço é uma reunião dialética de fixos e fluxos, sendo ele

[...] como conjunto contraditório, formado por uma configuração territorial e por relações de produção, relações sociais; e, finalmente, o que vai presidir à reflexão de hoje, o espaço formado por um sistema de objetos e um sistema de ações. Foi assim em todos os tempos, só que hoje os fixos são cada vez mais artificiais e mais fixos, fixados ao solo; os fluxos são cada vez mais diversos, mais amplos, mais numerosos, mais rápidos. (Op. Cit., 2008, p.105)

Conforme as forças de mercados hegemônicos, o setor agrícola é regulado a partir da modernização e da integração comercial. Por isso, defende-se o fato de a agricultura moderna ter se tornado um dos vetores verticais, isto é, um estímulo à circulação, à distribuição e ao consumo que definem espaços separados, mas articulados com a sociedade e a economia. Por consequência,

No campo moderno, modificado, com relativa facilidade, ao saber de novos produtos, a economia é, sob esse ângulo, flexível. A inflexibilidade lhe vem da necessidade de uma dosagem sábia, em função desses mesmos produtos de implementos e capitais constantes – que tomam a forma de sementes, adubos, fungicidas, inseticidas – e da implacabilidade de uma regulação que vem de fora. (SANTOS, 2008, p.90)

O espaço rural sofre diferenciação por especializações produtivas, muitas vezes localizadas, que resultam na valorização ou desvalorização dos espaços agrícolas. Além disso, a especialização produtiva no espaço tende a massificar a presença de capital, através do aumento das taxas de lucro e da redução do valor do trabalho, num determinado espaço. Para Santos (2003, p 142), o espaço agrícola é constituído por dois tipos de capital: 1- Capital Novo, que considera lugares privilegiados com intervenção do Estado em infraestrutura, principalmente de produção e de circulação; e 2- Capital Desvalorizado, em que se circunscrevem as atividades pouco rentáveis. Esse é o motivo de a atividade agrícola, com resultados positivos, ser desenvolvida pelo agronegócio que, além de possuir terras, é estimulado pelo Estado com acesso facilitado de crédito e de infraestrutura (Op. Cit.).

Destarte, espaço geográfico, na visão dos autores supracitados, remete a um conjunto de formas que representam as relações sociais do passado e do presente, por estruturas de relações sociais que se manifestam por processo e funções, sendo diferenciáveis nas escalas locais. Em síntese, o espaço geográfico é a expressão concreta das formas, conteúdos e movimento que refletem a ação humana e suas demandas, impulsionadas, sobretudo, pelo sistema econômico, o qual contribui para a definição produtiva do espaço.

O espaço, sendo espelho da transformação da natureza, através das demandas sociais, é fundamentalmente importante para se compreender as mudanças impulsionadas no rural brasileiro. Nessa perspectiva, apresentam-se temáticas que merecem análise criteriosa pela ciência geográfica, entre as quais: o desenvolvimento rural, que não pode ser avaliado apenas pelo crescimento econômico, mas por sua interface sócio-espacial; a agricultura familiar, que ganha fôlego enquanto categoria propulsora desse desenvolvimento nos últimos anos, sobretudo, no Brasil; e o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), que, enquanto política (ou programa), incentiva a agricultura familiar e impulsiona o desenvolvimento rural.

Portanto, o espaço geográfico será o suporte para a análise dos aspectos em destaque, principalmente no sentido distributivo, que validará a submissão das unidades familiares à lógica creditícia, à ciência e à tecnologia. Sem perder de vista que o processo produtivo, a partir do financiamento da agricultura familiar, com o suporte do Pronaf, submete e modifica o espaço de acordo com a lógica do mercado.

1.2 ABORDAGENS SOBRE O DESENVOLVIMENTO E O BRASIL NESSE