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2.3 RISCO

2.3.3 Riscos em cooperativas

Como citado acima, um dos incentivos primários para os produtores formarem uma cooperativa é a possibilidade de diminuição dos riscos na produção e na rentabilidade. A cooperativa é uma organização intermediária entre o mercado e os empreendimentos dos cooperados e normalmente apresenta grande possibilidade de economias de escala, dada sua potencial dimensão advinda da união de diversos produtores. Assim, a grande atratividade para formação de cooperativas reside, portanto, na busca do aumento do poder de barganha e na diminuição dos riscos dos empreendimentos dos cooperados, acompanhada da possibilidade de integração aos mercados (BIALOSKORSKI NETO, 2001).

Todavia, semelhantemente a outras empresas do agronegócio, as cooperativas agroindustriais além de operarem em um ambiente que é intrinsecamente arriscado, também estão expostas a altos graus de riscos financeiros e de mercado. De acordo com Manfredo e Richards (2007), diversas situações geram esses tipos de riscos para as cooperativas. Normalmente as cooperativas focalizam suas atividades em poucas commodities e/ou, operam em regiões geograficamente limitadas e/ou, utilizam pequenos canais de vendas. A maioria das pequenas cooperativas, por exemplo, possui um baixo nível de diversificação e normalmente para as commodities que comercializam (como frutas, vegetais e hortifrutigranjeiros) não há opções disponíveis de mercados futuros e nem de seguros. Estas cooperativas não têm a oportunidade de gerir seus riscos usando as ferramentas disponibilizadas pelo mercado. Muitas cooperativas também operam em arranjos do tipo pool (com compartilhamento das perdas) onde a produção dos seus membros deve ser vendida em determinado tempo pré-estipulado. Apesar deste tipo de arranjo ser interessante aos membros, que se liberam das preocupações com o “tempo de mercado”, ele limita a possibilidade da cooperativa em manter estoques e vendê-los quando o preço for mais atrativo. Tudo isso implica em altos níveis de riscos de mercado. Além disso, normalmente as cooperativas operam com pequenas margens de lucro, não possuem acesso a financiamentos via mercado financeiro (bolsa de valores) e têm necessidade de distribuição de resíduos

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(sobras) a seus membros. Estas características exigem que a cooperativa apresente altos graus de alavancagem e, por conseguinte, apresente também altos níveis de riscos financeiros.

De acordo com Bialoskorski Neto (2001), os produtores rurais associados a uma cooperativa estão duplamente expostos ao risco de perdas econômicas: (i) risco de perdas na sua produção devido a fatores ambientais, pragas, doenças, etc., ocasionando perdas nas vendas e menor lucratividade; e (ii) risco de perda na participação da cooperativa ocasionado pela primeira situação, uma vez que se o associado diminui sua porção de suprimento à cooperativa, a sua participação nas sobras financeiras também cai. Entretanto, os membros das cooperativas normalmente não têm consciência dos riscos que a cooperativa está sujeita e, conseqüentemente, dos riscos de perdas financeiras que estão sujeitos devido à patronagem (ZEULI, 1999). Por conta disso, o objetivo da melhor gestão dos riscos, por parte dos produtores rurais e por parte das cooperativas, é de especial interesse a todos os envolvidos.

Segundo Manfredo e Richards (2007) “é surpreendente que muitos administradores de cooperativas tendem a acomodar, ao invés de ativamente gerenciar, as várias origens de riscos que as cooperativas estão sujeitas enquanto empreendimentos”. Os autores defendem que a oferta de instrumentos de gestão dos riscos por parte das cooperativas para os seus membros, pode gerar valor e aumentar a taxa de retenção. Para o caso dos riscos de mercado, por exemplo, isso é justificável porque os instrumentos financeiros para a gestão deste tipo de risco, como mercados de futuros, não são facilmente acessíveis a todos os membros devido, sobretudo, a restrições de fluxo de caixa, custos de transação (como comissões), a falta de conhecimento sobre os instrumentos disponíveis e a relutância geral para contratação de instrumentos de hedge (salvaguardas) (SHAPIRO; BRORSEN, 1988). Por outro lado, alguns membros podem estar em uma situação em que conseguem melhor gerir seus riscos do que transferir essa responsabilidade para as cooperativas (princípio do RMIP citado acima) – situação dos grandes produtores e daqueles que têm acesso a seguros privados ou do governo – e isto pode contribuir para essa falta de preocupação dos administradores das cooperativas em não disponibilizar apoio a gestão dos riscos dos cooperados.

A gestão dos riscos nas cooperativas afeta a variabilidade da renda do cooperado, que recebe sua parte na distribuição das sobras. A aversão ao risco por

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parte dos produtores rurais exerce um papel fundamental na análise dos riscos nas cooperativas, pois eles próprios controlam a cooperativa e seus objetivos finais. Assumindo que os produtores rurais são avessos ao risco e normalmente possuem mixes de produção não diversificados, a capacidade da cooperativa em estabilizar a renda e diversificar a produção é um assunto relevante aos cooperados. Todavia, conforme constatado por Ferreira (2002), a opção entre diversificação e especialização não se resume simplesmente a uma estratégia competitiva, mas envolve a identidade da cooperativa junto ao seu quadro social e situa-se no nível da estratégia corporativa. Neste contexto verifica-se que o desafio da administração, sobretudo no planejamento e controle, é por vezes aumentado devido às características culturais e políticas inerentes à reunião de produtores com interesses comuns e ao mesmo tempo conflitantes.

De acordo com Zeuli (1999) as estratégias para uma cooperativa agroindustrial diminuir os riscos na disponibilidade de oferta de matéria-prima para sua produção e na variabilidade da sua renda, seriam, respectivamente, a (i) expansão geográfica de seus membros e (ii) a diversificação da linha de produtos ofertada ao mercado. A primeira alternativa tem como vantagem a contribuição para a possibilidade de diversificação da produção da cooperativa por meio do aumento do número de fornecedores, mas implica em maiores custos logísticos. A segunda tem como vantagem a diminuição dos riscos, mas implica em maiores investimentos e custos de produção. Entretanto, segundo a autora, um dos maiores obstáculos para a adoção destas medidas, visando a melhor gestão dos riscos e a conseqüente eficiência econômica, é o possível conflito com a doutrina cooperativista. Aumentar o número de associados (para garantir o suprimento da cooperativa e melhorar a diversificação) pode implicar em aumentar também os problemas relacionados a governança da cooperativa. Diversificar o portfólio de produção pode acarretar a perda do foco estratégico da cooperativa e o conflito com a resistência geral dos membros por mudanças.

Manfredo e Richards (2007) conduziram um estudo entre cooperativas norte- americanas de produtores de leite para avaliar um conjunto de estratégias de gerenciamento dos riscos deste tipo de empreendimento. No total foram avaliadas doze estratégias combinando instrumentos como contratos a termo (futuros), contratos de substituição de garantias (swaps), mercado a vista (spot market) e a oferta de contratos a termo para os membros (para auxiliá-los na gestão da

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variabilidade do preço de venda do leite). Os autores consideraram que a adoção destas estratégias (isoladas ou combinadas entre si) afetaria diferentemente os rendimentos da cooperativa e dos membros e, por isso, utilizaram várias medidas de desempenho para avaliar a efetividade de cada estratégia e poder compará-las. Assumindo que os membros das cooperativas são motivados pela relação retorno- risco, mas também são sensíveis ao grau de possibilidade de ocorrência e aos efeitos dos riscos indesejáveis, os autores utilizaram para a análise e comparação das estratégias: (i) lucro esperado e seu desvio padrão; (ii) análise média-variância (coeficiente de variação); (iii) medida de equivalente certo (análise risco-retorno) e; (iv) avaliação do risco indesejado (usando value-at-risk com 5% de probabilidade e análise de semivariância). Os resultados das métricas foram gerados com o uso da simulação de Monte Carlo e demonstraram que o risco total poderia ser significantemente reduzido com a adoção de medidas como oferta de contratos a termo para os cooperados, vendas a vista e swap. Porém tais medidas não devem ser adotadas isoladamente. O risco deve ser gerenciado por meio da combinação de um conjunto de medidas.

Zeuli (1999) avalia os riscos que as cooperativas estão sujeitas dando especial enfoque aos riscos de desastres naturais e catástrofes que afetam a produção agrícola. Neste caso os produtores associados a cooperativas estão duplamente expostos ao risco, uma vez que esses eventos naturais, além de afetarem a produção em suas propriedades, também desestabiliza a produção e a renda da cooperativa. Ou seja, a ocorrência destes riscos implica em perdas na cooperativa e isso é diretamente refletido nas distribuições de sobras aos membros (desestabilizando também a renda do produtor). A autora apresenta um conjunto de respostas gerenciais a essa classe de riscos e o papel que a cooperativa deve exercer no sentido de auxiliar seus membros e diminuir as conseqüências dos riscos. As alternativas apresentadas são relacionadas a utilização de instrumentos disponíveis no mercado financeiro (contratos a termo e seguros) e a oferta de seguros diretamente aos membros da cooperativa.

No contexto brasileiro, dentre as várias características marcantes do cooperativismo, pode-se citar as áreas de atuação da cooperativa. Uma cooperativa agropecuária no Brasil pode ser ao mesmo tempo caracterizada como cooperativa de compra, de venda, de produção, de crédito. Freqüentemente uma cooperativa pode executar atividades de:

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• Venda de insumos aos membros; • Compra de produtos dos membros; • Venda de produtos ao mercado;

• Industrialização (transformação) de commodities; • Venda de produtos com valor agregado ao mercado;

• Associação com outras cooperativas para formar pool de compras;

• Associação entre cooperativas para maximizar o uso de modais (como navios, por exemplo).

Dada a variedade de atividades que uma cooperativa pratica, os riscos que incidem em suas operações são de vários tipos e advêm de diversas fontes. Além disso, no Brasil as cooperativas são consideradas organizações que possuem funções sociais e, apesar de ser um pré-requisito para o desempenho social, o desempenho econômico nem sempre é priorizado, aumentando assim a incidência de riscos financeiros.

Alguns autores têm se dedicado a estudar qual a capacidade da cooperativa em gerenciar os diversos riscos em que está sujeita. No Brasil algumas cooperativas não adotam algumas práticas gerenciais, comuns em sociedades de capital, por questões de princípio e alinhamento com seus objetivos sociais. Com relação ao risco de mercado, por exemplo, verifica-se que uma das estratégias mais aceitas para o seu gerenciamento é a diversificação da produção e/ou das atividades. Entretanto, no contexto cooperativista, verifica-se que essa estratégia não é facilmente aplicável. A cooperativa não possui a mesma flexibilidade da empresa mercantil para efetuar mudanças em seu portfólio.