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rua Roberto Camelier com Quintino Bocaiúva (Jurunas) 8 rua Roberto Camelier com Pariquis (Jurunas)

a identidade jurunense e as festas

7. rua Roberto Camelier com Quintino Bocaiúva (Jurunas) 8 rua Roberto Camelier com Pariquis (Jurunas)

9. rua Djalma Dutra com 14 de Março (Telégrafo) 10. rua Pedro Álvares Cabral (Marambaia)”. 107

“Uma quadrilha de pivetes, cujo mais velho tem 16 anos, está semeando o terror no Jurunas. A polícia já não sabe que tática usar para por fim à ação dos pequenos bandidos. Ninguém escapa da investida do bando e muitos moradores, com medo, colocam à venda suas casas”. 108

“Eis o nosso futuro, futuro que já começou. Há poucas semanas dois meninos de dez anos de idade assaltaram um estabelecimento comercial no Jurunas, armados de revólveres, em pleno dia (...) Fruto de circunstâncias sócio-econômicas em que o êxodo rural se apresenta como um fator de grande importância, Belém deixou de ser a pacata cidade das mangueiras para se transformar na capital da desilusão para uma vasta maioria de marginalizados que hoje constituem cerca de 75% da população”. 109

“A Polícia do Jurunas está às voltas com uma quadrilha de pivetes que está agindo audaciosamente em pleno dia, assaltando principalmente mulheres como aconteceu ontem, por volta das 8 horas da manhã,

107

ASSALTOS. Folha do Norte, 02.01.1978.

108

PIVETES INFERNIZAM O JURUNAS. O Estado do Pará, 1.02.1980, p. 1.

109

quando duas senhoras foram assaltadas na presença de várias pessoas”. 110

“Dois bandidos se defrontaram, armados de faca, no fim da tarde de ontem, no beco do Relógio, Jurunas, e um deles saiu morto”. 111

Se hoje o bairro do Ladrão não existe mais, o estigma da pobreza associada à violência deslocou-se para o extremo oposto, para a fronteira Jurunas/Condor, onde se localizam o beco do Relógio e beco da Vivi, lugares ainda hoje vistos como de extremo perigo e risco para os transeuntes e mesmo para os moradores. Nessa fronteira também se localizam os setores denominados de Vietnã, Coréia 112 e Radional, 113 localizados nas áreas mais baixas e próximas à Estrada Nova e ao rio Guamá, onde vive uma população cujo nível de renda é considerado dos mais baixos da cidade. Apesar do medo da violência, não existem muitas casas residenciais ou comerciais colocadas à venda, o que demonstra que as pessoas desejam, acima de tudo, permanecer no bairro.

Ainda hoje a associação do bairro com casos de violência e crime permanece com certa recorrência, com destaque aos espaços considerados mais perigosos do bairro, especialmente nos horários noturnos, quando a presença das gangues atemoriza os moradores. 114

110

POLÍCIA DO JURUNAS NA LUTA CONTRA QUADRILHA DE PIVETES. O Liberal , 05.02.1983, p. 19.

111

DUELO SILENCIOSO DEIXA MORTO A FACA NO JURUNAS. O Liberal, 03.09.1984, p. 14.

112

São lugares ainda insalubres, inseguros e carentes de infra-estrutura básica, e por isso ainda acessíveis aos segmentos mais pobres, embora haja uma tendência de alta generalizada nos preços dos imóveis no bairro, de modo que mesmo suas áreas menos valorizadas já se tornam inacessíveis a migrantes recém- chegados, que agora se dirigem para outros bairros de ocupação mais recente, como o do Montese (antigo bairro da Terra Firme), cuja área é em sua maior parte alagável no período das chuvas.

113

Nos últimos anos, com o asfaltamento e iluminação pública das ruas do bairro, setores perigosos como a Radional tornaram-se mais valorizados e seguros, segundo seus moradores, embora ainda sejam vistos de forma negativa, especialmente por parte dos que vivem mais próximo à Cidade Velha e ao centro da cidade.

114

Em pesquisa realizada no bairro, o bolsista Paulo Nascimento (2001) listou cerca de 16 gangues pertencentes à área Jurunas/Condor/Cremação. Nos dados coletados em jornais locais no ano de 2001, o Jurunas aparece como o 3º. bairro com maior registro de incidências criminais, antecedido apenas pelos bairros do Guamá (o mais populoso de Belém, com cerca de 100.000 habitantes) e da Marambaia, localizado mais distante do centro, na saída da cidade.

Eventos relacionados a conflitos entre gangues em espaços próximos ou contíguos a festas juninas, festas de santo ou ensaios carnavalescos, quando ocorrem, ganham destaque nos jornais, que acentuam a relação entre festa e violência, como no caso abaixo:

“O estudante C.R.F, 21 anos, foi executado pelo adolescente infrator conhecido como “Rós”, membro da gangue G.V. (Garotos do Vício) que lhe aplicou 6 facadas em frente à sede do Rancho Não Posso me Amofiná, na esquina das ruas do Timbiras com a Honório José dos Santos, no Jurunas. O rapaz olhava o ensaio da escola de samba por volta das 23 horas da última quinta-feira”. 115

Às imagens negativas de violência e perigo contrapõem-se, como visto acima, as imagens de um bairro festeiro e alegre, através das quais os jurunenses se reconhecem e são reconhecidos por moradores de outros bairros com os quais demarcam fronteiras, menos em função da distância ou isolamento espacial, e muito mais por conta de diferenças ou especificidades sociais e culturais percebidas pelos diversos olhares que compõem essas imagens sobre o bairro.

Contribuem para essa imagem a presença expressiva de bares, clubes festivos e dançantes como o São Domingos (foto 10) – o mais antigo do bairro –, o

Clube Imperial (foto 11), o Complexo de Lazer Florentina e, principalmente, as

escolas de samba ali existentes. Belém, como toda cidade brasileira, é religiosa e festiva. No Jurunas, as festas de santos católicos se multiplicam durante praticamente todo o ano, assim como as festas do povo-de-santo.

Nos dias atuais, diversos eventos festivos marcam a vida do bairro, além do carnaval e das festas juninas. Esses eventos ocorrem durante todos os meses do ano, mas há um período em que eles se intensificam, constituindo um ciclo de festas que extrapola o bairro, incluindo os bairros mais próximos e mesmo outros mais distantes. Após as festas do Ano-Novo, as diversas escolas e blocos existentes no bairro voltam-se totalmente para os eventos carnavalescos. De fato, as atividades visando ao carnaval duram quase o ano todo, mas é a partir do mês de janeiro que essas atividades se intensificam.

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Diversas agremiações carnavalescas surgidas no bairro ou em suas fronteiras participam dos concursos oficiais em diversas categorias. 116 Após o desfile carnavalesco, que mobiliza intensamente grande parte da população do bairro, iniciam- se os ensaios preparativos para a quadra junina, época em que diversos grupos compostos por moradores do bairro se apresentam em competições oficiais ou não- oficiais, durante todo o mês de junho. 117

Em junho o movimento é o das festas juninas, quando as festas de terreiro ganham seu lugar e tempo próprios, com a presença indispensável das aparelhagens sonoras, fenômeno comum à maioria dos bairros suburbanos de Belém. Algumas das aparelhagens mais famosas da cidade surgiram no bairro, mas se apresentam em toda a cidade e no interior do Estado, com equipamentos sonoros de alta potência, DJs e estilos musicais próprios, entre os quais predomina atualmente o tecnobrega. De fato, os produtores culturais apropriam-se de músicas de diversos estilos, já consagradas na mídia nacional e internacional, para criar novos hits que passam a ser apresentados e executados nas festas por DJs conhecidos do público aficcionado, gravados em discos e vendidos aos consumidores dessas músicas, que passam a ser consideradas como parte da discografia de uma determinada aparelhagem ou de um determinado DJ.

Entre as aparelhagens mais conhecidas no bairro e também na cidade, destacam-se: Tupinambá (que deu origem ao Pop Som); Príncipe Negro (Bom Jardim), Trovão Negro (passagem Dr. Gonçalves), Ouro Negro (passagem Santa Terezinha), Matrix (passagem Cabo Leão) e Ciclone (Radional). Algumas delas usam, durante as festas, um skywalker, sinal luminoso lançado para o céu, que permite aos interessados saber onde estão, a cada noite, suas aparelhagens preferidas.

116

Destacam-se entre eles o Grêmio Recreativo Cultural e Carnavalesco “Deixa Falar”, ligado ao grupo de pessoas que organiza a Festividade de São Sebastião, à rua Cesário Alvim, no bairro da Cidade Velha, e a Academia de Samba Jurunense, localizada à rua Nova II, oficialmente localizada no bairro da Condor, participam atualmente do Grupo Especial, a elite do carnaval paraense. Desfilam, também, nos grupos A e B, as escolas Coração Jurunense (dissidência da Academia de Samba Jurunense), Aquarela Brasileira e Habitat do Boto, e os blocos Arranco Jurunense, Império Jurunense e Pressão Jurunense.

117

Entre as quadrilhas juninas destacam-se: Sedução Ranchista, formada por jovens que participam ativamente do carnaval do Rancho; Roceiros da Allan Kardec (RAK), formada por jovens moradores da Radional, Roceiros de Santa Luzia, localizada à rua dos Pariquis, próximo à paróquia do mesmo nome; Talento Junino, localizada na fronteira Cidade Velha/Jurunas, ligada aos participantes da Escola de Samba Deixa Falar, além de outras mais antigas e famosas como a Folianca, da rua dos Timbiras com Monte Alegre, e a Juventude Unida de Iracema, cujos antigos componentes agora participam da RAK.

Na quadra junina ocorrem concursos oficiais, promovidos pela FUMBEL e pelo CENTUR (órgãos responsáveis pela política cultural da Prefeitura Municipal e do Estado do Pará, respectivamente), e ainda concursos particulares, promovidos por diversas associações de bairro ou clubes locais, onde as quadrilhas juninas mais famosas da cidade e do bairro competem entre si, lutando por reconhecimento e prêmios em diversas categorias.

Compostas principalmente por jovens moradores do bairro, as quadrilhas começam seus ensaios imediatamente após o carnaval, durante a noite e nos fins de semana, e elaboram temas atuais e figurinos caprichados e modernos, a ponto de alguns representantes da política cultural do Estado criticarem o excesso de transformação presente nesse evento folclórico, que retira sua condição fundamental de autênticos

representantes da cultura popular do bairro, da cidade e da região.

A partir de julho, até o fim do ano, intensificam-se as festas e procissões religiosas na capital e nas cidades ribeirinhas próximas a Belém, para onde se dirigem muitos moradores do bairro. Em julho começam os preparativos das festividades realizadas pela Comunidade e pela Irmandade de São Benedito, na rua dos Timbiras. A rua dos Timbiras é excepcionalmente festiva. Nela se localiza a maior igreja do bairro, pertencente à Paróquia de Santa Terezinha do Menino Jesus 118 (foto 12), duas associações católicas dedicadas a São Benedito, uma das quais tem uma igrejinha particular (foto 13).

Nela se localiza também, no perímetro que é considerado por muitos moradores como o coração do Jurunas, o Grêmio Recreativo Beneficente Jurunense

Rancho “Não Posso me Amofiná”, a escola de samba mais antiga do Pará. Durante

seus setenta anos de existência, realizando atividades sociais e de lazer que envolvem parte da comunidade, a escola firmou-se como um dos símbolos máximos da identidade jurunense. Isso é facilmente comprovado nos depoimentos dos moradores, freqüentadores ou não das reuniões semanais organizadas dentro da quadra da escola ou no espaço externo, no Bar dos Compositores (Fotos 14 e 15), regadas a comida e bebida, com muito samba e pagode ou, ainda, nas notícias de jornais:

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A esquina da rua dos Timbiras com a Roberto Camelier (antiga travessa dos Jurunas), onde hoje se localiza a paróquia de Santa Terezinha, foi antes o Oratório Festivo dos Jurunas e, no início do século, a sede do bumbá mais famoso da cidade, o Pae do Campo, de Neném Pae do Campo, como vimos anteriormente.

“Bairro da Folia. A expressão usada por um radialista para definir o Jurunas nunca foi tão apropriada porque o bairro é realmente uma festa constante. Marcado por tradições religiosas e políticas, o Jurunas é acima de tudo um festival de cores: amarelo, azul, branco e vermelho, as cores do Rancho Não Posso me Amofiná, paixão e glória de todos os moradores. Ninguém sabe contar a história do bairro sem citar a escola que começou há 45 anos atrás, como um pequeno bloco formado pelos jurunenses empolgados com o carnaval. E os antigos chegam a comparar todo o apogeu e decadência do Rancho com a própria vida, que agora começa a se reerguer. Até mesmo as crianças que ignoram onde fica o Posto Médico, a Delegacia e a Escola Gonçalo Duarte, não deixam de conhecer a sede do Rancho. Basta perguntar a qualquer morador e ele indica o lugar certo”. 119

O pertencimento à escola de samba “Rancho Não Posso me Amofiná”, a mais antiga da cidade e uma das mais antigas do país, é, portanto, uma das formas recorrentes de expressão da identidade jurunense. Em diversas entrevistas com moradores do bairro, freqüentadores ou não da escola de samba, suas falas os depoimentos nos revelam uma relação muito rica entre a escola e a comunidade jurunense, na qual as identidades de morador do bairro e de participante de uma tradição fundada pela escola de samba – a

nação jurunense – estão estrategicamente articuladas. Nesse contexto, a identidade de ranchista tem um papel fundamental na reconstrução positivada da identidade jurunense, como veremos a seguir.

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3. a identidade jurunense e as festas

“É muito animado esse bairro do Jurunas. Todos os bairros são animados mas aqui no Jurunas é mais animado, mais festeiro. Basta dizer: de onde é? É jurunense! Ah! Tem samba no pé. O pessoal diz logo: É do bairro do Jurunas, tem samba no pé!” (Martinha, 91 anos, moradora na Timbiras).

“Ser jurunense é ter nascido num bairro feliz, humilde, onde falta saneamento, falta tudo, o que não falta é alegria” (Osvaldo Garcia, compositor do Rancho).

As ritualizações da vida cotidiana em bairros de periferia podem ser analisadas através das festas populares. As festas urbanas brasileiras foram estudadas, entre outros, por Amaral (1998, 2000), que descarta a visão pessimista da cidade como um lugar de desintegração dos valores tradicionais e de afastamento da religiosidade, substituídos por um novo padrão cultural, típico de uma sociedade autônoma, individualista, utilitarista e secular.

De fato, essa autora demonstra a importância das festas para os todos os grupos sociais, inclusive os do meio urbano. Assim, as festas citadinas não só são essenciais, mas também diversas. Historicamente, culturalmente,

“a cidade brasileira mostrou-se profundamente religiosa, festeira e criativa em termos de alternativas de convivência com a tendência homogeneizante da cidade [enquanto] a religiosidade servia [e serve ainda] de elemento de integração dos grupos e classes sociais, que se organizavam em função da realização das procissões, festas de padroeiros etc (...) As cidades do Brasil mantiveram sua religiosidade, que se manifesta [va] do modo festivo. Esse festejar religioso [e também o festejar profano] foi sem dúvida o moto da construção da sociabilidade brasileira” (Amaral, 2000: 256-257).

Precisamente, as festas “mesclaram a música sacra aos ritmos populares, misturaram

os corpos, as raças, construindo solidariedades que se mantiveram no decorrer da história, desenhando os traços primeiros da cultura brasileira” (Priori, 1994, apud

“comemorar acontecimentos, reviver tradições, criar novas formas de expressão, afirmar identidades, preencher espaços na vida dos grupos, dramatizar situações e afirmações populares. Ser o espaço de protestos ou da construção de uma cidadania ‘paralela’; de resistência à opressão econômica ou cultural, ou ainda de catarse (...) pode ser o modo de expressão de um dado grupo ou mesmo seu instrumento político (...) uma ‘parceria’ entre homens, santos, orixás e outros deuses (...) A festa é ritual, divertimento e ação política ao mesmo tempo (...) Como fato social total, a festa engloba as esferas de sentido, transcendência, política, lazer, estética, tradição, trabalho etc. Em alguns casos pode ser também uma forma de resistência, sob aparência de alienação; é o caso da festa de candomblé (...) De fato, a festa é o momento em que a identidade dos grupos se expressa plenamente” (Amaral, 2000: 256-264).

Amaral destaca o “poder associativo, reiterativo, identificador e reanimador” das festas realizadas por imigrantes, ou por diversos grupos religiosos, a cada ano, no sentido de que a festa “reaviva velhas tradições, reforça laços de origem, mas também incorpora

novos elementos e anseios” (2000: 260), quando lembra que a cidade é, também, o

espaço de mudanças que causam grande impacto na vida dessas populações.

A festa é um fenômeno constitutivo de um modo de sociabilidade próprio do povo brasileiro. Assim como o samba, o futebol e o carnaval, as festas realizadas pelos mais diversos grupos – para homenagear os santos católicos ou os orixás do candomblé, para comemorar algum evento ou simplesmente para festejar – parecem representar uma das formas básicas de expressão do povo brasileiro, que lhe confere um

ethos particular:

“As festas ocupam um lugar privilegiado na cultura brasileira (...) Tendo sido, desde o período colonial um fator constitutivo de relações e modos de ação e comportamento, ela [a festa brasileira] é uma das linguagens favoritas do povo brasileiro (...) Ela é capaz de, conforme o contexto, diluir, cristalizar, celebrar, ironizar, ritualizar ou sacralizar a experiência social particular dos grupos que a realizam. É ainda o modo de se resolver, ao menos no plano simbólico, algumas das contradições da vida social, revelando-se como poderosa mediação entre estruturas econômicas, simbólicas e míticas, e outras aparentemente irreconciliáveis. O festejar brasileiro, por suas características peculiares pode ser considerado (...) como uma dimensão de aprendizado da cidadania e apropriação de sua história por parte do povo (...) a festa no período colonial, [através da comunicação entre as culturas] ao mesmo tempo exercitou e estabeleceu o contrato social brasileiro e nosso modelo de sociabilidade, que é o de busca da semelhança dentro da diversidade” (Amaral, 1998: 1).

A festa é, portanto, fundamental ao processo de construção da sociabilidade brasileira e participa ativamente do processo de construção de uma identidade nacional, assim como de identidades regionais ou locais, e de grupos mais específicos, tais como grupos religiosos, étnicos, migrantes ou não migrantes, urbanos ou rurais. Associando as festas brasileiras a grandes rituais, e distinguindo entre ritos de ordem – os rituais cívicos e as grandes solenidades religiosas – e ritos de desordem – Carnaval, Marujada, Reisado, DaMatta (1998) afirma que:

“na prática, essas festas se confundem e se misturam [de modo que] as mensagens de muitas festas brasileiras revelam uma estranha dialética, mostrando tanto a oficialização do carnaval, hoje quase domesticado como um show de massas, em que se paga entrada para ver seus principais desfiles (...) quanto a carnavalização de certas festas religiosas, quando a Virgem ou o santo são combinados com rituais afro-brasileiros. O resultado (...) é um conjunto no qual o profano e o sagrado, a ordem e a desordem convivem numa admirável ambigüidade [que] parece caracterizar a construção da identidade brasileira” (1998: 79).

Durante todo o ano, ao longo do ciclo de festas, a paisagem do bairro é marcada por uma dinâmica própria, um movimento acentuado, misturado – ou melhor, acrescido – aos ritmos e pulsares cotidianos do bairro. Embora qualquer fim-de-semana comum seja de intenso movimento no bairro, o vaivém diuturno das pessoas em dias de eventos festivos no bairro torna-se ainda mais acelerado. Nesses momentos, entram em operação as redes de relações que envolvem os organizadores, participantes ou meros observadores das festas, que não se restringem ao bairro, mas alcançam outros bairros e cidades próximas a Belém.

É quando se reúnem os parentes, vizinhos, compadres, conterrâneos, parceiros, chegados e conhecidos para dividir as tarefas de preparação e execução das festas, circulando pelas casas, pelas lojas e comércios locais ou do centro da cidade, comprando ou trocando entre si os materiais necessários à preparação dos eventos. 120 É quando se produz um espaço de socialidade que ativa e dinamiza o minúsculo cotidiano da localidade (Maffesoli, 1984: 58), estabelecendo solidariedades, agregando os participantes através da festa, revelando uma densa vida social por trás da aparente rotina da vida cotidiana.

120

Por exemplo, o papel para fazer a ramada do salão da festa, balões, fogos de artifício, alimentos para os que vão participar do mutirão e para o almoço de domingo, que inclui pratos regionais e bebidas.

Esse componente lúdico presente nos pequenos ou grandes eventos da vida do bairro, e que faz parte do cotidiano dos seus moradores, contribui de modo significativo no processo de construção de uma identidade jurunense. Jurunenses são

festeiros, conforme atestam os jornais locais. Referido pelos jornais como vivendo entre

fronteiras da tradição e da modernidade, entre o passado e o futuro, entre o centro e a periferia, entre a festa e a violência, o Jurunas pode ser considerado como um dos

lugares de tradição urbana (Agier, 1998: 42) da cidade de Belém, produzindo imagens

de um bairro festeiro e que conserva as tradições populares, juntamente com a rápida

modernização da cidade.

Essas imagens foram construídas em parte, como acima discutimos, através de um processo de articulação e negociação entre os jornais locais e os moradores do bairro, que enviavam notícias sobre diversos eventos festivos para serem publicadas pelos jornais, sendo reforçadas nas inúmeras reportagens, artigos e crônicas, ao longo do século XX:

“São precisos vários melhoramentos para um bairro esquecido (...) O bairro do Ladrão, por exemplo, é um trecho bastante próximo do