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A roupa como representação da nobreza

No documento andrealomeuportela (páginas 148-152)

5 ENTRE TRAMAS

6.4 DA RUA DO OUVIDOR PARA O MMP, O PERCURSO DE UM

6.4.1 A roupa como representação da nobreza

A indumentária dos nobres e suas práticas interessam por sua origem sociológica e como difusores de dinâmicas econômicas, de costumes, de modas e de outros fatores culturais miméticos importantes.

Sabe-se que os nobres, para manter o prestígio, se empenhavam em gastos que movimentavam a circulação de bens, construções e o comércio no intuito de manter e ostentar a posição social (ROCHE, 2007), o que notamos pela preservação das notas de aquisição de roupas encontradas no MMP, que apontam que mantinham uma aparência que correspondia aos cuidados da roupa. Desta forma, através da vestimenta, podemos observar alguns mecanismos de sustentação dessa sociedade de corte.

Daniel Roche (2007, p. 193) aponta duas razões primordiais para dizer como os hábitos indumentários da nobreza funcionavam observando os hábitos da nobreza francesa do século XVIII. Uma corresponde às possibilidades de consumo que “proclamam uma espécie

de falso triunfo”, e outra, a difusão de “discursos e ilustrações de uma nova filosofia de gosto”. Portanto, os esbanjamentos e os imperativos do bom-tom desempenham um papel primordial na psicologia social.

O fato de o consumo ser abundante, excepcionalmente no que diz respeito à preocupação com a conservação de seus arquivos, é também apontado pelo autor entre as características dos hábitos nobiliários (ROCHE, 2007).

É no cenário de representação da nobreza que é resguardada a coleção de indumentária do MMP, entre esta, guardamos especial atenção às peças pertencentes à Baronesa de Suruí. Originalmente, estas peças tem seu lugar na sala Duque de Caxias do MMP.

Determinar o período de exposição de uma roupa é fundamental para o seu levantamento biográfico, já que alguns métodos de exposição, como uso de manequins e outras estruturas, provocam danos às peças pela tensão física e os efeitos da luz. Por isso, a importância de termos encontrado a fotografia do arranjo da vitrina em que se via o vestido da Baronesa, Figura 83. Provavelmente, realizada no período da gestão de Geralda Armond, de 1961 a 1980.

Figuras 83 e 84 – Vestido da Baronesa de Suruí como se encontrava na sala Duque de Caxias, por fotógrafo não identificado, s/ data. À direita, pormenor da fotografia ao lado com destaque para faixa bordada (não encontrada

no Acervo Técnico) e, à esquerda, a cauda disposta como manto

Fonte: ACERVO MUSEU MARIANO PROCÓPIO.

Dona Carlota Guilhermina de Lima e Silva (11/07/1817- 06/09/1894), a Baronesa de Suruí, nasceu na cidade do Rio de Janeiro, filha do Regente do Império Francisco de Lima e

Silva e de Mariana Cândida de Oliveira Bello, sendo irmã do Duque de Caxias e do Conde de Tocantins. Em 1830, se casa com seu tio, o Tenente General Manoel da Fonseca de Lima e Silva, o Barão de Suruí que recebeu este título em 02 de dezembro de 1854.

Em 1880 residia no Rio de Janeiro, mas com a viuvez em 1891, fixa residência em Petrópolis, estado do Rio de Janeiro, conforme dados do acervo do MMP.

Foi dama de honra da Imperatriz Teresa Cristina, recebendo este título em 1846. A função de uma dama de honra era acompanhar a Imperatriz Teresa Cristina, ou a Princesa Isabel, em diversos eventos públicos na Corte.

Os jornais da época registraram sua participação em ações beneméritas ligadas a entidades religiosas e suas virtudes pessoais. Também há registro de que a Baronesa alforriou todos os seus escravos em 1882, pelo aniversário de Dom Pedro II41.

No Brasil, os títulos de nobreza não foram concedidos por hereditariedade, como também não dependia de um decreto imperial, era preciso pagar para manter o título. A maioria recebia o título de barão, normalmente concedidos aos grandes cafeicultores de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. As mulheres também recebiam títulos, mas mediante atividades de caridade e pela proximidade com a família imperial.

Ao longo de um restauro realizado no vestido da baronesa, entre 2006 e 2007, foi encontrada em uma faixa de tecido presa ao vestido uma inscrição bordada em fio dourado, em que se lê ser confeccionada por Mme. J.I. Guimarães, costureira e modista, procedente da Rua do Ouvidor, 134, no Rio de Janeiro.

Trata-se de madame Joséphine, costureira da primeira imperatriz do Brasil, Dona Leopoldina. As informações sobre esta modista são encontradas na obra de Joaquim Manoel de Macedo, Memórias da Rua do Ouvidor (2005), que em algumas passagens faz alusão a esta personagem. A princípio eram folhetins semanais publicados no Jornal do Comércio, se transformando num livro romance que recupera importantes dados históricos.

No romance de Macedo (2005), a costureira precursora da Rua do Ouvidor foi Perpétua, jovem mineira modesta, que não alcançou o prestígio da modista francesa. Foi entre 1823 e 1824 que Joséphine se firmou na Rua do Ouvidor, a primeira a se mudar para esta rua e sendo seguida por outras francesas. Fato que se tornou conhecido como ‘a invasão francesa’, o que chegou a incomodar os portugueses. Antes as francesas se estabeleciam na Rua Direita, na Rua dos Ourives ou na Rua do Cano (hoje Rua Sete de Setembro).

41 Jornal Correio de Petrópolis (1894) e O Mercantil (1883). Disponível em: <

Esta matriarca das modistas francesas passou a fazer parte das memórias da Rua do Ouvidor, rua das lojas de fazendas e de objetos de moda, de perfumarias e cabeleireiros.

E logo a rua foi tomada por Sua Majestade: “a Moda de Paris”, entusiasmando e afrancesando ainda mais as senhoras fluminenses42. Entre muitos títulos foi também chamada a “Rainha da moda e da elegância” e pelo número de lojas foi comparada à própria França (PINHO, 1942, p. 246).

Foi em 1816, com os tratados de amizade e comércio com a França, que começaram a chegar imigrantes franceses em território brasileiro para trabalhar em diversas funções, mas foram as modistas que ganharam destaque, afinal, a França ditava a moda e as elites brasileiras viam no afrancesamento o verdadeiro modelo de civilização. Foram as modistas que imortalizaram a Rua do Ouvidor (MENEZES, 2004).

Mme. Joséphine era notoriamente conhecida e se consolidou pelo passamento e a tesoura. Por seu prestígio era cobiçada pelas senhoras da corte, desde que tivessem maridos dispostos a pagar pela habilidade e fama da modista, conhecida por cobrar caro e desapiedadamente por seus cortes. O preço do vestido costumava ser marcado somente ao fim do trabalho, dependendo de suas inspirações (MACEDO, 2005).

O trabalho das francesas era especializado, representou o início e também o aperfeiçoamento do processo de mecanização do trabalho,

nem só os vestidos compunham a moda oferecida pelas francesas às suas clientes. [...] Lavadeiras e engomadeiras francesas também tinham clientela cativa. Mme Carron e Mme Joséphine eram especializadas na lavagem de roupas finas. Mme Lavoque lavava, tingia e consertava roupas. A reforma e a lavagem de chapéus ficavam a cargo de Mme Picard – uma das únicas a prestar tal serviço na cidade – e os chapéus de palha eram a especialidade da viúva Canard (MENEZES, 2007, meio digital).

Mas, segundo Macedo (2005), não houve modista que trabalhasse mais e ganhasse mais dinheiro do que Mme. Joséphine, considerada não apenas como uma intérprete da moda de Paris, mas a própria moda.

Para Menezes (2007), a moda parisiense que floresceu no Rio de Janeiro através destes trabalhadores, costureiras, alfaiates entre outros, permitiu que uma forma de viver fosse reinventada nos trópicos.

No romance, mesmo rica a modista continuou saudosa da França e decidiu retornar ao seu país, onde permaneceu triste e pobre até sua morte (MACEDO, 2005). O prestígio de ser uma ‘francesa’ parece ter lhe servido apenas em terras brasileiras.

No entanto, a Imperatriz elegeu um sucessor para suas costuras, M. Guimanrães, que manteve o nome e o reconhecimento de Mme. Josephine em suas notas.

Como comprova a fatura encontrada nos arquivos do MMP em uma aquisição de D. Maria Amália, Figura 85.

Figura 85- Nota da casa M. Guimarães onde se lê que era sucessor de Mme. Joséphine

Fonte: ACERVO MUSEU MARIANO PROCÓPIO.

No documento andrealomeuportela (páginas 148-152)