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UM OLHAR SOBRE O MUSEU

No documento andrealomeuportela (páginas 61-65)

4 O MUSEU E A COLEÇÃO

4.1 UM OLHAR SOBRE O MUSEU

Pensar sobre um museu, ou sobre um conjunto de bens que ali se inserem, é pensar sobre a significação deste espaço, bem como nos usos sociais do patrimônio histórico e no imaginário a ele relacionado.

Um museu se funda no projeto de mundo moderno que toma para si os bens históricos e as tradições populares para legitimar a hegemonia de cientistas, tecnólogos e empresários. Discutir esta temática - no contexto da modernidade latino-americana - é um trabalho ainda por se fazer no campo social, sendo competência somente de restauradores, arqueólogos e museólogos, como disse Canclini (2008, p.160), uma exclusividade dos “especialistas do passado”. Portanto, permanece unicamente como fator de prestígio histórico sem que suscite alguma discussão, se limitando a operações de preservação, restauração e difusão.

Parece haver um silêncio sobre as contradições sociais ali presentes, nossa tarefa primeira será então conhecer o museu, como se formou, por quem e com que finalidade para depois pensarmos sobre o que obscurece esta questão.

O Museu Mariano Procópio foi uma das primeiras instituições museológicas do Brasil e o primeiro museu de Minas Gerais (REVISTA EM VOGA, 2001), possui um acervo dos mais diversificados do país tendo um número de peças que ainda está por ser conhecido.

O museu é gerido pela Fundação Museu Mariano Procópio (MAPRO), criada pelo art. 92 da Lei nº 10.000 de 08 de maio de 2001 e pertence ao Município de Juiz de Fora MG. A atual direção data de 2009 até os dias desta pesquisa.

Esta situação do Museu é problemática, porque é determinada por forças políticas de âmbito municipal, permanecendo mais conhecido entre a população de Juiz de Fora, apesar da importância de seu acervo para interesses mais amplos. Outra questão que fragiliza o Museu é a visão conservadora que cristaliza suas antigas narrativas, que poderiam ser ameaçadas pelo confronto com seus próprios documentos (COSTA, 2011), muitos inacessíveis aos pesquisadores em pleno século XXI, deixando vácuos na sua própria história e gerando limites enquanto objeto de estudo. Apesar de suas potencialidades, ainda se classifica como sendo um museu histórico e tradicional.

O Conselho Internacional dos Museus (ICOM) classifica os museus segundo a relação que eles estabelecem com o público. Afinal, os acervos são mantidos em um museu “em benefício da sociedade e de seu desenvolvimento”, devendo adquirir, preservar e valorizar seus acervos para salvaguardar o patrimônio natural, cultural e científico (CÓDIGO DE ÉTICA, 2011). Uma classificação dos museus ajuda em aspectos importantes no sentido de facilitar a acessibilidade e a conservação.

Embora nenhuma tipologia seja consenso, concebe-se a priori um modo de organização, o ICOM define as categorias de acordo com a forma e os estilos apresentados ao público. Encontramos vários tipos e podemos citar alguns deles como, Museu Histórico, Museu de Arte, Museu de Ciência, Museu Biográfico, Museu De Bairro/Cidade, Museu Comunitário/Ecomuseu, Museu temático, Museu Militar, Museu Antropológico (arqueologia, folclore, artes populares).

Em geral, se diz que um museu seria um lugar onde os objetos fornecem informação e onde estão institucionalizados como documentos.

A diferença do objeto exposto no museu para os que são expostos em outros ambientes como lojas, supermercados, publicidade, entre outros, é que o objeto no museu não

é um princípio de mercadoria, ali os objetos estão esvaziados de seu valor de uso prático original para ganhar valor documental.

A aproximação ou o distanciamento do cotidiano parecem fatores igualmente interessantes a se considerar.

O museu é distanciado, frio, racional, longínquo, nos afasta do universo cotidiano do objeto [...]. Mas, amplifica uma série de fatores ordenados do universo que são válidos para todo o conjunto ou exibição de objetos (MOLES, 1981, p. 77).

Para Ulpiano T. Bezerra Meneses o museu é espaço de intermediação entre o indivíduo e os objetos materiais, “o museu [...] induz a ver aquilo que os olhos deixam passar no cotidiano e com mais razão ainda o que é diferente, insólito – o outro” (1995, p.03), mas esta relação precisa ser pensada como condição primordial da existência, afinal, nada seria possível sem os objetos físicos. Os objetos, distantes dos circuitos utilitários e comerciais, deveriam potencializar informações silenciadas pelas demais fontes (MENESES, 1995).

Para Rosana Nascimento (1994) o objeto museal é objeto de conhecimento e analisa vários conceitos tradicionais para apontar dois modos de pensar estes objetos. Nascimento (1994) aponta que, para alguns - como Moro, Burcow, ICOM - as peças de museu parecem ter sido recolhidas em função do valor e são elevados à categoria de peça de museu como representantes de determinados segmentos sociais, pois foram usados por mitos e heróis. Para outros estudiosos - como Mensch, Sola, Canclini, Guarnieri, Bellaigne -, eles não são definidos como objetos de museu, mas como ‘fato museal ou fato museológico’ por estarem profundamente relacionados com as ações do homem. Como objetos que estabelecem vínculos com o homem, eles são capazes de revelar os processos históricos desde sua criação a sua utilização.

Nesta perspectiva Canclini (1994) diz que é preciso considerar o atual contexto dos bens históricos, afinal, são preservados para contribuir com a redefinição das coisas no tempo. Para ele, o patrimônio cultural pode ser tanto um lugar de cumplicidade social quanto de diferenciação, pois os grupos dominantes é que definem o que merece ser preservado e dispõem de melhores condições para elaborar a qualidade e o refino. É preciso estudar o patrimônio não somente como unificador da nação, mas também como espaço de luta material e simbólica entre classes, etnias e grupos.

Nas formas de organizar e simbolizar a vida social, existe uma hierarquia dos capitais culturais: vale mais a arte que os artesanatos, a medicina científica que a popular, a cultura escrita que a oral (CANCLINI, 1994, p. 97).

Este posicionamento se faz primordial para entendermos a questão da representação que correspondem às roupas do MMP, sobretudo, a hierarquia que as cercam, como o fato de algumas delas estarem relegadas ao esquecimento e de outras estarem sempre citadas em livros, revistas e até como fonte de pesquisa, como é o caso das roupas do Imperador D. Pedro II.

Para Canclini, “os capitais culturais dos grupos subalternos têm lugar subordinado, secundário dentro das instituições e dos dispositivos hegemônicos” (1994, p. 97), lembramos ainda que o subalterno pode ter lugar secundário ou pode nem mesmo ter lugar.

Como para Le Goff (1990), para quem a memória entra no jogo das lutas pelo poder, travadas entre esquecimento e silêncios da história, que são também reveladores dos mecanismos de manipulação da memória coletiva, narrada pelos que dominaram e dominam as sociedades históricas.

A nossa atenção pode se expandir além da narrativa já pronta pela qual o museu se formou, é possível construir novas narrativas, pois, se o MMP conserva a coleção de indumentária entre tantas relíquias a serem investigadas como objetos, há ainda peças a se conhecer, e talvez elas possam ocupar um lugar participativo nas relações sociais e não mero resultado das ações humanas ou somente como fruto da curiosidade.

O esforço do trabalho que é realizado no museu pode ajudar a considerar o papel da memória que se inscreve no presente, não só como espaço de devoção ao passado, porque os vários apetrechos guardados no museu dão conta das contínuas mudanças sociais. Mais do que elo de tempos, mas como mostra das rupturas e transformações pelas quais passamos. Ali estão expostos diferentes signos culturais sempre em trânsito.

Singulares e múltiplos a seu modo, os museus apontam para a nossa diversidade cultural apresentando desafios que os tornam especiais em sua vocação museológica, com elementos do nosso saber-fazer erudito, popular, científico e com vestígios do nosso percurso histórico (PLONCZYNSKI, 2008, p.39).

O museu não é espaço estanque, ele tem vida própria que se constitui em uma dinâmica que seleciona, resguarda, abandona, expõe, entre tantas ações, está em constante reconfiguração e, por isso, é sempre outro.

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