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O vestido da Baronesa de Suruí

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5 ENTRE TRAMAS

6.4 DA RUA DO OUVIDOR PARA O MMP, O PERCURSO DE UM

6.4.2 O vestido da Baronesa de Suruí

O conjunto de peças que pertenceram à Baronesa de Suruí, de acordo com o arrolamento de 1944, consta de um vestido (saia e blusa), um manto de seda verde com fios dourados e oito plumas brancas. Não tivemos acesso à cauda pela precariedade de seu estado de conservação e não vi registro da faixa mostrada na imagem da roupa exposta na sala Duque de Caxias.

No atual caderno planilha, consta de uma pelerine de renda, uma blusa-corpete (parte superior) e uma saia (parte inferior), cosidas em seda, cambraia de linho, tule, renda e bordada com fio metálico prateado, lantejoulas e com colchetes no acabamento. E uma cauda verde com bordados dourados. O museu também guarda oito plumas brancas pertencentes ao

conjunto mantidas junto às peças envoltas em papel de seda (alcalino e sem coloração) em caixa de polietileno.

A suspensão em cabides não é recomendada para peças históricas, pois geram uma tensão em tecidos e costuras, sobretudo quando são pesadamente decoradas. Por isso, são armazenadas em caixas.

A pelerine de renda que acompanha o conjunto pode ser vista na Figura 86.

Figura 86 - Pelerine de renda que acompanha o conjunto do traje da Baronesa de Suruí

Fonte: DA AUTORA, 2014.

Na ficha classificatória o conjunto é identificado como saia, blusa e faixa para cintura, de uso pessoal, de meados no século XIX, em estilo clássico e de confecção artesanal, com as seguintes dimensões:

Saia: altura de 132 cm, largura 296 cm, cós 84 cm. Faixa da cintura: comprimento 107 cm, largura 16 cm. Barra interna: largura 23 cm.

Blusa: comprimento 38,5 cm, decote 111 cm, busto 96 cm e manga 14 cm.

Conhecer as dimensões de uma roupa histórica pode trazer evidências do tipo físico individual de quem a usou, assim como, das mudanças da moda. Como as roupas eram feitas sob medida, nota-se com mais precisão a mudança do padrão de corpo vigente no período, com uso de espartilhos e cintas para atingir o corpo exigido pela moda.

Nos arquivos do museu encontramos alguns dados do histórico do vestido da baronesa, incluindo uma avaliação de seu estado e restauro.

Na ficha catalográfica realizada em 15 de fevereiro de 2005, as peças estavam muito sujas e os bordados com fios de prata escurecidos. É possível identificar sinais de prata deixados pelo restaurador, na Figura 87.

Figura 87- Detalhe do bordado com indicação da prata deixada pelo restaurador

Fonte: DA AUTORA, 2014.

A saia encontrava-se mais deteriorada na área da cintura e o corpete na parte das costas, a renda dos ornamentos muito frágeis e havia manchas axilares nas cavidades da blusa. Sobre a saia da baronesa, de cima para baixo, o primeiro bordado (na barra) repete os motivos florais bordados na manga.

Abaixo, outro bordado maior e mais espalhado, em folhas e flores em botão (tipo tulipa). Abaixo desse, bordado com folhas finas estilizadas. Bem próximo da bainha, barra fina bordada com linha geométrica. São quatro camadas de bordados como se pode observar nas Figuras 88 a 90.

Figura 88 – Visualização panorâmica da saia

Fonte: DA AUTORA, 2014.

FIGURAS 89 e 90 – Imagens da saia, camadas de bordados, bainha e barrado interno. Detalhe do abotoamente e pregas em uma lateral que ampliam o volume da saia

Fonte: DA AUTORA, 2014.

A Figura 91 mostra detalhe do bolso localizado no recorte da lateral direita da saia. Este bolso na linha da costura fica muito discreto, quase imperceptível.

Figura 91- Detalhe do bolso na lateral direita da saia seguindo a linha da costura e onde se vê o estado de conservação do tecido

Fonte: DA AUTORA, 2014.

Os motivos do bordado da manga (Figura 92) repetem os da saia. Renda finíssima nas laterais da faixa.

Figura 92 - Pormenor do bordado de ramos de café aplicado e acabamento em renda da manga

Fonte: DA AUTORA, 2014.

Entre os têxteis, a seda está entre os mais frágeis, sendo danificada, principalmente, pelos efeitos da luz. A deterioração se evidencia conforme o tecido se enfraquece e desbota,

podendo se romper e perder completamente a cor, o que nunca ocorre uniformemente (FRENCH; HEIBERGER; BALL, 2005).

É difícil afirmar categoricamente a cor do vestido por ser a seda de origem animal. As fibras na cor natural mudam a coloração devido à ação do tempo. De cor branca, por exemplo, se transforma em marfim. Supomos que seja branco pelas semelhanças entre outros trajes de corte.

Há ainda um corset de seda branca - cor que se supõe pelas evidências - hoje marfim, forro de seda do mesmo tom. Decote arredondado com faixa drapeada circundando-o e presa no ombro esquerdo por dois colchetes. Em cima dos ombros e na frente, detalhe em faixa estreita drapeada. Na parte superior do decote acabamento em renda drapeada e fita.

Como podemos ver na Figura 93, a pala é solta nas costas, presa somente até a altura dos ombros. Provavelmente, para possibilitar a passagem do corpo no ato de vestir, considerando a estrutura demasiadamente justa.

Figura 93 - Detalhe da pala e amarração nas costas do corset (ou espartilho)

Figuras 94 e 95 - Corset frente e costas

Fonte: DA AUTORA, 2014.

Na Figura 96, é onde se localiza uma inscrição em letras douradas indicando a procedência do atelier de Mme. Josephine.

Figura 96 - Interior do corset com indicação de procedência em letras douradas, um tanto apagadas pela sobreposição de gases usadas pelo restaurador

Fonte: DA AUTORA, 2014. Leia-se: Mme. J. I. Guimarães Costura e modista De S. M. Imperatriz 134 Rua do Ouvidor 134 Rio de Janeiro

Figura 97 - Interior do corset em toda sua complexidade de recortes e canaletas, acima se vê o local da etiqueta mostrada na figura 96, uma faixa no interior da peça dando sustentação junto ao corpo

Fonte: DA AUTORA, 2014.

Nos arquivos do MMP encontramos alguns dados do histórico do vestido da Baronesa de Suruí, incluindo uma avaliação de seu estado e restauro.

Na mesma ficha catalográfica realizada em 2005, consta que as peças estavam muito sujas e os bordados com fios de prata escurecidos. A saia encontrava-se mais deteriorada na área da cintura e o corpete na parte das costas, com a renda dos ornamentos muito frágeis. Havia manchas axilares.

O restauro foi realizado entre os anos de 2006 e 2007. Procederam a uma limpeza aquosa em mesa de saudação e houve remoção das sujidades com auxílio de bisturi. A fita foi substituída por uma nova fita de seda para sustentação da saia.

O vestido da Baronesa de Suruí hoje se mantém armazenado em armário na reserva técnica em uma caixa de polietileno envolto em papel especial de PH neutro. E aguarda recursos para uma nova restauração.

O acervo do Museu Histórico Nacional (MHN) mantém um traje de corte da Baronesa de Loreto, Argemira de Paranaguá Moniz, também dama da Princesa Isabel. O vestido da Baronesa de Loreto guarda muita semelhança com o da Baronesa de Suruí. Cosido em tafetá de seda branco, bordado com fios de prata com motivos fitomórficos e geométricos na barra da saia, a aplicação dos vestidos das duas baronesas são idênticos.

Consta também de corpete ajustado por barbatanas de baleia e terminando em ponta na frente. O decote em V é ornamentado externamente por faixa com quatro pregas. Neste, as mangas são franzidas e curtas. No outro, as mangas são bordadas.

Em ambos, o decote das costas é arredondado e o corpete é fechado por ilhoses com fitas para ajustá-lo.

Este modelo é bem característico da década de 1880, utilizado com espartilho e anquinha. Nas cerimônias de Corte eram usados com uma cauda ou sobre cauda longa. A cauda da roupa da Baronesa de Loreto é de chamalote de seda verde com bordados em fios de ouro (ARQUIVO MHN, meio digital).

É curioso notar que, apesar da distinção e exclusividade da modista Josephine, modelos tão semelhantes eram disseminados entre as damas da corte. A tradição, tão avessa à moda, parece ter encontrado formas de convivência tendo os símbolos imperiais projetados nas estruturas da moda vigente da época.

O traje da Baronesa de Loreto pode ser visto na Figura 98.

Figura 98 - Traje de corte da Baronesa de Loreno, século XIX, Brasil, c. de 1886, por Paulo Scheuenstuhl

Fonte: Arquivo digital do MHN. Disponivel em: <

http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=MHN&pasta=Colecao%20de%20Indumentaria\Reserva%2 0Tecnica&pesq=Baronesa%20de%20Loreto>. Acesso em: 4 maio 2014.

Além do vestido da Baronesa de Loreto, há um vestido igualmente semelhante que pertenceu à Marquesa de Santos e que hoje faz parte do acervo do Museu Paulista da Universidade de São Paulo43. Esses dois vestidos guardam semelhança com o vestido da

Princesa Isabel (Figuras 99 e 100) exposto no Museu do Traje e do Têxtil - MTT, em 2012, no Instituto Feminino, em Salvador, na Bahia. Além da cor branca e da silhueta em comum, observamos os bordados de ramos de café em ouro e prata. Os ramos vegetais tanto do café como do tabaco simbolizavam duas riquezas do império. São encontrados também na Bandeira Imperial Brasileira44.

Figuras 99 e 100 - Traje Princesa Isabel, composto de spencer e saia, respectivamente

Fonte: ARQUIVO DIGITAL DO MUSEU IMPERIAL (MI), Petrópolis RJ.

Outra relação que podemos observar a partir dessas roupas é o contraste que se estabelecia entre os eventos íntimos e cerimoniais, importante de ser observado porque aí se instalam aspectos bem brasileiros, falam sobre nossas práticas vestimentares e sobre as nossas representações socais.

Em uma roupa de ocasião formal os símbolos da pátria e da distinção que são exclusivamente brasileiros. Em outra, de evento íntimo e informal, uma roupa ao modo europeu, suas modas e, portanto, sem as referências das predileções de terras tropicais.

Nas Figuras 101 e 102, a atenção recai exatamente nesta diferença.

43 PAULA, Teresa Christina Toledo de. Tecidos no museu: argumentos para uma história das práticas

curatoriais no Brasil. An. mus. paul. vol. 14. n. 2. São Paulo Jul/dez, 2006. Disponível em: <

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142006000200008>. Acesso em: 19 set. 2015.

44 Disponível em:< http://g1.globo.com/bahia/noticia/2012/05/vestido-que-princesa-isabel-utilizou-para-assinar-

Figura 101 - Princesa Isabel em traje de corte. O vestido em cauda para mulher correspondia ao uniforme militar masculino nas festas e cerimonias de corte

Fonte: BANCO DE DADOS DO PINTEREST. Disponível em: < https://br.pinterest.com/pin/206250857912039693/>. Acesso em 12 ago. 2016.

Na figura a seguir, uma imagem da Princesa Isabel e sua amiga Baronesa de Loreto em trajes informais.

Figura 102 - Fotografia mostrando a princesa Isabel de corpo inteiro, sentada, segurando um guarda- chuva, tendo, à sua direita, d. Maria José Velho de Avellar, baronesa de Muritiba, e à esquerda, d.

Amanda Paranaguá Dória, baronesa de Loreto, durante a IV Exposição Hortícola e Agrícola de Petrópolis, realizada no Palácio de Cristal, em 1885

As roupas cerimoniais são, geralmente, mais claras, o branco é expressão de luxo e feminilidade por toda parte. Todas as ousadias, na medida permitida no período, eram exploradas nestas ocasiões: o decote e os exageros dos detalhes, por exemplo. Já as roupas de uso cotidiano, em seus múltiplos eventos como o chá da tarde, eram sóbrias (muito mais sóbrios que o das europeias que tinham as cores das roupas bem variadas), sobretudo pelas cores escuras (preferencialmente a cor preta), justamente para fazer contraste com o colorido de outras etnias, que por aqui se desejava afastar das referências estéticas.

A parte estrutural das peças nos leva a pensar sobre a roupa na ausência do corpo. E, ao nos enredarmos cada vez mais pela moda, via certa vinculação com o universo feminino, será preciso entender a diferença entre roupa e moda, e o Sistema de Moda como manipulador de diferenças e hierarquias.

No documento andrealomeuportela (páginas 152-164)