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PROBLEMATIZANDO AS FRONTEIRAS

2.4 Caracterização das cidades de São Borja e Santo Tomé

2.4.3 Bem-vindos a São Borja

2.4.3.2 São Borja e a negociação de identidades gaúcha, missioneira e fronteiriça.

Lembramos, trazendo outra vez a tese de Roselene Moreira Gomes Pommer (2008) Missioneirismo : a produção de uma identidade regional algumas hipóteses

relevantes para entender como as identidades regionais foram se negociando ao longo do tempo. Referindo-se à região dos “Sete povos das missiones” e a relação que estabelece com o tradicionalismo gaúcho aponta

Na resistência à homogeneização que a figura do gaúcho rio-grandense pretende impor, a região Missioneira, para se classificar perante o entorno, apostou na especificidade de elementos construídos sobre referências a um passado que não é aquele comumente aceito em todo o estado.(POMMER, 2008: 58)91

É assim que vemos na entrada de cada um dos povos a cruz missioneira, a achamos nos souvenirs e aparece agora pendurada no peito dos cantores nativistas. Esta identificação com o passado reducional resulta frutífera segundo a posição expressada por Pommer enquanto a diferenciação e resistência, mas no caso de São Borja outras foram as escolhas feitas ao longo da história. As identidades gaúcha e fronteiriça estiveram presentes na cidade com muito mais força e foram elaboradas, segundo as hipóteses do trabalho mencionado, seguindo um molde imposto pelas circunstâncias histórico-políticas

Quando do golpe militar em 1964, os municípios de fronteira, tornados áreas estratégicas, tiveram os seus prefeitos eleitos depostos e substituídos por interventores. Em São Borja, o primeiro deles foi o General Serafim Dornelles Vargas, sobrinho de Getúlio Vargas, que esteve à frente do executivo municipal de 1964 até 1966. A partir de então, até o fim do ciclo militar em 1985, essa situação se manteve, com vários interventores, todos eles integrantes da ARENA. Quando das comemorações dos 300 anos de fundação da Redução de São Francisco de Borja, em 1982, era interventor Hildebrando Aquino Guimarães. Somente em 1985 os são- são-borjenses puderam eleger Mario Roque Weis, do PDT, como chefe do executivo municipal.(POMMER, 2008: 99)92

Na data dos 300 anos mencionada, implantou-se o monumento em homenagem às missiones junto à estatua de São Francisco de Borja. O fato de São Borja estar em localização geoestratégica, o passado de guerras e invasões dos períodos guaranítico, da Guerra do Paraguai, as lutas do republicanismo, somaram- se às circunstâncias ligadas a sua condição de posto de defesa da fronteira, a presença das guarnições do exército e as intervenções do regime militar. Enquanto ao caráter missioneiro destaca que

91 Pommer, R. M. G. “Missioneirismo : a produção de uma identidade regional”. Tese doutorado em História. Unisinos São Leopoldo (2008).

... a História Reducional na região, nas décadas de 1970 e 1980, era discutida a partir do viés teórico marxista, e tinha como principal obra de divulgação o livro República “Comunista” Cristã dos Guaranis, de Clóvis Lugon, reeditado e largamente divulgado na região a partir de 1973. Neste trabalho, Lugon discute, dentre outras coisas, a organização fundiária das reduções baseada no trabalho coletivo e na inexistência da propriedade privada da terra. Ora, na lógica do regime militar, qualquer abordagem que pudesse fazer referência a elementos do ideário marxista era considerada subversiva. ” (POMMER, 2008: 100)93

A citada é uma possível explicação para o fato de nesse período não se ter mencionado até a data comemorativa o passado jesuítico. Mas já na abertura democrática os governos municipais que se sucederam preferiram não fazer, num primeiro momento, referências a esse passado. Uma sucessão de slogans marca a busca de uma definição identitária que parece ter-se desmanchado, que da lugar a outras presenças. Achamos referências ao passado político anterior à ditadura: “São Borja Terra dos Presidentes”, “Berço do Trabalhismo”; novas referências ao passado reducional “Primeiro dos Sete povos das Missões”, e até do presente decorrente da construção da ponte fronteiriça “Coração do Mercosul” que a recoloca na situação de ponto privilegiado da fronteira para o futuro, desprovida já do sentido militar da sua posição. Vale a pena trazer aqui a definição da identidade pós-moderna que atualiza o tema em Hall

El sujeto, previamente experimentado como poseedor de una identidad estable y unificada, se está volviendo fragmentado; compuesto, no de una sola, sino de varias identidades, a veces contradictorias y sin resolver. En correspondencia con esto, las identidades que componían los paisajes sociales “allí afuera” y que aseguraban nuestra conformidad subjetiva con las “necesidades” objetivas de la cultura se están rompiendo como resultado del cambio estructural e institucional. El mismo proceso de identificación a través del cual nos proyectamos dentro de nuestras identidades culturales, se ha vuelto más abierto, variable y problemático. 94

Enquanto se desmanchavam as imagens impostas pela ditadura militar, foram emergindo as escolhas identitárias que, dessa vez, tiveram que dividir o espaço ideológico, sem conseguir se impor uma por sobre a outra. As referências ao populismo dos Presidentes e do Leonel Brizola parecem ser uma forma de rejeição ao passado latifundiário e conservador e busca de

Ao fim da ditadura militar, em 1985, aumentaram as possibilidades de 93Ibidem pág. 100

94Hall, Stuart.(2010) “La cuestión de la identidad cultural” em Sin Garantías:trayectorias y

afirmar a cidade como “Terra dos Presidentes”. E a afirmação foi oportuna, já que eram os elementos de um passado específico que puderam servir para compor o discurso político dos grupos que assumiram o poder após 21 anos de repressão política. Estes grupos encontraram no passado recente – períodos de governo varguista e janguista – as referências necessárias para embasar suas ações, dando- lhes credibilidade e aceitação. (POMMER, 2008: 101)

Apparício Silva Rillo compõe a letra do hino de São Borja, instituído por lei municipal em 1984, onde se fazem todas as referências disponíveis do passado, faltando somente mencionar ter sido o “berço da República”:

São Borja, vens de longe,

de mil seiscentos e oitenta e dois, do Guarani, do Jesuíta, do Espanhol, e do domínio Português depois. Das canções do pastoreio, mescladas à voz dos clarins, guerreira e xucra nascente, glória da Pátria,

flor plantada em seus confins. "Noiva do rio Uruguai", rumo ao futuro vais,

toda vestida pela flor azul do linho, toda enfeitada pelo ouro dos trigais. Minha São Borja,

terra vermelha como um coração,

berço de dois presidentes,

luzeiro e guia

nos destinos da Nação.95 (Grifo nosso)

Cidade missioneira, colonial, pastoril, agrícola, “Capital do Linho” como fora conhecida em alguns tempos e, finalmente “berço de dois presidentes”: Getúlio Vargas e João Goulart.