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Para Freire (1997) educadores e educadoras se constituem como sujeitos políticos, logo, não são imparciais. Chassot (2010) comunga desta ideia, pois compreende o

ensino não deve ser em sua integridade apolítico, e assume a postura enquanto professor de Ciências, discursando para colegas de profissão, que todos devem se envolver com a Educação Ambiental (EA).

Ao tratarmos de EA, devemos incluir toda sociedade neste debate. Embora pareça óbvio, na maioria das vezes, é comum haver muitas representações que defendem a concepção naturalista de Meio Ambiente (MA). As pessoas pensam apenas nos aspectos naturais, pensam em uma natureza intocada, como algo distante do seu cotidiano. O cuidado com o MA começa com o nosso corpo, com a nossa casa, com a nossa rua, com o nosso bairro, com tudo que faz parte da nossa existência e parece pequeno diante das catástrofes causadas pela parcela dominadora da sociedade. Ao abordarmos a EA em sala de aula, devemos destacar nossa responsabilidade para com a formação crítica de cidadãos de modo a se posicionarem diante dos problemas reais que afetam diretamente a sua vida, de modo a buscarem soluções, mitigarem ou proporem alternativas que visem ao benefício para o meio. "[...] A cidadania que queremos é aquela que passa a ser exercida mediante posturas críticas na busca de modificações do ambiente natural – e que estas sejam, evidentemente, para melhor” (CHASSOT, 2010, p. 140).

Para que os professores possam refletir com os alunos sobre os problemas ambientais que afetam a comunidade, para que possam criar espaços de discussão sobre o tema, é preciso que na graduação eles não tenham sido contemplados somente com disciplinas eletivas alusivas ao assunto, mas que tenham contado com experiências educativas significativas, com visões holísticas, aulas de campo, com conteúdos que tenham trazido para o centro dos debates, a atual conjuntura e as vozes dos grupos sociais minoritários. Nas Universidades, via de regra, as disciplinas que compõem as matrizes curriculares dos cursos da área de educação são compostas por conhecimentos reconhecidos pela comunidade científica, o que acaba por corroborar com o pensamento de que a ciência necessita ser legitimada.

Quando as disciplinas de Educação Ambiental são oferecidas, salvo algumas exceções, elas são ofertadas como optativas e os conteúdos acabam sendo

superficiais, não levando em conta os aspectos sócio-históricos, econômicos e políticos. Consequentemente, os professores não terão uma formação que lhes constitua o caráter especulativo, interpelador, o que pode gerar certa resistência ou preconceito em relação à sabedoria construída extramuros escolares. A ciência vista como algo produzido por homens comuns, e não "deuses", como uma pesquisa sujeita a falhas, probabilidades e incertezas, é algo ainda muito recente para o público leigo e isso abala, muitas vezes, alguns princípios. "Usualmente a academia conserva, ainda hoje, um ranço conservador e até inquisitorial diante do conhecimento popular, que lembra tempos medievais em que nasceu a universidade. Só tem valor àquilo que ela valida [...]" (CHASSOT, 2010, p. 203).

Chassot (2010) elucida o que ele entende por "senso comum" e por saberes populares, apresentando o sentido incutido em cada expressão. O senso comum seria um conhecimento que não está baseado em princípios e métodos, são noções construídas por homens e mulheres a partir de experiências acumuladas ao longo da vida, as quais nos orientam para resistirmos a algumas situações, fazendo parte de todas as pessoas independentemente de classe social ou grau de instrução. Todavia, os saberes populares1 são frequentemente produzidos fora das universidades, por uma classe social desfavorecida e são baseados em observações, vivências, experimentações. Sofrem alguns preconceitos, dado que, o saber científico é um tanto quanto elitista, pois somente um grupo seleto possui a autoridade para fazê-lo. No entanto, não podemos deixar de reconhecer que, inúmeras vezes, a academia se fez presente no meio popular para entender melhor como um determinado evento ou fenômeno ocorre, para tentar examiná-los por meio dos olhos da ciência e até mesmo incluí-los no meio acadêmico.

O saber popular é aquele que detém, socialmente, o menor prestígio, isto é, o que resiste a menos códigos. Aliás, popular pode significar vulgar, trivial, plebeu. Talvez devêssemos recordar que este saber popular, em algum tempo, foi/é/será um saber científico (CHASSOT, 2010, p. 211).

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O que Chassot denomina de Saber Popular, autor como Jurjo Torres Santomé em seu livro Globalização e Interdisciplinaridade - o currículo integrado, (1998) define como culturas ou vozes dos grupos sociais minoritários. Particularmente tenho uma grande afinidade pelo termo vozes dos grupos sociais minoritários.

A escola normalmente está incluída em uma determinada comunidade e um dos seus papéis é envolver esta comunidade para que ela participe efetivamente das decisões que afetam tanto o ensino dos discentes, quanto o entorno. Criar uma relação em que predomine a gestão participativa configura-se como uma ação fulcral para caracterizar elementos peculiares e valiosos daquela população, os quais poderão dar sentido à educação, tornando-a crítica. O saber popular é uma das ferramentas que pode ser adotada pelos docentes, pois representa a vida e as narrativas dos moradores de um determinado local. Passados de pai e mãe para os filhos, ou até mesmo de geração em geração, estes saberes estão repletos de significados das práticas que os caracterizam, estão presentes nas memórias e histórias de grupos que, comumente, são caracterizados como humildes e sem escolaridade.

Há assim uma necessidade de se buscar uma valorização dos saberes populares e uma conscientização do respeito que os mesmos merecem e de como estão inseridos nos distintos contextos sociais. Esta é uma função da Escola, e é tanto uma função pedagógica quanto uma função política. É um novo assumir que se propõe à Escola: a defesa dos saberes da comunidade onde ela está inserida. É evidente que isso não significa o estudo dos saberes estranhos ao meio, mas o não desprezo pelo que é local. É essa postura política que se espera da Escola (CHASSOT, 2010, p. 216).

Para que as culturas ou vozes dos grupos sociais minoritários sejam consideradas em sala de aula, é primordial que a discussão sobre a elaboração do currículo e a seleção dos conteúdos escolares inclua toda comunidade educativa, pois a responsabilidade pela educação precisa ser compartilhada. O currículo desempenha um papel fundamental no cenário escolar, uma vez que, é nele que estarão contemplados conteúdos, objetivos, estratégias, experiências e vivências prioritárias para cada série e modalidade de ensino, avaliações e as abordagens socioeconômicas e políticas adotadas pela instituição de ensino. Existem documentos oficiais que irão nos subsidiar, inclusive as diretrizes curriculares estaduais e municipais, que são meios de contextualização do conhecimento. Segundo Santomé (1998), para que os alunos pratiquem e se exercitem de maneira apropriada para viver e unir-se a sua comunidade, é preciso planejar projetos

curriculares em que eles sejam compelidos a argumentar, examinar, opinar e tomar decisões.

Observamos que no cenário atual há necessidade de repensarmos nossos fazeres, estratégias e metodologias na abordagem dos conteúdos, tanto em sala de aula quanto nos espaços educativos não formais. O ato de investigar e solucionar problemas, por exemplo, colabora de maneira significativa para o processo de emancipação do indivíduo, pois ele desenvolve sua autonomia, seu raciocínio, levando-a elaborar hipóteses e a propor resoluções para uma determinada situação. Não podemos preterir esses saberes pela simples desculpa que tal trabalho demanda tempo e a rotina exaustiva do professor, a ínfima carga horária destinada ao planejamento e as sobrecargas de trabalho impedem sua efetivação. A consciência crítica e o ato político que a educação demanda se fortalecerão quando a comunidade participar dos projetos curriculares escolares.

Portanto, a ação educacional pretende, além de desenvolver capacidades para tomada de decisões, oferecer aos estudantes e ao próprio corpo docente uma reconstrução reflexiva e crítica da realidade, tomando como ponto de partida as teorias, conceitos, procedimentos, costumes, etc., que existem nessa comunidade e aos quais se deve facilitar o acesso [...] (SANTOMÉ, 1998, p. 130).

A educação pública precisa ter sempre o compromisso com as classes excluídas, pois as particularidades não podem ser tratadas como paridades, o que implica o reconhecimento e o respeito às diferenças. O currículo precisa assumir uma posição anti-hegemônica, pois há séculos estamos vinculados ao modelo europeu que representa grupos sociais preponderantes. O Brasil é um país intercultural, mas nosso material didático-pedagógico, que, sempre, foi elaborado desconsiderando essas diferenças e destacando o que consideram que representa o nosso povo, suprimindo-lhe as diferenças e conflitos, não obstante, circula pelas unidades de ensino. Em alguns casos, acabam sendo carregados de estereótipos e preconceitos. A leitura que Santomé (1998) faz dos nossos livros didáticos é muito atual, destacando que as informações deturpadas dos acontecimentos e dos fenômenos históricos acabam por reforçar nos educandos sentimentos e comportamentos hostis em relação às comunidades excluídas ou grupos étnicos, considerando-os como

"primitivos", "pobres", e "exóticos". "No interior das salas de aula, raramente corpo docente e estudantes ocupam-se em refletir e pesquisar questões relacionadas com a vida e a cultura de etnias mais próximas […]" (SANTOMÉ, 1998, p. 138).

O autor também reflete sobre a complexidade do trabalho pedagógico em impelir os discentes a se comprometerem em processos que tencionam aniquilar situações de opressão, visto que, as instituições escolares ainda reproduzem algumas desigualdades e preconceitos e negam a existência de outras culturas.

Na atualidade, muito dificilmente poderíamos afirmar que as tarefas escolares que colocamos frente aos/às alunos/ as nas salas de aula os/as capacitem para refletir e analisar criticamente a sociedade da qual fazem parte, os/as preparem para intervir e participar nela de forma mais democrática, responsável e solidária (SANTOMÉ, 1995, p. 155).

Os temas que verdadeiramente compõem a vida cotidiana dos alunos não devem ser tratados esporadicamente, como se fossem temas transversais. Mas poderiam compor a pauta todos os dias, permeando a práxis pedagógica, incluindo situações concretas nas discussões, favorecendo aos educandos uma contribuição enquanto atores escolares e sociais com experiências individuais e coletivas. Os saberes de professores e alunos se articulam aos saberes da comunidade do entorno escolar e novas percepções podem surgir, formando-se novos conceitos, permitindo outras leituras de mundo.

Uma política educacional antidiscriminatória não pode reduzir-se a uma série de lições ou unidades didáticas isoladas destinadas ao estudo desta problemática. Não podemos dedicar apenas um dia por ano à luta contra os preconceitos raciais e a marginalização. Um currículo democrático e respeitador de todas as culturas é aquele no qual estão presentes estas problemáticas durante todo o curso escolar, todos os dias, em todas as tarefas acadêmicas e em todos os recursos didáticos (SANTOMÉ, 1998, p. 150).

Os saberes escolares lecionados apresentam algumas ambiguidades, conflitos, disparidades, mas com todas as suas especificidades, eles são constituídos de elementos valiosos para a formação humana, principalmente porque os discentes e toda comunidade escolar se socializam, conhecem direitos e deveres, convivem com pessoas diversas, desenvolvem aptidões e tem a oportunidade de estar em contato com abordagens diferentes de um mesmo tema, seja ele de cunho científico ou não.

Santomé (1995) profere sobre as classes excluídas, sobre as culturas negadas e silenciadas no currículo, destacando que a ação educativa além de almejar preparar o alunado para tomada de decisões, deve assegurar ao corpo docente e discente uma reconstrução reflexiva e crítica da realidade, empregando teorias, conceitos, procedimentos e costumes que subsistem na comunidade local. Ele afirma que a educação deve se apresentar como um espaço em que as novas gerações poderão obter competências para avaliar criticamente o patrimônio cultural da sociedade. Assim como Loureiro, Santomé manifesta-se contrário a uma educação que prima pela memorização de informações descontextualizadas, pois existem diferentes concepções de mundo e os alunos necessitam compreender e analisar como e por que surgem as discriminações e a partir da sua realidade superar relações de exclusão e dominação tão presentes em nossa sociedade.

2.4 EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA SOB O OLHAR DE CARLOS FREDERICO