• Nenhum resultado encontrado

A sustentabilidade e a EA, a priori, não depende de formação acadêmica, elas podem ser um modo de vida assumido por um determinado grupo, podem ser uma prática diária realizada em uma determinada comunidade. Esta pesquisa pretende

estabelecer uma articulação entre os saberes de um grupo social minoritário, que vive dos frutos do manguezal, e os conhecimentos científicos. Objetiva também identificar se existe algum tipo de contribuição desses saberes para a proteção do ecossistema manguezal.

Configura-se, nesse caso, o confronto de dois saberes: o tradicional e o científico-moderno. De um lado, está o saber acumulado das populações tradicionais sobre os ciclos naturais, a reprodução e migração da fauna, a influência da lua nas atividades de corte da madeira, da pesca, sobre os sistemas de manejo dos recursos naturais, as proibições do exercício de atividades em certas áreas ou períodos do ano, tendo em vista a conservação das espécies. De outro lado, está o conhecimento científico, oriundo das ciências exatas que não apenas desconhece, mas despreza o conhecimento tradicionalmente acumulado. Em lugar da etnociência, instala-se o poder da ciência moderna, com seus modelos ecossistêmicos, com a administração "moderna" dos recursos naturais, com a noção de capacidade de suporte baseada em informações científicas (na maioria das vezes, insuficientes) (DIEGUES, 2001, p. 69).

Os saberes destas comunidades acabam por não ocupar um lugar no currículo escolar já que, os materiais didático pedagógicos não se referem a zona litorânea como um área onde existem diversos estilos de vida tradicionais e portanto, um universo de diferentes conhecimentos. Eles trabalham em geral com conceito do que são as áreas litorâneas, quais atividades econômicas são comumente desenvolvidas nelas como atividade industrial, comercial e turística. Os pescadores artesanais, mesmo que empiricamente, possuem um grande conhecimento da arte de pescar, das embarcações, do beneficiamento do pescado, das espécies de peixes, dos ventos, do clima, das marés, do período de acasalamento e de desova, do sexo dos animais e sua anatomia, da dieta da fauna, da biologia da flora, da técnica de coleta de sururus, ostras e caranguejos, dos problemas das pessoas que sobrevivem do manguezal. Esses saberes não são sistematizados nos livros didáticos e poderiam ser ótimos aliados das aulas de ciências, geografia, história, matemática, português, educação física e artes.

A realidade do mundo litorâneo não ocupa muito espaço nos materiais curriculares; consequentemente, nas instituições escolares em que os livros-texto são o instrumento prioritário de informações, os estudantes dificilmente conhecerão essa realidade silenciada [...] (SANTOMÉ, 1998, p. 145).

Na pesquisa realizada em uma comunidade de pescadores artesanais denominada Povoado de Areia Branca, no município de Aracaju, Sergipe que se situa à beira do Rio Vaza Barris, um dos rios mais importantes do Estado, pela sua biodiversidade, especialmente de pescados e no abastecimento de água de algumas cidades do Estado, CUNHA et al. (2010) estudaram o caso de quatro crianças e suas famílias, sujeitos eleitos a partir de um critério que contemplou um dos objetos de estudo: o trabalho na pesca e a produção de saberes ambientais. As crianças escolhidas possuíam uma relação diferenciada com a pesca. Foi também desenvolvido um trabalho na única escola pública de ensino infantil e fundamental do povoado, para compreender se os saberes populares eram incorporados ao currículo, visto que, as crianças, desde que nascem, possuem uma íntima relação com a pesca e com a natureza.

Cunha et al. (2010) destacam que a entrada na escola Municipal Florentino Menezes, que atende à comunidade, foi fundamental para compreender a forma como as crianças constroem esses saberes também no ambiente escolar, palco de socialização e produção da cultura infantil.

Frequentando as aulas de alguns professores, as autoras puderam observar que atividades lúdicas não eram desenvolvidas em sala de aula e que os saberes populares não perpassavam as matérias ministradas, apesar de a escola estar inserida em uma comunidade pesqueira e apesar de a grande maioria dos alunos serem filhos e filhas de pescadores artesanais e marisqueiras.

O ofício do pescador, por ser diferenciado, acaba por refletir na criação dos filhos, os quais se socializam entre o rio, a igreja, a família, a casa, a escola, a vizinhança e o trabalho da pesca. Esse aspecto identifica essas crianças desde cedo as quais, estão inseridas no mundo do trabalho e os conhecimentos dos mais velhos vão permeando a constituição de seu caráter, valores, comportamento, tradições. A cultura da pesca precisava ser reconhecida, pois representa a trajetória de vida das pessoas que moram em Areia Branca, faz parte da cultura compartilhada da comunidade e os conhecimentos etnoecológicos são construídos no dia a dia e

incorporados pelas experiências vividas e interações coletivas. As gerações mais novas convivem todos os dias com a pesca, seja acompanhando o pai à maré, na família, nas conversas ou nas brincadeiras.

O artigo “Diálogo dos Saberes: o conhecimento científico e popular das plantas medicinais na escola” (2010) teve como principal objetivo investigar como as professoras trabalham o saber popular e o conhecimento científico sobre plantas medicinais com alunos de uma escola rural localizada no município de Maringá- Paraná.

As autoras iniciam o artigo fazendo uma explanação sobre as diversas aplicações e importância das plantas medicinais para a nossa sociedade, desde as antigas culturas até os tempos atuais.

Diante disto, não podemos esquecer e nem deixar de lado o conhecimento popular e tradicional que envolve as plantas medicinais, pois estas formas de conhecimentos fazem parte da nossa cultura. Além de detectá-las, é preciso estabelecer o diálogo destes saberes com o conhecimento científico no ensino de Ciências, para ampliar a visão dos alunos, ou seja, para que ele perceba que o conhecimento científico não é o único referencial utilizado pela sociedade para interpretar a realidade (KOVALSKI et al., 2010, p. 02).

Logo após, são elencados diversos conceitos sobre saberes populares e sua relevância para a ciência e para a própria medicina e também conceitos sobre o que é conhecimento científico e como ele é elaborado. As autoras traduziram o conhecimento tradicional como informações acumuladas ao longo do tempo por uma certa comunidade relacionadas aos seus valores, práticas, cultura, experiências, vivências. Com o passar dos anos, esses conhecimentos são reformulados, são modificados.

Diegues et al. (2000, p. 30) definem o conhecimento tradicional “como o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do mundo natural, sobrenatural, transmitido oralmente de geração em geração”.

Dickmann e Dickmann (2008, p. 70) afirmam que o saber popular deve ser compreendido “como aquele adquirido nas lutas, que não está escrito nos livros,

aquele que é fruto das várias experiências vividas e convividas em tempos e espaços diversos na história do povo”.

Analisando os vários conceitos supracitados, fica claro que os conhecimentos populares acabam por não ter a mesma notoriedade que os conhecimentos científicos, uma vez que, comumente as populações que o produzem ocupam na hierarquia social, a porção mais baixa da pirâmide. Outro elemento marcante é o fato de que esses povos criaram uma relação de dependência da natureza, dado que, sua sobrevivência e seu modo de vida estão totalmente associados a ela. É no mínimo interessante que os conhecimentos tradicionais e populares de um determinado grupo sejam valorizados, reconhecidos, etnografados, pois é uma maneira de difundi-los e contribuir para a sua permanência no tempo.

De acordo com Lopes (1998, p. 51), “[...] é com essa pluralidade de saberes e de diferentes formas de ver e interpretar o mundo que precisamos ensinar nossos alunos e nossas alunas a conviver”. É a partir da problematização destes conhecimentos, dos questionamentos sobre a sua produção, suas formas de reprodução, os valores e interesses a eles associados, aos quais estamos submetidos, que formaremos pessoas mais críticas e capazes de entender melhor o mundo.

O ensino de Ciências nas nossas escolas é muito tradicional, o trato da Ciência ocorre como verdade absoluta, imutável, neutra e sem conflitos. O ensino de ciências que estamos acostumados a vivenciar, na maioria das escolas, é algo desconectado da realidade dos alunos, um saber fragmentado, que não desperta o interesse dos discentes. Tal ensino, na concepção de Mortimer “tem reforçado a visão da ciência como algo estático, como um conjunto de verdades imutáveis, de estruturas conceituais congeladas no tempo” (MORTIMER, 1998, p. 114). Segundo o autor, a culpa desta situação decorre da falta de diálogo:

[...] entre a linguagem científica e a linguagem cotidiana, entre a realidade criada pela ciência, e a realidade da vida cotidiana, entre a teoria científica e a prática dos fenômenos, entre os princípios científicos e os contextos sociais e tecnológicos em que eles se materializam (MORTIMER, 1998, p. 115).

Outro artigo que nos trouxe elementos importantes foi “Etnosaberes sobre peixes por pescadores e professores da planície de inundação do Alto Rio Paraná” (2014). A pesquisa investigou os saberes etnoictiológicos dos pescadores da região do Alto Rio Paraná, bem como analisou como os professores das escolas da região promovem o diálogo entre o saber popular e o científico com os seus alunos.

A planície do Alto Rio Paraná apresenta vários habitat aquáticos e terrestres que possuem uma grande biodiversidade e, por conta desta característica, foram criadas três unidades de conservação neste local: uma Área de Proteção Ambiental, um Parque Nacional e um Parque Estadual.

Os pescadores do Alto Rio Paraná foram entrevistados para que fossem averiguados aspectos socioeconômicos, relações culturais e ecológicas destes moradores com a planície de inundação, para identificar a percepção que eles têm das mudanças ocorridas no local, às espécies de peixes, o comportamento deles, entre outros. Quatorze pescadores participaram da pesquisa e as conversas, com autorização prévia, foram gravadas e registradas.

Já em relação aos professores, foi ministrado um curso pelo Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura da Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Paraná. Dez professores de diversas áreas da Rede de Ensino Estadual e Municipal da região participaram. Durante o curso foi aplicado um questionário, para se levantar concepções sobre Ciência, conhecimento científico e popular, bem como práticas pedagógicas que promovam o diálogo entre esses saberes.

Ficou evidente o conhecimento dos pescadores sobre os peixes e a dinâmica ecológica da região, pois o rio Paraná é muito importante em suas vidas, faz parte da história de cada um e as vivências e experiências traduzem todas as transformações socioambientais pelas quais passaram ao longo do tempo aquelas comunidades.

Os professores não tinham clareza sobre a diferença entre saberes populares e científicos, razão pela qual, talvez, apresentassem dificuldades em abordar assuntos que fazem parte do cotidiano dos alunos em sala de aula. Porém o curso proporcionou debates sobre os saberes e práticas dos educadores, assim como ampliou a visão, favorecendo-lhes acesso a novos conhecimentos.

No artigo Etnobiologia como metodologia no ensino de ciências, André Siqueira (2012) apresenta algumas possibilidades pedagógicas para os professores da educação básica, enfatizando o Ensino Fundamental, pois ele acredita que os professores ainda são muito tradicionais e acabam se comportando como os detentores do saber.

O autor defende a ideia de que é necessário que os educadores se apropriem dos saberes populares que os alunos trazem consigo, os quais não são poucos, visto que isso possibilita aos educandos uma elaboração e uma reelaboração do conhecimento. Os saberes a que ele se refere são os adquiridos nos espaços de educação informal. O autor chama a atenção para o planejamento que não deve ser totalmente engessado, já que as intervenções e reações da turma vão dando um novo sentido ao mesmo.

O autor enriquece sua discussão utilizando autores clássicos, que defendem a escola como um espaço intercultural, de modo que ela precisa se comprometer em agregar essas culturas e esses saberes ao currículo. O currículo é tudo que é realizado no espaço escolar, estando ele determinado ou não, é a expressão das diversas vozes, de gestos, de ações. A escola é composta por pessoas com visões diferentes de mundo, de educação, configurando-se como um espaço capaz de agregar diferentes práticas educacionais.

É preciso saber fazer uso dos inúmeros recursos disponíveis, mesmo que para isso tenhamos que realizar uma avaliação criteriosa para optarmos pelo melhor, mas André (2012) expõe que alguns professores tornam-se reféns do livro didático, a qual acaba sendo a única ferramenta de trabalho. As escolas estão inseridas em

uma comunidade e seria muito importante que os professores conhecessem o entorno onde a escola está inserida e estabelecessem uma parceria com essa comunidade. Os saberes da academia não são superiores aos dos cidadãos comuns, são diferentes e podem se complementar.

2.7 ECOSSISTEMA MANGUEZAL

O Brasil possui um litoral muito diversificado ao longo dos seus 7.408 km de extensão, que vai desde a desembocadura do rio Oiapoque (04°52’45”N) ao Arroio Chuí (33°45’10”S), com uma sucessão de ecossistemas, que varia entre campos de dunas, ilhas, recifes, costões rochosos, baías, estuários, brejos, falésias e baixios. Alguns deles, como praias, restingas, lagunas e manguezais, apesar de ocorrência constante, apresentam tal variedade biótica que a aparente homogeneidade em suas fácies ecológica apenas oculta especificidades florísticas e faunísticas vinculadas às gêneses diferenciadas dos ambientes em tão longo trecho litorâneo (CIMA, 1991).

Os manguezais ocorrem na zona tropical e subtropical do planeta, em áreas estuarinas, no encontro do rio com o mar. No Brasil ele ocupa as áreas costeiras do estado do Amapá ao estado de Santa Catarina. O manguezal é um dos ecossistemas mais produtivos e mais resilientes do mundo, porém vem sofrendo em virtude da falta de planejamento urbano, problema que atinge inúmeras cidades brasileiras. A definição adotada para descrever esse ecossistema foi desenvolvida por Novelli (1995), uma das maiores autoridades do Brasil no que concerne ao tema manguezal

Ecossistema costeiro, de transição entre os ambientes terrestre e marinho, característicos de regiões tropicais e subtropicais, sujeito ao regime de marés. É constituído de espécies vegetais lenhosas típicas (angiospermas), além de micro e macroalgas (criptógamas), adaptadas à flutuação de salinidade e caracterizadas por colonizarem sedimentos predominantemente lodosos, com baixos teores de oxigênio [...]. Ocorre em regiões costeiras abrigadas e apresenta condições propícias para alimentação, proteção e reprodução de muitas espécies animais, sendo considerado importante transformador de nutrientes em matéria orgânica e gerador de bens e serviços (NOVELLI, 1995, p. 07).