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Abordagem pedagógica dos saberes populares dos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) do município de Cariacica-ES da perspectiva da educação ambiental crítica

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Academic year: 2021

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INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

VASTY VERUSKA RODRIGUES FERRAZ

ABORDAGEM PEDAGÓGICA DOS SABERES POPULARES DOS(AS) PESCADORES(AS) E MARISQUEIROS(AS) DO MUNICÍPIO DE CARIACICA-ES

DA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA

VITÓRIA 2017

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VASTY VERUSKA RODRIGUES FERRAZ

ABORDAGEM PEDAGÓGICA DOS SABERES POPULARES DOS(AS) PESCADORES(AS) E MARISQUEIROS(AS) DO MUNICÍPIO DE CARIACICA-ES

DA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática – Campus Vitória do Instituto Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção de título de Mestre em Educação em Ciências e Matemática.

Orientador: Prof. Dr. Carlos Roberto Pires Campos

VITÓRIA 2017

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(Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo) F381a Ferraz, Vasty Veruska Rodrigues.

Abordagem pedagógica dos saberes populares dos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) do município de Cariacica-ES da perspectiva da educação ambiental crítica / Vasty Veruska Rodrigues Ferraz. – 2017.

168 f. : il. ; 30 cm

Orientador: Carlos Roberto Pires Campos.

Dissertação (mestrado) – Instituto Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática, Vitória, 2017.

1. Saberes populares. 2. Espaços não formais. 3. Educação ambienal crítica. 4. Manguezal. I. Campos, Carlos Roberto Pires. II. Instituto Federal do Espírito Santo. III. Título.

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DECLARAÇÃO DO AUTOR

Declaro, para fins de pesquisa acadêmica, didática e técnico-científica, que esta Dissertação de Mestrado, e seu respectivo Produto Educacional, podem ser parcialmente utilizados, desde que se faça referência à fonte e ao autor.

Vitória/ES, 15 de Março de 2017.

_________________________________________ Vasty Veruska Rodrigues Ferraz

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Dedico esta dissertação ao meu pai Waldemar Vieira Ferraz (in memoriam) que se dedicou para que nos instruíssemos e era um amante da natureza e à minha mãe Manoela Rodrigues Ferraz, grande incentivadora dos estudos, sempre reconheceu que esse é maior legado que uma pessoa pode ter.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é uma parte importante da dissertação, pois confirma que precisamos uns dos outros, que não realizamos nada sozinhos.

Agradeço a toda à energia que emana do cosmos e de Gaia que nos fortalece e nos move a cada dia. Nos faz seres capazes de partilhar bons pensamentos e bons sentimentos por todas as formas de existência.

À Welington, companheiro de vida, que me acolheu com carinho, amor e compreensão durante todos os momentos árduos deste percurso acadêmico, por me auxiliar, ser amigo, irmão, marido e por acreditar em tudo que eu me disponho e sonho em fazer.

À minha mãe Manoela Rodrigues Ferraz, que é amorosa e presente em minha vida, incansável em me apoiar para que eu me torne sempre uma pessoa melhor e com capacidade para entender os problemas sociais que nos circundam, sem aceitar a humilhação e submissão dos oprimidos.

Às minhas irmãs Ana Ferraz e Leila Ferraz, por existirem e por terem dividido comigo momentos muito especiais.

À minha tia Mel (in memoriam), por ter me proporcionado dias lindos e deliciosos na minha infância. Simplesmente inesquecíveis e que contribuíram nesta etapa da minha trajetória.

Aos colegas de turma pela oportunidade de trocas de conhecimentos em momentos importantes de crescimento intelectual.

Ao companheiro Celcino Neves Moura, por me acompanhar em meu percurso acadêmico e fora dele. Seus conselhos são um bálsamo para minha alma.

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Aos grandes parceiros Marcelo Scabelo e Juliana Conde por serem cúmplices em todos os trabalhos, por partilharem comigo dias felizes, por me auxiliarem em momentos difíceis, por estarem disponíveis até mesmo nos fins de semana e feriado.

Ao meu orientador, Prof. Carlos Roberto Pires Campos que me acolheu e acreditou no meu potencial.

Aos pescadores(as) e marisqueiros(as) por toda a atenção e dedicação dispensadas à pesquisa, em especial à Andréa e Byra, que foram meus mentores na maré e no mundo da pesca, pessoas fundamentais neste processo.

Aos professores Frederico Loureiro, Manuella Amado e Antônio Donizetti, por aceitarem com afeição fazer parte da minha banca e pelas inúmeras contribuições recomendadas, que foram de suma importância para tornar o trabalho mais científico e de melhor qualidade.

Aos professores do Programa de Mestrado, em especial à Profª. Priscila Chisté por me ouvir em momentos de angústia e por me apontar os primeiros passos a serem dados.

Aos professores, pedagoga, coordenadora do turno matutino e à diretora da EMEF Hilda Scarpino, pela gentileza de estarem sempre à disposição e por participarem voluntariamente da pesquisa.

À amiga do coração Eliane Telles, por se preocupar comigo e com o desenvolvimento da pesquisa, por se dispor a me ajudar em inúmeros momentos. Pelas noites que passamos unidas para conversar, rir e relaxar.

À Alessandro Poletto, figura importante desde o dia de minha inscrição para a prova, sempre muito atencioso, eficiente e disposto a nos auxiliar no que for preciso e não mede esforços para isso.

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À equipe gestora da EMEF Talma Sarmento de Miranda por compreender a importância do momento em que eu estava vivendo e por me oferecer todo apoio para que eu pudesse cumprir os créditos das disciplinas.

À Prefeitura Municipal de Cariacica por me conceder a licença na fase em foi mais pertinente para a investigação.

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Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida, e com as futuras gerações.

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Autarquia criada pela Lei n° 11.892 de 29 de Dezembro de 2008 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E

MATEMÁTICA

RESUMO

Esta pesquisa, buscou etnografar os saberes populares dos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) tradicionais do município de Cariacica- ES, com vistas a dar voz a este grupo social minoritário, identificando as potencialidades dos seus conhecimentos, explicitando vivências e práticas na produção de riquezas extraídas do ecossistema manguezal. Os dados produzidos no trabalho auxiliaram para a construção de uma sequência didática interdisciplinar, em conjunto com as professoras que atuam na escola municipal de Cariacica-ES Hilda Scarpino nas séries iniciais do Ensino Fundamental, buscando uma interface entre os saberes científicos e os saberes populares. Essa pesquisa foi realizada sob os pressupostos da pedagogia da práxis, da Teoria da Complexidade e da Educação Ambiental Crítica. Os principais referenciais teóricos incorporados às reflexões são Paulo Freire, Edgar Morin e Carlos Frederico Loureiro. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e a produção de dados ocorreu ao longo da investigação por meio de entrevistas semiestruturadas, observação sistemática, registro em diário de campo, questionário e validação de uma sequência didática entre pares da escola Hilda Scarpino, e junto a oito mestrandos do Instituto Federal do Espírito Santo. Existem evidências de conhecimentos constituídos durante décadas de relação com o ecossistema manguezal e estes foram repassados de geração para geração. Articular os saberes populares aos conhecimentos científicos sob os pressupostos adotados na pesquisa foi apontado como possível pelos docentes e pelos mestrandos que, participaram da validação da sequência didática. O produto educativo é um material de apoio pedagógico destinado a professores contendo os saberes populares dos pescadores tradicionais, informações sobre o ecossistema manguezal, as atividades propostas na sequência didática com inúmeras possibilidades de abordagem do tema investigado e sugestão de um roteiro de aula de campo.

Palavras-chave: Saberes populares. Espaços não formais. Educação ambiental crítica. Manguezal.

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

Autarquia criada pela Lei n° 11.892 de 29 de Dezembro de 2008 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E

MATEMÁTICA

ABSTRACT

This research sought to ethnograph the popular knowledge of fishermen and traditional fishermen of the municipality of Cariacica - ES, in order to give voice to this minority social group, identifying the potential of their knowledge, explaining experiences and practices in production Of riches extracted from the mangrove ecosystem. The data produced in the work served to build an interdisciplinary didactic sequence, together with the teachers who work in the municipal school of Cariacica-ES Hilda Scarpino in the initial series of Elementary School, seeking an interface between scientific knowledge and popular knowledge. This research was carried out under the assumptions of praxis pedagogy, Complexity Theory and Critical Environmental Education. The main theoretical references incorporated into the reflections are Paulo Freire, Edgar Morin and Carlos Frederico Loureiro. This is a qualitative research and data production was carried out throughout the research through semi-structured interviews, systematic observation, field journaling, questionnaire and validation of a didactic sequence between peers of the Hilda Scarpino school, and with eight Masters of the Federal Institute of Espírito Santo. There is evidence of knowledge built up over decades related to the mangrove ecosystem, and these have been passed on from generation to generation. Articulate the popular knowledge to scientific knowledge under the assumptions adopted in the research was pointed out as possible by the teachers and by the masters that participated in the validation of the didactic sequence. The final product is a pedagogical support material containing information about the mangrove ecosystem, popular knowledge of artisanal fishermen, the activities proposed in the didactic sequence and the suggestion of a field lesson script.

Keywords: Popular knowledge. Non-formal spaces. Critical environmental education. Mangrove.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Distribuição dos Manguezais no Brasil. ... 83

Figura 2 – Manguezal de Cariacica. ... 84

Figura 3 – Mangue Vermelho. ... 84

Figura 4 – Alguns Exemplares da fauna do manguezal de Cariacica. ... 85

Figura 5 – Família coletando sururu – Cariacica-ES. ... 88

Figura 6 – Mapa do Brasil destacando o Espírito Santo. ... 93

Figura 7 – Mapa do Espírito Santo localizando o município de Cariacica. .. 94

Figura 8 – Bairro Porto de Santana. ... 95

Figura 9 – Bairro Nova Canaã. ... 95

Figura 10 – Escola Hilda Scarpino. ... 96

Figura 11 – Caixa d’água usada para armazenar água da chuva. ... 97

Figura 12 – Ecobag. ... 98

Figura 13 – Projeto Horta. ... 99

Figuras 14 e 15 – Localização do sururu e verificação de seu tamanho para coleta. ... 104

Figuras 16 e 17 – Retirada e batida do sururu para primeira limpeza. ... 105

Figuras 18 e 19 – Cozimento e armazenamento do sururu para resfriá-lo. ... 105

Figuras 20 e 21 – Batendo o sururu e separando a carne da casca. ... 105

Figuras 22 e 23 – Sururu descascado e embalado. ... 105

Figura 24 – Professoras realizando a leitura dos itens propostos na SD. .... 137

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LISTA DE GRÁFICOS

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Tempo de experiência na pesca ou coleta de mariscos. ... 110 Quadro 2 – Aspectos da vivência na jornada de trabalho. ... 112 Quadro 3 – Influência de fenômenos naturais na atividade pesqueira e marisqueira. ... 114 Quadro 4 – Período de defeso e tamanho do marisco. ... 116 Quadro 5 – Mudanças transcorridas no manguezal ao longo do tempo. .... 119 Quadro 6 – Fenômenos ou elementos naturais descritos pelos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) tradicionais, caracterização dos saberes e suas interferências no meio e na vida dos envolvidos. ... 122 Quadro 7 – Resultado da Validação da SD – Guimarães & Giordan

(2011). ... 139 Quadro 8 – Justificativa do nível máximo alcançado pelos itens propostos na validação da SD. ... 139 Quadro 9 – Resultado do Questionário aplicado após a validação da SD na EMEF Hilda Scarpino, Cariacica-ES. ... 140 Quadro 10 – Resultado da SD com os alunos do mestrado do EDUCIMAT/IFES. ... 141 Quadro 11 – Observações registradas no instrumento de validação da SD com os mestrandos. ... 142

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LISTA DE TABELA

Tabela 1 – Faixa etária dos moradores de Cariacica. ... 93 Tabela 2 – Perfil dos(os) pescadores(as) e marisqueiros(as). ... 103

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LISTA DE SIGLAS

AC – Aplicação do Conhecimento

ANA – Agência Nacional de Alfabetização

COMEC – Conselho Municipal de Educação de Cariacica

CONSEMAC – Conselho Municipal do Meio Ambiente de Cariacica DDT – Dicloro Difenil Tricloroetano.

EDUCIMAT – Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental

EA – Educação Ambiental

EAC – Educação Ambiental Crítica

EAT – Educação Ambiental Transformadora ES – Espírito Santo (Estado)

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFES – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo MA – Meio Ambiente

M – Mestrandro(a)

OC – Organização do Conhecimento

ONGs – Organizações Não-Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas

PAEBES – Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo

PAN (manguezal) – Plano de Ação Nacional para Conservação das Espécies Ameaçadas e de Importância Socioeconômica.

PCN´s – Parâmetros Curriculares Nacionais PEEA – Política Estadual de Educação Ambiental PESC. – Pescador(a)

PMC – Prefeitura Municipal de Cariacica

PNAIC – Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa PNEA – Política Nacional de Educação Ambiental

PNGC – Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro PPP – Projeto Político Pedagógico

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P – Professor(a)

SD – Sequência Didática

SEME – Secretaria Municipal de Educação de Cariacica SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação UCs – Unidades de Conservação

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 20 1.1 PROBLEMA DA PESQUISA ... 25 1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA ... 25 1.2.1 Objetivo Geral ... 25 1.2.2 Objetivos Específicos ... 25 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 27

2.1 EDGAR MORIN E O PENSAMENTO COMPLEXO ... 27

2.2 EDUCAÇÃO DIALÓGICA DA PERSPECTIVA FREIRIANA ... 37

2.3 SABERES POPULARES E CIDADANIA ... 52

2.4 EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA SOB O OLHAR DE CARLOS FREDERICO LOUREIRO ... 58

2.5 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CONQUISTAS NO IR E VIR DA MARÉ ... 65

2.6 TESSITURAS DE SABERES E FAZERES ... 75

2.7 ECOSSISTEMA MANGUEZAL ... 82 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 90 3.1 A PESQUISA ... 90 3.2 CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO ... 92 3.3 CONTEXTO DA ESCOLA ... 96 3.4 SUJEITOS DA PESQUISA ... 101

3.5 ANÁLISE E PRODUÇÃO DOS DADOS ... 106

4 RESULTADOS ... 110

4.1 SABERES E VIVÊNCIAS DOS PESCADORES(AS) E MARISQUEIROS(AS) ... 110

4.2 SISTEMATIZAÇÃO DOS SABERES DOS(AS) PESCADORES(AS) E MARISQUEIROS(AS) TRADICIONAIS ... 121

4.3 OS SABERES DOS PESCADORES (AS) E MARISQUEIROS (AS) NA ESCOLA ... 132

5 O PRODUTO EDUCATIVO ... 143

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 144

REFERÊNCIAS ... 147

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APÊNDICE A – Entrevista semi-estruturada aplicada aos pescadores(as) e

marisqueiras(as) de Cariacica-ES ... 154

APÊNDICE B – Questionário aplicado às professoras da EMEF Hilda Scarpino, Cariacica- ES ... 155

APÊNDICE C – Sequência Didática ... 156

APÊNDICE D – Resumo dos vídeos da SD ... 162

ANEXOS ... 163

ANEXO A – Carta de Anuência para desenvolvimento da SD na EMEF Hilda Scarpino, Cariacica-ES ... 164

ANEXO B – Termo de Cessão de Imagem e Voz para a Pesquisa com os pescadores(as) e marisqueiros(as) tradicionais de Cariacica-ES ... 165

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1 INTRODUÇÃO

“Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei”.

Manoel de Barros

Meu primeiro contato com o manguezal aconteceu ainda na primeira infância. Eu morei durante quase toda a minha vida em um bairro que foi fruto do aterro de uma área de manguezal, razão pela qual, muitas vezes encontrava no quintal de casa alguns caranguejos ainda perdidos com o processo de mudança espacial e algumas tocas de guaiamuns.

Quando entrei na Universidade Federal do Espírito Santo, para cursar Geografia, fiz a disciplina de Biogeografia e pude compreender melhor o histórico dos manguezais do Brasil e como funcionava esse ecossistema. Ainda na graduação participei de algumas aula de campo e estas também foram importantes, pois nos permitiam o contato mais próximo com o ambiente e com os colegas, oportunas para ricas trocas de experiências. Em vista disso, um amigo da área de história me convidou para realizar, na comunidade dele, em Guarapari, algumas palestras sobre manguezal e posteriormente desenvolver em parceria um projeto que culminaria com uma mostra cultural na escola em que ele lecionava. Este foi o início de algumas oportunidades para que eu pudesse tratar deste tema em outros eventos.

Após concluir a graduação, frequentei uma pós-graduação em Gestão e Educação Ambiental, o que me ajudou a envolver os alunos com essa temática, a qual permeia minha prática escolar. Em 2008 tive a satisfação de ser Coordenadora Pedagógica do Projeto Povos e Mangues, desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Cariacica, em parceria com o Instituto Bioma Brasil, vez que, em 2007, o município havia criado duas áreas para preservação dos manguezais, O Parque Natural Municipal do Manguezal do Itanguá, que segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) é classificado como Unidade de Proteção Integral e tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, assegurando a realização de pesquisas científicas e o

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desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da Unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração e àquelas previstas em regulamento. A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como aquelas previstas em regulamento. E a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Municipal dos Manguezais de Cariacica que, de acordo com o SNUC constitui o grupo de Uso Sustentável das categorias de unidades de conservação, tendo como objetivo básico preservar a natureza e, ao mesmo tempo assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por estas populações.

O projeto visava a envolver escolas, pescadores artesanais e a comunidade, no cuidado com essas regiões. Essa oportunidade fez consolidar meu propósito como Educadora Ambiental e me deixou muito inquieta em relação às áreas recém-criadas dentro do município, pois elas não haviam sido consolidadas como tal, o plano de manejo não havia sido elaborado, e os conselhos das mesmas não funcionavam.

Integrei o Conselho Municipal do Meio Ambiente (CONSEMAC) deste mesmo município, onde permaneci até janeiro de 2016. O CONSEMAC é um espaço de integração de diversos segmentos sociais, próprio para troca de informações e olhares diversos, por isso o assunto sobre o Parque e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável vinha sempre compor um dos pontos de pauta. Concomitante ao trabalho como conselheira, fiz parte da composição de uma comissão que ficou responsável por elaborar um programa denominado “Maré Viva”, para atender às demandas dos pescadores que estavam inclusos nas três Associações de Pescadores que existiam no município, representantes de cada associação também compunham essa comissão. Dos grupos de trabalho nasceram

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nove projetos com objetivos, público-alvo, metas, estratégias, equipamentos necessários e planilha de custos. Infelizmente não foi disponibilizada verba para colocar em prática todas as ações planejadas, pois é necessário que haja prioridade nos investimentos públicos para que programas como estes sejam efetivados.

Integrei em seguida um grupo que cuidaria das águas Cariaciquenses, isto é, dos principais rios, em especial, dos problemas causados pelo Rio Itanguá e rio Bubu em épocas de muita chuva aos moradores da circunvizinhança. Pude percorrer de barco os dois rios, junto com os pescadores que eram ligados ao grupo, e observar o quanto estavam degradados, o quanto estavam precisando de zelo e atenção do poder público e da população, em virtude de sua relevância para a manutenção da vida ao longo do seu percurso, da sua foz e dos seres que deles dependiam. Infelizmente mesmo com todos os esforços, o grupo não se estabilizou, e os problemas com as enchentes não foram mitigados ou solucionados. Os encontros davam voz aos pescadores artesanais envolvidos que eram muito críticos e politizados, quando se manifestavam, todos ficavam surpreendidos com a capacidade de argumentação e com o conhecimento meticuloso que eles detinham de toda região. A convivência e o desenvolvimento de atividades paralelas com essas pessoas me fizeram pensar em algumas questões que se tornaram norteadoras para elaboração do projeto de pesquisa de mestrado, assim como corroboraram minha admiração por esse grupo e o desejo de registrar alguns aspectos dessa trajetória, alguns aspectos das vidas e vindas da maré.

A minha escolha pelo tema está intimamente relacionada à minha afeição pelos manguezais e pelos os pescadores dessas regiões. A riqueza ecológica, a beleza cênica, assim como os conhecimentos populares e acolhida dos pescadores, sempre empolgados e orgulhosos dos privilégios que lhes foram concedidos pela natureza, me encantaram e fazem de parte do município, um pedacinho do que considero “mágico.”

Por meio da Coordenação Pedagógica do Projeto Povos e Mangues, pude estreitar minha relação com pescadores(as) e marisqueiros(as) de Cariacica e conhecer

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melhor as áreas de manguezais do município, seu estado de destruição, de conservação, sua real extensão e os principais problemas decorrentes do seu desmatamento e aterro.

Os(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) revelam uma cultura própria, e podem favorecer o contato com diferentes leituras de mundo, dispensar reflexões acerca do conjunto de conhecimentos que fazem parte dos conteúdos escolares e unir o ambiente natural ao estudo científico. O ambiente tem uma grande influência sobre a comunidade e consequentemente na vida dos estudantes e na sua expressão como atores sociais.

Registrar uma parte da existência das pessoas que vivem do manguezal, suas histórias, suas técnicas e seu curso de vida poderão contribuir para manter viva a memória do local, pode ser um meio para entender a práxis desse grupo social e também para reconhecer se existem estratégias de proteção ambiental ou não para o ecossistema e o tipo de pesca que eles praticam.

Estabelecer uma interface entre a cultura erudita, ensinada nas escolas, intensamente valorizada, instrumento da supremacia da elite e os saberes populares construídos, a partir da luta pela sobrevivência e carregados de significados que representam uma cultura que ultrapassa gerações, pode auxiliar para que os alunos desenvolvam o sentimento de pertencimento a comunidade, pode ser oportuna para que os conhecimentos não sejam expostos aos alunos de maneira fragmentada, descontextualizada e inquestionável. Para Rubem Alves (2009), nos dias atuais as escolas estão muito desinteressantes, especialmente porque não cuidam de questões primordiais da vida das crianças, não estão usufruindo o seu entorno. As crianças possuem interesse por aquelas coisas ao alcance de suas mãos, não adianta trabalhar com abstrações.

O modo de vida tradicional de um povo pode representar o interculturalismo do Brasil, e incorporar esse tema ao currículo, contempla preceitos da EAC que salienta o respeito por todos os saberes: científicos, tradicionais e populares. A EAC não

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distingue cultura, religião, crença, cor, raça, orientação sexual. É uma via para desenvolver a criticidade e a participação, tendo em vista o alcance da justiça social. Dar voz a um grupo social silenciado e minoritário poderá suscitar alguns debates propícios a (re)significar valores e estereótipos criados por um sistema que promove a invisibilidade de alguns povos.

Nosso intento é que esta pesquisa consiga fomentar especialmente na esfera educacional, novos olhares acerca dos saberes dos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) tradicionais, promovendo reflexões sobre a sua significância para o reconhecimento da identidade de inúmeras comunidades ribeirinhas, e sua importância para perdurar um modo sui generis de coordenar o trabalho e suas vidas. Esse modo peculiar que em algumas ações pode vir a contribuir para a preservação de áreas de manguezais, não desconsiderando as contradições que podem provir, por outro lado, de algumas práticas. Nessa perspectiva, podemos pensar o exercício da cidadania como uma forma de enfrentar paradigmas socialmente construídos e compreender a importância histórica de profissões que se organizam de maneira oposta ao modelo fabril.

Em 2014 quando ingressei no Mestrado Profissional em Educação em Ciências e Matemática, um universo de possibilidades e novos conhecimentos me foram apresentados. Era visível a mudança que se instaurou em minha vida profissional e pessoal, pois o contato com novos autores, a re(leitura) de obras de autores já conhecidos, as problematizações de temas em sala de aula, as aulas de campo, a convivência com colegas e professores de diversas disciplinas, me fizeram repensar as minhas práticas pedagógicas, contribuíram para que eu pudesse amadurecer como professora e me descobrisse também enquanto pesquisadora. As aulas me entusiasmaram para prosseguir com o meu projeto e desejo não só de ser uma profissional melhor, mas de ser uma cidadã brasileira e planetária que não desiste diante das dificuldades que se manifestam cotidianamente no nosso país, que é palco de incontáveis injustiças sociais e da mesma forma o mundo.

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1.1 PROBLEMA DA PESQUISA

A pesquisa tem como foco central os(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) tradicionais, sendo um tema original, já que não existem materiais disponíveis que abordem o assunto no município estudado.

Considerando que os saberes imbuídos no grupo social investigado é significativo para a contextualização e aproximação da realidade vivenciada pelas comunidades das escolas situadas em áreas de manguezal e de sua influência, apontamos o seguinte problema: Os saberes tradicionais dos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) do município de Cariacica podem ser articulados aos saberes científicos para favorecer o reconhecimento de uma cultura local da perspectiva da Educação Ambiental Crítica nas unidades de ensino municipais?

1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA

1.2.1 Objetivo Geral

Este trabalho tem por objetivo geral investigar os saberes construídos historicamente pelos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) tradicionais de Cariacica-ES e analisar o seu potencial pedagógico para serem associados aos saberes científicos da perspectiva da Educação Ambiental Crítica na educação básica.

1.2.2 Objetivos Específicos

Para atingir esse objetivo geral, a pesquisa fixou objetivos específicos de modo a subsidiar as ações investigativas, os quais são:

a) Caracterizar o ecossistema manguezal de Cariacica e sistematizar as informações coletadas em bibliografias e também nas entrevistas com os pescadores.

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b) Reunir elementos que caracterizem a cultura dos(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) tradicionais do município e identificar dentre eles se existem alguns que, possam contribuir para a preservação das áreas de manguezais.

c) Planejar e validar uma Sequência Didática (SD) com professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Hilda Scarpino da Rede Municipal de Educação de Cariacica e com mestrandos do Instituto Federal de Educação, de modo a partilhar os conhecimentos sistematizados.

d) Elaborar um material didático contendo os saberes dos pescadores, fotografias e resultados da validação da SD disponibilizado via on line pelo IFES para todos os interessados.

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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Edgar Morin, Paulo Freire e Carlos Frederico Loureiro são os principais autores incorporados à pesquisa, visto que, há uma relação entre suas concepções. Por meio deles é possível estabelecer um diálogo envolvendo a formação integral do aluno enquanto sujeito social que estabelece relações com sua realidade, que é capaz de entender os problemas que permeiam a nossa sociedade e contribuir em decisões que afetam toda uma comunidade.

Os autores concebem os indivíduos como seres inacabados, que estão em constante processo de aprendizagem, portanto, o conhecimento é algo incompleto, suscetível de ser repensado, construído, reformulado. Manifestam que devemos respeitar a diversidade cultural, pois a escola precisa entender as diferenças, estas permeiam o processo de ensino e aprendizagem, mesmo que já tenhamos pré-estabelecido um currículo baseado em saberes sistematizados.

Morin, Freire e Loureiro expressam em algumas de suas obras influências do pensamento marxista, discutindo o materialismo histórico-dialético, a relação que ele tem com a sociedade e com a natureza. Questionam como a sociedade está historicamente organizada sob os preceitos da supremacia capitalista, o papel previamente estabelecido para os indivíduos que compõem as diferentes classes sociais e a perpetuação das profundas desigualdades entre elas. Argumentam que para haver mudanças reais no sistema econômico presente, dentre outros fatores, é preciso implementar esforços para que na prática a escola, que desempenha um importante papel social, possa ser instrumento para a formação da consciência postulada por Freire, para a transformação social.

2.1 EDGAR MORIN E O PENSAMENTO COMPLEXO

Edgar Morin é um filósofo francês consagrado mundialmente por ter lutado contra causas que feriam a dignidade humana. Durante a sua história de vida, ele assumiu, em determinados momentos, posturas esquerdistas diante de ideias fascistas, e

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contextos ditatoriais. A obra que foi trazida para compor essa dissertação vem ao encontro da pesquisa, pois o propósito é darmos voz a um grupo social minoritário, mas portador de cultura muito rica, que se expressa no ir e vir da maré.

No livro Introdução ao Pensamento Complexo, Morin (2008) já analisa, no próprio prefácio, o significado da palavra "complexidade", que ele acredita manifestar-se onde o pensamento simplificador falha. O autor compreende a complexidade como tudo o que põe ordem, clareza, distinção e confere rigor ao conhecimento. A complexidade seria uma trama de acontecimentos, ações, interações e acasos que compõem nosso mundo inusitado. O pensamento complexo seria, pois uma espécie de articulador de diferentes disciplinas primando por um saber não fragmentado, que reconhece que o conhecimento é algo incompleto, imperfeito, passível de ser reformulado. O pensamento simplificador, ao contrário, anula a diversidade, fragmenta o conhecimento, não possibilitando associação entre ele. "A inteligência cega destrói os conjuntos e as totalidades, isola todos os objetos daquilo que os envolve. Não pode conceber o elo inseparável entre o observador e a coisa observada [...]” (MORIN, 2008, p.18).

A complexidade é marcada por desorganização, indeterminação, caos, razão pela qual urge a necessidade de o conhecimento estabelecer a ordem, a certeza aos fenômenos. Entretanto a vida não é algo simples, sequencial e contínuo, ainda mais se considerarmos que não somos compostos só de partículas, de matéria, não somos seres somente biologicamente constituídos, mas integrantes de um grupo social. A consciência é gerada por intermédio da relação sujeito-objeto, que compõe o funcionamento da vida e envolvem sentimentos, emoções, fantasias, inspiração, perspectivas.

[...] daqui resulta que a vida é, não uma substância, mas um fenômeno de auto-eco-organização extraordinariamente complexo que produz autonomia. Desde então, é evidente que os fenômenos antropossociais não poderiam obedecer a princípios de inteligibilidade menos complexos que os doravante requeridos para os fenómenos naturais. É-nos preciso enfrentar a complexidade antropossocial e não dissolvê-la ou ocultá-la (MORIN, 2008, p. 21).

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Morin (2008), em sua abordagem, defende que é preciso reintegrar o homem entre os seres naturais, sendo impossível concebê-lo fora do ambiente, afinal, o ser humano é parte inerente do corpo social e da natureza, não ocupa um espaço fora destes meios dos quais, não vive isolado. Realizar a interlocução entre o físico, o biológico, o social e o cultural e histórico transmite a ideia de compartilhamento de saberes que considera o ser humano uma organização sistêmica complexa. Adotar um olhar holístico sobre homens e mulheres significa compreender o mundo como algo ecossistêmico sendo o sujeito intrínseco a essa realidade, vez que a complexidade também faz parte da vida cotidiana. A forma como o ser humano se organiza, seus princípios, suas crenças, suas atividades econômicas, o fazem intervir de uma determinada maneira no ambiente natural, o que pode provocar mudanças em diversas proporções, a depender da cultura e de como está estruturada aquela comunidade. As pessoas são subjetivas, mas ao mesmo tempo, são tecidas em um meio que exerce influência sobre a sua constituição, instituindo nelas alguns papéis sociais.

A sociedade é produzida pelas interações entre indivíduos, mas a sociedade, uma vez produzida, retroage sobre os indivíduos e produ-los. Se não houvesse a sociedade e a cultura, uma linguagem, um saber adquirido, não seríamos indivíduos humanos. Por outras palavras, os indivíduos produzem a sociedade que produz os indivíduos. Somos simultaneamente produzidos e produtores [...] (MORIN, 2008, p. 108).

Morin (2008) afirma ser necessária uma mudança na concepção ciência/mundo, pois as visões prescritas podem restringir características importantes, assim como minimizar ideias e fenômenos da realidade. Defende também a necessidade da unificação das ciências, o que só seria considerável no campo da physis, pois atualmente estamos vivendo em meio a uma profusão de informações que estão se concentrando nas especificidades de cada disciplina, tornando o processo de unificação impossível. Mas o autor faz algumas ponderações à unificação, pois ele também preza pela diversidade da organização de fenômenos e fundamentos e se inquieta com as generalizações.

No que concerne ao ensino de ciências, a interdisciplinaridade seria fundamental para integrar os conteúdos, isso, porque diferentes áreas do conhecimento

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conservam elementos comuns e estabelecem um elo de comunicação entre si. Educadores e educadoras que ministram aulas nas unidades de ensino nas áreas do entorno dos manguezais poderiam promover uma interação com os educandos e o meio onde vivem, a partir dos conhecimentos e experiências apresentadas por eles em relação ao tema. Esse movimento dialógico poderia associar o conhecimento popular ao saber científico, ampliando os debates e as interlocuções que certamente serão desencadeadas. A construção do saber ocorreria de forma coletiva em uma ação democrática e participativa, fortalecendo a diversidade e promovendo a cidadania.

A relação ciência-sociedade é muito complexa porque a ciência, que partiu da periferia da sociedade, graças a alguns espíritos independentes, tornou-se uma instituição através das sociedades científicas, as academias. Hoje ela habita o coração da sociedade. Ao difundir a sua influência sobre a sociedade, sofre ela própria a determinação tecnoburocrática da organização industrial do trabalho. É muito difícil perceber as interretroacções entre ciência e sociedade [...] (MORIN, 2008, p. 165).

Luizari e Cavalari (2003) discorrem em seu artigo intitulado "A Contribuição do Pensamento de Edgar Morin Para a Educação Ambiental", que os problemas de degradação ambiental não são pontuais, não é responsabilidade de um indivíduo somente, de um grupo social ou de um país, mas é um problema macro, global. As consequências, sentidas em todo mundo, com intensidades diferentes, estão transpondo as fronteiras físicas que delimitam os países. A questão ambiental ocupa quase que a maioria da agenda política mundial. Diante do problema que a degradação ambiental representa decorre a procura por novas reflexões que possam contribuir para a compreensão da questão, sobretudo para romper com a dicotomia sociedade-natureza. A sociedade também possui outro desafio, qual seja estabelecer um pensamento que una o que está separado. Para tanto, as autoras acreditam que Edgar Morin pode contribuir com sua percepção crítica em relação à compartimentação do mundo contemporâneo, visto que o filósofo defende a possibilidade de substituir o atual paradigma orientador do pensamento ocidental pelo "pensamento complexo." Assim, as questões ambientais e a relação sociedade-natureza deveriam ser tratadas dentro de um panorama inclusivo, incorporadas a uma nova maneira de pensar e fazer educação.

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[...] a educação, a exemplo da sociedade contemporânea, vem passando por uma crise, é imprescindível a todos que se encontram envolvidos nela, principalmente quando esta educação traz em seu interior profundos resquícios do pensamento cartesiano, continuando a promover as dicotomias “sujeito-objeto”, “homem natureza”, “espírito-matéria” e outras por meio da transmissão de informações desconexas, limitando a capacidade crítica dos alunos quanto aos temas cotidianos, como a relação sociedade-natureza, o futuro da humanidade e o destino dos homens diante das incertezas de nosso tempo e da vida em sociedade (LUIZARI; CAVALARI, 2003, p. 02).

As autoras ressaltam que a dimensão humana está intimamente ligada aos aspectos biológicos, físicos, sociais, econômicos e culturais, homem e natureza são unidades complexas e interdependentes, embora de acordo com o pensamento cartesiano o homem acreditava ser o grande dominador do "mundo natural e social". Contudo, é preciso abandonar esses conceitos e utilizar a Educação Ambiental (EA) como instrumento, para superar o "paradigma da disjunção". Estamos diante de problemas ambientais locais e globais de características e proporções peculiares, não detemos o total controle sobre a natureza, ela apresenta fenômenos que são imprevisíveis e desconhecidos da compreensão humana, mas é preciso trabalhar com temas que aliam a prática à realidade das pessoas diretamente atingidas. A EA deve ser abordada em suas diversas dimensões, para que não se corra o risco de ser reduzida a uma visão unilateral.

Depara o homem, atualmente, com a necessidade de pensar em novas formulações teóricas que possibilitem a realização da Educação Ambiental sem contudo, condená-las ao “recorte” em disciplinas. Isso, como afirma Edgar Morin freqüentemente em suas obras, fragmenta o próprio homem, o que resulta na perspectiva restrita dos problemas ambientais que se apresentam a todos neste início de milênio, principalmente neste momento em que as sociedades humanas sofrem as conseqüências de suas próprias inconseqüências ao fazerem uso imprudente do conhecimento científico e da tecnologia em nome do progresso (LUIZARI; CAVALARI, 2003, p. 06-07).

Adriana Piva, em seu artigo “A Difusão do Pensamento de Edgar Morin na Pesquisa em Educação Ambiental no Brasil”, chama a atenção para outro aspecto, à sobreposição dos indivíduos ao meio. Piva (2004) argumenta que as interferências causadas pelo homem ao meio causam desequilíbrios cujas consequências têm conduzido a uma crise ecológica e, na tentativa de controlar ou mesmo mitigar essa crise, a humanidade tem investido na produção de tecnologia, a qual pode nos

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deixar dependentes de máquinas que amenizam determinados problemas, porém, provocam tantos outros.

Diante da gravidade da situação em que nos encontramos, ganha vital importância para Morin a retomada da comunicação entre ciência e consciência, entre fato e valor. Para ele, a ecologia geral é a primeira ciência que “apela quase diretamente para uma tomada de consciência [...]” (PIVA, 2004, p. 08).

O surgimento de uma consciência ecológica seria algo muito significativo e requer mudanças estruturais profundas, pois implica repensar a organização social, os padrões estabelecidos de vida, o consumo, implicam mudanças de postura, de atitudes, demanda a busca de alternativas para a produção de bens, requer restabelecer uma relação de respeito com a natureza, da qual somos parte. Destacamos que mudanças culturais decorrem de ações contínuas e prolongadas, razão pela qual são lentas. A sociedade capitalista existe há décadas e romper com a lógica preestabelecida por esse sistema econômico talvez seja algo utópico, pois necessitaríamos de uma revolução cultural. Contudo, é possível conduzir ações educativas que podem colaborar para a tomada de consciência individual e coletiva, sendo um dos métodos a Educação Ambiental, a qual permeia todos os níveis e modalidades de ensino e pode atingir todos os segmentos e níveis econômicos em que se encontram as pessoas, de modo a estimular a formação do sujeito ecológico. “É aqui, entendo, que surge a questão da educação ambiental, enquanto uma ação estratégica em busca da formação de indivíduos capazes não mais de dominar, mas de seguir/guiar a natureza” (PIVA, 2004, p. 08).

Piva (2005), em sua dissertação de mestrado intitulada: “A Apropriação do Pensamento de Edgar Morin Na Pesquisa Em Educação Ambiental no Brasil” manifesta que é necessário que as pessoas que se apropriam do pensamento de Edgar Morin tenham cuidado ao fazê-lo, pois podemos reproduzir uma oratória atenuante e aparente no que compete a soluções para a crise planetária. Destaca que Morin em suas obras parece apresentar algumas ideias para pensarmos saídas para os problemas da humanidade, todavia estas são suscetíveis à críticas e não indicam uma resolução definitiva, o que pode ser interpretada por muitos equivocadamente como tal. Acrescenta que o método da complexidade de Morin é

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uma referência significativa para o entendimento do fenômeno ambiental como fenômeno complexo. Chama a atenção para a crise da humanidade que está interligada a uma diversidade de infortúnios, sendo assim, com a problemática ambiental não seria diferente, ela também está conectada a múltiplos aspectos que ela denomina indissociáveis como físico, biológico, social, econômico, cultural, político, epistemológico, etc.

Essa idéia parte de uma formulação presente no pensamento moriniano e recuperada em algumas das pesquisas analisadas: a auto-ecoorganização de todo ser vivo, da bactéria ao homem, segundo a qual autonomia e dependência caminham juntas na manutenção do equilíbrio organizacional da vida. Noutros termos, podemos pensar esta inter-relação também a partir das trocas realizadas entre os múltiplos sistemas (sociais, culturais, naturais, humanos, biológicos etc) que compõem o polissistema que é o nosso universo (PIVA, 2005, p. 61).

A autora salienta que a visão racionalista do mundo leva a negação de tudo que envolve sentimentos e imaginação, conduzindo o sujeito a desmembrar e lacerar a realidade. O pensamento cartesiano não considera a desordem, busca uma verdade que não possa ser posta em dúvida, se baseia em deduções para alcançar conclusões específicas. O grande problema é não levar em conta o contexto dos fenômenos, como se eles ocorressem isoladamente, criando um ponto de vista que só concebe meio ambiente os aspectos naturais, não entendem natureza e sociedade concomitantemente e desconsidera os saberes populares, desvalorizando o complexo.

Assim, para respeitar e lidar também com o que é complexo e não apenas com o que é simples no mundo, faz-se necessário, um princípio mais rico de explicação da realidade que supere as cegueiras da ciência moderna e produza um conhecimento pertinente. Temos, com isso, a defesa de um pensamento complexo, pensamento ao mesmo tempo antagônico, concorrente e complementar ao moderno, capaz de relacionar e contextualizar os conhecimentos, de ver as relações entre as partes, de ver unidade e diversidade no todo, de suportar as desordens e as contradições (PIVA, 2005, p. 60).

A eco-organização de autoria de Morin (2007) manifesta a indivisibilidade entre o sujeito e o mundo, visto que o ser humano pauta a sua vida na relação com ambiente em que ele vive e este repercute no seu comportamento. A maneira como nos interligamos ao mundo e reciprocamente ele a nós influi em toda nossa

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organização, que está em constante processo de reorganização. Nesta concepção é pertinente levarmos em conta que o ser humano surge de uma realidade histórica e demanda uma relação com a natureza e com outros seres da sua espécie, em um movimento para se autoconhecer para que possa se tornar indivíduo-sujeito. Nesta perspectiva se inserem os(as) pescadores(as) e marisqueiros(as) que vivenciam uma relação com o manguezal que revela símbolos e cultura que se constituiu no contato com o ambiente, isso lhes conferiu uma maneira particular de se organizar, de usar ferramentas e de se associar ao ambiente. A personalidade e o comportamento humano perpassam por diversas esferas que irão provocar a sua formação, urge daí a necessidade da ciência de não simplificar um objeto e sim tecer um olhar que amplie a sua visão. É relevante considerar que o avanço da eco-organização não ocorre só por meio da eco-organização, mas também por meio da desorganização.

A eco-organização se faz, se mantém e evolui graças à combinação equilibrada de ordem e desordem, de harmonia e de conflito, de unidade e de diversidade. Diferentemente do que ocorre com a máquina artificial, que degenera com o acaso, com a desordem, com o erro, a organização viva depende também dessas forças para se autogerar e se reorganizar continuamente (PIVA, 2005, p. 64).

Piva (2005) diz que para Morin é necessário transcender o modo de pensar atual uma vez que o elo com o outro proporciona um compartilhamento de saberes e ao mesmo tempo tece críticas às especializações, acreditando que elas fragmentam o conhecimento. Aborda que a transdisciplinaridade possibilita uma comunicação entre as disciplinas e favorece a superação do modelo disciplinar atual, que privilegia a disjunção dos saberes. A transdisciplinaridade permite a articulação entre as diferentes disciplinas e as diferentes compreensões de mundo onde os alunos entram em contato com inúmeras ideias e conceitos é uma conjunção de conhecimentos.

[...] Mas se a transdisciplinaridade é desejada no pensamento complexo, pelos pesquisadores que se alinham com esta corrente paradigmática e por tantos outros que vêem a importância de se superar a fragmentação das ciências, ela parece ainda não ter sido alcançada. Uma tentativa de se minimizar a falta de comunicação entre as disciplinas é a idéia de “anéis conceituais”, que unem conceitos disjuntos num círculo virtuoso, onde cada conceito deve ser visto no processo de um anel retroativo e recorrente sobre

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os outros, preservando a relação de interdependência entre noções que a disjunção isola ou opõe [...] (PIVA, 2005, p. 67).

A autora comunga com a investigação realizada por Aline Viégas (2010) em sua tese intitulada “Educação Ambiental e Complexidade: Uma Análise A Partir Do Contexto Escolar”. Em seu trabalho ela analisa de forma detalhada as obras de Morin Método I e Ciência com Consciência, na qual por meio delas amplia o debate sobre o conhecimento da realidade superando a visão das ciências tradicionais. A teoria da complexidade cunhada por Edgar Morin e defendida por Viégas permite-nos entender a realidade de maneira mais ampla, com múltiplos olhares. A autora nos apresenta o conceito paradigmático de sistemas dentro da complexidade, na qual:

[...] a união da dimensão física da realidade com a dimensão humana se estabelece por um duplo polo: um, em que a compreensão das diversas dimensões da realidade como sistemas complexos pode possibilitar a compreensão de sistemas que englobem também a condição humana; outro, em que essa compreensão de objetos de pesquisa como sistemas complexos sempre estará atrelada às condições e às possibilidades de compreensão humana num contexto e num tempo históricos (VIÉGAS, 2010, p. 39).

Viégas explana também sobre a relação todo-partes em um sistema sociedade/natureza complexamente organizado e explicita que para Morin o todo é diferente da soma das partes, pois há uma transformação dos elementos que o compõem, não é algo estático. O intuito de Morin era entender o ser, a existência e a vida. Quando estuda as propriedades das partes separadamente, elas se dissolvem no sistema. Morin sempre inclui em seus debates a crise planetária, intitulada por ele de policrise, neste aspecto a EA que é uma dimensão da educação precisa agregar as inúmeras dimensões que compõem o sujeito e o mundo.

[...] o todo é diferente da soma das partes, ou seja, o todo é – ao mesmo tempo – menor, maior e diferente da soma das partes. Essa afirmativa se justifica a partir da ideia de transformação das partes quando participantes de um todo organizacional; se explica pelo conceito de que, nos sistemas complexos, existem tanto imposições (perdas) quanto emergências (ganhos) que modificam a expressão tanto das partes quanto do todo (VIÉGAS, 2010, p. 56).

Viégas (2010) fala do conceito de sistemas, levando em conta a realidade, incluindo a condição humana e tudo que é vivo. O mesmo possui como sua principal

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característica a capacidade de se equilibrar no desequilíbrio, que se analisado prezando o elo com o ambiente, que faz parte da pesquisa, concluiremos que o ecossistema apresenta inconstâncias, ele pode ser imprevisível. Incertezas nos acompanham e contradições fazem parte dos fenômenos, por isso não devem ser ignoradas. Existe uma ligação entre organização e a desorganização e elas podem dialogar, pois fazem parte da vida, duas coisas que são vistas como opostas acabam por organizar um sistema complexo.

Essa regeneração do conceito de sistemas (enquanto uma ordem organizacional) tem um caráter paradigmático, pois nos remete a conceber não mais as leis da natureza que determinam os fenômenos, mas a natureza das leis que se estabelecem através do jogo perpétuo entre ordem, desordem, interações e organização em um sistema complexo. Dessa forma, esse tipo de conceituação se abre para as diversas áreas do conhecimento humano na tentativa de conceber as realidades como sistemas complexamente organizados (incluindo as realidades físicas, biológicas e humanas em suas especificidades e suas inter-relações organizacionais) (VIÉGAS, 2010, p. 48).

Continuando sua análise, a autora apresenta a visão de sistemas como um novo paradigma, que inclui organização ativa, o anel retroativo e recorrente que permite a produção de si. Por meio de uma explicação densa e detalhada como define a própria autora, “[...] Reconhecemos, também, que este estudo traz desafios para o pesquisador, já que se localiza dentro de um plano teórico mais amplo, inacabado e, consequentemente, ‘esbarrando’ no desconhecido” (VIÉGAS, 2010, p.94). No entanto, devemos reconhecer a importância desse trabalho que busca discutir a educação socioambiental a partir das teorias morinana, na perspectiva da educação ambiental crítica e transformadora.

Apoiando-nos nas palavras de Edgar Morin, consideramos que na busca de uma compreensão do sentido da espiral – que hoje ainda é viciosa – insere-se esta pesquisa. Entendo que essa busca de compreensão não possui o intuito de encontrar ‘as causas’ desse ciclo vicioso e receitar soluções para o círculo virtuoso, mas sim o intuito de compreender o sentido da espiral, identificando as complexas relações e as determinações que a constituem, contribuindo para a ampliação de nossa compreensão diante da realidade socioambiental e identificando mais alguns elementos e algumas condições para a efetivação de uma práxis a partir de uma reflexão crítica radical que possa iniciar um ciclo virtuoso (VIÉGAS, 2010, p. 28).

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Paulo Freire, assim como Morin, pronunciava que o homem precisava assumir a sua condição humana, sua condição de ser político e incorporar-se ao mundo de maneira sensata, sendo capaz de dar um novo sentido a sua vida.

2.2 EDUCAÇÃO DIALÓGICA DA PERSPECTIVA FREIRIANA

Em Educação como Prática da Liberdade, Paulo Freire (1979) destaca o caráter existencial do homem, considerando-se a diferença entre viver e existir. Existir não seria apenas estar no mundo, mas integrar-se a ele, é não se ajustar ou se acomodar, mas construir uma atitude crítica que permita a transformação da realidade, é ter uma visão nova acerca de velhos temas, significa transcender, dialogar, comunicar. Todavia, a realidade em quaisquer dos mundos é outra: o homem simples é esmagado, diminuído e convertido em espectador, é dirigido pelo poder dos mitos que forças sociais poderosas criam para ele. Mitos que, voltando-se contra ele, o destroem, o aniquilam. Sentimentos assim assustam o homem, o qual passa a temer a convivência autêntica e até a duvidar de sua possibilidade de mudança.

O Brasil, desde o início de sua formação, recebeu colonos que exploraram, através do trabalho escravo, os nativos que aqui viviam e, em seguida, os negros africanos que eram maltratados e submissos aos senhores, a quem deviam total obediência. Dentro desta esfera de violência, mandonismo, dependência, "protecionismo", é que nasceu e se desenvolveu o homem brasileiro. Este cenário de cerceamento das liberdades não proporcionou a comunicação, pelo contrário, as decisões eram tomadas e impostas de maneira hierárquica, não havendo nenhum espaço para o exercício da democracia. O contexto histórico brasileiro não propiciou espaços para diálogo, porque não se poderia pensar em diálogo com a estrutura do grande domínio, com o tipo de economia que o caracterizava, marcadamente, autárquica. A dialogação implica, pois, uma mentalidade que não floresce em áreas fechadas, autarquizadas. Estas, pelo contrário, constituem um clima ideal para o antidiálogo. Para a verticalidade das imposições, para a ênfase e robustez dos senhores, para o mandonismo, para isso tudo serve bem o antidiálogo (FREIRE, 1979).

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Freire (1979) ressalta que o período colonial foi marcado por um acentuado poder advindo dos senhores das terras, dos governadores-gerais, dos capitães-gerais, dos vice-reis e dos capitães-mores. A quantidade de terras para administrar era imensa, o que dificultou o desenvolvimento de aglomerações urbanas, fato que inviabilizou a participação popular na gestão produzindo posições antidemocráticas que nos caracterizam até hoje.

Este contexto histórico demanda uma reforma imediata e total no processo educativo, o qual necessita extrapolar os limites estritamente pedagógicos. Necessitamos de uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política.

Em um salto histórico, a educação começa a mudar as suas bases. Urge a importância do educador brasileiro para a sociedade no que diz respeito ao "planejamento", pois a educação precisa ser crítica e criticizadora, levando à passagem da transitividade ingênua à transitividade crítica. A transitividade ingênua representa a consciência inocente, simples, de indivíduos que se posicionam diante dos fatos sem criticá-los, pois ele se encontra envolto por uma ideologia dominante que o impede de ver além, de perceber as intencionalidades e o mecanismo de funcionamento de um sistema econômico cujos pilares são a exploração do homem pelo homem. A transitividade crítica é quando o indivíduo possui consciência crítica que o torna capaz de avaliar, diagnosticar e analisar problemas que o atingem, ou não. Temos a urgência de uma educação que possibilite ao homem a discussão corajosa de sua problemática e de sua inserção nesta problemática.

Logicamente que, para atingir esse objetivo, a educação precisa se desvincular da memorização, do decorar de trechos, das afirmações sem relação entre si, da transmissão de conhecimentos. É preciso criar uma atmosfera em que diante dos problemas apresentados, ocorra a possibilidade de mudança de atitude, de efetiva participação do educando, para que ele tenha condições de realizar análises e intervenções.

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O autor destaca que o grande desafio das novas condições de vida brasileira não seria somente a superação do analfabetismo, mas especialmente a superação da sua inexperiência democrática. O Brasil tem pouco tempo de democracia se comparado a outros países do mundo como Estados Unidos e França, estamos aprendendo a ser democráticos e isso nos impossibilita de termos uma participação verdadeira nas decisões que incidem mudanças na vida em sociedade. Quando somos democráticos respeitamos o direito de todos(as), suas necessidades, suas diferenças culturais e ao Estado de direito se consolida.

Uma parcela significativa da população não conhece os seus direitos e não são respeitados em sua integridade, já que sempre há grupos que querem diminuí-los e reduzi-los a "coisas", "objetos". Por não possuírem a criticidade para combaterem a tirania e a humilhação, nutrem um sentimento de inferioridade que foi criado desde sua infância. "A nossa cultura fixada na palavra corresponde à nossa inexperiência do diálogo, da investigação, da pesquisa que, por sua vez, estão intimamente ligados à criticidade, nota fundamental da mentalidade democrática" (FREIRE, 1979, p. 96).

Freire (1979) sempre defendeu que os educandos tinham que ser sujeitos de seu processo de ensino e aprendizado, por isso, discutia, e elencava, com seus alunos, assuntos que eles gostariam de debater.

Freire (1979) contextualizava os conteúdos para que os educandos pudessem identificar elementos que faziam parte de sua realidade, de seu dia a dia. Questionava o que era cultura e, no diálogo estabelecido com os alfabetizandos, estes se viam como produtores dessa cultura. Isso significava a entrada do ator social no processo educativo e sua afirmação como partícipe do devir cultural. Homem como produtor e como produto da cultura. "A partir daí, o analfabeto começaria a operação de mudança de suas atitudes anteriores. Descobrir-se-ia, criticamente, como fazedor dêsse mundo da cultura" (FREIRE, 1979, p. 109).

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Esse foi um momento ímpar, mas havia um longo caminho a ser percorrido, afinal, as demandas eram imensas e os avanços ocorrem de maneira lenta. Temos que persistir na luta pela libertação.

Em Educação e Mudança o debate acerca do papel da educação na formação da cidadania ganha fôlego maior. Neste livro, o autor propõe uma análise das possibilidades existentes no sistema educacional para efetivação de um processo de mudança da sociedade, sociedade esta, dominada pela classe burguesa. As discussões iniciam pelo conceito de compromisso, de ser profissional e do conceito de sociedade. O autor deixa evidente a necessidade de se estabelecer um compromisso entre o professor e a sociedade, já que a educação está inserida em um contexto social e o currículo e a maneira como a educação está estruturada busca a atender aos interesses da classe dominante. Essa lógica demanda do professor um comprometimento, como sendo uma "primeira condição para que ele possa se assumir como agente de mudança, capaz de levar seu aluno a agir e a refletir" (FREIRE, 2011).

A relação do professor com a sociedade revela um ato de ação e reflexão sobre o mundo que pode ser implementada por um ser de verdade, conhecendo o contexto em que atua. "Assim como não há homem sem mundo, nem mundo sem homem, não pode haver reflexão e ação fora da relação homem-realidade [...]” (FREIRE 201, p. 20). Isso significa que o compromisso assumido com o mundo, com a humanização do homem exige que o professor mergulhe na realidade em que atua para que possa conhecê-la. Essa ação precisa ser verdadeira, corajosa, decidida e consciente. O professor como agente de mudança não pode ser indiferente aos acontecimentos, mas assumir posições. Porém, existem os homens que se denominam neutros já que,

[...] a neutralidade frente ao mundo, frente ao histórico, frente aos valores, reflete apenas o medo que se tem de revelar o compromisso. Este medo quase sempre resulta em um "compromisso" contra os homens, contra a sua humanização, por parte dos que se dizem neutros. Pessoas assim estão comprometidas consigo mesmos, com seus interesses ou com os interesses dos grupos aos quais pertencem. E como esse não é um compromisso verdadeiro, assumem a neutralidade impossível (FREIRE, 2011, p. 22-23).

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O compromisso não é algo passivo e sim práxis, resultado de ação e reflexão sobre os fatos que ocorrem de uma maneira dinâmica, enfatizam a importância de conhecer a realidade em sua totalidade. Desse ponto de vista, é impossível fazer uma reflexão sobre educação sem refletir sobre o próprio homem. Para Freire (2011), existe na natureza humana alguma coisa que funciona como o pilar sobre o qual se mantém o processo de educação. Esse pilar seria o inacabamento ou a inconclusão do homem.

O cão e a árvore também são inacabados, mas o homem se sabe inacabado e por isso se educa. Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. O homem pergunta-se: Quem sou? De onde venho? Onde posso estar? O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta autorreflexão, pode descobrir-se como ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação (FREIRE, 2011, p. 33-34).

A educação é um sistema de caráter permanente e o homem está continuamente aprendendo. Mas isso não significa que ele seja um ser ignorante. As pessoas possuem saberes diferentes, os quais não podem ser julgados a partir de um juízo de valor. “[...] Portanto, não há saber nem ignorância absoluta: há somente uma relativização do saber ou da ignorância" (FREIRE, 2011, p. 35).

O professor tem um papel fundamental no contexto escolar, visto que é ele quem organiza, planeja e medeia o processo educativo. É prudente que o mesmo não desconsidere a pluralidade e a cultura que permeiam suas salas de aula. Diferentes saberes de diferentes culturas exige do professor a concepção de ser intermediador que não pode se colocar na posição de superior que ensina a um grupo de ignorantes, mas sim na posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outro saber relativo (FREIRE, 2011). Isso demanda compreender que não há educação sem amor, pois é necessário haver respeito e compreensão pelo próximo, interação e diálogo em oposição à imposição. Para educar é preciso ter esperança, já que o inacabamento do homem leva a uma constante busca e quando estamos em busca de algo, ou de respostas, temos a esperança de que a mudança pode acontecer.

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