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SALISBURY, J E Pais da Igreja, Virgens independentes São Paulo: Scritta, 1995, p 41.

Agostinho e as representações de gênero nas missivas às mulheres da

22 SALISBURY, J E Pais da Igreja, Virgens independentes São Paulo: Scritta, 1995, p 41.

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No decorrer dos anos 411 e 412, Agostinho escreveu a carta 130 – Ad

Probam, sobre a vida de oração.23 O Hiponense, em resposta ao pedido

dessa matrona romana, a remeteu essa missiva para esclarecimento e aprofundamento religioso a respeito dessa temática. Destarte, o bispo Agostinho se mostrou muito entusiasmado pelo contato dessa aristocrata romana24 e colocou sua erudição a serviço dessa viúva consagrada.

Verifica-se que a missiva Ad Probam foi elaborada repleta de argumentos teológicos, filosóficos e citações dos textos sagrados cristãos. De modo igual, o bispo Agostinho se manifestou, nesse trabalho, como um notável comentarista bíblico, pois necessitava exteriorizar que era uma autoridade cristã e célebre especialista na arte das palavras, ou seja, um hábil retórico cristão.

Nessa epístola, Agostinho de Hipona compreendeu que o mencionado apelo da matrona cristã Proba foi um gesto de humildade de uma mulher da aristocracia romana. Assim, disse-nos:

Pode causar estranheza o que sendo, segundo esse século, nobre, rica, mãe de uma numerosa família, viúva no século ainda não desamparada, passou a ocupar teu espírito e a dominar nele a preocupação de orar; entretanto é porque prudentemente ela entende que nesse mundo e nessa vida não existe alma que possa viver segura.25

O bispo de Hipona representou essa matrona como uma mulher modesta e simples, mesmo de uma condição social elevada na sociedade romana. Membro de um alto estrato social romano e de uma família historicamente prestigiosa, Proba dirigiu uma solicitação a um clérigo católico para que fossem dados a ela os devidos esclarecimentos religiosos. Então, a modéstia era um de muitos atributos que foram idealizados para essas mulheres abastadas de Roma, mesmo sendo cristãs.

Outrossim, em Agostinho, a viúva dedicada cristã, mesmo perante a angústia da perda do esposo, teria de governar devotamente sua morada. Nestes termos, descreveu-nos que: “uma viúva desprotegida, embora

23 Em síntese, a epístola 130, à matrona Proba, foi um ensinamento agostiniano em torno da oração cristã. MATTER, E. A. Mujeres... Op. cit., p. 917.

24 O bispo de Hipona, nessa epístola, descreveu seu sentimento ante a petição de Proba: “Não posso exprimir com palavras o gozo que me causou teu pedido” AGUSTÍN, S. Carta 130. In: Idem.

Obras de San Agustín. Cartas (2º). v. XI. Edición bilingüe. Preparada por Lope Cilleruelo. Madrid:

Biblioteca de Autores Cristianos, 1953, 1, 1. 25 AGUSTÍN, S. Carta 130... Op. cit., 1, 1.

tendo muitos filhos e netos, leve piamente sua casa, procurando que todos

os teus coloquem suas esperanças em Deus”.26

Ainda que esteja sem a presença de seu esposo falecido, no ambiente de sua residência, em Agostinho de Hipona, a viúva cristã abastada tinha de manter suas atribuições domésticas – provenientes da hierarquia patriarcal – e, portanto, não estaria livre dessas responsabilidades e tampouco poderia repudiá-las, porque eram atividades típicas das mulheres notáveis romanas com considerada honradez e prestígio social.

A viúva, modelo para as cristãs, para Agostinho de Hipona, tinha de evitar as realidades mundanas – riquezas, deleites corporais etc – e viver com desprendimento. Desse modo, escreveu-nos:

Se a viúva vive nessas delícias, quer dizer, se ela vive nelas e apega-se a elas pelo prazer do coração, mesmo vivendo estará morta. Por isso muitos santos e santas as evitaram por diversos meios; dispensaram pelas mãos dos pobres essa mesma riqueza que é como a mãe das delícias. A transladaram com maior certeza aos tesouros celestiais. Se tu não repartes porque se encontra ligada a uma obrigação familiar, bem sabes que terás que dar contas dela a Deus.27

Essas delícias referidas aqui pelo bispo Agostinho eram aquelas associadas às riquezas humanas e aos prazeres corporais, aludidas pelos textos bíblicos conferidos a Paulo.28 Conforme o Hiponense, a matrona

cristã tinha de estar desapegada dos deleites humanos e de suas fortunas, sendo benevolente, exercendo a caridade e fraternidade cristã com aqueles que mais tinham necessidades materiais e temporais.

Por último, nesse trecho epistolar, verificamos que o bispo de Hipona realizou uma tentativa de controle do patrimônio dessa notável cristã abastada, por meio daquilo que acreditamos ser uma estratégia de persuasão, por meio do medo futuro ante a divindade, numa tentativa de causar pavor e pânico em Proba (e em seus leitores). Consequentemente, Agostinho fez uso das seguintes palavras, para essa matrona cristã: “Se tu não repartes porque se encontra ligada a uma obrigação familiar, bem

sabes que terás que dar contas dela a Deus”.29

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26 AGUSTÍN, S. Carta 130... Op. cit., 2, 5. Grifo nosso. 27 Ibidem, 3, 8.

28 Cartas aos Romanos, Coríntios, Efésios e a Timóteo – particularmente o trecho: “mas a viúva que só busca prazer, mesmo se vive, já está morta” (1 Timóteo 5, 6).

Entre os anos 413 e 414, o bispo Agostinho remeteu às matronas Proba e Juliana a carta 150 – Ad Probam et Julianam. Nessa missiva muito breve, concisa e escrita na sua sede episcopal, Agostinho de Hipona enviou seus cumprimentos para essas aristocratas romanas pela celebração litúrgica da imposição do véu e consagração da virgindade de Demeatríades e, de maneira igual, agradeceu pelo presente recebido depois dessa cerimônia cristã, chamado de apophoretum30 – gênero epistolar: epístola-mensagem.

Essa missiva foi uma oportunidade de aproximação de Agostinho de Hipona com as representantes dos altos grupos sociais de Roma e de obter apoio dessas mulheres notáveis e influentes do Mundo Tardo Antigo – as matronas da Antiguidade cristã. Portanto, entendemos que o bispo de Hipona, com um objetivo e jogo retórico, teceu inúmeros elogios a essa família e, em pormenor, à consagração dessa moça como virgem cristã perpétua.

Salientou o bispo Agostinho, nessa carta, nestes termos:

Haveis enchido meu coração de gozo [...]. Alegre-se, pois, a dama, nobre por sua linhagem e mais nobre por sua santidade, porque irá conseguir nos céus uma excelsa vantagem por sua união com Deus, muito mais que se propagasse uma sublime linhagem por sua união com um homem. Mais generosidade se tem mostrado pela posteridade dos Aniciana (Anicii) ao glorificar a tão ilustre família com a abstenção das bodas que se multiplicasse com novos filhos [...]. Maior e fecunda felicidade é o superar pela mente que

suportar o embaraço do ventre, a pureza do coração que o leite do peito, dar à luz ao céu do que dar a luz ao mundo [...]. Senhoras e filhas, dignas em

honras, [...]. Que ela persevere até o fim, unida em matrimônio que não terá

fim. Imitem muito as escravas a sua senhora, as plebeias as nobres, aquela que é fragilmente excelsa a que é mais seguramente humilde; as virgens que desejam a linhagem nobre escolham a santidade. [...] se unirdes com Cristo, obterão no momento oportuno. Os proteja e conservem santas a direita

do Altíssimo, senhoras e filhas digníssimas de honras. Saúdo com o amor do Senhor e pela obrigação devida aos vossos méritos, aos filhos de vossa santidade e de uma especial a que se tem destacado pela santidade.31

O Hiponense nos narrou, nesse escrito, a excelência da prática da virtude virginal para que o gênero feminino se torne nobre e tenha notoriedade naquela sociedade. Para Agostinho de Hipona, as mulheres de uma categoria

30 Atestou Agostinho, com estas palavras, a respeito da lembrança recebida: “Velationis apophoretum gratissime accepimus”. Então, salientamos ainda que o apophoretum era típico nas celebrações religiosas politeístas das Saturnais, pois os romanos davam presentes aos convidados dessas festividades e, por sua vez, os cristãos converteram esse costume e inseriram nas suas celebrações religiosas. AURELII AUGUSTINI, S. Epistolæ. In: MIGNE, J. P. Patrologiæ Latina. Tomus XXXIII. Paris: Ecclesiasticæ Ramos, 1845, p. 61-1094, CL, I.

31 AGUSTÍN, S. Carta 150. In: Idem. Obras de San Agustín. Cartas (2º). v. XI. Edición bilingüe.