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TOMÁS DE AQUINO Suma Teológica Op cit.

A estigmatização do feminino na antiguidade e no medievo

39 TOMÁS DE AQUINO Suma Teológica Op cit.

Podemos encarar os artigos como “unidades moleculares” de estruturas constantes.41

Podemos compreender que as questões são codificadas do seguinte modo:

Enunciado do tema em forma de debate. Daí que os títulos comecem pela palavra utrum, ‘se’ [...] Tomás começa por apresentar objeções contra o que vai ser sua própria tese. A introdução de cada objeção também se faz por enunciado constante: Videtur quod non..., ‘parece que não...’ [...] Feito esse breve enunciado, Tomás vai enumerando as objeções - digamos, quatro - a seu pensamento. Objeções por vezes tomadas à autoridade da S. Escritura, dos Padres da Igreja, dos filósofos, etc. ou concebidas pelo próprio Tomás. [...] Antes de fazer a sua própria exposição sistemática (que será o corpo do artigo), Tomás oferece ao leitor uma breve primeira resposta, em geral invocando alguma autoridade - Sagrada Escritura, Aristóteles (‘o filósofo’), Agostinho etc. - e com formulação inicial também fixa: Sed contra... ‘Mas, pelo contrário...’ É este o momento em que Tomás começa, ainda que brevemente, a defender a sua tese: até aqui, tudo eram objeções [...] O corpus é, em geral, a parte mais importante e

longa do artigo. No corpus, Tomás expõe ordenadamente seu pensamento deixando as respostas particulares a cada objeção para a parte seguinte.

A fórmula inicial constante do corpus é: Respondeo dicendum, respondo que se deve dizer... [...] Finalmente, as respostas a cada uma das objeções do começo. A fórmula introdutória constante é: Ad n ergo dicendum... Contra a objeção nº tal...42

Mediante a estruturação colocada acima, podemos agora partir para uma análise mais pormenorizada da questão em que podemos ter uma melhor compreensão do pensamento do Aquinate em relação a mulher. Devemos salientar que essa não é a única questão que podemos encontrar as proposições tomistas no que concerne ao feminino, mas é a primeira em que ele começa a falar sobre ela.

Um ponto interessante que observamos é que ela, diferente do homem, não tem um tratado que fale somente sobre ela. A mulher é sempre colocada em um espaço anexo ao do varão. Isso porque para Aquino não havia dois sexos, mas somente um, o homem. A mulher é o macho que não nasceu perfeito.

Na Questão 92 – Da produção da Mulher — no tratado sobre o Homem, situada na primeira parte – prima pars — da Suma Teológica, Tomás de Aquino expõe em quatro artigos, sua teoria de como a mulher foi feita e o porquê. Em linhas gerais, ele defende que a mulher é um ser incompleto/ imperfeito em relação ao homem, mas é preciso salientar, que ao longo de

41 LAUAND, J. Aspectos do Ensino na Filosofia da Educação de Tomás de Aquino- A Memória e o Concreto. [s. l.]. 2004, p. 9. Disponível em: <http://www.hottopos.com/rih8/jean.htm>.notas de conferência proferida no I Colóquio Filosofia e Educação - “Educação e Educadores”, Feusp.

toda a obra, ele irá reforçar e acrescentar outros aspectos que ratificam a posição de inferioridade da mulher.

No corpus do primeiro artigo — Se a mulher deveria ter sido produzida

na primeira produção das coisas — Aquino argumenta que:43

Era necessário que a mulher fosse feita para adjutório do homem. Não, certo, adjutório para qualquer outra obra, como alguns disseram; pois, nisso o homem pode ser ajudado, mais convenientemente, por outro homem, do que pela mulher; mas para adjutório da geração.44

Percebemos que para Tomás de Aquino a mulher possuía a função primordial de ajudar na geração da prole, pois para todo o resto, era preferível a ajuda de outro homem a de uma mulher. Ainda no mesmo corpus é explicitado que o sexo masculino não deve se unir o tempo todo ao feminino, mas somente no coito com o intuito de gerar a prole. Nesse momento macho e fêmea são um só. Mas é no homem que há uma operação vital mais nobre que é o inteligir, por isso ele é superior a ela no ato da procriação, porque ele é perfeito e somente criaturas perfeitas geram seres perfeitos.

A primeira objeção, baseada nas concepções aristotélicas sobre a geração das espécies, afirma que a mulher não poderia ter sido criada na primeira produção das coisas. No entanto, em resposta, Aquino fala que:

Na natureza particular, a fêmea é um ser deficiente e falho. Porque a virtude ativa, que está no sêmen do macho, tende a produzir um ser semelhante a si, do sexo masculino [...] Mas, por comparação com a natureza universal, a fêmea não é um ser falho, pois está destinada, por intenção da natureza, à obra da geração. Ora, a intenção da natureza universal depende de Deus, universal autor da mesma. Por isso na instituição desta produziu não só o macho, mas também a fêmea.45

O Aquinate afirma que pela natureza universal das coisas que dependem de Deus, ela é necessária para a obra da geração.46 Então ela tinha sim que

ser criada junto com as primeiras coisas feitas por Deus.

Na segunda objeção, tendo como respaldo as argumentais bíblicas do livro de Gênesis e em Gregório – papa — é afirmado que a mulher não deveria ter sido produzida na primeira criação, antes do pecado.

43 Nossa fonte usa a palavra solução para o corpus da questão, que como já expressado, é a resposta principal que ele dá ao enunciado.

44 TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica... Op. cit., q. 92, a. 1, sol. 45 Ibidem, q. 92, a. 1, resp. 1 obj.

46 Mas apesar da mulher ser fundamental em tal tarefa, Aquino no Tratado da Caridade, Questão 26, artigo 10, defende que: “devemos amar mais ao pai que à mãe. Pois, a esta e aquele amamos como os princípios da nossa origem natural. Pois o pai realiza a noção de princípio de maneira mais excelente que a mãe, por ser princípio ao modo de agente ao passo que a mãe o é, a modo de paciente e matéria. Logo, absolutamente falando, devemos amar mais ao pai”. Ibidem, IIa-IIae, q. 26, a. 10.

Em resposta Tomás de Aquino se utiliza de uma retórica interessante para afirmar que não. Ele defende que há dois tipos de sujeição, uma que foi produzida depois do pecado e outra que foi cunhada antes desse. A primeira é a servil, em que o superior se utiliza do seu serviçal. A outra que é econômica e civil, essa possui uma submissão – entre superior e inferior – quase que paternalista. Nessa o chefe – superior na relação — é racionalmente mais hábil, por isso, para o bom ordenamento social ele tem o direito e o dever de governar os mais fracos.

E o Aquinate afirma que: “assim, por essa sujeição, é que a mulher é naturalmente dependente do homem; porque este tem naturalmente maior discrição racional”.47 Isso reforça a ideia de que a mulher não deveria ser

subserviente ao varão somente por sua constituição física, mas também porque ela era possuidora de uma certa debilidade mental, não saberia se governar sozinha, o que causaria uma desordem social.

Por mais ofensivo que possa parecer – e é — temos que ter em mente que os homens da Idade Média acreditavam em tudo o que foi até aqui argumentado, que como a mulher havia sido feita depois do homem, de um material retirado do corpo dele, logo, ela deveria ser submissa a sua matéria-prima, tendo em vista que ele é o gerador dela. E, por essa condição, ela não era a intenção primeira da Natureza, mas sim a segunda, possuía uma racionalidade vacilante e tinha que ser subserviente ao seu senhor, pois devemos lembrar que segundo a concepção cristã, foi uma mulher a responsável pela expulsão do primeiro Homem do paraíso.48

Na terceira objeção, do mesmo artigo, é exposto que: “Devem–se evitar as ocasiões do pecado. Ora Deus tinha presciência que a mulher havia de ser, para o homem, ocasião de pecado. Logo, não devia tê–la produzido”.49

A essa, Aquino responde que se Deus retirasse do mundo tudo aquilo que faz o homem pecar, o mundo seria imperfeito. E ele não faz nada que não seja perfeito, se assim não quiser. E não tiraria o bem comum – a mulher — para evitar o mal particular. Além disso, Deus é tão poderoso que se quiser, pode fazer o mal se transformar em bem.

No enunciado do segundo artigo, da mesma questão 92, é questionado se a mulher deveria ter sido feita do homem. Para responder a isso, Tomás de Aquino faz três objeções. A primeira coloca que a mulher não deveria ter sido feita do homem; a segunda afirma que seres da mesma espécie são