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SE ACHO INTERESSANTE, APRENDO, E ACHO CHATO, NÃO

No documento Voce Sabe Estudar_ - Claudio Moura Castro (páginas 153-158)

trabalhos dos seus alunos.

B. SE ACHO INTERESSANTE, APRENDO, E ACHO CHATO, NÃO

Nos últim os anos, cresce a quantidade de estudos m ostrando facetas interessantes do processo de aprendizagem , bem com o técnicas úteis para aprender. De fato, esse é o nosso tem a. Nesta seção, falarem os de algo que fica pairando no ar, acim a dessas técnicas. Mas, nem por isso, é algum a coisa diáfana e difícil de entender. Pelo contrário, pode parecer até óbvio dem ais. Já está quase tudo dito no título.

Aprendo mais e melhor sobre os assuntos que me interessam.

Quando torço o nariz para algum outro tem a, m au sinal, terei dificuldades para aprender. Em geral, levo m ais tem po e a lição não desce goela abaixo. Se gosto de física e detesto quím ica, esta será m ais árdua.

Os estudos sobre o im pacto do interesse sobre o aprendizado m ostraram vários resultados bem úteis.

QUANDO TENHO INTERESSE:

(1) Meu raciocínio se torna m ais claro

(2) Com preendo o assunto com m ais profundidade

(3) Quando tento m e lem brar, as ideias são m ais precisas

(4) Quanto m ais sei sobre o tem a, m aior será a m inha curiosidade; de fato, quero saber m ais

Esses quatro argum entos sugerem que estam os diante de um a força m uito poderosa que está dentro de nós: o interesse. Quando ele está presente, tudo de bom ocorre. Se falta, vam os tropeçar no cam inho ou ter de ralar com grande desprazer.

Depois de j ogar tanto confete sobre o interesse, não será m uita surpresa se descobrirm os que tendem os a nos sair m elhor quando estudam os algum conteúdo que incendeia nossa curiosidade, que nos atrai.

De fato, quando os pesquisadores j ogam no caldeirão do com putador nosso nível de preparo, nossa inteligência e outros fatores, o interesse conta m ais sobre todos os outros. Ele é o principal determ inante de quem aprende e quem não aprende. Observou-se que alunos vivam ente interessados no tem a tiram notas m elhores do que outros m ais brilhantes ou m ais “CDFs”.

O problem a é com o adquirir esse interesse fulgurante, que nos leva a exceder em determ inado assunto? Seria bom se houvesse um a fórm ula m ágica, um a pílula. É querer dem ais. Contudo, há cam inhos, há truques, há fatores e circunstâncias que aum entam o interesse pelos assuntos que precisam os estudar. Algum as dependem de aspectos que pouco controlam os, m as há segredos para desenvolver esse interesse por conta própria.

Prim eira constatação útil:

O INTERESSE E A PAIXÃO SÃO CONTAGIANTES.

Pega em quem passa perto, com o saram po ou resfriado.

Tom em os dois ícones da m odernidade, os dois Steves da Apple. O pai de Steve Wozniak era engenheiro eletrônico e atraiu cedo o filho pelos condensadores, resistores e transistores. O padrasto de Steve Jobs era um m ecânico perfeccionista. Com ele, aprendeu a apreciar os detalhes. Em am bos os casos, as paixões paternas contagiaram os filhos.

A fam ília de Bach teve dezenas de m úsicos ilustres. A m úsica estava entranhada no seu cotidiano. Já a fam ília de Gauss teve nove m atem áticos destacados. Não houve m úsicos na fam ília Gauss, – nem m atem áticos na fam ília Bach. E não foi por acaso.

Meu avô era historiador. Ouvindo narrar suas pesquisas, conheci a aventura fascinante de desvendar os segredos da história. A doença pegou. Cada vez m ais gosto de história, em bora não sej a essa a m inha ocupação. Mais adiante, m e apaixonei por eletrônica, por frequentar a casa de um vizinho que m ontava rádios.

Naturalm ente, o caso m ais com um é o contágio pelos professores inspirados e fascinados pelo que ensinam . Quantos alunos não definem seus futuros ao sentir a em oção com que m estres tratam seus assuntos preferidos? Por trás de um bom núm ero de cientistas está seu grande m entor ou orientador. Aliás, um quarto dos ganhadores do Prêm io Nobel tiveram professores tam bém agraciados com a m esm a honraria. Entre nós, o grande geneticista brasileiro, Warwick Kerr, deixou discípulos m otivados por onde passou.

Volto à m inha biografia. Fazia m eu doutorado em Berkeley e, em um curso de desenvolvim ento econôm ico, um professor brilhante deu duas aulas sobre educação e com o poderia ser estudada usando as ferram entas da econom ia. Ao térm ino da segunda aula, decidi que ia m e dedicar às pesquisas na educação, deixando de lado a econom ia. E assim fiz. Curioso notar, pouco depois, esse m esm o professor, Am arty a Sen, recebeu seu prêm io Nobel. Contágio é isso!

Na prática, não escolhem os nossa fam ília e pouca escolha tem os sobre nossos professores. Mas é possível se aproxim ar de gente que tem paixão pelo assunto que nos aborrece. Penso em um piloto, am igo m eu, j á passado bastante da idade de se aposentar, m as que continuava voando. Depois de algum as taças de vinho, com entava com espanto: “Claudio, im agina, eles pagam para a gente voar”. Obviam ente, voaria de graça ou pagaria, se fosse necessário.

Temos que encontrar apaixonados pelos assuntos que achamos chatos.

Se não encontram os alguém para nos contagiar, tem os de descobrir o interesse intrínseco do assunto. Um a estratégia curiosa é buscar perguntas interessantes sobre o tem a. Até m esm o perguntas atrevidas, controvertidas ou estapafúrdias. Ao entender o tem a, verem os as perguntas respondidas. Tom em os alguns exem plos.

Estudando a Inconfidência Mineira, podem os pescar a tese de um historiador, duvidando sobre a existência real de Tiradentes. O que vam os ler sobre esse m om ento da história para esclarecer essa dúvida? Os Autos de Devassa esclarecerão algo? Quais situações, docum entos ou fontes de referência

negam a hipótese? Quais são com patíveis com ela?

Im aginem os um a situação com um . O professor m andou ler um livro de Machado de Assis, escrito há um século. Logo pensa o aluno: o que poderia haver de interessante na descrição de um Rio de Janeiro atrasado e provinciano? Pensem os diferente. Se, cem anos depois, centenas de m ilhares de pessoas continuam lendo esse livro, é im possível que não tenha valor. Folheando, um parágrafo aqui e outro acolá, perguntem os o que o torna im ortal? Por que foi traduzido para tantas línguas? Por que esse livro sobreviveu e não centenas de m ilhares de outros, publicados desde então? Com eçando a estudar ótica, podem os nos perguntar por que um a lente perm ite incendiar um papel em um dia de sol? Que m ágica aconteceria naquele pedaço de vidro que transform a a luz do sol em fogo?

Lim ites, derivadas e integrais! Isso lá é assunto? Não será tratam ento para insônia?

No século XVII, Newton era a m ais extraordinária figura da ciência inglesa. Na Alem anha, a m esm a posição tinha Leibniz. Am bos desenvolveram , ao m esm o tem po, os conceitos de lim ites, derivadas e integrais. E passaram grande parte da vida reivindicando sua autoria e intrigando contra o rival. Seus egos gigantescos faziam com que se odiassem m utuam ente, sem qualquer cerim ônia ou discrição. Parece razoável acreditar que, para revolucionar o m undo da ciência, tais ideias tinham que ser m uito poderosas. E eram . Tanto que perm anecem com o ferram entas insubstituíveis na física e na engenharia. Em vez de com eçar com o aborrecido livro-texto de física, por que não ler sobre a vida dos dois, suas querelas e aonde queriam chegar?

Há peças teatrais m esclando tem as de ciência com os dram as hum anos. A peça Copenhagen, rigorosam ente histórica e cientificam ente correta, gira em torno de um a visita que o físico Eisenberg fez ao seu antigo orientador, Niels Bohr. Liderando o proj eto da bom ba atôm ica alem ã, em m eio à guerra, foi visitar Bohr na Dinam arca, m ilitarm ente ocupada. Saíram am bos da conversa com o se tivessem visto um a assom bração. Que conexão haveria entre essa viagem extem porânea e o erro que Eisenberg com eteu, superestim ando a m assa crítica para um a explosão nuclear? Que gancho m aravilhoso para entender a noção de m assa crítica em artefatos nucleares!

Na verdade, estam os diante de um princípio relevante do processo de aprendizagem .

QUANDO ESTUDAMOS UM ASSUNTO, IMBRICADO COM A VIDA DAS PESSOAS QUE O INVENTARAM OU O FIZERAM CRESCER, FICA TUDO MUITO MAIS INTERESSANTE.

As paixões e os ódios m esclam -se com o processo de criação. E, voltando ao início desta seção, em oção e interesse são prim os em prim eiro grau.

No documento Voce Sabe Estudar_ - Claudio Moura Castro (páginas 153-158)