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3.2 Intervenções sobre Eventos

3.2.3. Segunda Guerra do Golfo

Entretanto, o embargo comercial e as sanções decretadas pela ONU no que respeita ao Iraque depois da guerra do Golfo, os bombardeamentos periodicamente executados pelos Estados Unidos no território iraquiano e definidos pela Santa Sé em 1999 como agressões, constituíram medidas com graves efeitos sobre as populações civis329.

A duradoura e forte tensão entre Israel e palestinianos, com o recurso destes últimos à intifade; o degelo com Cuba, que o Papa tinha começado com a sua viagem à ilha em 1998, e que não era prosseguido pelos Estados Unidos; os contrastes recorrentes sobre as práticas de contraceção encorajadas no terceiro mundo pelos Estados Unidos e pela ONU, os não

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Veja-se sobre este problema G. MATTAI - B. MARRA, Dalla guerra all´ingerenza umanitaria, Società Editrice internationale, Torino 1994, 105ss., e o artigo de C. MONTCLOS, «Le Saint-Siège et l`ingérence humanitaire», Études 380/5 (1994) 581-590.

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A viagem à Croácia aconteceu entre 2 e 4 de outubro de 1998, a beatificação do cardeal de Zagabria Alojzije Stepinscque teve lugar a 3 de outubro. Vejam-se os discursos do Papa nesta ocasião in insegnamenti di Giovanni

Paolo II, 21/2, 1998, 625-669.

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Vejam-se entre outros, o discurso do Papa em língua francesa ao corpo diplomático de 11 de janeiro, Ibidem, 22/1, 1999, 37.

96 escutados apelos do Papa para suspender execuções de condenação à morte nos Estados Unidos, os temores por aquilo que se tornava definitivo, o crescente unilateralismo americano nas iniciativas e nas decisões a nível internacional, mantinham, muito alto, o nível de tensão entre a Santa Sé e os Estados Unidos.

A viagem do Papa ao grande país americano em janeiro de 1999 e o encontro com Clinton, presidente democrático e, portanto, aos olhos do Papa, mais representativo daqueles aspetos da cultura americana que o Papa deprecava, constitui um sinal revelador, nos usuais termos diplomáticos.

No discurso tido em St. Louis diante do presidente a 26 de janeiro, o Papa colocava a América diante de uma escolha epocal entre a «cultura da morte» que João Paulo II via prevalecer e a «cultura da vida», pronunciando-se contra toda a guerra e cada forma de violência, entre as quais a pobreza e a fome330.

Depois do atentado das Twin Towers de 11 de setembro de 2001, o Papa temeu por uma catástrofe que podia desencadear-se por causa dos Estados Unidos, e, a 14 de setembro, numa saudação ao novo embaixador americano junto da Santa Sé, Nicholson, exortou os Estados Unidos a exercitar a sua lucidez e força moral para reconhecer que a crise espiritual que as democracias ocidentais estão a viver está ligada ao afirmar de uma conceção materialista e desumana da vida331.

Depois do início dos bombardeamentos e invasão do Afeganistão em outubro de 2001, o Papa pronunciou-se contra o terrorismo e cada forma de violência na mensagem enviada para o dia mundial da paz, no primeiro de janeiro de 2002, mensagem na qual se sublinha que não há paz sem justiça e não existe justiça sem perdão, e promove uma segunda jornada de oração inter-religiosa em Assis, depois da de 1986, para rezar pela paz. Dizia o Papa: «Nunca mais a violência! Nunca mais a guerra! Nunca mais o terrorismo! Em nome de Deus cada religião traga para a terra justiça e paz, perdão, vida e amor»332.O mundo católico tinha-se dividido, mas uma parte consistente tinha-se declarado contra a guerra do Afeganistão.

O duro contraste entre a Santa Sé e os Estados Unidos eclodiu entre os últimos meses de 2002 e os dias dramáticos vividos em 2003. O Papa e a Santa Sé defrontam-se primeiro na preparação, depois no início de uma guerra que entrava numa tipologia diferente de todas as precedentes. Uma guerra ofensiva, privada de objetivas justificações, fundada sobre hipóteses e suposições, sem a aprovação da ONU, antes, contra a maior parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas, violando convenções internacionais, conduzida pela maior potência

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Ibidem, 22/1, 1999, 252-255. Sobre este discurso em St. Louis vejam-se as crónicas e comentários dos jornais

Italianos, particularmente o «Courriere della Sera» e «La Repubblica», de 27 de janeiro de 1999. 331

Veja-se «Adista», 34, 2001, 22 de setembro, 4. 332

97 política, económica e militar do mundo, os Estados Unidos, com o apoio da Inglaterra e a conivência, mais ou menos beligerante, de outros Estados. Uma guerra que tinha objetivos precisos a nível geopolítico e económico, de normalização e controlo de uma das áreas de diversos pontos de vista mais cruciais e decisivos do planeta, e que assentava, segundo a inspiração do presidente dos Estados Unidos, numa espécie de vocação messiânica deste país na condução do mundo para uma cruzada do «Reino do bem» contra o «reino do mal».

Aos olhos do Papa e da Santa Sé, e pelo menos de uma parte do episcopado, surgiu uma guerra que infringia a ideia da doutrina católica tradicional de guerra «justa». Uma guerra que constituía um perigo enorme para a desestabilização da área em que se encontravam os lugares santos; um grave perigo de rotura com as outras religiões e as outras Igrejas, que o Papa tinha unido na oração e na iniciativa de paz, mormente com o islamismo; um grande perigo para a vida de muitos milhões de pessoas entre as quais crianças.

Fortes como nunca, através de todas as instituições internacionais, as iniciativas, as mensagens, os discursos, a convocatória para uma jornada de jejum para o dia 5 de março, constituíram a sua tentativa para impedir a guerra; duríssimo foi o seu tom na condenação quando a guerra estava para eclodir vindo depois a concretizar-se.

Do implorar o Papa passou ao desespero e por fim à ameaça de um juízo de Deus. Viveu a angústia expressa na audiência geral do 11 de dezembro de 2002, de um «silêncio de Deus, que não mais se revela e parece ter-se fechado no Céu»333. Antes, durante e depois das suas intervenções, grande foi a mobilização para a paz do totalmente outro homogéneo mundo das associações católicas, em particular de jovens e de senhoras, que mais uma vez se alheou nos desfiles e nas manifestações com outras imponentes massas de povo.