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3. R ESULTADOS E D ISCUSSÃO

3.3. Sentimentos vivenciados pela mulher na primiparidade tardia

Durante a gravidez ocorrem complexas modificações físicas e psicológicas (Silva, 2010), que embora sejam comuns a todas as mulheres, a forma como cada uma as vivencia é influenciada pela sua personalidade, circunstâncias em que ocorreu a gravidez, relação com o companheiro

e família e pelo impacto da gravidez na sua vida a diferentes níveis (Bortoletti, 2007). A autora reforça que se trata de “…uma experiência profunda na vida de uma mulher, fundamental no seu desenvolvimento…” (p.21), caracterizada por uma ambivalência afetiva ao longo de toda a gestação.

Neste sentido e sem descurar os aspetos de natureza fisiológica, os sentimentos vivenciados na primiparidade tardia são também objeto de conhecimento, sendo que dos relatos das primíparas tardias entrevistadas emergem sentimentos positivos e sentimentos negativos vivenciados em simultâneo, que dão sentido à formulação das subcategorias, conforme Tabela 2.

Tabela 2.

Sentimentos vivenciados pela mulher na primiparidade tardia

Categoria Subcategorias

Sentimentos vivenciados pela mulher na primiparidade tardia

Sentimentos positivos Sentimentos negativos

O nascimento do primeiro filho pode conduzir a uma “revolução” afetiva nos futuros pais, com a vivência de sentimentos de alegria, satisfação, enriquecimento e realização individual e familiar. Contudo, com o início desta nova fase de transição no ciclo vital da família podem surgir sentimentos como ansiedade, tensão, incertezas, deceção, culpabilidade e cansaço (Relvas, 2000).

Na vivência da gravidez podem ser relatados sentimentos positivos (Lampinen et al., 2009; Martins, 2007), mas também podem ocorrer sentimentos de negação (Bayle, 2005). No estudo de Soares (2008) emergem dos discursos das entrevistadas sentimentos positivos e sentimentos negativos associados à gravidez e ao parto, que variam de pessoa para pessoa, sofrendo a influência de diversos fatores. Segundo a autora, os sentimentos positivos revelam a riqueza que a vivência da parentalidade assume na vida das pessoas. Por outro lado, os sentimentos negativos podem resultar de vivências stressantes ou de situações complexas no decorrer da gravidez (Soares, 2008).

São muitos e diferentemente adjetivados os sentimentos revelados pelas primíparas tardias entrevistadas: alegria, euforia, felicidade, bem-estar e contentamento. Este estado que deve ser aproveitado é exponencial e culmina na maravilha de vivenciar a gravidez, como se pode inferir pelos seguintes excertos dos discursos:

“Uma maravilha. Ser mãe e sentir aqui esta coisinha assim a mexer é maravilhoso (…) aproveitar todo o momento da gravidez (…) A gente aproveita sempre todos os bons momentos, este é um deles. Penso que vai ser bom, benéfico para mim também, em termos de amadurecer nesse aspeto (…) a sensação (…) é muito boa…”. (EA)

“ É muito bom (…) é uma coisa maravilhosa…”. (EB)

“…sinto-me bem, estou contente (…) estou muito feliz…”. (EC) “…é uma euforia, é uma alegria…”. (ED)

“…foi uma grande surpresa…”. (EE)

A expressão destes sentimentos é também mencionada no estudo de Santos (2009) ao revelar que as mulheres sentem “…profundo desejo pela gravidez, surpresa/felicidade/realização pela concepção com ou sem existência de problemas de saúde maternos…” (p.33). No mesmo sentido, Corbett (2008) refere que as mulheres que se sentem bem e felizes com a gravidez, vivenciam-na como uma realização biológica e parte do seu projeto de vida. O estudo de Martins (2007) revela que a felicidade foi considerada o principal sentimento relacionado com o diagnóstico de gravidez, a alegria o sentimento dominante durante a gravidez, culminando com um outro tipo de beleza feminina. Segundo Bayle (2005), uma gravidez desejada, como ocorreu também neste estudo com todas as primíparas tardias entrevistadas, conduz os pais “… a sentimentos de plenitude, de omnipotência e de consagração do seu amor” (p.329). Os sentimentos positivos extravasam para a dimensão transcendente da gravidez ao considerá-la como um milagre, como um acontecimento extraordinário, profundamente reconhecido por uma das entrevistadas:

“… graças a Deus o milagre aconteceu (…) eu sempre penso nesta gravidez como um milagre (…) é uma coisa que me aconteceu porque eu merecia. Eu acho que Deus achou que eu merecia, por tudo o que eu já fiz…”. (EB)

A investigação tem vindo a sublinhar a dimensão espiritual na vivência da gravidez e de forma particular nas primíparas tardias. No estudo de Bayrampour e cols. (2012), as crenças religiosas, a fé e a esperança foram consideradas importantes, como forma de gerir as emoções e assegurar uma maior tranquilidade e segurança face aos riscos que estão quase sempre associados, na perspetiva das mulheres, a uma gravidez tardia. Também no estudo de

Carolan (2007a), as mulheres consideravam a gravidez e o nascimento como um evento excecional, um milagre.

Nos discursos de três das entrevistadas percebe-se sentimentos de confiança e de calma, acreditando que a gravidez irá desenvolver-se de uma forma saudável e segura, confirmada pelos exames complementares de diagnóstico:

“… é acompanhada (…) até agora está tudo bem e penso que depois irá estar tudo bem, não vou pensar no pior”. (EA)

“…eu fiz a amniocentese e está tudo bem…”. (EB)

“…se eu sentisse que alguma coisa estava mal ficava muito preocupada, como me sinto bem e aparentemente está tudo bem o dia a dia é muito mais calmo, sem grandes dúvidas, sem grandes incertezas…”. (EC)

O desenvolvimento tecnológico que atravessa a sua aplicabilidade para a diversificação e especificidade dos meios complementares de diagnóstico disponíveis adquiriram uma forte presença na vigilância da gravidez e em particular no diagnóstico precoce de algumas patologias malformativas, doenças genéticas ou suspeita de anomalias (Matias & Ramalho, 2008).

A realização de exames complementares de diagnóstico, de que é exemplo mais comum a ecografia, ajudam a grávida a perceber o bem-estar fetal, diminuindo os níveis de ansiedade (Bayrampour et al., 2012; Bortoletti, 2007; Carolan, 2007a). A realização da ecografia constitui um momento de diagnóstico e de promoção de bem-estar psicológico, na medida em que ajuda a grávida a visualizar o feto como indivíduo e como um ser diferente de si própria (Bayle, 2005).

Segundo o relato de uma participante deste estudo, existiam sentimentos de calma, serenidade e tranquilidade na vivência da gravidez, também corroborado no estudo de Martins (2007) e que se verifica através do seguinte discurso:

“…estou muito calma, muito serena (…) qualquer problema que venha eu encaro com mais serenidade, com mais calma e muito tranquila (…) deve ser mesmo pelo estado da gravidez (…) acho que estou mais tranquila e mais calma…”. (EE)

O estudo de Loke e Poon (2011) revelou que as grávidas com idade avançada tinham maiores preocupações com a saúde do que as grávidas mais jovens. No entanto, a sua maturidade, associada a um maior nível educacional e melhores rendimentos familiares, conduziram ao desenvolvimento de capacidades que permitiam uma melhor adaptação a diferentes acontecimentos na vida, como a adoção de comportamentos de vida saudáveis e um menor nível de ansiedade. No mesmo sentido, o facto de a gravidez decorrer sem complicações associadas e de a grávida manter o controlo sobre o seu corpo e sobre a sua vida facilita o sentimento de preparação para a maternidade (Bayrampour et al., 2012).

Apesar de não o referir diretamente, o discurso de uma das primíparas entrevistadas revela um sentimento de alívio com a gravidez, acalmando o sentimento de frustração e até de culpa implícito a antecedentes de infertilidade:

“…acabava por ter de obrigar o meu marido a não usufruir de uma coisa, não porque ele não pudesse, mas porque eu não poderia…”. (EE)

Segundo Pereira e Leal (2005), a infertilidade é acompanhada por sofrimento psicológico, que é influenciado por fatores intrapessoais e sociais. Do discurso se apreende que alcançar a gravidez permitiu o alívio do sofrimento e a realização de um desejo que até então escapava ao seu controlo.

Segundo Corbett (2008), são muitas as mulheres que apresentam sentimentos ambivalentes durante a gravidez, sendo a ambivalência considerada como uma resposta normal em períodos de transição, quando é necessário assumir novos papéis. De acordo com a autora, durante a gravidez uma mulher pode sentir um grande prazer na vivência da gravidez porque está a realizar um sonho, mas também pode sentir tristeza ao pensar nas mudanças que vão ocorrer na sua vida.

No estudo de Santos (2009), verificou-se que as primíparas tardias vivenciavam sentimentos ambivalentes durante a nova etapa, considerando-a uma experiência maravilhosa e diferente. Contudo, apresentavam também uma mistura de sentimentos, desde uma grande felicidade ao receio pela realização do seu projeto de maternidade, mas também a tristeza por não poderem compartilhar este momento com pessoas queridas entretanto já falecidas, “… a primípara tardia relata a vivência da sua maternidade como uma ambivalência de sentimentos…” (p.33). No mesmo sentido, Parada e Tonete (2009) defendem que a gravidez tardia pode ser pautada por sentimentos ambíguos de felicidade, preocupação, alegria e dor, o que foi evidenciado

também neste estudo. Para além dos sentimentos positivos já apresentados, as entrevistadas revelaram sentimentos negativos como medo, insegurança, nervosismo, arrependimento e preocupação. Nos discursos das primíparas tardias verifica-se que o medo é um dos sentimentos mais referidos, independentemente do tempo de gestação e mais especificamente o medo do parto, como é referido por duas participantes:

“…estou com muito medo ao parto…”. (EB) “… o facto de ter que nascer… os medos…”. (EC)

De acordo com Parada e Tonete (2009), o terceiro trimestre de gravidez é caracterizado pela presença de ansiedade e medo, intensificados pela aproximação ao parto, o que se constata também nos resultados obtidos nas entrevistas, apesar de uma das grávidas entrevistadas estar ainda no segundo trimestre de gravidez.

No estudo de Santos (2009), as puérperas tardias entrevistadas evidenciaram sentimentos de tristeza relacionados com a maior probabilidade de não acompanharem a vida adulta dos filhos. Também uma das primíparas tardias entrevistadas referiu sentir medo em relação ao futuro relacionado com os condicionalismos e receios no acompanhamento da vida dos filhos:

“ … Todos aqueles medos que uma pessoa não sabe explicar (…) não sabe o que a vida lhe reserva (…) quando eles precisarem de nós, nós já estamos velhos e precisamos deles (…) os pais já com alguma idade e que ficam mais debilitados e acabam por depender dos filhos (…) mas só o tempo o dirá e não vale a pena pensar nisso…”. (EC)

Segundo Caetano e cols. (2011), as mudanças sociais e culturais ocorrem de forma dinâmica na sociedade contemporânea, levando a que os pais nem sempre consigam “… acompanhar os ciclos de vida dos filhos…” (p.584), necessitando eles próprios de cuidados (Carolan, 2007a). Para além disso, podem existir conflitos entre gerações, com diferentes formas de encarar a vida, o que poderá condicionar as relações entre pais e filhos. Constata-se também entre as participantes um sentimento de arrependimento relacionado com a tomada de decisão de adiar a maternidade para uma idade tardia “… agora vejo que já queria ter sido mãe (…) acho que já devia ter sido…”. (EC)

O sentimento de arrependimento pelo adiamento do projeto da maternidade para depois dos 35 anos foi referido por Benzies e cols. (2006) e Santos (2009) ao referirem que, em retrospetiva, desejariam ter tido filhos mais cedo. Neste sentido, torna-se relevante que os

profissionais de saúde tenham em atenção que nem todos os casais têm informação suficiente sobre os riscos de uma gravidez tardia (Guedes & Canavarro, 2014), necessitando para isso de serem informados atempadamente, para que possam tomar uma decisão consciente e bem fundamentada, evidenciado pelo estudo de Maheshwari e cols. (2008), no qual as mulheres referiram que a informação sobre as implicações de uma gravidez tardia deveria ser disponibilizada na faixa etária dos 20 anos.

A ambivalência entre o trabalho e a carreira profissional, a antecipação do regresso ao trabalho são fonte de preocupação para as mães mais velhas, uma vez que vivem um conflito interior, pois podem tornar-se menos interessadas e dedicadas ao trabalho por estarem a cuidar do bebé (Manning, 2008). Segundo Loke e Poon (2011), existe uma preocupação em conciliar as responsabilidades familiares com a carreira, o que pode ser verificado no discurso de uma das primíparas tardias entrevistadas:

“…Se pudesse eu trabalharia logo (…) mas também não vou fazer isso porque eu sei que o bebé vai precisar de mim e eu não vou conseguir… ou se é mãe nos primeiros tempos ou se é profissional (…) as duas coisas no início não dá para conciliar, é difícil (…) há sempre os medos de arranjar outra pessoa para substituir (…) eu sei que quando regressar vai ser um bocadinho diferente…”. (EC)

Os sentimentos relacionados com a preocupação do desenvolvimento da gravidez e do trabalho de parto foram evidenciados nos discursos das primíparas:

“Espero que corra tudo bem (…) que o bebé venha saudável (…)que depois de estar cá fora tenha muita saúde (…) estou preocupada (…) para ver se ele está bem e se eu fico bem também…”. (EA)

“…que nasça bem (…) isso é o que me interessa (…) é o mais importante”. (ED)

Segundo o estudo de O’Connor, Doris e Skirton (2014), as mães revelaram uma grande preocupação com a saúde dos seus filhos devido à sua idade, afirmando que não tiveram a mesma preocupação com a sua saúde, pois o mais importante, como sublinham as primíparas tardias entrevistadas no nosso estudo, era estarem bem para cuidar do seu filho. Também no estudo de Carolan (2007a), as mulheres assumiram que ao longo da gravidez se preocuparam sobretudo com a saúde do seu filho, não pensando no pós-parto. No trabalho de Zasloff, Schytt e Waldenström (2007), as mulheres com mais de 35 anos de idade tiveram maiores

preocupações com o bebé comparativamente às mais novas. Segundo Carolan e Nelson (2007), as mulheres com mais de 35 anos experienciavam sentimentos positivos, apesar de sentirem que vivenciavam uma gravidez de risco, no entanto, necessitavam de mais apoio como promoção de confiança. Por outro lado, a perceção da gravidez tardia como sendo de risco sofre influência do tipo e gravidade de complicações na gravidez, do impacto que têm na vida das grávidas e na forma como estas conseguem controlar os efeitos das complicações (Bayrampour et al., 2012). Neste sentido, compreende-se que as primíparas tardias entrevistadas não tenham revelado preocupação com o desenvolvimento da gravidez, uma vez que não tiveram complicações durante a gestação.

Está patente nos discursos de quatro das grávidas entrevistadas a preocupação com o processo de transição para a parentalidade:

“Espero que corra tudo bem (…) que a fase de crescimento não seja assim muito… que eles hoje em dia são um bocadinho traquinas…”. (EA)

“…eu tenho medo de ficar muito insegura…o meu maior medo é (…) não fazer o que eu acho que é correto, de agir de modo emocional sem ser racional (…) agir sempre com o coração e perder um bocadinho a razão, que no fundo cria as melhores regras”. (EC) “…preocupa-me (…) como é que vai ser depois de ela nascer (…) porque depois chora e não se sabe o que precisa, se está doente, se tem cólicas (…) é uma dúvida que vai ficar sempre…”. (ED)

“…pergunto-me muitas vezes se vou ser uma boa mãe…”. (EE)

Através dos relatos das primíparas tardias depreende-se a sua preocupação em cuidar do recém-nascido ou em educar numa fase mais avançada, evidenciando-se já durante a gravidez uma preocupação com o desenvolvimento de competências parentais, capazes de dar resposta às exigências colocadas com o exercício de um novo papel e às expectativas sociais, situação esta que, segundo Graça e cols. (2011), pode originar sentimentos e atitudes mais negativos.

Um dos sentimentos implícito nos discursos, apesar de não ter sido expresso diretamente, e que é referido em vários estudos, é a ansiedade. Apesar das primíparas tardias participantes neste estudo não terem utilizado a palavra ansiedade, as expressões como “…estou a ficar muito nervosa” (EB) ou “…tenho medo de ficar muito insegura…” (EC), deixam revelar a angústia e ansiedade, que em diversos estudos surgem relacionados com o receio de

complicações e malformações fetais (Martins, 2007), com a perceção de risco associado a uma gravidez tardia (Bayrampour et al., 2012; Carolan, 2007a; Carolan & Nelson, 2007), e com o modo como fatores de risco psicológicos, clínicos e demográficos contribuem para a vulnerabilidade ao stresse (Gourounti, Anagnostopoulos & Sandall, 2014). Com a aproximação ao parto intensificam-se os sentimentos de ansiedade e receio, relacionados com o medo da dor e da morte, sua ou do filho (Martins, 2007; Parada & Tonete, 2009).

Contudo, as primíparas tardias entrevistadas não referiram diretamente sentir elevados níveis de ansiedade, o que pode estar relacionado com a tendência que as mães tardias têm em atribuir maior importância aos aspetos positivos da gravidez, como a melhor preparação para desempenhar o papel parental, maior estabilidade emocional, conjugal e profissional, e maior capacidade para a resolução de problemas, atribuindo desta forma menor importância aos aspetos biológicos e médicos (Bayrampour et al., 2012).

De um modo geral, constata-se através dos discursos das primíparas que os sentimentos vivenciados pela mulher na primiparidade tardia podem ser positivos ou negativos. De acordo com Parada e Tonete (2009), “a gravidez e o parto são períodos relativamente curtos em tempo, mas longos em vivências e expectativas” (p. 391). São várias as alterações pelas quais a mulher passa durante a gravidez, sendo o apoio emocional fundamental neste período (Emmanuel et al., 2012). Segundo Carter e Guittar (2014), o suporte social fornecido pelo EEESMOG e pelos companheiros das grávidas revelou-se uma forma de apoio emocional que tem facilitado interpretações positivas do parto com implicações no mesmo. Importa, portanto, compreender melhor os tipos e funções da rede de suporte social, na vivência desta transição indissociável da maternidade e do futuro papel parental.