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Apoiados no método sociológico de pesquisa proposto por Bakhtin, conforme já explicitamos no capítulo anterior, é imperioso iniciar nossas leituras considerando, primeiramente, a esfera onde floresceu tal discussão, manifestada por meio dos gêneros notícia, artigo e coluna assinada (cujos exemplares foram coletados na

internet para a constituição do corpus).

Explicitar a esfera de comunicação é imprescindível para a compreensão do texto, pois a ela estão vinculados os processos de produção, circulação e recepção do gênero. Mais importante ainda, entendendo a esfera de comunicação discursiva, entendemos os diversos posicionamentos ideológicos aos quais esses textos estão vinculados, uma vez que a utilização da língua é realizada por meio de enunciados (orais e escritos) que refletem as finalidades de uma esfera de atividade humana, pois

Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva. (...) É impossível alguém definir sua posição sem correlacioná-la com outras posições. Por isso, cada enunciado é pleno de variadas atitudes responsivas a outros enunciados de dada esfera da comunicação discursiva (BAKHTIN, 2011 [1952-1953], p. 297, grifos nossos).

Rodrigues (2001, p. 74-80), ao definir as especificidades da esfera jornalística, procura não limitar tal definição aos meios de reprodução e difusão, isto é, às suas mídias, simplesmente. A autora cita alguns fatores que corroboraram na consolidação da esfera, situando as condições sócio-ideológicas relacionadas a seu processo histórico de formação: “a revolução burguesa contra a aristocracia e o poder absoluto, a sua ascensão ao poder; a queda da censura prévia, exercida pelos Estados nacionais e pela Igreja; o processo de alfabetização em larga escala, que viabilizou a leitura de jornais.” É a partir dessa conjuntura que a imprensa adquiriu algum valor social, sobretudo no âmbito político e financeiro, dada a necessidade de circulação de informações e opiniões de forma periódica. Segundo a autora, o jornalismo impresso só se consolidou a partir do século XVII, na Alemanha. Por fim, Rodrigues exibe uma definição dessa esfera reportando-se aos princípios da teoria bakhtiniana:

Numa síntese, pode-se dizer que o objeto da esfera jornalística se constitui no horizonte de acontecimentos, fatos, conhecimentos e opiniões da atualidade, de interesse público. Nesse contexto, sua função sócio-ideológica se caracteriza por fazer circular (interpretar, "traduzir") periódica e amplamente as informações, conhecimentos e pontos de vista da atualidade e de interesse público, "atualizando" o nível da informação da sociedade (ou de grupos sociais particulares) (RODRIGUES, 2001, p. 81).

Considerando o seu processo de formação (vinculado a áreas financeiras e políticas) e, ainda, o papel marcante da esfera jornalística na formação da opinião pública, concordamos com a autora em relação à não existência de verdadeira objetividade nos textos oriundos dessa esfera, nem mesmo no gênero notícia, pois a própria escolha das pautas a serem noticiadas já remete a uma valoração. A neutralidade é uma característica que a própria esfera se atribui para garantir a credibilidade de seus leitores, segundo a autora.

Em nosso caso específico, sentimos necessidade de falar da esfera midiática em vez de esfera jornalística, por entender a amplitude de seu alcance – mídia impressa, radiofônica, televisiva, digital - que abrange não somente as produções de jornalistas, mas de publicitários, especialistas e pesquisadores de áreas específicas, educadores e intelectuais, além de reservar espaço nessas produções para os receptores desses discursos, como veremos mais à frente na coluna de Augusto Nunes/Veja, por exemplo.

Comparada com o jornalismo impresso, a mídia televisiva, por ser mais rápida e, ainda, por atingir a todos os níveis sociais da sociedade, leva vantagem, pautando os temas abordados nos jornais impressos, radiofônicos e na internet (mídia na qual coletamos nossos dados). Acerca disso, a autora elenca algumas características do jornal televisivo que têm sido incorporadas ao jornalismo impresso: “primeira página semelhante a uma tela de televisão, extensão reduzida dos textos, uso excessivo de títulos chocantes, prioridade do local sobre o internacional etc” (idem, p. 84).

Podemos destacar, da mesma forma, o vínculo que os jornais televisivos e impressos mantêm com a internet. A maioria deles, se não todos, possui um portal na rede mundial de computadores, onde são disponibilizadas as informações divulgadas na TV, para leituras posteriores. Vale destacar que todos os textos coletados para esta pesquisa possuem acesso livre na internet, dado o seu alcance e a rapidez. A velocidade da informação é mais rápida a cada dia, tendo como

grande suporte as redes sociais na internet e as novas tecnologias dos aparelhos celulares e outros equipamentos que registram e divulgam materiais em tempo real.

Podemos refletir, a partir da pesquisa de Rodrigues, que as relações de poder entre mídia, economia e política são cada vez mais estreitas, em face do avanço tecnológico, responsável pela velocidade da informação. Basta considerarmos o espaço cada vez maior para as propagandas comerciais (TV, rádio, mídia impressa, internet), sem contar os grandes grupos de investidores no mercado de redes de acesso à informação. Não há como negar que a esfera midiática está subordinada aos interesses de mercado, porta voz de grupos econômicos e políticos que querem difundir suas ideias e vender seus produtos.

Nosso corpus, como já dito, compreende textos produzidos em gêneros notícia, artigo assinado e coluna assinada. Embora esses gêneros possam se aproximar pela estrutura composicional um tanto estabilizada pela esfera, se diferenciam pela abordagem do conteúdo temático e pelo estilo de linguagem.

A notícia objetiva uma interação com o seu leitor a partir do relato de um acontecimento relevante na realidade social, realçando os impactos que tal fato pode gerar. Porém, devemos destacar que, embora tenha a função de apenas divulgar um fato, esse gênero revela intenções do veículo em que é publicado, ao considerarmos o contexto sócio-histórico do momento de sua divulgação. Em outras palavras, a estrutura do gênero possui certa estabilidade, porém, sua organização se define pelo querer dizer de seu enunciador (o autor imediato e o veículo de comunicação que representa).

Já o artigo e a coluna assinada tendem a partir de uma notícia para chamar a atenção do leitor para o seu ponto de vista acerca das influências que um determinado fato/objeto pode trazer à sociedade, buscando levar o seu leitor a se posicionar, claro, em consonância com o seu discurso. Assim, esses gêneros funcionam para levar informação sobre um fato da realidade social, frisando o impacto deste sobre a sociedade, seguindo para uma apreciação valorativa de tal fato.

É importante frisar que o artigo, na maioria das vezes, é escrito por especialistas, pesquisadores ou estudiosos de determinadas áreas específicas, os quais são convidados pelo veículo de comunicação para participarem opinativamente de um debate publicando um artigo. Já a coluna refere-se a uma seção de um jornal ou revista, de responsabilidade de um colunista, geralmente um

jornalista, que, periodicamente, emite opiniões acerca de variados assuntos ligados a fatos relevantes da sociedade, sobretudo na área da economia e política.

Fazendo uma leitura cuidadosa de algumas notícias selecionadas para esta análise – veiculadas, sobretudo na internet, por ocasião da polêmica do livro didático “Por uma vida melhor” -, percebemos claramente que tais discursos estabelecem posições definidas sobre o tópico ora em pauta, dado o movimento das vozes que são convocadas por tais autores na elaboração desses discursos, pois:

Em todos os domínios da vida e da criação ideológica, nossa fala contém em abundância palavras de outrem, transmitidas com todos os graus variáveis de precisão e imparcialidade. Quanto mais intensa, diferenciada e elevada for a vida social de uma coletividade falante, tanto mais a palavra do outro, o enunciado do outro, como objeto de uma comunicação interessada, de uma exegese, de uma discussão, de uma apreciação, de uma refutação, de um reforço, de um desenvolvimento posterior, etc, tem peso específico maior em todos os objetos do discurso (BAKHTIN, 2002[1934-35], p. 139).

Nessa perspectiva, para a análise dialógica de discurso a que nos propomos nesta investigação, partimos da esfera de comunicação em que esses discursos emergem, nos atentando aos movimentos de construção de sentidos que envolvem aspectos inerentes à forma composicional, conteúdo temático e estilo de linguagem empregados nessas formações enunciativas, a fim de evidenciar valorações dadas pelos sujeitos que interagem nessas relações comunicativas.