• Nenhum resultado encontrado

A POLÊMICA EM TORNO DO LIVRO DIDÁTICO POR UMA VIDA MELHOR : (DES)CONSTRUINDO SENTIDOS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A POLÊMICA EM TORNO DO LIVRO DIDÁTICO POR UMA VIDA MELHOR : (DES)CONSTRUINDO SENTIDOS"

Copied!
174
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

DINAURA BATISTA DE PÁDUA

A POLÊMICA EM TORNO DO LIVRO DIDÁTICO

“POR UMA VIDA MELHOR”: (DES)CONSTRUINDO SENTIDOS

CUIABÁ-MT 2014

(2)

DINAURA BATISTA DE PÁDUA

A POLÊMICA EM TORNO DO LIVRO DIDÁTICO

“POR UMA VIDA MELHOR”: (DES)CONSTRUINDO SENTIDOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem, sob a orientação da professora Dra. Simone de Jesus Padilha.

Área de Concentração: Estudos

Linguísticos.

Linha de Pesquisa: Práticas

Discursivas e Textuais – Múltiplas Abordagens.

CUIABÁ 2014

(3)
(4)
(5)

Àqueles que me trouxeram a esta vida e - mesmo sem terem frequentado uma sala de aula e nunca terem tido a oportunidade e o prazer de ler um livro - me ensinaram, desde a infância, a importância da leitura e da formação escolar: meu pai, João Batista Filho (in memoriam) e minha mãe, Maria da Silva Batista.

(6)

AGRADECIMENTOS

A Deus, por me permitir esta caminhada em busca do conhecimento e da qualificação profissional, pois sem Ele, nada em minha vida valeria a pena.

A minha família, por sempre acreditar na minha capacidade de ir além e por torcer pela minha vitória.

Ao meu filho, Ruan Batista de Pádua, espelho do espelho que sou eu, por definir o meu papel nesta terra.

Ao meu esposo, Rone Batista de Pádua, por me mostrar o caminho das Letras e me ensinar a sonhar.

À minha querida orientadora, Professora Doutora Simone de Jesus Padilha – professora, educadora, pesquisadora, amiga, parceira – que desde a graduação me acolheu no grupo de monitoria em Estudos de Linguagem, plantando a semente da pesquisa que hoje se concretiza. Muito grata pela amizade, dedicação, carinho, paciência, conversas, discussões, apoio, orientações e ensinamentos sobre o Círculo de Bakhtin; por me ajudar a dar os primeiros passos, sendo uma grande companheira e guia nesta caminhada.

Ao Professor Doutor Adail Sobral, pela amizade sincera, mesmo que virtualmente, e pelas valiosas orientações que qualificaram este trabalho. Muito grata pelo olhar exotópico através do qual nos revelou outros fios dialógicos que haviam ficado pelo caminho nesse grande novelo emaranhado de palavras e contrapalavras.

À Professora Doutora Maria Inês Pagliarini Cox, pela leitura atenta e pelas excelentes contribuições que deram a este trabalho a qualidade de que carecia, nos revelando o valor de cada capítulo desta construção dialógica.

À Universidade Federal de Mato Grosso, pela concessão do afastamento das atividades laborais, sem a qual seria impossível a realização da pesquisa.

A todos os colegas de trabalho pela torcida e compreensão durante a minha ausência, em especial, ao Luis Antonio, Bruno, Priscila e Valéria.

(7)

Aos professores do Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem, pelo apoio e pela torcida durante a realização das atividades de pesquisa.

À Pró-Reitoria de Pós-Graduação da UFMT, em especial às servidoras Adriana, Darlene e Élida, que nos auxiliaram com informações e orientações importantes durante essa trajetória.

Aos funcionários da Secretaria do PPGEL, Wynne, Julianny e Nelson, pela colaboração diária com nossas pesquisas.

À doce e tão querida Professora Doutora Maria Rosa, pelo carinho e amizade.

Aos colegas do Grupo de Pesquisa Relendo Bakhtin - Rebak, pelas interações que edificaram nossas pesquisas.

Às amigas, Verônica e Viviane, pelas orientações cuidadosas no meu processo de seleção para ingresso nesta Pós-Graduação.

À querida Shirlei, pela amizade franca, pelas conversas esclarecedoras sobre as teorias do Círculo de Bakhtin e pela parceria no desenvolvimento deste trabalho. Aos amigos que cultivei durante esta trajetória, pelo carinho, pelas conversas, pelas trocas e pelas parcerias estabelecidas. Agradeço a vocês – Anderson, Angélica, Camila, Diego, Eliana, Heloisa, Jean, Karla, Leny, Lucimeire, Mariana, Moisés, Nádia, Neila, Paulo, Rosemary, Rosenil, Sebastiana, Sérgio, Suammy - por me mostrarem o valor da amizade. Nossos encontros e desencontros, assim como nossos confrontos, nos fizeram seres melhores, a cada vivência.

Aos amigos da graduação - Ardalla, Carla, Josilene, Michel, Rute e Sonymar -, que estiveram presentes nesta trajetória, sempre torcendo.

Aos meus compadres queridos, Clélia, Vandelvan, Benedito e Timóteo, pela presença constante em todos os momentos.

A minha querida amiga Waldirene, pela amizade plena, e à sua família, que me adotou com tanto carinho desde 1994 - “A ETF tem gente de verdade!”.

(8)

Além do espelho Quando eu olho o meu olho além do espelho Tem alguém que me olha e não sou eu Vive dentro do meu olho vermelho É o olhar do meu pai que já morreu O meu olho parece um aparelho De quem sempre me olhou e protegeu Assim como meu olho dá conselho Quando eu olho no olhar de um filho meu A vida é mesmo uma missão A morte é uma ilusão Só sabe quem viveu Pois quando o espelho é bom Ninguém jamais morreu Sempre que um filho meu me dá um beijo Sei que o amor do meu pai não se perdeu Só de olhar teu olhar sei seu desejo Assim como meu pai sabia o meu Mas meu pai foi embora no cortejo E no espelho eu chorei porque doeu Só que vendo o meu filho agora eu vejo Ele é o espelho do espelho que sou eu A vida é mesmo uma missão A morte é uma ilusão Só sabe quem viveu Pois quando o espelho é bom Ninguém jamais morreu Toda imagem no espelho refletida Tem mil faces que o tempo ali prendeu Todos têm qualquer coisa repetida Um pedaço de quem nos concebeu A missão do meu pai já foi cumprida Vou cumprir a missão que Deus me deu Se meu pai foi o espelho em minha vida Quero ser pro meu filho espelho seu A vida é mesmo uma missão A morte é uma ilusão Só sabe quem viveu Pois quando o espelho é bom Ninguém jamais morreu (João Nogueira)

(9)

RESUMO

Este trabalho tem por finalidade a elaboração de uma análise dialógica dos discursos que emergiram na esfera midiática por ocasião da polêmica do livro didático “Por uma vida melhor”, a qual teve seu início a partir de maio de dois mil e onze, tendo sido destaque em diversas emissoras de TV e Rádio, além de revistas, jornais, blogs e sites oficiais. Para tanto, buscamos embasamento na fundamentação teórico-metodológica presente nos construtos teóricos do Círculo de Bakhtin, a partir da concepção dialógica da linguagem, tendo em vista que a leitura desses textos revelou um intenso diálogo, em que, na visão bakhtiniana, um texto “respondia ao outro”, um texto era “contrarresposta” de outro, numa cadeia dialógica ininterrupta. A análise do corpus selecionado baseia-se no método sociológico para estudo da linguagem, por meio do qual situamos a esfera de produção, circulação e recepção desses discursos, descrevemos as especificidades e regularidades do gênero e evidenciamos estratégias linguísticas e enunciativas utilizadas para produção de sentidos nessas relações sociais, indicando para índices de valoração ética e política. Percebendo a linguagem como local privilegiado de interação entre sujeitos, a partir da análise empreendida, descrevemos e explicamos as práticas discursivas que se instauraram na esfera midiática por ocasião da polêmica, revelando as vozes presentes nessas relações enunciativas, identificando suas posições ideológicas frente ao evento. Os resultados de nossas análises apontam para marcas discursivas de um diálogo sem fim em torno da polêmica, por meio do qual vozes sociais oriundas de diferentes esferas (políticas, acadêmicas, cientificas, religiosas, e, sobretudo, do senso comum) valoram por meio da palavra. Essas vozes dialogam não apenas sobre o livro em si, mas sobre suas atitudes perante a língua e suas variações, o ensino de língua materna, a ciência linguística e o professor/pesquisador de Língua Portuguesa e, ainda, sobre a autora do livro, professora Heloísa Ramos, o governo federal, o Partido dos Trabalhadores, o Ministério da Educação e o Ministro Fernando Haddad. Esses diálogos são evidenciados por movimentos de aproximação ou distanciamento do discurso do outro e convocação de outras vozes. Entre as estratégias utilizadas pelos enunciadores nas formações enunciativas analisadas, destacamos: o uso de termos presentes em discursos anteriores, a fim de retomar ou dar novo sentido ao que foi dito; uso de pontuações, aspas, negritos, itálicos, parênteses; uso do discurso direto ou indireto; uso do verbo na voz passiva; mudanças de tempo verbal (futuro do pretérito) para colocar em dúvida um acontecimento, um fato social; uso de adjetivos e substantivos para caracterizar o outro de quem se fala; uso de memórias, como a professora do ensino fundamental, além de escritores renomados de nossa literatura clássica, como argumentos de autoridade, a fim de ganhar a credibilidade de seus leitores. Tais resultados apontam para a relevância do estudo das práticas discursivas construídas na esfera midiática, demonstrando as possibilidades heurísticas dos construtos teóricos bakhtinianos, sobretudo da concepção dialógica da linguagem.

(10)

ABSTRACT

This paper aims at developing a dialogical analysis of the discourses which emerged in the media sphere because of the controversy of the textbook "Por uma vida melhor", which had its beginning in May 2011, having been featured on various radio and TV stations, plus magazines, newspapers, blogs and official websites. To this end, we seek grounding in the theoretical-methodological basis present in the theoretical constructs of the Bakhtin Circle, from the dialogical conception of language, given that the reading of these texts revealed an intense dialogue, in which, in Bakhtin's view, a text "replied the other", a text was "response" of another, in an unbroken dialogical chain. The analysis of the selected corpus is based on the sociological method to the study of language, through which we place the sphere of production, circulation and reception of these discourses, describe the characteristics and regularities of the genre and highlight linguistic and enunciative strategies used to produce meanings in these social relations, indicating to ethical and political valuation. Realizing the language as a privileged site of interaction between subjects, from the analysis undertaken, we describe and explain the discursive practices that have established in the media sphere because of the controversy, revealing the voices in these enunciative relations, identifying their ideological positions in face of the event. The results of our analysis indicate discursive marks of an endless dialogue around the controversy, whereby social voices from different spheres (political, academic, scientific, religious, and above all, common sense) valuate through word. These voices dialogue not only on the book itself, but about their attitudes towards language and its variations, the first language teaching, the linguistic science, and the teacher/researcher of Portuguese Language and, also, about the book's author, Professor Heloisa Ramos, the federal government, the Workers' Party, the Ministry of Education and the Minister Fernando Haddad. These dialogues are evidenced by movements of approach or distancing from the speech of the other and the calling of other voices. Among the strategies used by the enunciators in the enunciative formations analyzed, we highlighted: the use of terms present in previous speeches, in order to resume or give new meaning to what was said; use of punctuation, quotes, bolds, italics, parentheses; use of direct or indirect speech; use of the verb in the passive voice; changes of tense (conditional tense) to cast doubt on an event, a social fact; use of adjectives and nouns to characterize the other of whom one speaks; use of memories, as the elementary school teacher, besides renowned writers of our classical literature, as arguments of authority, in order to gain the credibility of readers. These results point to the relevance of the study of discursive practices constructed in the media sphere, demonstrating the heuristic possibilities of Bakhtinian theoretical constructs, especially the dialogical conception of language.

(11)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

Para início de conversa... ... 13

CAPÍTULO 1 ... 19

LÍNGUA PORTUGUESA: BREVE PERCURSO HISTÓRICO ... 19

1.1 Português no Brasil: a língua do colonizador ... 19

1.2 O português como disciplina curricular ... 21

1.3 Políticas públicas para a educação ... 26

1.4 Linguagem na escola: diferenças e deficiências ... 31

CAPÍTULO 2 ... 36

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ... 36

2.1 Concepção dialógica da linguagem ... 37

2.2 Tecendo os fios do diálogo social ... 41

2.3 Construção de sentidos e posições ideológicas ... 46

2.4 O diálogo e suas vozes ... 51

2.5 Sobre conceitos e métodos ... 55

CAPÍTULO 3 ... 60

POR UMA ANÁLISE DIALÓGICA DE DISCURSOS ... 60

3.1 Situando a esfera e os gêneros ... 63

3.2 As vozes do G1 em diálogo ... 66

3.3 Veja: “a dona do português” ... 74

3.4 Palavras e contrapalavras ... 79

3.4.1 A batalha das ignorâncias ... 83

3.4.2 “Coisa de petista” ... 85

3.4.3 Vozes guardadas na memória ... 88

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 94

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 99

ANEXOS ... 103

Escrever é diferente de falar ... 103

Texto 1 ... 120

Texto 2 ... 122

(12)

Texto 4 ... 127 Texto 5 ... 129 Texto 6 ... 132 Texto 7 ... 139 Texto 8 ... 144 Texto 9 ... 146 Texto 10 ... 150 Texto 11 ... 152 Texto 12 ... 155 Texto 13 ... 157 Texto 14 ... 159 Texto 15 ... 161 Texto 16 ... 164 Texto 17 ... 167 Texto 18 ... 170 Texto 19 ... 172

(13)

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como mote a polêmica iniciada em maio de dois mil e onze a respeito do livro didático “Por uma Vida Melhor”, distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) para turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) em todo o Brasil.

Em treze de maio daquele ano, uma emissora de televisão nacional divulgou matéria em horário nobre com a seguinte manchete1:

A celeuma deu-se em torno de algumas sentenças retiradas do livro, e utilizadas pela autora para comentar sobre o Preconceito Linguístico. São elas: “nós pega o peixe”; “os menino pega o peixe” e “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”. Retiradas do capítulo 1 do livro, intitulado "Escrever é diferente de falar" (Anexo 1 deste trabalho) - que apresenta a proposta de ensino aos estudantes, mostrando as diferenças entre a norma padrão, exigida pela gramática normativa, e as variantes populares, utilizadas em situações mais informais –, tais sentenças passaram a ser utilizadas, extraídas de seu contexto de produção, para difundir a ideia de língua única típica da Rede Globo.

Nessa apresentação do livro, os autores propõem um ensino de língua portuguesa partindo do “uso popular” do idioma, considerando as variedades do uso, nos níveis fonéticos, morfológicos e sintáticos. Como podemos observar no recorte abaixo:

1

(14)
(15)

Notamos que o título do capítulo em questão, “Escrever é diferente de falar”, já revela a preocupação com o bom emprego da língua no registro formal, próprio da escrita. A nossa leitura evidencia que o livro não propõe uma sobreposição da linguagem oral sobre a linguagem escrita em qualquer circunstância. Porém, observamos o cuidado dos autores em mostrar a importância de não se estigmatizar os usos populares da língua, reconhecendo, em vez disso, a validade do seu funcionamento.

O assunto foi destaque em diversas emissoras de TV e Rádio, além de revistas, jornais, blogs e sites oficiais. Diferentes pontos de vista sobre a questão da língua e sobre o ensino-aprendizado da língua materna vieram à tona. Foram levantadas, ainda, muitas críticas ao governo federal, representado pelo Ministério da Educação, e a uma das autoras do livro, Heloisa Ramos, professora aposentada da rede pública de São Paulo que ministra cursos de formação para professores.

Sendo um assunto socialmente relevante, dada a sua repercussão, notamos no debate que se instaurou com o livro “Por uma Vida Melhor” uma oportunidade de investigação das formações enunciativas que constituíram a polêmica, uma vez que a leitura desses textos revelou um diálogo bastante intenso, em que, na visão bakhtiniana, um texto “respondia ao outro”, um texto era “contrarresposta” de outro, numa cadeia dialógica ininterrupta.

Assim, surgiu a ideia de elaborar uma análise discursiva tomando tal material como base, a fim de identificar vozes em diálogo (divergentes ou convergentes) e suas posições ideológicas em relação ao evento, evidenciando ainda os recursos linguísticos utilizados nessas formações enunciativas.

(16)

Notamos que muito se tem discutido, em anos recentes, sobre o papel central dos gêneros do discurso como objeto e instrumento de trabalho para o desenvolvimento da linguagem na escola. Acerca disso, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, ao traçar o perfil do aluno, destacam que:

Nesse trabalho de análise, o olhar do aluno, sem perder de vista a complexidade da atividade de linguagem em estudo, deverá ser orientado para compreender o funcionamento sociopragmático do texto – seu contexto de emergência, produção, circulação e recepção; as esferas de atividade humana (ou seja, os domínios de produção discursiva); as manifestações de vozes e pontos de vista; a emergência e a atuação dos seres da enunciação no arranjo da teia discursiva do texto; a configuração formal (macro e microestrutural); os arranjos possíveis para materializar o que se quer dizer; os processos e as estratégias de produção de sentido (2006, p. 32). Nesse contexto, aspiramos buscar suporte nos estudos bakhtinianos, pautando nossa leitura a partir de um exame atento da esfera de produção, circulação e recepção dos textos selecionados, entendendo que:

os enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada campo referido não só por seu conteúdo (temático), mas também pelo uso da linguagem [...], acima de tudo, por sua construção composicional (BAKHTIN, 2003, p. 261).

Pretendemos, portanto, a partir da leitura de uma seleção de textos, analisar os diversos posicionamentos ideológicos - da mídia, da academia, dos órgãos oficiais e do senso comum – acerca da discussão que se instaurou sobre o assunto em pauta, considerando as apreciações valorativas das partes envolvidas nesses diálogos.

Para isso, temos os seguintes objetivos:

1) Identificar as diferentes vozes presentes na esfera midiática por ocasião da discussão instaurada com a divulgação do conteúdo/proposta do livro didático “Por uma Vida Melhor”, buscando dados em notícias, artigos e colunas assinadas (online).

2) Analisar os textos do corpus reunido, explorando as possibilidades de mobilização da língua nessas formações enunciativas que revelem apreciações éticas e políticas, com foco no dialogismo.

3) Contribuir com as discussões sobre as práticas discursivas, tendo como base teórica a concepção dialógica da linguagem sob a perspectiva

(17)

bakhtiniana, a partir da análise de discursos que circularam na mídia online , a respeito do livro didático.

Para alcançar tais objetivos, necessário se faz, primeiramente, elencar algumas questões para alicerçar nossas reflexões:

1) Quais vozes podem ser percebidas no corpus reunido de textos sobre o debate acerca do livro “Por uma vida melhor”?

2) De que forma esses textos dialogam entre si? A quem e/ou a que eles respondem? Que recursos linguísticos utilizam para se posicionarem nesses diálogos?

3) O que os textos analisados podem sugerir sobre a atitude dos colunistas, comentaristas, blogueiros, perante a Língua Portuguesa, Ensino de LP, Linguística e demais temas envolvidos na questão em debate?

A concepção dialógica da linguagem esclarece a construção da interação discursiva na qual um discurso revela a existência de outros discursos em seu interior, num jogo constante de influências e contestações, isto é, de encontros e desencontros. Essa busca em elucidar um discurso com o auxílio de outro evidencia as vozes constituintes do dialogismo, numa cadeia de ação mútua em que os discursos mantêm relações de recepção e percepção de enunciados; e os sujeitos, por meio de elementos sociais e históricos, conferem significados reais, expressando pontos de vista sobre a realidade concreta.

Nessa perspectiva, iniciamos nosso primeiro capítulo com uma abordagem sócio-histórica da constituição da Língua Portuguesa como língua nacional no Brasil, e a constituição da Língua Portuguesa como disciplina curricular nas escolas brasileiras, destacando os contextos que se refletiram nas principais mudanças sociais que geraram os documentos que norteiam o atual currículo da disciplina. Por fim, discutiremos o problema do fracasso escolar tratando ainda das diferenças sociais e culturais que alimentam os preconceitos sobre o uso da língua.

No capítulo segundo traçamos nosso referencial teórico-metodológico a partir da concepção dialógica da linguagem definida pelo Círculo de Bakhtin, mobilizando alguns conceitos para nortearem esta investigação, com destaque para discurso, enunciado, tema, significação, signo, ideologia, plurilinguismo, plurivocalidade e exotopia.

O terceiro e último capítulo refere-se à análise do corpus por nós selecionado. Por meio da leitura investida, evidenciaremos as diversas vozes que

(18)

dialogam através desses discursos, os recursos linguísticos que utilizam para se posicionarem ideologicamente, a quem essas vozes respondem nessas formações enunciativas, pelo viés da concepção dialógica da linguagem.

(19)

CAPÍTULO 1

LÍNGUA PORTUGUESA: BREVE PERCURSO HISTÓRICO

Pessanha (2004, p. 58) nos alerta que para conhecer conteúdos e entender as práticas de ensino de determinada disciplina curricular, faz-se necessário, antes de tudo, considerar as forças e os interesses sociais que envolvem suas histórias, para então ousar propor mudanças ou adequações que atendam a novas demandas.

Consonante a esse raciocínio, para dar início a este trabalho, percebemos a necessidade de entender a formação da Língua Portuguesa como língua nacional no Brasil e a constituição da Língua Portuguesa como disciplina curricular nas escolas brasileiras, a fim de, a partir daí, estudar as diversas abordagens teóricas utilizadas na elaboração dos documentos oficiais norteadores do ensino, e compreender os rumos do ensino de Língua Portuguesa no atual contexto em que vivemos.

Ao final deste capítulo, apresentamos as leituras que empreendemos sobre o problema do fracasso na/da escola, analisando as questões políticas e sociais em torno desses tópicos, observando as diferenças e deficiências que geram os preconceitos com relação não somente ao uso da língua, mas com relação àquele que a usa, ao grupo social que esse sujeito representa.

1.1 Português no Brasil: a língua do colonizador

Se pensarmos a constituição da Língua Portuguesa no Brasil (ou em qualquer outro país colonizado), perceberemos que a língua sempre foi utilizada como instrumento de dominação. Os portugueses, por suas necessidades de contato com os povos indígenas, a fim de estabelecer a exploração da colônia e, posteriormente, dominar as nações que aqui viviam, trouxerem ao Brasil os Jesuítas para escolarizar e catequizar os nativos. Tal empreendimento exigiu uma aproximação da língua falada pelos índios, como que para participarem, para se integrarem àquele mundo, para serem aceitos pelos selvagens, e depois, como nos mostra a história, impor a sua língua como oficial, mantendo o seu domínio.

(20)

Em face das relações entre as várias línguas faladas na colônia – o português (trazido pelo colonizador), as línguas indígenas2 e o latim (que se estabeleceu com o ensino secundário e superior dos jesuítas) -, surge outra língua, de base no tronco Tupi, condensando várias línguas indígenas faladas no Brasil, chamada Língua

Geral do Grão-Pará.

Essa língua não portuguesa trazia interferências do português, e se constituía de base indígena e marcas africanas. Era instrumento de comunicação entre leigos, religiosos, senhores, escravos, índios, negros, mulheres e crianças, nas igrejas e nas fazendas. Até a proibição de seu uso pelo Marquês de Pombal em 1758, a língua geral era instrumento essencial de comunicação no cotidiano, utilizada como meio de contato entre os nativos, os europeus e os negros escravos:

com a língua geral evangelizavam os jesuítas, nela escreveram peças dramáticas para a catequese; era ela que os bandeirantes falavam, com ela é que nomearam flora, fauna, acidentes geográficos, povoações; foi ela quase sempre a língua primeira das crianças, dos filhos tanto dos colonizadores quanto dos indígena (HOUAISS, 1985, p. 49, apud SOARES, 2004, p. 158).

A partir de 1758, em face da Reforma de Estudos inserida por Marquês de Pombal em Portugal e suas colônias, a língua geral é terminantemente proibida, passando a ser obrigatório o uso da Língua Portuguesa para patentear a dominação lusitana sobre o Brasil. Essa reforma cria a primeira rede leiga de ensino, expulsa os jesuítas, estabelece um ordenamento jurídico e administrativo, resultando numa nova política linguística e cultural.

Assim, a partir da segunda metade do século XVIII, o português passa a ser a língua nacional da Colônia, sobrepondo-se às demais, marginalizando-as. Isso se explica pelo simples fato de que as línguas indígenas e africanas representam povos escravizados, selvagens, primitivos, logo, povos sem voz. O Brasil colônia não tem lugar para esses povos dominados, nem para suas vozes, nem para seus falantes. A língua nacional deve ser a do colonizador. A língua do colonizador é a língua legitimada nas relações sociais.

Esse fato histórico marcou definitivamente o fim de um processo que poderia ter definido outro destino linguístico para o Brasil. Daí por diante, a escolarização, o processo de urbanização crescente, a vinda da corte para o Brasil no início do século seguinte definiram a

2 Silva (2004, p. 49), lembrando que existem cerca de 1.500 línguas no território brasileiro (HOUAISS, 1985, p.

(21)

língua portuguesa como a língua nacional e oficial (SILVA, 2004, p. 52).

Concomitante ao declínio da língua geral há o aumento do número de portugueses no Brasil, falantes de diversos dialetos, oriundos de diferentes regiões de Portugal. Essa nova Língua Portuguesa se constrói com marcas próprias, processo natural a qualquer língua, pela interferência de línguas indígenas e africanas que se encontraram com a portuguesa. Com o passar dos anos, apesar da miscigenação cada vez mais crescente, “a ideologia aristocratizante do Brasil Colônia passou ao Brasil independente e ainda predomina até hoje: teima-se em desconhecer o Brasil pluriétnico, pluricultural, plurilíngue” (SILVA, 2004, p. 65).

1.2 O português como disciplina curricular

Soares (2004), ao traçar o percurso da constituição da disciplina “português” no Brasil, observa, primeiramente, que, em cada período histórico, ela se define pelas condições sociais, econômicas e culturais que influenciam a escola e o ensino, pela natureza dos conhecimentos disponíveis e pela formação de professores.

A autora destaca que somente no fim do Império, nas últimas décadas do século XIX, é que tal disciplina foi incluída no currículo escolar. Até então, a Língua Portuguesa, melhor dizendo, o ler e o escrever em português, era utilizado apenas como instrumento de alfabetização, não como disciplina curricular. Após, no ensino secundário e superior, estudava-se a gramática da língua latina e a retórica.

Aqueles que tinham acesso a tais níveis escolares eram os oriundos das classes privilegiadas, e que, logo, desejavam seguir os padrões educacionais da época, que não valoravam a Língua Portuguesa como bem cultural capaz de se estabelecer como disciplina curricular.

A Reforma Pombalina foi determinante para a estabilização da Língua Portuguesa no Brasil e para a constituição e valorização do português como disciplina curricular. Ao lado do ensino da língua, nas modalidades da leitura e escrita, introduziu-se o ensino da gramática portuguesa, ainda que com um foco predominantemente instrumental, isto é, como apoio para o estudo da gramática da língua latina, a qual, assim como a retórica, persistiu como importante componente curricular.

(22)

Foi durante o século XIX, com a consolidação da disciplina do português na escola e a exclusão do latim do sistema de ensino fundamental e médio, em face de seu desprestígio social, que surgiram as primeiras (e numerosas) gramáticas da Língua Portuguesa. E assim, embora tenha conquistado mais autonomia, a língua permanece instituída como sistema de regras normatizado pela gramática.

Nesse mesmo período, a retórica passa a ser estudada pelo viés do uso nas práticas sociais de comunicação, e não mais exclusivamente para fins eclesiásticos. A poética, que antes era estudada dentro da retórica, ganha seu espaço e se estabelece também como disciplina curricular. Somente no fim do Império as três disciplinas (gramática, retórica e poética) passam a compor: o português. Mas, na prática, até os anos 1940, nada mudou com relação ao ensino da disciplina, a qual continuou a abranger as três áreas.

Além das inúmeras gramáticas, foram publicadas e distribuídas coletâneas de textos. Até a década de 1950, esses materiais foram largamente utilizados em sala de aula de Língua Portuguesa, cabendo ao professor a elaboração de análises, comentários, questionários e exercícios a serem propostos aos seus alunos, a partir desses materiais didáticos, os quais eram utilizados apenas como suporte e não como guias.

Não havia à época faculdades de Letras, muito menos cursos de formação de professores, e quem lecionava tais disciplinas eram os intelectuais oriundos das elites sociais, geralmente formados em Filosofia ou Direito.

Lembremos, como já dissemos aqui, que apenas uma pequena parcela da população brasileira da época, obviamente, os mais favorecidos financeiramente, tinha acesso a essa educação. A fim de comprovar tal assertiva, Razzini (1992) nos informa que até 1950, 51% da população brasileira com idade superior a 15 anos não sabia ler e escrever. Isso demonstra que o acesso à escola e ao consumo de bens culturais, como livros, revistas e jornais era legado apenas à pequena classe dominante.

Entre os anos de 1950 e 1960, ocorrem no Brasil profundas modificações sociais e culturais, levando a classe trabalhadora a reivindicar o acesso à educação também para seus filhos. Tal mudança de público acarreta então mudanças de conteúdo e disciplinas curriculares na escola, além de mudanças com relação às funções e objetivos dessa instituição. Se a retórica, como arte do bem falar, era ensinada aos filhos das classes dominantes para a manutenção de seu poder,

(23)

certamente não poderia ser ensinada a esses novos alunos que adentravam a escola.

Iniciou-se uma corrida por recrutamento de professores, a fim de atender à crescente demanda do alunado. Como consequência de tais transformações, o professor de português passa a receber em seus manuais didáticos exercícios de vocabulário, interpretação de textos, redação e gramática. A autonomia pela condução da disciplina, antes legada aos professores (os quais, até então, em sua maioria, eram formados em faculdades de Filosofia e Direito), a partir de então é transmitida ao autor do livro didático, que, agora, contemplando gramática e texto, passa a utilizar o texto como contexto para o ensino da gramática, seguindo, ainda, a tradição do ensino jesuítico.

Com um recrutamento mais amplo e menos seletivo de profissionais docentes, os quais já não têm mais autonomia no direcionamento do seu trabalho, inicia-se um processo de depreciação da profissão e consequente reflexo no salário dos professores e nas condições de trabalho, cada vez mais precárias. Tal realidade leva o professor a conformar-se com a transferência da responsabilidade de preparar aulas e exercícios ao livro didático. Somadas a isso, a ampliação de vagas e consequente mudança nas características do alunado acarretaram sérios prejuízos para as condições de ensino e de aprendizagem.

Em face da intervenção do governo militar em 1964, os anos de 1970 marcam mudanças nas disciplinas curriculares, em virtude da Lei nº5692/71 (Lei de Diretrizes de Bases da Educação), que colocou a educação no contexto desse governo, a serviço do desenvolvimento. Os anos de escolarização básica (1º grau) passam de quatro para oito anos. Ampliam-se, cada vez mais, as possibilidades de acesso à educação formal, que visava à inserção social do indivíduo, isto é, a formação de cidadãos aptos para o mercado de trabalho a fim de alavancar o desenvolvimento econômico do país.

Ao longo da década de 1970, a Teoria da Comunicação pautou o ensino de Língua Portuguesa. O ensino assume, segundo Soares (2004), um caráter utilitarista, e a disciplina de Português passa a se chamar Comunicação e Expressão (séries iniciais do 1º grau), Comunicação em Língua Portuguesa (séries finais do 1º grau) e Língua Portuguesa e Literatura Brasileira (2º grau).

Nesse contexto, a disciplina comporta elementos da teoria da comunicação, em que ao aluno cabe o papel de emissor-receptor de códigos verbais e

(24)

não-verbais. A língua é concebida como instrumento de comunicação, em substituição à concepção da língua como sistema de regras.

O objetivo do sistema de ensino é a formação de mão de obra, e o foco do ensino do português é o expressar-se bem, desenvolver o uso da língua nas práticas sociais. Como consequência, os livros didáticos passam a trazer textos publicitários, quadrinhos, humor, a fim de ampliar o conceito de leitura, antes voltado mais para recepção e interpretação de textos verbais, introduzindo os não-verbais. Além disso, a oralidade passa a ser valorizada com a finalidade de desenvolver o uso da língua em situações comunicacionais do cotidiano.

Faraco (2008, p. 186-187) comenta que, nesse período, ocorria a instalação da primeira rede nacional de televisão no Brasil, época em que se repetia o bordão “Quem não se comunica se trumbica”, pelo apresentador Chacrinha, fazendo ecoar o discurso pedagógico legitimado pelo Estado. O autor afirma ainda que, mesmo a gramática tendo um lugar acessório nos livros didáticos, o seu ensino continuou a ser feito regularmente nas escolas, atitude justificada pela cobrança de tais conhecimentos nos exame vestibulares.

Ao final da década de 1970, início de 1980, sob a influência da Linguística Textual, o ensino do português se volta para os conhecimentos metalinguísticos, destacando a coesão e a coerência como principais mecanismos para a elaboração de um texto.

Em 1980, por determinação do Conselho Federal de Educação, a disciplina volta a se chamar português em todos os níveis de ensino, em face dos avanços nas áreas das ciências linguísticas.

Teorias linguísticas desenvolvidas pela Sociolinguística, Psicolinguística, Pragmática, Linguística Textual e Análise do Discurso norteiam discussões acerca do trabalho pedagógico referente ao ensino da língua. Destacamos a influência da Sociolinguística, mostrando as diferenças dialetais que chegam à escola com a democratização do ensino, exigindo uma nova atitude da escola para lidar com tais variedades.

A polêmica quanto a ensinar ou não a gramática também surge nesse contexto, em virtude do quase apagamento da gramática no livro didático. A linguística desenvolve estudos sobre a descrição da Língua Portuguesa escrita e falada. Uma nova concepção de língua como manifesta na enunciação se opõe ao conceito de língua como instrumento de comunicação, considerando as relações

(25)

entre os sujeitos por meio da língua em suas práticas sociais, destacando ainda o contexto de interação e as condições de produção e utilização da língua.

As aulas de português passaram a focalizar a aprendizagem do uso da língua, organizando o ensino em consonância com o tripé das práticas de produção, leitura e análise linguística.

A história nos mostra, ainda, que a abordagem que se faz do texto em sala de aula de Língua Portuguesa vem se modificando. No início, como já vimos, o texto era (e continua sendo, em muitos casos) utilizado apenas como mote para a verificação de usos das regras gramaticais, sem nenhuma preocupação com a atribuição de sentidos a partir da leitura, a qual, quando proposta, era apenas de maneira silenciosa e individual, desprovida de qualquer necessidade de compreensão, mas sim, como exercício da oralidade e memorização. Posteriormente, chegaram ao livro didático os exercícios de leitura e interpretação de textos, com sequências de perguntas para guiar a compreensão dos alunos/leitores (GERALDI, 2006).

A concepção da língua como discurso passou a considerar aspectos sócio-históricos, isto é, as condições de produção desses discursos. Logo, a atividade do falante, incluindo aí as variações linguísticas, passa a ter vez, e não apenas o ensino da gramática. Tal postura justifica-se pela mudança, como já relatamos, dos destinatários desse ensino - agora, não mais os filhos de famílias privilegiadas, mas inúmeros estudantes oriundos das camadas populares, os quais traziam para a sala de aula uma ampla variedade linguística. Novas vozes que falam e escrevem chegam à escola e querem ser ouvidas, e a escola precisa se instrumentalizar para esse novo contexto, demandando novas posturas, novos conteúdos e novas metodologias de ensino do português.

Para Soares (2004), os anos de 1980 e 1990 foram, para a disciplina de português, de mudanças paradigmáticas geradas pela influência de conhecimentos desenvolvidos nas Ciências Linguísticas, na Sociologia, na História e na Antropologia, sobretudo quanto à leitura e escrita, gerando discussões acerca de uma concepção de linguagem que direcionasse a prática pedagógica.

Em face dessas novas propostas e a fim de encontrar um enquadramento do ensino de português por meio da fixidez na elaboração dos materiais didáticos, por volta dos anos de 1990, com princípios na linguística da enunciação e do discurso, os estudos da linguagem voltam-se para os gêneros do discurso, trazendo para a

(26)

sala de aula os elementos da constituição do gênero – conteúdo, estilo e forma composicional, como veremos mais detalhadamente, no capítulo 2 desta investigação.

1.3 Políticas públicas para a educação

Já vimos até aqui que os anos de 1970 e 80 foram de transformações sociais e culturais que se refletiram na democratização do ensino e, por conseguinte, no repensar de políticas educacionais.

Após um longo período de ditadura militar no país, consolida-se em 1988 uma nova Constituição Federal, que traz mudanças educacionais, sobretudo determinando o estabelecimento de conteúdos curriculares mínimos e comuns para todo o país, além de alterações de políticas. Era preciso adequar a escola às necessidades do mercado e preparar o trabalhador para corresponder aos padrões do capital mundial, atendendo aos anseios do sistema capitalista em integrar os países em desenvolvimento ao mundo globalizado.

Num momento de grande instabilidade econômica, o país se compromete cada vez mais com os organismos internacionais - Unesco, Unicef, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional – por meio de acordos de cooperação técnica e financeira, que visam financiar projetos para a área de infraestrutura econômica, passando, por conseguinte, a influenciar nas definições pertinentes às políticas sociais e educacionais no Brasil (FONSECA, 1998).

Isso ocorre porque esses organismos passam a exigir melhores resultados na educação brasileira, como contrapartida aos seus investimentos, tendo como foco elevar o desenvolvimento econômico e social a um nível aceitável pelo mercado internacional. Acerca das políticas educacionais instauradas no Brasil, em decorrência desses acordos internacionais, Santos afirma que:

As políticas de educação implementadas em nosso país inseridas neste contexto são resultado das transformações decorrentes dos processos de reestruturação e manutenção do sistema capitalista mundial, consequência da internacionalização e globalização da economia e da utilização de medidas de ajustamento econômico e político de cunho neoliberal, privilegiando as relações de mercado em detrimento da vida social e da satisfação das necessidades básicas da população pobre, como educação, saúde, transporte, moradia, empregabilidade, entre outras, expressas pela minimização

(27)

do papel do Estado em suas funções de promoção e garantia da equidade social3.

Esse autor considera que tais ações têm produzido efeitos negativos em face da ineficiência e ineficácia no enfrentamento dos problemas crônicos da educação brasileira, como as altas taxas de evasão, reprovação, precariedade no ensino – problemas esses que corroboram para a reprodução e manutenção das desigualdades escolares e sociais.

Arruda (2010), em um levantamento histórico acerca das políticas públicas para educação de jovens e adultos no Brasil, revela que a preocupação com o analfabetismo remonta aos anos de 1950, mas apenas em 1964, em face do empenho de estudantes, sindicatos e outros grupos, é que foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização para o país. Em 1967, foi criado o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização, destinado à população de 15 a 30 anos. Em 1971, a Lei 5692/71 reformula o ensino supletivo, ampliando as oportunidades educacionais para os adultos e tratando ainda da formação de professores para o EJA.

Contudo, de acordo com o estudo da pesquisadora, é a partir da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº9394/96) que a Educação de Jovens e Adultos começa a obter maiores conquistas, com programas educacionais específicos para tal modalidade, e atendimento na rede pública de ensino. E, finalmente, em 1999, chegam às instituições escolares os Parâmetros em Ação da Educação de Jovens e Adultos para o Ensino Fundamental - PCN em Ação/EJA (BRASIL, 1999). Em 2000, delimita-se a idade mínima para ingresso na educação de jovens e adultos aos 14 anos para a etapa Fundamental do ensino, e 17 para o Ensino Médio. E em 2002, elabora-se a proposta curricular para a EJA, que toma como referência os PCN (BRASIL, 1998) e os PCNEM (BRASIL, 1999). Nesse mesmo período regulamenta-se o Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA), com o objetivo de oferecer certificação de conclusão aos que não tiveram oportunidade de cursar o ensino regular em idade certa.

A década de 1990 foi, então, de reformas educacionais geradas pela aprovação da Lei de Diretrizes e Bases Nacionais 9.394/96, que teve como

3 (disponível em

(28)

fundamento a integração da educação ao trabalho, a fim de desenvolver as competências pertinentes às necessidades do desenvolvimento do país.

Sendo assim, o português, enquanto disciplina curricular, passa a ser articulado e rearticulado pelas políticas públicas por meio da elaboração de diretrizes para o ensino-aprendizagem, como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (1997 e 1998) e para o Ensino Médio (1999, 2001 e 2006), e para avaliação e escolha de materiais didáticos, como o Programa Nacional do Livro Didático - PNLD (1997), além da instituição de um Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB (1997).

O país precisava cumprir seus compromissos com os órgãos internacionais que o financiavam. Para tanto, era necessário aumentar sua produtividade e tornar-se mais competitivo nestornar-se mercado globalizado. A educação, nessa perspectiva, a fim de responder a esses anseios, passa a ser articulada com o objetivo de formar cidadãos capazes de se ajustar às mudanças sociais que ocorrem numa sociedade capitalista, cabendo à instituição escolar a responsabilidade pela preparação desses sujeitos.

Nesse viés, os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (PCNLP, 1997) buscam orientar os professores de LP na condução de um ensino além da gramática ou das tipologias e gêneros textuais, propondo uma articulação do ensino em sala de aula ao cotidiano do aluno, ao uso da língua em suas práticas sociais, a fim de oferecer a este aprendiz oportunidades de se tornar um cidadão crítico e autônomo, capaz de articular seus discursos nas diversas esferas de comunicação em que estabelece suas relações sociais. Em outras palavras, a proposta é contrapor o ensino tradicional de língua materna, propondo um trabalho efetivo com a linguagem voltado para as práticas sociais.

O documento, porém, apresenta sérios problemas de ordem conceitual, revelando falta de compreensão por parte de seus elaboradores. Cunha (2004, apud BARROS, 2008, p. 45-47) aponta para a confusão feita com alguns conceitos:

linguagem (oriundo do sócio-interacionismo) e código (oriundo do estruturalismo)

são utilizados como se fossem sinônimos; signo e sinal são usados alternativamente, embora sejam distintos; não apresenta definição de gênero, supondo que tal conhecimento seja partilhado, e apresenta texto, produto de codificação e decodificação, contrário à proposta do sócio-interacionismo. Dessa forma, lembra Barros (2008), embora tente propor uma inovação para o ensino de

(29)

língua materna, afastando-se do ensino tradicional, privilegia o uso do texto como objeto de ensino da língua, reduzindo suas propostas a concepções estruturalistas.

Marinho (2007, p. 172), refletindo acerca do contexto de elaboração dos PCN, comenta que tais propostas são o resultado de um processo iniciado em 1970, que demandou inovações pedagógicas em face da democratização da escola, gerando discussões na academia e sociedade civil, exigindo uma formalização por parte do estado, isto é, foi um movimento “gestado numa relação entre os discursos da vanguarda científica ou acadêmica e as políticas oficiais de produção curricular” (idem, p. 174).

Nesse contexto, Motta-Roth (2008, p. 344-350) destaca que os PCNs receberam influência tanto da teorização de Bakhtin – que, com base na concepção dialógica, analisa a linguagem a partir das relações sociais de interação entre sujeitos sócio-historicamente situados – e do Interacionismo sócio-discursivo – que leva à análise da ação da linguagem por meio do texto, a partir de tipos de discurso e sequências, mecanismos de textualização e mecanismos enunciativos. Logo, considerando o papel central do gênero em sua formação, tal documento regulador deveria se desenvolver processualmente, levando à prática, à discussão e ao aperfeiçoamento contínuo.

Embora ainda pouco compreendidos e pouco empregados de fato nas práticas de ensino nos dias atuais, os constructos teóricos de Bakhtin são muito relevantes na redefinição do objeto de ensino de Língua Portuguesa no Brasil. A teoria bakhtiniana da enunciação entende a língua como meio e produto de interação entre sujeitos concretos, que produzem enunciados concretos, reais, únicos e irrepetíveis, pois são irrepetíveis o tempo, o espaço e as condições de produção de cada enunciado. O objeto de ensino-aprendizagem é o conhecimento linguístico e discursivo, a partir do qual, por meio da linguagem, o sujeito participa das práticas sociais.

Nesse viés, os PCN evidenciam uma latente necessidade de romper com a tradição gramatical, que ensinava por meio da repetição de regras, buscando um ensino fundado na dinamicidade da língua, como atividade de interação, na construção permanente da língua viva.

O documento demonstra uma concepção de linguagem fundada na interação social, a linguagem como produto e meio dessa interação, como podemos destacar a seguir, acerca do caráter sócio-histórico da língua:

(30)

língua é um sistema de signos específico, histórico e social, que possibilita a homens e mulheres significar o mundo e a sociedade. Aprendê-la é aprender não somente palavras e saber combiná-las em expressões complexas, mas apreender pragmaticamente seus significados culturais e, com eles, os modos pelos quais as pessoas entendem e interpretam a realidade e a si mesmas (BRASIL, 1997, p. 20).

No mesmo caminho, o PNLD, cuja função é avaliar propostas pedagógicas vinculadas à elaboração de materiais didáticos e programas de ensino, distancia-se do que seria a escolha dos professores tradicionalistas e busca calçar seus critérios nas pesquisas mais recentes e legitimadas pela ciência da linguística para o ensino de Língua Portuguesa. Logo, assim como os PCNLP, o PNLD é orientado para o foco nas práticas de usos da língua e pela reflexão sobre os usos, reafirmando tendências como a diversidade textual e linguística como destaque para o ensino de língua materna, intensificando, ainda, as possibilidades de ensino de gêneros orais e escritos organizados por projetos ou sequências didáticas (BUNZEN, 2011, p. 905).

Kleiman (2008, p. 488-489) pondera que essas mudanças propostas ao sistema educacional, sobretudo pela publicação dos documentos normativos aqui destacados, criam uma incerteza que desestabiliza o professor, uma vez que trazem novas exigências e deveres sem os concomitantes direitos, sendo que boa parte desses profissionais desconhecem os avanços nos estudos linguísticos que embasam tais documentos.

Em consonância, Faraco (2008, p. 195-196) destaca que, embora tenham sidos formulados no intuito de inovar em termos de organização curricular e buscar sintetizar uma concepção de ensino de língua materna aspirada por linguistas, passados dez anos de sua vigência os parâmetros não tinham sido assimilados pela escola e não se refletiam no cotidiano dela. Dentre as hipóteses levantadas pelo autor está o fato de ser este um documento relativamente consistente, com excesso de teorizações que fazem sentido na academia, mas pouco dizem para a maioria dos professores.

A fim de tentar preencher essas lacunas e alcançar o sucesso na aplicação dos parâmetros, em 2002 é publicado o documento intitulado Orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+), que detalha os objetivos, distribui atividades e conteúdos pelas diferentes séries, explanando metodologias e critérios de avaliação. Já em 2006, o MEC publicou

(31)

também as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM), incluindo um capítulo voltado para a literatura.

Apesar das perspectivas apresentadas pelos documentos oficiais, referentes ao relevante papel do sujeito na construção dialógica do discurso, com destaque para a heterogeneidade linguística dos alunos, não é difícil encontrar hoje em sala de aula práticas de ensino de português voltadas, ainda, para a tradição gramatical, em detrimento de um trabalho mais reflexivo sobre a língua e suas possibilidades discursivas.

Nesse contexto, é importante se mencionar que as chamadas

Gramáticas Tradicionais tomam por base a língua, em uma de suas

variedades, a padrão. E, na medida em que elegem a norma padrão, desprezam todas as outras. Nessa perspectiva, o ensino de Gramática leva ao apagamento e ao silenciamento das vozes que constituem as múltiplas variantes da língua portuguesa, em geral; e a brasileira, em particular. Ou seja, o trabalho com a gramática jamais deve se dar dissociado da realidade, e sim consistir em uma reflexão sobre textos reais (BARROS, 2008, p. 43-44, grifo da autora).

Podemos elencar inúmeras conjecturas acerca dos motivos pelos quais isto ainda ocorre: falta de material de apoio ao trabalho com as variedades linguísticas dos alunos, falta de formação continuada (e efetiva) dos professores no que concerne aos avanços dos estudos linguísticos, precariedade na formação de alunos de Letras, sobretudo em face da desvalorização da profissão e da proliferação dos cursos rápidos e sem investimentos em pesquisa, para não mencionar os problemas mais gerais que assolam a educação no país, como falta de infraestrutura mínima ao funcionamento das escolas, salários aviltantes, o que gera dupla e/ou tripla jornada, etc.

Face a isso, Faraco (2008, p. 196-198) vislumbra a necessidade de discutir as formações de professores, a fim de garantir um melhor “domínio das práticas de língua oral e escrita e um saber amplo, consistente e crítico sobre a língua”, mas, além disso, é imperioso que se invista na carreira docente melhorando salários e condições de trabalho.

1.4 Linguagem na escola: diferenças e deficiências

Apesar das proposições dos PCN e das orientações complementares - cujas concepções são fundadas na valorização do sujeito discursivo e nas relações sociais

(32)

que este estabelece nas diversas esferas em que interage -, inúmeras pesquisas têm demonstrado que a realidade do ensino, especificamente o de Língua Portuguesa, não tem alcançado seus objetivos na totalidade – é o que revelam as pesquisas instituídas pelo SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica e PISA - Programa Internacional de Avaliação de Alunos. Em outras palavras, as práticas de ensino de Língua Portuguesa que as escolas brasileiras vêm promovendo não favorecem a formação de cidadãos capazes de opinar, argumentar, participar criticamente das práticas sociais.

Rojo (2009, p.13-21), ao tratar da exclusão e do fracasso escolar, destaca, por meio de índices do IBGE, uma regressão nas taxas de analfabetismo no país (entre 1872 e 2000, conforme o censo), porém, em face do crescimento demográfico, nota-se um avanço considerável no número de analfabetos no mesmo período.

Destaque-se que o censo de 1990 revelou que apenas 19% da população do país possuía o ensino fundamental completo, e já no primeiro ano de escolaridade, apenas 51% dos alunos eram aprovados.

Para tentar entender essas mazelas, relembremos que a instituição escolar, como já vimos neste capítulo, por séculos se dedicou ao ensino restrito aos filhos das classes financeiramente privilegiadas. Com a entrada, na segunda metade do século XX, das classes populares na escola, começam as preocupações institucionais com o fracasso escolar. O número de vagas na escola pública cresce, mas muitas crianças, a maioria de classes populares, não conseguem permanecer na escola. Logo, tal democratização do ensino, reflexo das lutas da classe trabalhadora, resultou em avanços quantitativos e diversificação do alunado, evidenciando, cada vez mais, a distância entre culturas e linguagens da elite e das classes trabalhadoras.

Soares (2000) analisa que a escola pública, apesar de ter por objetivo a democratização do saber, caminha a passos lentos no que diz respeito ao acesso à educação pelas camadas mais populares. A autora comenta que o censo de 1980 revela que, naquele ano, mais de trinta por cento da população entre 7 e 14 anos estava fora da escola, uma vez que os poucos que conseguiam ingressar logo saiam por não conseguirem aprender, aumentando assim os índices de repetência e evasão escolar. Dentre os principais motivos da evasão escolar estão os índices de

(33)

reprovação, fator determinante para levar o governo a instituir a política de ciclos e progressão continuada a fim de garantir a permanência na escola.

Na tentativa de demonstrar possíveis justificativas para tal realidade, a autora passa a discorrer sobre três vertentes ideológicas que podem ter influência na maneira como encaramos esse fracasso: Ideologia do dom, Ideologia da deficiência cultural e Ideologia das diferenças culturais.

De acordo com a Ideologia do dom, o fracasso do aluno estaria relacionado à falta de condições básicas para a aprendizagem, isto é, às suas potencialidades individuais. À escola caberia o compromisso de ajustar os alunos à sociedade, de acordo com as suas aptidões, devendo o aluno se adaptar e responder às oportunidades que a escola lhe oferece.

Para a Ideologia da deficiência cultural, as diferenças sociais teriam sua origem nas diferenças de aptidão, de inteligência, isto é, apenas os alunos inteligentes teriam acesso à ascensão social, e, da mesma forma, as desigualdades sociais seriam responsáveis pelas diferenças de rendimento escolar.

Já para a Ideologia das diferenças culturais, o fracasso dos alunos das camadas populares teria origem na postura discriminativa da escola em relação à diversidade cultural, por valorizar somente a cultura das classes dominantes, elegendo padrões culturais “certos” e “errados”, num processo de marginalização cultural.

A pesquisadora destaca que a relação entre linguagem e cultura é fundamental, uma vez que aquela é, ao mesmo tempo, produto e meio de expressão desta. É também a linguagem o fator mais saliente nas conjecturas daqueles que tentam justificar o fracasso escolar das camadas populares, uma vez que é o uso da língua na escola que evidencia as diferenças entre grupos sociais, gerando discriminações e fracassos. Basta lembrar o preconceito linguístico por que passa quem se utiliza de variantes linguísticas estigmatizadas em suas relações comunicativas. Nesse viés, entendemos que se a escola sempre privilegiou o ensino à classe dominante, nada mais natural que privilegie também a sua cultura e a sua língua.

Por outro lado, Soares (2000, p. 39) lembra que, conforme evidenciam a antropologia e a sociolinguística, não existe língua mais complexa, mais simples, mais expressiva ou mais rica que outra, uma vez que todas possuem suas

(34)

particularidades, são diferentes umas das outras, se adequam às necessidades e características de sua própria cultura, e todas são instrumentos de comunicação.

A autora ressalta que, assim como ocorre com as línguas, cada dialeto e cada registro atende às necessidades comunicativas dos falantes de determinado grupo onde a fala ocorre, e não há teoria linguística que trate da superioridade de uma variedade sobre a outra.

Acerca disso, Bagno (2007, p. 89) vem nos advertir sobre as questões políticas e ideológicas que permeiam a eleição de um padrão linguístico. O autor destaca que:

Nenhuma dessas línguas ou variedades foi escolhida por ser mais “bonita”, mais “lógica”, mais “exata”, mais “elegante”, mais “refinada” que outras. A escolha se fez por critérios exclusivamente políticos e ideológicos: quem está no poder vai querer impor o seu modo de falar a todo o resto da população.

Pensando nas relações de poder que permeiam o uso da língua, não é difícil concordar com Bagno, se refletirmos sobre a imposição da língua do Príncipe Português no Brasil, como discorremos no início deste capítulo. Podemos lembrar que tal imposição ocorreu para demarcar a colônia e garantir a permanência do domínio português sobre ela. E chegamos hoje às relações sociais estabelecidas entre grupos que usam variedades diferentes dentro do mesmo território. Logo, a língua é um produto sociocultural, meio de interação social e, no jogo político, é utilizada como instrumento de poder, de coerção, de submissão, exclusão e repressão de povos dominados, de classes sociais desfavorecidas.

De fato, segundo Soares, essas diferenciações refletem essas relações de superioridade entre as variantes, as quais não são de cunho linguístico, mas de cunho social. Trata-se de atitudes sociais que, a partir de valores sociais e culturais, transformam as diferenças em deficiências, julgando os seus falantes e não apenas a sua fala. Por fim, ela adverte que eliminar essas discriminações e desigualdades não cabe especificamente ou somente à instituição escolar, mas à sociedade como um todo, por meio de transformações na estrutura social, a fim de garantir igualdade de condições de acesso, permanência e rendimento escolar (SOARES, 2000, p. 40-65).

Reconhecemos, como a autora, o fato de que os conhecimentos e habilidades aos quais temos acesso por meio da escola são instrumentos fundamentais de luta contra as desigualdades econômicas e sociais. Mas temos que admitir que a escola

(35)

é também o centro de onde provêm divisões e diferenciações entre grupos, onde nascem preconceitos e discriminações linguísticas e culturais. Desta forma, é preciso que a escola assuma seu papel político diante de tal realidade, promovendo um ensino mais eficiente, a fim de instrumentalizar essas camadas menos favorecidas para que possam reivindicar por iguais condições de participação cultural e política.

Em se tratando do uso da língua, especificamente, Soares (Op. Cit.) reflete que, sendo a língua o principal instrumento de ensino e aprendizagem em todas as áreas do conhecimento, além de instrumento básico de comunicação, é imperioso que o professor tenha em mente a necessidade de uma constante articulação entre variedades linguísticas e classe social na condução do ensino da língua materna. Mais que científica e técnica, trata-se de uma questão política. É a partir dessa relação que podemos construir um ensino mais eficiente, vinculado às condições sociais e econômicas de uma sociedade de classes.

Nesse mesmo raciocínio, Silva (2004, p. 24-26) propõe um ensino de língua materna que propicie, desde as séries iniciais, a convivência, valorização e respeito à diversidade linguística, com o propósito de desenvolver a expressão oral dos estudantes, evitando bloqueios na comunicação escrita e oral. Para a autora, a fim de evitar avaliações de certo e errado, é necessário contrastar as variedades da linguagem verbal em uso de forma a estimular adequações situacionais, enriquecendo a expressão, a comunicação e a compreensão do mundo por meio dos diversos meios de comunicação de que dispõe o homem. Dessa forma, mostrando as potencialidades comunicativas da língua, pode-se aprimorar seu uso de forma libertadora, tendo em mente a dinamicidade da língua.

Em se tratando de relações sociais que envolvem o uso da língua, o próximo capítulo apresenta uma visão da língua fundada no diálogo entre sujeitos, nas relações de alteridade que os envolvem, no desenvolvimento do sujeito e da linguagem em face dessas relações. A concepção dialógica do Círculo de Bakhtin traz os fundamentos teóricos e metodológicos que nortearam nosso olhar e nosso fazer nesta pesquisa.

(36)

CAPÍTULO 2

REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

Brait (2010, p. 9-31), em seu artigo sobre Análise e teoria do discurso na perspectiva dialógica de Bakhtin, ao considerar os estudos realizados por esses pesquisadores no conjunto de sua obra, argumenta que o Círculo motivou o nascimento de uma teoria/análise dialógica do discurso - uma pesquisa embasada na concepção de linguagem, de construção e produção de sentidos a partir de relações discursivas entre sujeitos sócio-historicamente situados.

A autora sustenta tal argumentação a partir do que, segundo ela, seria a primeira vez em que tal análise/teoria é proposta na obra do Círculo, no capítulo “O discurso em Dostoiévski”:

Intitulamos este capítulo “O discurso em Dostoiévski” porque temos em vista o discurso, ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva, e não a língua como objeto específico da Linguística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da vida concreta do discurso. Mas são justamente esses aspectos, abstraídos pela Linguística, os que têm importância primordial para os nossos fins. Por este motivo as nossas análises subsequentes não são linguísticas no sentido rigoroso do termo. Podem ser situadas na metalinguística, subentendendo-a como um estudo – ainda não constituído de disciplinas particulares definidas – daqueles aspectos da vida do discurso que ultrapassam – de modo absolutamente legítimo – os limites da Linguística. As pesquisas metalinguísticas, evidentemente, não podem ignorar a Linguística e devem aplicar os seus resultados. A Linguística e a Metalinguística estudam um mesmo fenômeno concreto, muito complexo e multifacético – o discurso -, mas estudam sob diferentes ângulos de visão. Devem completar-se mutuamente e não fundir-se. Na prática, os limites entre elas são violados com muita frequência (BAKHTIN, 2002 [1929], apud BRAIT, 2010, p. 11).

Nesse viés, para definir tal teoria, a pesquisadora destaca a Metalinguística e a Linguística como disciplinas essenciais para tal atividade, uma vez que ambas estudam o mesmo objeto, o discurso, sob aspectos distintos, que devem

complementar-se mutuamente. Isso significa que tal empreendimento é alcançado

tomando-se aspectos internos e externos ao discurso, caso contrário, não seria dialógico.

Sem a intenção de propor categorias de análise que possam ser aplicadas mecanicamente a qualquer texto em atividades de compreensão das formas de

Referências

Documentos relacionados

Jayme Leão, 63 anos, nasceu em Recife, mudou-se para o Rio de Janeiro ainda criança e, passados vinte e cinco anos, chegou a São Paulo, onde permanece até hoje.. Não

O novo sistema (figura 5.7.) integra a fonte Spellman, um novo display digital com programação dos valores de tensão e corrente desejados, o sinal visual do

Os produtos podem ser devolvidos por diversos motivos, sendo mais comum por aproximação do fim de validade ou por ter sido pedido por engano. Nas situações em que o fornecedor

As empregadoras colaborarão com a entidade de classe no sentido de prestigiar as festividades da semana da enfermagem, anualmente entre os dia 12 à 20 de maio, liberando

Devido ao reduzido número de estudos sobre fatores de risco para PI, optou-se por utilizar como categorias de referência as de menor risco para o BPN, conforme apontado pela

O Climate Policy Initiative/ Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas da PUC-Rio trabalha para aprimorar políticas públicas de energia e uso da terra gerando evidências para

o Wyndham rewards, reconhecido como melhor programa de fidelidade do segmento hoteleiro, por exemplo, padronizou a quantidade de pontos necessária para ser trocada por uma noite

O relato é de natureza aplicada e apresenta abordagem qualitativa, pois teve como objetivo gerar conhecimentos para aplicação prática do uso de gamificação através