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Não podemos negar que a mídia, de uma maneira geral, é um dos maiores instrumentos de formação de opiniões de uma sociedade (se não o maior), que, neste contexto investigado, desempenha um papel doutrinador ao defender um português puro, fundado nas gramáticas normativas, marginalizando, assim, as variedades populares e insistindo em manter e reforçar o caráter normativo disseminado no senso comum de língua correta ou incorreta. Exemplo disso é o sucesso do investimento da Rede Globo no quadro Soletrando do programa do Luciano Huck. Trata-se de uma competição entre estudantes da educação básica que considera apenas a formação da palavra dicionarizada, não passando de um jogo de memorização que, como faz muito sucesso no exterior, foi copiado no Brasil.

Nesse contexto, a Rede Globo, inaugurando a polêmica em nível nacional, através de seus jornais televisivos de maior visibilidade – Jornal Nacional (Texto 1) e Bom dia Brasil (Texto 2) -, deflagra a celeuma utilizando recursos linguísticos que demonstram a grandiosidade e a gravidade do problema pautado por eles. Vejamos:

(Texto 1)7

(Texto 2)8

7 Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/05/mec-defende-que-aluno-nao-precisa-

Sabemos que o enunciado quase meio milhão de alunos é muito diferente de

484.195 alunos. Mas, daquele modo, o impacto é bem maior. Passa-se o sentido de

que o problema é grande, imenso, gigantesco, com proporções nunca vistas, convocando o leitor a uma tomada de posição diante da gravidade do acontecimento, incitando a opinião pública à polêmica. É visível aqui, também, a presença autoral do veículo de comunicação, que objetiva ampliar a polêmica, alimentando a posição ideológica de que o português é uma língua única, fundada na rigidez dada pela gramática.

Para tornar mais evidente esse aspecto, observemos a relação existente entre três enunciados constituídos no gênero notícia, publicados no site G1. O primeiro deles, publicado em 18/05/2011, não possui assinatura, os demais, publicados em 31 do mesmo mês, são de autoria de Robson Bonin.

(Texto 3)9

Texto 410

8

Disponível em: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2011/05/aboliu-se-o-merito-e-agora-aprova-se- frase-errada-para-nao-constranger.html, acesso em 03/10/2013

9 Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/mec-nao-vai-recolher-livro-com-erros-de-

Texto 511

Considerando a ordem cronológica em que tais recortes estão organizados, notamos que o tom condenatório da emissora em relação às possibilidades de variações de uso da língua é muito mais evidente nos Textos 1 e 2, pois, com o passar dos dias, em face da repercussão da notícia e do crescimento do debate, a valoração dada ao livro em questão, feita pelo enunciado nos títulos das notícias veiculadas no site, sofre algumas alterações: livro com erros de concordância (Texto 3); livro didático do MEC (Texto 4); e livro do MEC (Texto 5).

Ainda podemos destacar que, embora a primeira notícia revele, logo no título, que o livro contém erros de concordância – MEC não vai recolher livro com erros de

concordância, diz Haddad (Texto 3) -, nas outras duas publicações, o site é mais

cauteloso.

Na segunda notícia, o subtítulo traz: Livro do MEC distribuído a escolas

aceitaria erros de concordância (Texto 4).

Já na terceira, tal informação é publicada apenas dentro do texto, e não no título ou subtítulo. Vejamos:

10

Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/haddad-chama-de-injustica-crassa-criticas- livro-didatico-do-mec.html, acesso em 01/10/2013.

11 Disponível em:, http://g1.globo.com/educacao/noticia/2011/05/ministro-da-educacao-compara-criticas-

(Texto 5)

Notemos a mudança do tempo verbal na constituição linguística dos enunciados da segunda e terceira notícia veiculada (futuro do pretérito – aceitaria, permitiria) como um indício de distanciamento da polêmica, como que querendo deixar para outros a oportunidade de julgar a questão da veracidade dos fatos.

Essa modificação na valoração dada ao livro pode ser justificada pelo avanço nas discussões que envolveram a polêmica, apontando para discursos contra e a favor da proposta pedagógica defendida pelos autores da obra. Seria uma forma de evidenciar a neutralidade do veículo de comunicação neste debate.

Nesse mesmo contexto, destacamos a seguir a plurivocalidade caracterizada por citações diretas e indiretas presentes nos enunciados como outra estratégia de que o enunciador dispõe para se aproximar e se distanciar de opiniões de seus outros.

Atentemo-nos para a convocação de forma mais indireta da voz do Ministro da Educação (representante do governo federal e responsável pela distribuição do livro), distanciando-se deste com o objetivo de demonstrar imparcialidade no debate. Vejamos:

(Texto 4)

(Texto 5)

Por outro lado, notemos que quando o enunciador se reporta a críticos do livro o faz de forma mais direta, num movimento de aproximação do discurso deste:

(Texto 3)

No recorte acima, o discurso da Academia Brasileira de Letras é incorporado ao discurso do locutor, num movimento de aproximação, demonstrando o nivelamento ideológico entre essas vozes. A ABL é convocada muito apropriadamente para endossar o discurso do G1 nessa notícia (Texto 3 - MEC não

vai recolher livro com erros de concordância, diz Haddad). Essa publicação ainda

traz uma breve descrição de COMO O MEC ESCOLHE OS LIVROS DIDÁTICOS. No Texto 4 (Haddad chama de ‘injustiça crassa’ críticas a livro didático do

MEC), o G1 traz um link (saiba mais) para a notícia anterior (Texto 3). E o Texto 5

mesmo dia do Texto 4, traz um link (saiba mais) para as duas notícias veiculadas anteriormente.

Embora mais cauteloso quanto à valoração dada ao livro nos títulos, observamos logo no início dessas duas últimas publicações o mesmo enunciado sendo retomado:

(Texto 4)

(Texto 5)

Ao retomar o enunciado anterior (veiculado no mesmo dia, pelo mesmo autor, no mesmo veículo de comunicação), o locutor reforça o discurso de que o livro está sendo criticado por diversos setores da sociedade, e não pela mídia. Logo, o autor/veículo se projeta no discurso como um porta-voz da sociedade, a fim de convocar essas vozes para apoiarem o seu discurso, convocando o leitor potencial do site para apoiar seu posicionamento, respondendo ativamente a ele, se posicionando. Mais uma vez, o enunciador tenta se mostrar neutro no debate, demonstrando ao seu leitor que ele, como cidadão, deve também se posicionar diante da discussão, como fazem os “diversos setores da sociedade”.

A segunda notícia revela ainda que Haddad também convoca outras vozes para apoiar seu discurso:

(Texto 4)

Por meio do excerto acima, o G1 tenta demonstrar que, ao contrário de seus oponentes, Haddad não agrega diversos setores da sociedade, citando apenas alguns artigos de jornal, educadores e entidades de ensino. Um destaque muito oportuno para fragilizar o discurso do Ministro da Educação, logo, do governo federal, e, por conseguinte, do governo do PT.

Vale refletir que, pela tradição, o purismo linguístico é uma ideologia compartilhada tanto para “direita” quanto pela “esquerda”, logo, com certeza, as críticas seriam as mesmas se o governo fosse do PSBD.

Nesse viés, atentemos para o fato de que tal celeuma se deu logo no início da gestão da presidente Dilma Roussef. Nesse contexto em que se completam oito anos da primeira gestão do PT na presidência do país e em que pela primeira vez uma mulher ocupa tal cargo, a polêmica do livro didático “Por uma vida melhor” representa uma boa oportunidade para engrossar as fileiras de críticas ao partido.

É o que podemos notar ao analisar o Texto 5, onde o jornalista destaca o que chama de “troca de farpas” entre o Ministro da Educação Fernando Haddad (PT) e o Senador Álvaro Dias (líder do PSDB no Senado).

Texto 5

Nessa luta política travada entre o ministro e o senador, o enunciador da notícia mantem-se distanciado por meio das citações indiretas (afirmou Haddad,

afirmou Dias, questionou Dias, afirmou Haddad) e, para por fim ao debate, conferiu a

última palavra ao presidente da Comissão de Educação do Senado, Roberto Requião (PMDB):

(Texto 5)

Sem mais considerações, ao final, o jornalista traz um resumo (Injustiça

crassa) da notícia publicada no mesmo dia (Texto 4 – Haddad chama de ‘injustiça crassa’ críticas a livro didático do MEC). E, mais uma vez, o enunciador tenta

demonstrar a imparcialidade do site G1 que, segundo ele, agregaria em suas notícias vozes de vários grupos e representações sociais, deixando que o leitor atribua sentidos e tire suas próprias conclusões.