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Sobre a entrevista recorrente.

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: IDENTIDADE E PERSPECTIVAS.

1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.

1.2. Sobre a entrevista recorrente.

A entrevista é um dos procedimentos que mais auxiliam na coleta de dados das investigações qualitativas. Aliada à observação, a entrevista acrescenta o fator da interatividade entre pesquisador e pesquisado, principalmente naquela em que se utilizam questões abertas, onde o entrevistado pode discorrer sobre o tema solicitado. Michelant(1982) considera que esse tipo de entrevista é "essencial todas as vezes em que

normas, de representações, de símbolos próprios à uma cultura ou subcultura"(p.192).

A habilidade e competência do pesquisador são consideradas, por Thiollent(1982), como questões primordiais para o aproveitamento total da entrevista. Para o autor, um fator importante é o que ele chama de atenção flutuante por parte do pesquisador, pois será essa atenção que o permitirá estar atento a toda gama de informações que estarão envolvidas ao longo da relação interativa. Essas informações ultrapassam os relatos verbais, indo também para os gestos, entonações, sinais não-verbais, hesitações, que acabam por contornar a informação dada. Mas como não cair no perigo de inferências infundadas? ou ainda interpretações errôneas por parte do pesquisador? Nesse aspecto aparecem as contribuições de estudos como os de Bori e colaboradores(1978), Tunes(1981), Goyos(1986), Simão(1989), Zanelli(1992), Guanais(1995) e Larocca(1996) que foram aprimorando, através de variações, um procedimento de entrevista denominado entrevistas recorrentes. Este tipo de procedimento é o que será utilizado para a coleta de dados, no presente estudo.

A contribuição fundamental dada pelo desenvolvimento das entrevistas recorrentes foi o aperfeiçoamento da interação pesquisador-pesquisado. Nesta perspectiva, a interação torna-se o núcleo central para a construção do conhecimento , na medida em que o sujeito participante passa a ter uma atuação maior na relação entrevistador-entrevistado, pois será ele quem irá fornecer ao pesquisador a confirmação e/ou modificações das interpretações que o mesmo fez dos relatos verbais transformados em relatos escritos. Para tanto, o pesquisador irá realizar constantes consultas ao sujeito entrevistado , com o objetivo de esclarecer continuamente as dúvidas e inferências feitas sobre a análise inicial dos dados coletados, até concluírem que a questão está totalmente esclarecida.

Neste procedimento, o pesquisador e pesquisado desenvolvem, ao longo do procedimento, o aperfeiçoamento da comunicação, possibilitando a obtenção do conhecimento de um determinado tema. Para Simão(1989), "ao

longo do tempo, sob as condições da própria interação, as informações sobre o tema vão se modificando, se transformando, e é a esse processo que estou chamando de construção de conhecimento"(p.196).

A cada instante da interação abrem-se possibilidades de mudanças e aperfeiçoamentos das interpretações geradas ativamente no processo das entrevistas recorrentes. Portanto o conhecimento, neste procedimento, é gerado pela contínua cooperação mútua entre pesquisador e pesquisado, configurando-se assim uma interação dialética entre conhecimento e ação.

Uma questão central que irá permear as entrevistas recorrentes é a linguagem. Zanelli(1992) aponta a linguagem como um elemento fundamental presente em todo processo de interação entre pesquisador- pesquisado. "A linguagem constitui-se em meio complexo e que marca

singularmente as ações humanas. Permite a vinculação subjetiva do raciocínio ao mundo exterior ao ser"(p.59).

A linguagem, expressa nos conteúdos verbais presentes nas entrevistas, permitirá o acesso aos eventos privados, através de um cuidadoso exame dos seus significados. Para Engelmann(1983), o significado é "aquilo que se encontra atrás da fala em seu nível de organização

mais molar"(p.1452). É o nível semântico que projeta o nível psicológico do

indivíduo, ou o que está acontecendo dentro dele.

No procedimento proposto, os relatos verbais dos participantes deverão apontar situações por eles vivenciadas e as interpretações que os mesmos fazem dessas situações. Simão(1989) aponta para o fato de que essas interpretações caracterizam-se pelas relações que o sujeito vai estabelecendo entre as suas ações e as dos outros. "É o produto de

reflexões que envolvem alguma espécie de abstração, classificação e estabelecimento de relações entre eventos"(p.120).

A tarefa do pesquisador, portanto, será a de apreender o significado do que foi relatado no diálogo interativo. Essa apreensão é enriquecida , nas

entrevistas recorrentes, pela possibilidade que o pesquisador possui de conferir o significado atribuído ao relato verbal, com o próprio sujeito que o emitiu. Para tanto, o pesquisador transformará o relato verbal em dados através da linguagem escrita , inferindo as suas interpretações nessa transcrição. Para Zanelli(1992) "a transcrição transforma o relato verbal,

produto de ação do falar, em linguagem escrita e permite, nesta forma, que sejam feitas operações no relato"; a trancrição nesta perspectiva se " constitui uma versão do relato verbal oral do sujeito que inclui elementos do universo do transcritor"(p.65).

As ações interativas entre pesquisador e pesquisado, com o objetivo de checar as inferências feitas, só estarão concluídas quando ambos considerarem que a temática em questão foi adequadamente analisada e esgotada. A partir da conclusão dessa fase, é iniciada a análise final do material obtido nas entrevistas, realizada apenas pelo pesquisador, a fim de estabelecer as matrizes temáticas dos conteúdos dos relatos, com vistas à classificação e interpretação conclusiva dos dados. Portanto, esse procedimento pressupõe duas fases que envolvem a análise: a primeira, através das entrevistas recorrentes checando-se as inferências feitas sobre os relatos verbais, com a participação ativa dos sujeitos; a segunda, realizada somente pelo pesquisador, utiliza-se da análise dos dados de cada sujeito, a fim de organizar as matrizes temáticas, que irão dar sustentação às conclusões encontradas no presente trabalho.

Os estudo citados utilizaram as entrevistas recorrentes adotando diferentes procedimentos na primeira fase. Essa diferenças possibilitaram um aperfeiçoamento na interação entre entrevistado-entrevistador, demonstrando, dessa forma, que este tem sido um procedimento de grande potencial dentro das abordagens qualitativas , especialmente nos estudos de eventos privados, cujo acesso é basicamente através dos relatos verbais. As

2. SUJEITOS.