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2 QUESTÕES DE MÉTODOS E METODOLOGIA NA OBTENÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES DO COTIDIANO

2.1 Sobre o método

Em toda investigação científica a clara definição do método é imprescindível para o objetivo pretendido. Portanto, não há ciência sem o emprego de método científico.

A definição do método irá depender de uma série de fatores. O principal diz respeito ao qual o pesquisador acredita ser o mais adequado à sua investigação ou mesmo àquele que tem maior afinidade. Nesse sentido, compreende-se a falta de neutralidade nos questionamentos científicos. Como afirma Minayo (2000, p.37) “pelo contrário, qualquer estudo da realidade, por mais objetivo que possa parecer, por mais “ingênuo” ou “simples” nas pretensões, tem a norteá-lo um arcabouço teórico que informa a escolha do objeto, todos os passos e resultados teóricos e práticos”.

Nesse contexto, o método é definido de acordo com os objetivos do pesquisador e para tal, torna-se necessário ter conhecimento sobre o mesmo. Assim, prora-se desvendar de maneira sucinta o conceito de método para ancorar coerentemente na realização desta pesquisa.

Lakatos (2006, p. 40-41) enumerou conceitos de método em vários autores dos quais serão destacados quatro:

 Método é o “caminho pelo qual se chega a determinado resultado, ainda que esse caminho não tenha sido ficado de antemão de modo refletido e deliberado” (HEGENBERG, 1976, p.115);

 “Método é o conjunto coerente de procedimento racionais ou prático- racionais que orienta o pensamento para serem alcançados conhecimentos válidos” (NÉRICI, 1978, p. 115);

 “Método é um procedimento regular, explícito e passível de ser repetido para conseguir-se alguma coisa, seja material ou conceitual” (BUNGE, 1980, p. 19);

 Método científico é “um conjunto de procedimentos por intermédio dos quais a) se propõem os problemas científicos e b) colocam-se a prova as hipóteses científicas” (BUNGE, 1974, p. 55).

Tais pressupostos têm suas validades e imperfeições. Alguns enfatizam a sistematização do agir, outros indicam que as regras discerníveis na prática científica não são cânones intocáveis. Mas, o autor interpreta e coloca sua posição indicando que

o método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros –, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista (LAKATOS, 2006, p. 41-42).

Este trabalho busca a apreensão do método mais adequado ao objetivos e sem esquecer a cientificidade exigida na reflexão metodológica sobre os problemas propostos na pesquisa.

Para tanto, fez-se uso do arcabouço fenomenológico, posto que possibilita a leitura das experiências vividas, realizadas, recriadas no cotidiano, no dia-a-dia dos grupos sociais. Foi utilizada também a percepção como ancora na busca das respostas dos questionamentos possíveis.

2.2 A fenomenologia

O século XX foi marcado por uma profusão filosófica na ciência com a emergência do estruturalismo, existencialismo, marxismo, entre outras. Foi nessa época, entre o final do século XIX e início do século XX, que surgiu a fenomenologia, um dos movimentos filosóficos mais importantes e fascinantes do século XX (MOREIRA, 2004, p. 59). A origem é atribuída a Edmund Husserl (1859-1938) com a publicação da obra “Investigações Lógicas”. Teve início a partir de uma crise cultural do conhecimento e da própria filosofia, assim como um questionamento à metafísica e sua redução (CRITELLI, 1996).

A fenomenologia é um movimento que surge em oposição à forma de pensar e ser da metafísica que se centra na experiência intuitiva capaz de apreender o mundo exterior e questionar a crença mantida pelo homem comum de que os objetos existam independentemente de nós mesmos, o que permitiu visualizar outras maneiras de compreensão do homem, do mundo, do ser, da verdade, etc. Esta última tem o caráter de provisoriedade, mutabilidade e relatividade, radicalmente diferente do entendimento da metafísica que pressupõe uma verdade una, estável e absoluta (CRITELLI, 1996). Neste sentido, pode ser vista enquanto uma postura ou atitude (como um modo de compreender o mundo e não uma teoria como um modo de explicar o mundo).

Tomada em sentido etimológico, o termo fenomenologia provém de duas palavras gregas, phainomenon (aquilo que se mostra a partir de si mesmo) e logos

(ciência ou estudo). Assim, seu sentido primeiro é ciência ou estudo dos fenômenos,

sendo que por fenômeno, em seu sentido mais genérico, entende-se tudo o que aparece, que se manifesta ou se revela por si mesmo (MOREIRA, 2004, p. 63).

É a experiência vivida o foco central da fenomenologia como diz Husserl: é uma forma totalmente nova de fazer filosofia, deixando de lado especulações metafísicas abstratas e entrando em contato com as “próprias coisas”, dando destaque à experiência vivida.

À fenomenologia importa como o fenômeno se apresenta na consciência de cada indivíduo, sem dar importância ao objeto puro existente. É, na verdade, a percepção através dos nossos sentidos do objeto. É na consciência que existe o fenômeno proposto na fenomenologia.

Além da aparência das coisas físicas na consciência, também a aparência de algo intuído, de algo julgado, de algo imaginado, de algo fantasiado, de algo desejado, de algo temido, etc., também é um fenômeno (MOREIRA, 2004, p. 66).

Em Heidegger, a fenomenologia irá tratar do velamento e desvelamento, na abertura do ser-aí. A fenomenologia tem o significado de fazer ver a partir de si mesmo, as coisas em si mesmas, deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra. A fenomenologia dá acesso ao que deve tornar-se o tema da ontologia, permite determinar o objeto da ontologia. “A ontologia somente é possível como fenomenologia. O conceito fenomenológico de fenômeno visa o ser do ente, enquanto aquilo que se manifesta, seu sentido, suas modificações e derivações”. (STEIN, 2001, p. 170). A fenomenologia é a via e o modo de investigação para se

determinar o que deve compor tema da ontologia. A fenomenologia, numa visão heideggeriana, é um esforço de revelar aquilo que está oculto (SILVA, 2008).

É no ser, em seu sentido enquanto desvelamento e manifestação que Heiddeger busca trazer à tona nos seus escritos. Para ele, é o homem o único responsável pela detecção do ser. A existência do ser está associada ao seu tempo histórico.

Heidegger tomou seu caminho próprio, preocupado que a fenomenologia se dedicasse ao que está escondido na experiência frequente. Em “O ser e o tempo” (1927) ele procurou descrever o que chamou de estrutura do cotidiano, ou "o estar no mundo", com tudo que isto implica quanto a projetos pessoais, relacionamento e papeis sociais (pois que tudo isto também são objetos ideais). Em sua crítica, Heidegger salientou que ser lançado no mundo entre coisas e na contingência de realizar projetos é um tipo de intencionalidade muito mais fundamental que a intencionalidade de meramente contemplar ou pensar objetos, e é aquela intencionalidade mais fundamental a causa e a razão desta última, da qual se ocupava Husserl (COBRA, 2001).

A tarefa efetiva da fenomenologia será, pois, analisar as vivências intencionais da consciência para perceber como aí se produz o sentido dos fenômenos, o sentido desse fenômeno global que se chama mundo (DARTIGUES, 1992, p. 26).

O método fenomenológico é uma excelente estratégia para a pesquisa quando se pretende coletar dados referentes à experiencia vivida das pessoas. Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, a informação coletada pelo pesquisador nao é expressa em número, ou então os números e as conclusões neles baseadas representam um papel indicativo e, portanto, relativo na análise (MOREIRA, 2004, 103).

A pesquisa qualitativa possui características essenciais, mesmo que estudos dessa natureza, por vezes, diferem entre si a partir do método, forma e obejtivos. Godoy (1995, p. 62) enumera tais características:

 O ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento fundamental;

 O caráter descritivo;

 O significado que as pessoas dão às coisas e a sua vida como preocupação do investigador;

 Enfoque indutivo.

De certa maneira, as pesquisas qualitativas se assemelham a procedimentos de interpretação dos fenômenos que são empregados diariamente, que têm a mesma natureza dos dados que o pesquisador qualitativo emprega em sua pesquisa. Tanto em um como no outro caso, trata-se de dados simbólicos, situados em determinados contextos e que revelam parte da realidade.

Nesse quadro qualitativo de pesquisa, as principais estratégias de coletas de dados no método fenomenológico são, segundo Moreira, (2004, p. 118):

 Entrevista: os participantes descrevem verbalmente suas experiências de um fenômeno;

 Descrição escrita de experiências pelos próprios participantes;

 Relatos autobiográficos em forma escrita ou oral;

 Observação participante: aqui, o pesquisador parte das observações do comportamento verbal e não-verbal dos participantes, de seu meio ambiente, das anotações que ele mesmo fez quando em campo, de áudio e videotapes disponíveis, etc.

Com relação aos dados analisados, os diversos aspectos da experiência, comum a todos os participantes, constituem-se na essência dessa experiência vivida. Os aspectos particulares a cada participante, que não são comuns aos demais, não interessam ao pesquisador, porquanto não compõem a essência, serão agora, em geral, substituídos por uma análise consciente que o pesquisador elabora sobre os depoimentos dos participantes. Essa análise pode ser descrita de maneiras diferentes nas variantes do método na pesquisa, mas será sempre reconhecível, pois levará às temáticas comuns aos participantes (MOREIRA, 2004, p. 114-115).

Observa-se que os resultados da pesquisa fenomenológica são invariavelmente descritos a partir da orientação dos participantes, em vez de serem codificados em linguagem cientifica ou teórica. Usam-se as palavras reais dos participantes para ajudar na descrição. O pesquisador identifica “temas” nos dados; a partir dos temas é desenvolvida uma explicação estrutural (MOREIRA, 2004, p. 118).

Com isso, compreende-se que a análise da percepção é imprescindível na tentativa de encontrar um modo mais completo de desvendar as relações do ser

humano com o ambiente, tanto no âmbito individual como coletivo, sem deixar de vista suas expectativas, ações e considerações.

2.3 A percepção

Embora se possa dizer, a rigor, que a atividade geográfica, desde suas origens mais remotas, sempre se baseou nas percepções ambientais de seus praticantes, o que se observa, a partir do final dos anos 1960, é um verdadeiro resgate e uma nova valorização dessa maneira de explorar os lugares e paisagens da Terra (AMORIM FILHO, 1987)

Os organismos internacionais passaram a compor grupos de pesquisa baseados na percepção ambiental como a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e a UGI (União Geográfica Internacional). No Brasil, foram abertos cursos de pós-graduação em várias instituições que, voltados para as questões ambientais, representam papel importante para o destaque da abordagem de percepção.

O processo de percepção ambiental vivenciado nas últimas décadas insere- se nos movimentos sociais e na academia e, em ambos, vem promovendo maior consciência e conhecimento sobre o ambiente voltados para a proteção e a conservação de espécies, recursos, meios, ecossistemas, etc.

A percepção ambiental pode ser definida como sendo uma tomada de consciência do ambiente pelo homem, ou seja, o ato de perceber o ambiente no qual está inserido, aprendendo a proteger e a cuidar do mesmo.

Usos e hábitos constituem a manifestação concreta do lugar, na mesma medida em que o lugar é manifestação concreta do espaço. Usos e hábitos, reunidos, constroem a imagem do lugar, mas sua característica de rotina cotidiana projeta sobre ela, uma opacidade impedindo a percepção tornando o espaço homogêneo. A percepção ambiental é responsável pela superação dessa opacidade gerando conhecimento a partir da informação retida, codificada naqueles usos e hábitos. Percepção é informação na mesma medida em que informação gera

informação: usos e hábitos são signos do lugar informado que só se revela na medida em que é submetido a uma operação que expõe a lógica da sua linguagem. A essa operação dá-se o nome de percepção ambiental (FERRARA, 1993, p. 153). Nesta acepção, a percepção ambiental é revelada mediante uma leitura semiótica da produção discursiva, artística, arquitetônica, dentre outras, de uma comunidade.

Ramos et al, (2007), apontam que cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente em relação ao ambiente em que está inserido. O comportamento é, portanto, o resultado das percepções (individuais e coletivas) dos processos cognitivos, julgamentos, expectativas e vivência de cada um. Os estudos de percepção ambiental permitem compreender melhor a inter-relação homem/meio ambiente, seus anseios, critérios de julgamentos e condutas, possibilitando conhecer o perfil da conscientização ambiental e cidadania participativa, frente aos vários aspectos da problemática ambiental.

Para Ferrara, (1999, p. 64) “a percepção ambiental é como estudo da linguagem que o homem desenvolve para intervir na natureza e construir seu espaço”. Essa linguagem estaria associada às marcas e sinais decorrentes da relação cotidiana do homem com seu entorno específico. Em Tuan, (1980, p. 4):

Percepção é tanto resposta dos estímulos externos, como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são claramente registrados enquanto outros retrocedem para a sombra ou são bloqueados. Muito do que percebemos tem valor para nós, para a sobrevivência biológica e para propiciar algumas satisfações que estão enraizadas na cultura.

As interferências externas aos seres humanos comandam a forma como a percepção estará entrelaçada com relação ao meio de vivência. Isso propicia uma maneira individual de encarar a realidade. De acordo com uma análise do ponto de vista coletivo, é possível traçar considerações que embasem uma apreensão geral da realidade, resultando na existência de uma ideologia reguladora das práticas cotidianas e mais profundamente relações que estabeleçam laços de identidade.

A percepção está relacionada a como o mundo é enxergado de acordo com a trajetória social, informações, referenciais ao longo da existência. É ela que comandará as práticas cotidianas na produção do espaço onde os seres humanos atuam.

Amorim Filho (1987) enumera os conceitos de mais destaque nas pesquisas de percepção ambiental mais recentes:

 atitude: um estado de espírito do indivíduo, orientado para um ou mais valores;

 cognição: processo psicológico por meio do qual o homem obtém, armazena e utiliza a informação (GOLD, 1984);

 imagem: representação mental que pode formar-se mesmo quando o objeto, pessoa, lugar ou área a que se refere não faz parte da informação sensorial atual;

 paisagem: expressão observável pelos sentidos na superfície da Terra e resultante da combinação entre a natureza, as técnicas e a cultura dos homens (PITTE, 1986);

 percepção: função psicológica que capacita o individuo a converter os estímulos sensoriais em experiência, organizada e coerente (GOLD, 1984);

 representação: processo que permite a evocação de objetos, paisagens e pessoas, independentemente da percepção atual deles;

 valor: qualidade que o homem atribui, conscientemente ou não, a um tipo de relação, a uma representação, ou a um objeto (BAILLY, 1987);

 topocídio: a aniquilação deliberada de lugares (PORTEOUS, 1988);

 topofilia: laços afetivos que o ser humano desenvolve com seu ambiente, em especial com lugares específicos; de acordo com Yi-Fu Tuan, que forjou a expressão, ela se refere a ligação de sentimento e lugar (BILLINGE, 1981);

 topofobia: alguma forma de aversão a paisagens e lugares.

Ao elencar os conceitos supracitados não implica dizer que seja necessário contempla-los em todas as pesquisas.

A percepção ajuda a compreender melhor as inter-relações entre o homem e o ambiente, suas expectativas, anseios, satisfações e insatisfações, julgamentos e condutas.

Nesse contexto, o estudo da percepção é de fundamental importância. Por meio dele é possível conhecer cada um dos grupos envolvidos, facilitando a realização de um trabalho com bases locais, partindo da realidade do público alvo para conhecer como os indivíduos percebem o ambiente em que convivem, suas fontes de satisfação e insatisfação (FAGGIONATO, 2007).