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2 O PROFISSIONAL NO CONTEXTO DA GESTÃO INTERNACIONAL

2.3 O gestor no contexto internacional

2.3.4 Super-heróis corporativos

Designações internacionais, mesmo em tempo de ampla mobilidade global, apresentam custos operacionais altos, dependendo do formato, de ser extensível à família e do pacote de compensação oferecido. Na medida do possível, a organização precisa avaliar criteriosamente a relação entre custo e benefício, bem como o potencial de retenção do profissional após a repatriação e a possibilidade de o conhecimento ser compartilhado e gerar resultados positivos para o negócio. Alternativas às estadias de longa duração têm sido estudadas tanto no mercado quanto na academia (SELMER, 2001; FENWICK, 2000).

Pereira, Pimentel e Kato (2004) apresentaram pesquisa de Flynn segundo a qual existem três fatores principais para o sucesso das designações internacionais: “(1) adaptação intercultural; (2) habilidades técnicas para a tarefa e para gestão; (3) a estabilidade e adaptabilidade da família” (p. 5). Os autores apontaram também fatores de fracasso, baseados nos estudos de Tung (1987):

(1) inabilidade de ajustamento da esposa do expatriado ao novo ambiente físico e cultural; (2) inabilidade de ajustamento do expatriado ao novo ambiente físico e cultural; (3) a personalidade do expatriado ou imaturidade emocional; (4) a falta de habilidade do expatriado em conseguir responder às responsabilidades assumidas; (5) a falta ou insuficiência de competência técnica, (6) a falta ou insuficiência de motivação para trabalhar no exterior; e por fim, (7) outros problemas de ordem familiar (TUNG, 1987 apud PEREIRA, PIMENTEL e KATO, 2004, p. 6).

Para fazer frente aos desafios apresentados por fatores de sucesso e fracasso dos processos de designações internacionais, alguns teóricos direcionaram seus estudos para a identificação de características que possibilitassem contribuir para melhorar o nível de assertividade na escolha do profissional a ser enviado ao exterior, minimizando a ocorrência dos processos interrompidos antes do prazo e dos conflitos interculturais gerados pela designação do profissional com baixa capacidade de adequação ao contexto diferente do seu.

Mendenhall e Oddou (1985 apud BLACK, MENDENHALL e ODDOU, 1991) apresentaram uma classificação das habilidades necessárias para a efetividade de um profissional em ambiente cross-cultural: (1) a dimensão do indivíduo (self), que engloba aspectos relativos à manutenção da saúde mental, bem-estar psicológico, auto-eficácia e efetivo gerenciamento do stress; (2) a dimensão dos relacionamentos, que diz respeito ao estabelecimento de laços com as pessoas e profissionais do novo país; e (3) a dimensão da percepção, que se refere às habilidades cognitivas que permitem ao expatriado ter uma

percepção mais clara do ambiente onde se encontra, podendo avaliá-lo de forma mais ampla, considerando o espaço e as pessoas.

No Quadro 4, apresentam-se características que compõem o perfil do gestor global.

AUTOR CARACTERÍSTICAS DO EXECUTIVO GLOBAL

Bartlett e Ghoshal (1992)

Não existe um tipo definido de profissional global, mas sim muitos. Estes profissionais trabalham atravessando fronteiras que podem ser de negócios, de produtos, de funções e de países. Este conceito é retomado por McCall e Hollenbeck (2003).

Hoelchlin (1995 (apud LESSA et al., 2008, p. 7)

O sucesso de um executivo em outras culturas depende fortemente da capacidade de entender e balancear dualidades, tais como pensar globalmente e agir localmente, descentralização e centralização, planejamento e oportunidade, diferenciação e integração, mudança e continuidade, delegação e controle, competição e parceria.

Black e

Gregersen (1999, p. 6, tradução nossa)

Direcionamento para se comunicar em diferentes línguas e contextos culturais; ampla capacidade de socialização entre os moradores do país de destino e os empregados das organizações que os recebem; flexibilidade cultural, que permita experimentar novos sabores, costumes, ambientes; orientação cosmopolita, numa abordagem onde exista o respeito pela diversidade e pelo local; estilo de negociação colaborativo, que minimize conflito e gerencie expectativas numa postura multicultural.

Oderich e Lopes (2001, p.8)

Maiores amplitudes de controle e coordenação de equipes, maior dependência da informática e da comunicação além-fronteiras, mobilidade, disponibilidade de viajar e flexibilidade, com estilos de liderança mais globais e transformacionais.

McCall e Hollenbeck (2003, p. 47)

Mente aberta e flexível aos pensamentos e táticas; interesse cultural e sensibilidade; capacidade de lidar com a complexidade; elasticidade, inventividade, otimismo e energia; honestidade e integridade; vida pessoal estável; habilidades acrescidas de valor técnico ou empresarial.

Tanure e Duarte (2006 apud LESSA et al., 2008, p. 7)

Além das habilidades usuais de qualquer líder, os executivos globais precisam ter, também, mindset global, serem capazes de apreciar, valorizar e gerenciar a diversidade humana e cultural. Devem saber administrar processos de mudança e enxergar cenários mais amplos, com a habilidade de identificar mercados e competidores potenciais e novas fontes de tecnologia, de conhecimento, de recursos humanos e financeiros.

Homem e Dellagnello (2006, p. 13)

Na atualidade, é possível observar que as contradições existentes nos ambientes de trabalho multiculturais decorrem muitas vezes da crescente busca, da parte das empresas, de profissionais superqualificados. Trabalhadores cosmopolitas, flexíveis, criativos, multifuncionais, polivalentes, reativos e outros tantos termos usados como sinônimos e que representam a grande capacidade de mudar constantemente. Os expatriados estão entre a classe de profissionais em que mais cresce a procura de ―supertrabalhadores‖. Eles devem portar, entre outras tantas características, sensibilidade interpessoal, interesses culturais e sociais, habilidades relacionais e técnicas, busca de realização, trabalho como prioridade de vida, autonomia, extroversão, fluência de línguas, disponibilidade para treinamento e preparação, registro baixo de doença, poucos laços de família (Franke e Nicholson, 2002).

Lessa e outros (2008, p. 2)

Os executivos globais devem ser sensíveis ao mercado, exercendo um papel importante para detectar as necessidades dos clientes locais e para defender a posição de mercado da empresa diante dos competidores.

Gondim e outros (2009, p. 11)

Capacidade de ajustamento cultural; Domínio da língua estrangeira inglesa; Visão estratégica; Liderança.

Quadro 4 - Características atribuídas ao gestor global. Fonte: pesquisa teórica

Observa-se que as primeiras definições apresentadas no Quadro 4 têm um contorno mais amorfo, sem especificidades que poderiam facilitar a identificação do perfil desse profissional. Na medida em que os estudos avançam, além do aprofundamento, passa a haver

um maior detalhamento nas características, competências, habilidades e atitudes que o gestor deve demonstrar, além dos conhecimentos específicos de sua área de atuação, independentemente da formação acadêmica. Os estudos do final dos anos 90 e os desenvolvidos na primeira década deste século caracterizam-se por apresentar perfis descritivos recheados de características pessoais e profissionais, muitas das quais convergem para aspectos relacionados à liderança, atuação em contexto cultural diferenciado, flexibilidade, domínio de idiomas e visão de negócios. Especificamente, para este estudo, optou-se pelas competências descritas por Echeveste e outros (1999), que, em grande parte, abarcam direta ou indiretamente os demais conceitos. Elas serão apresentadas adiante.

Guitel (2006), a partir da análise de variadas características exigidas pelo mercado do gestor internacional, alertou para o caráter utópico dos estudos que caracterizam esse profissional como uma espécie de super-herói corporativo. São pessoas que usualmente provêm de uma elite em seus países, são capazes de representar a empresa e executar seu trabalho em qualquer lugar do planeta, estão constantemente circulando com seus computadores portáteis pelo mundo, vivendo em hotéis e aeroportos. Freitas (2006) discutiu criticamente esse perfil e tratou do surgimento, nos países europeus, dos novos solteiros geográficos, que trabalham em outros países durante a semana e voltam para casa nos fins de semana (o que é viável, considerando-se as dimensções territoriais da Europa, mas provavelmente não o seria no Brasil, Estados Unidos, Canadá, Rússia ou China, por exemplo).

O desenvolvimento das competências e habilidades necessárias à atuação global acontece de diferentes maneiras ao longo da carreria de um gestor. Experiências vividas, viagens, intercâmbios, treinamentos interculturais, projetos especiais. Para tentar compreender com mais detalhes esse processo, McCall e Hollenbeck (2003) e Echeveste e outros (1999) desenvolveram suas pesquisas, que foram escolhidas como o núcleo teórico adotado para este estudo. Um resumo de seus trabalhos será apresentado a seguir.