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Tarifas “não alfandegárias” e mecanização A mecanização das lavouras e conseqüências para o trabalho no Estado de Pernambuco

Econômico pois gera empregos,

2.2 Exploração da natureza humana para além dos limites Particularidades do trabalho no setor sucroalcooleiro

2.2.1 Particularidades do trabalho no setor sucroalcooleiro 2 Etapas da produção e trabalho

2.2.1.7 Tarifas “não alfandegárias” e mecanização A mecanização das lavouras e conseqüências para o trabalho no Estado de Pernambuco

As constantes libertações e denúncias de trabalho análogo à escravidão no setor sucroalcooleiro “mancham” a reputação “sustentável” dos seus subprodutos, e clarificam as contradições desse setor do agronegócio brasileiro. O empresariado se defende e trata a questão como “tarifas não alfandegárias”.240 Como saída, as usinas apostam cada vez mais na mecanização da colheita da cana-de-açúcar. Por esse caminho, ao invés de dar condições de trabalho dignas aos cortadores, as máquinas diminuirão drasticamente a necessidade de trabalho vivo e já são amplamente utilizadas nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste.

239 BRUNO, Regina. “Agronegócio e novos modelos de conflituosidade”. In: FERNANDES, Bernardo Mançano

(org.). Campesinato e Agronegócio na America Latina: a questão agrária atual. 1. ed. São Paulo: Expressão popular, 2008, p. 93.

240 Segundo Cid caldas as denuncias e as libertações de trabalhadores em condições análogas à escravidão são

tentativas de prejudicar a visibilidade da sustentabilidade do Etanol no mercado externo. O que o setor nomeou de “tarifas não alfandegárias”.Dados coletados pela autora durante a palestra de Cid Caldas, coordenador geral de açúcar e álcool da Secretária de Produção e Agro energia da ANP. A exposição foi realizada durante o I Fórum Latino-americano de Biocombustíveis, Olinda/PE, de 14 a 16 de Abril de 2009.

Tanta é a preocupação com a difusão da tecnologia que o setor conta com várias instituições,241 todas importantes fontes de dados, tanto de tecnologia de ponta como comunicação interna e marketing institucional das usinas. O grande projeto atual é o mapeamento genético da cana e a fabricação de colheitadeiras e máquinas agrícolas de grande produtividade.

“A mecanização parcial da operação de colheita iniciou-se, no Brasil, na primeira

metade da década de 50, quando surgiram as primeiras carregadoras de cana, que passaram a substituir o carregamento manual”.242 Em Pernambuco, o processo de modernização da lavoura começou a partir da década de 70, com forte incentivo estatal. O Planalsucar, iniciado em 1971, além de implementar novas variedades, racionalizar o método de cultivo estimulou o processo de mecanização da lavoura, assunto tratado no primeiro capítulo.

A primeira colheitadeira desenvolvida no Brasil data de 1962; em 1985 a indústria TOFT desenvolveu a primeira máquina com possibilidade de colher cana crua, ou seja, sem a necessidade de queima prévia. A partir daí foi se desenvolvendo por engenheiros e produtores brasileiros uma série de inovações técnicas e protótipos amplamente testados.243

As colheitadeiras foram direcionadas para colher cada vez mais cana, com maior velocidade e com capacidade de substituir maior quantidade de mão de obra viva. Hoje uma máquina de grande porte, em boas condições de operação,244

pode substitui até 100 cortadores. Isso porque além de tudo explicitado a máquina trabalha em três turnos.

Por isso que os investimentos na “esfera social da sustentabilidade” da UNICA e suas afiliadas privilegiam os programas de requalificação profissional,245

como será tratado no próximo capítulo. A mecanização está acelerada nas regiões Centro Oeste e Sudeste do Brasil, devido à necessidade do fim da queima pré-colheita, o que irá gerar um número expressivo de desempregados.

241 Entre as principais, a sociedade dos técnicos açucareiros e alcooleiros do Brasil, STAB, Jornalcana, Ideanews,

Canavieiro Paulista, ÀlcoolBrás, Jornal Paraná Açúcar e Àlcool, O Instituto Agronômico de Campinas, o IAC, Revista CanaMix.

242 RIPOLI, Tomaz Caetano Cannavam. Biomassa de cana-de-açúcar: colheita, energia e ambiente. Piracicaba:

Divisão de biblioteca e documentação – ESALQ/USP, 2007.

243

Idem.

244 Área ideal, viável e sistematizada, segundo Ripoli, zero por cento de declividade, espaçamento de 1,5 m,

entre fileiras de plantio; carregadores com mais de 10m de largura; ausência de pedras, cupins, pequenas depressões; variedades com 100% de colmos retos; de despalha natural, de ponteiros curtos; de produtividades agrícolas acima de 100t o hac, entre outros detalhes.

De acordo com a UNICA, até o final de 2007, o número de cortadores de cana no Estado de São Paulo era de 189.600; para 2020 prevê-se uma redução de 114.000 empregos.246 Esse é um ponto, sem dúvidas, crítico da dita “sustentabilidade” do Etanol.

Em Pernambuco a colheita é semi mecanizada devido a condições topográficas, 70% da área da lavoura de cana encontra-se em declividades onde ainda não é possível a mecanização. “As mudanças tecnológicas conduziram a redução do peso do custo da mão-de-

obra nos custos de produção, de 78,6% no início da década de 60 para 40,05% no início dos anos 80”.247

A semi-mecanização permitiu o corte da cana solta, o que aumentou a velocidade do procedimento. Os caminhões e tratores, substituindo os antigos burros, permitiram o aumento da velocidade entre a lavoura e as fábricas, e conseqüentemente a diminuição do tempo de safra, de emprego e aumento da produtividade industrial.

Devido às carregadeiras Bell,248 que tombam a cana e as carrega até os caminhões, as máquinas chegam cada vez em locais de maior inclinação. Porém, até a data de término da dissertação, não haviam colheitadeiras disponíveis no mercado que operam em inclinações acima de 15 graus. A Implanor trabalha atualmente em um protótipo para colher cana em declividades superiores, o que deverá mudar completamente o cenário da Zona da Mata do Estado.

Ainda que não se tenha mecanizado totalmente a colheita em Pernambuco, é possível perceber o aumento da produtividade e do cortador que agora compete com a máquina. Segundo Alves,249

na década de 1950, um canavieiro em São Paulo cortava em média 3 toneladas de cana/dia; na década de 1980, dobrou sua produção, passando a cortar 6 toneladas; e hoje, já corta 12 toneladas! Assim, a mecanização acelerou o ritmo de produção do trabalhador, aumentando o seu desgaste físico a níveis sobre humanos, o que tem levado muitos deles à perda de sua capacidade laboral e até à morte.

246 Fonte: Site da UNICA. http://www.unica.com.br/FAQ. Acesso em maio de 2010.

247 ARAUJO, Espedito Rufino. O trator e o “burro sem rabo”: conseqüências da modernização agrícola sobre

a mão-de-obra na região canavieira de Pernambuco-Brasil. Op. Cit.

248

A primeira carregadeira Bell foi trazida pelo então proprietário da usina Cruangi na década de 60. Em uma viagem a África do Sul conheceu Bell, um pequeno produtor que havia desenvolvido uma máquina carregadeira que podia operar em grandes declividades. O empresário trouxe umas das máquinas e passou a produzir outros modelos baseado no mesmo princípio técnico, a garra, onde o operador apóia a máquina além de tombar a cana e os três pneus dispostos em triangulo, sendo o traseiro livre. Hoje contam com uma próspera fábrica de máquinas agrícolas com três filiais no Brasil, e também, com a patente deste tipo de tecnologia no Brasil.

249 ALVES, F. J. C. Modernização da agricultura e sindicalismo: as lutas dos trabalhadores assalariados rurais

da região canavieira de Ribeirão Preto. Tese (Doutorado em Economia) Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1991, p. 90. Estes dados estão também disponíveis na Veja on line:

A semi-mecanização e a racionalização da lavoura conduziram a sobrecarga de trabalho, já que as tarefas anteriores ao corte, de manejo do solo, se tornaram mais penosas, como o arrancamento das soqueiras e o replantio cada vez mais freqüente. A intensificação do uso de agrotóxicos gerou conseqüências danosas a saúde do trabalhador e de sua subsistência.250

Outra face cruel da mecanização é que a pior cana a ser colhida é sempre destinada a mão-de-obra. Já que a colheitadeira necessita de uma série de limitações técnicas para o serviço, como terrenos planos, sem pedras etc. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, a pior cana, em piores locais de acesso, continua sendo cortada pelos canavieiros.251

O processo de mudanças tecnológicas não melhorou as condições de vida e trabalho na zona canavieira. Não promoveu uma melhor qualificação do trabalhador; não elevou seu nível de instrução; nem se preocupou em sequer informar aos trabalhadores os mais elementares aspectos técnicos das mudanças, mesmo quando a vida do trabalhador estava em risco, caso dos herbicidas e agrotóxicos.252

O que a tecnologia trouxe à agroindústria sucroalcooleira foi reduzir a quantidade necessária de mão de obra viva, além de aumentar a extração de sobretrabalho. “Graças à

maquinaria foi possível a divisão social do trabalho, que garante o domínio capitalista. Essa conquista permite articular, sob as formas que lhe forem oportunas e convenientes, o trabalho morto que está materializado nas máquinas ao trabalho vivo que se oferece cada vez

mais barato”.253

250

ARAUJO, Espedito Rufino. O trator e o “burro sem rabo”: conseqüências da modernização agrícola sobre a mão-de-obra na região canavieira de Pernambuco-Brasil. Op. Cit.

251 http://www.cptpe.org.br/modules.php?name=News&file=print&sid=105

252 ARAUJO, Espedito Rufino. O trator e o “burro sem rabo”: conseqüências da modernização agrícola sobre

a mão-de-obra na região canavieira de Pernambuco-Brasil. Op. Cit., p. 315.

253 TAVARES, M. A. Os Fios Invisíveis da produção capitalista: informalidade e precarização do trabalho.

Capítulo III:

Os caminhos e descaminhos da