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Tecnologização do discurso e suas características

No documento INGUAGEM EM SITUAÇÃO DE TRABALHO (páginas 54-58)

IV. Entrevista com convidado

1.2.2 Tecnologização do discurso e suas características

Segundo Fairclough (1996), a tecnologização do discurso nas áreas educacional e empresarial não tem sido diferente. Com o acesso cada vez maior da tecnologia de ponta, as empresas, em especial as de atendimento ao cliente, vêm se aprimorando em relação a essa realidade mercadológica, para melhor atender à sua clientela.

A tecnologização do discurso vem, acredito, acelerando e tomando contornos mais firmes desde o meio da década de 80 [...] é uma aplicação bem conhecida de pesquisa psicossocial e tecnologia do governo, que tem uma natureza discursiva própria. Assume-se que grandes unidades de prática, como entrevistas, são compostas por sequências de unidades menores que são produzidas através da aplicação automática de habilidades que são selecionadas baseadas na contribuição para alcançar objetivos. Assume-se que estas habilidades podem ser isoladas e descritas e que inadequações em práticas sociais (incluindo-se as discursivas) podem ser superadas ao treinar- se as pessoas para valerem-se destas habilidades (FAIRCLOUGH, 1996, p.72).

Considerando o discurso como um modo de ação dialeticamente relacionado às práticas sociais, Fairclough (1996) utiliza o termo “ordem de discurso”, adaptado de Foucault, para a configuração das práticas discursivas de uma sociedade ou de uma de suas instituições.

Afirma o autor que a ordem de discurso contemporânea deve ser diferente das ordens de discurso mais antigas, por ter uma propriedade que a distingue em relação aos diversos tipos de trabalho, principalmente, pelas mudanças que estão ocorrendo atualmente em práticas na “cultura dos locais de trabalho” (FAIRCLOUGH, 1996, p.71).

A ordem de discurso institucional tem uma configuração particular de gêneros em relações particulares uns com os outros, constituindo um sistema. Essas ordens de discurso constituem processos de “tecnologização do discurso”, e revelam uma tendência à configuração sistemática e institucionalizada que justifica vê-las como um procedimento contemporâneo. Isso pode afetar apenas a ordem de discurso local de uma instituição, ou pode transcender a instituição e afetar a ordem de discurso societária.

Para compreender as mudanças nas ordens de discurso dentro da instituição empresarial estudada na pesquisa aqui apresentada, discutirei, a seguir, uma das tendências relacionadas à mudança social e cultural, a tecnologização do discurso, que também caracteriza o propenso gênero discursivo - chat. É necessário, então, entender como os processos de mudança ocorrem nesse gênero discursivo.

A característica central da tecnologização do discurso é a incorporação de fórmulas institucionais e práticas de circuitos ou rede, que englobam sistematicamente três domínios:

1) Pesquisa sobre as práticas discursivas de locais de trabalho e de instituições; 2) Formulação de práticas discursivas de acordo com estratégias e objetivos

institucionais.

3) Treinamento de pessoal em tais práticas discursivas formuladas.

A tecnologização do discurso é um acompanhamento generalizado de mudanças em locais de trabalho, sejam nas indústrias ou em todas as profissões, serviços e, sem dúvida, em uma escala internacional.

Fairclough (1996) utiliza o termo “tecnologia”, advindo das análises de Foucault sobre a aliança entre ciências sociais e estruturas de poder, constituintes do “bio-poder” moderno, que “trouxe a vida e seus mecanismos ao reino dos cálculos explícitos e tornou o

conhecimento/poder um agente de transformação da vida humana” (FOUCAULT, 1981,

apud Fairclough, 1996, p.72). Fairclough busca, na teoria de discurso de Foucault, a explicação para a relação entre discurso e poder, sugerindo que o discurso seja uma das “forças” através de “redes de poder” que incorporam, sobretudo, a “complexa união de

diversas forças – leis, prédios, profissões, rotinas, normas” (p.72).

A tecnologização do discurso é definida como uma institucionalização de circuitos ligando os três domínios: pesquisa, formulação e treinamento. Há cinco características

apontadas por Fairclough (1996) para a elaboração do conceito, apresentadas nas seções a seguir.

1.2.2.1 Emergência de “tecnólogos do discurso” especialistas

A primeira característica está voltada à emergência de especialistas principalmente em relação ao conhecimento da linguagem, os chamados tecnólogos do discurso. Eles são cientistas sociais ou outro tipo de especialistas ou, até mesmo, consultores com acesso privilegiado às informações cientificas e, além do mais, têm uma relação estreita com as instituições. Por exemplo, o desenvolvimento de pessoal e avaliação de pessoal correspondem a práticas institucionais recentes nas universidades britânicas. O treinamento, seja dos funcionários, seja dos avaliadores, está pautado, em parte, nas práticas discursivas; logo, “tanto funcionários diretos da instituição quanto consultores de administração externos estão

sendo levados a papéis e práticas institucionais específicos, parcialmente como tecnólogos do discurso” (FAIRCLOUGH, 1996, p.73).

1.2.2.2 Mudança no “policiamento” de práticas discursivas

Segundo Fairclough, as práticas discursivas são, geralmente, ‘policiadas’, ou seja, são sujeitas a revisões, correções e sanções. Um efeito da tecnologização do discurso é mudar esse policiamento das práticas discursivas de um nível institucional para um transinstitucional e dos agentes de uma instituição, em particular, para tecnólogos do discurso como forasteiros. Assim, podemos afirmar que há uma mudança na base de sua legitimação, ou seja, os agentes internos da instituição não mais policiariam as práticas, e sim, os forasteiros, baseados nos termos da ciência, do conhecimento e de verdades.

1.2.2.3 Formulação e projeção de técnicas discursivas livres de contexto

Os tecnólogos do discurso geralmente formulam e reformulam as “técnicas discursivas” (Fairglouch, 1996). Ou seja, ensinam como entrevistar, dar palestras ou, até mesmo, aconselham para que sejam alcançados os objetivos das práticas discursivas em uma instituição.

Segundo Fairclough, a tendência é para que “as técnicas sejam cada vez mais

formuladas e projetadas como ‘livres de contexto’, para serem utilizadas em outros contextos relevantes. Essa tendência é evidente no treinamento, em que há um foco sobre a transferibilidade de técnicas, ou seja, ‘ensinar para transferir’ é agora um tema” (p.74), provocando um efeito generalizado de ‘colonização’ de ordens discursivas em uma instituição local, por meio de tipos de discurso como propaganda e marketing administrativo, aconselhamento e entrevistas.

1.2.2.4 Simulação estrategicamente motivada do discurso

A reformulação de técnicas discursivas envolve uma simulação, termo empregado para implementação consciente e sistemática de práticas discursivas originadas em outro lugar, baseando-se em um cálculo estratégico de sua efetividade. Fairclough (1996) cita a terminologia sistemicista (HALLIDAY, 1978, apud FAIRCLOUGH, 1996) – simulação de significados e formas/funções interpessoais. Como exemplo, as entrevistas devem, geralmente, terminar com significados e formas relacionados com “amigabilidade”, associados a domínios de vida pessoal.

A simulação possibilita também abertura de fronteiras entre o privado e o institucional – apropriação institucional dos recursos da conversação – conversacionalização - aparente

1.2.2.5 Pressão para a padronização de práticas discursivas

Todo o processo descrito anteriormente, ou seja, a importância de tecnólogos do discurso, a mudança do policiamento do discurso para uma posição além de instituições particulares e a tendência para técnicas discursivas livres de contexto, corresponde a pressões centralizadoras, conforme Fairclough (1996), para a padronização e normatização das práticas discursivas, tanto através quanto dentro de instituições e diferentes tipos de trabalho.

No documento INGUAGEM EM SITUAÇÃO DE TRABALHO (páginas 54-58)