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3 SOBERANIA INTERNACIONAL E GLOBALIZAÇÃO

3.2 OS TRATADOS COMO FONTE DO DIREITO INTERNACIONAL

3.2.2 Teoria Dualista

Para os que defendem a teoria dualista, os tratados não vigem desde a sua celebração e publicidade, eles dependem de outro ato para integrar o ordenamento brasileiro, que é o referendo do Congresso Nacional. Não são eles, então, instrumentos introdutórios primários com aptidão para surtir efeitos de imediato, mas dependem de um procedimento integrativo.

Eduardo Maciel Jardim define e exemplifica o que seria o Tratado Internacional, encampando nessa definição a teoria dualista:

Tratado internacional - Traduz um acordo escrito entre Estados, conquanto alguns autores reconheçam a validade de tratados não escritos, tendo por objeto temas dos mais variados, a exemplo de comércio internacional, demarcação de fronteiras, intercâmbio cultural, guerra e paz, saúde, educação, isenções tributárias etc. O Código Tributário Nacional dispõe sobre a matéria por meio dos arts. 96 e 98, cabendo lembrar que o Brasil é signatário de inúmeros tratados destinados a evitar a bitributação na área do imposto sobre a renda, a exemplo daqueles celebrados com a Argentina, Alemanha, Áustria, Bélgica, Canadá, China, Coreia, Dinamarca, Equador, Espanha, Filipinas, Finlândia, Franca, Hungria, Índia, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido dos Países Baixos, Suécia, República Tcheca e República Eslovaca. Por força desses tratados, especificamente denominados convenções, uma pessoa com domicílio no Brasil, por exemplo, tendo rendimentos provenientes de um daqueles países, suponha-se o Japão, deverá pagar o imposto naquele país, mas não haverá uma nova incidência no Brasil, evitando-se, assim, a bitributação no plano internacional. Convém observar; no entanto, que o tratado internacional celebrado pelo Poder Executivo não opera efeitos por si só, pois depende de duas formalidades, quais sejam, a primeira substanciada na concordância parlamentar por meio de decreto legislativo e a segunda, na troca dos instrumentos de ratificação entre os Estados signatários, pelos quais

demonstra que o acordo contido no tratado teria cumprido as formalidades imersas no direito interno dos países subscritores.269

Roque Antônio Carrazza, partidário da teoria dualista, diz que os tratados firmados internacionalmente não se inserem no ordenamento nacional de forma automática, ou seja, para ele não há uma cláusula de recepção automática dos tratados, seus efeitos só vigem a partir do momento em que são encampados pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto-Legislativo.270

Paulo de Barros Carvalho é enfático quando afirma ser necessário um instrumento primário de introdução das regras firmadas pelos tratados em matéria tributária, o que se dá por meio do decreto legislativo, ponderando que

[…] os tratados e as convenções internacionais, bem como os convênios interestaduais, não são portadores de força vinculante. É imperioso, por decorrência do princípio da legalidade, que a ordem jurídica recolha a matéria desses atos multilaterais de vontade, sem o que não se dá a produção de normas válidas no direito pátrio271.

Por fim, não obstante a soberania do Estado-Nação, representada pelo chefe de Estado, no caso do Brasil, o Presidente da República, dentro do sistema constitucional não se concebe que os tratados sejam firmados em desconformidade com os princípios previstos no artigo 4º do Texto Maior. Por isso que, para serem recepcionados pela ordem interna, esses ideais da ordem em vigor devem ser observados, e a competência é do

269 JARDIM, Eduardo Marcial Ferreira. Dicionário de Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2011, p. 407. 270 Roque Carrazza discorre sobre as noções básicas dos tratados internacionais, sendo eles veículos

normativos da ordem jurídica internacional, que “dá respaldo técnico às relações entre as partes signatárias”. Ao tratar sobre suas normas gerais sinaliza as duas teorias, a monista e a dualista, da seguinte forma: “Pela teoria monista, o tratado internacional, assim que firmado, entra a fazer parte do ordenamento jurídico do Estado contratante. Divergem seus adeptos acerca da questão da supremacia. Uns, como Kelsen, entendem que o tratado internacional predomina sobre o Direito interno, já que o Direito Internacional sobrepaira o direito constitucional, dando-lhe fundamento de validade. Outros, como Wenzel, sustentam o contrário, porque partem do pressuposto de que é a Constituição do Estado signatário que dá validade à execução do tratado internacional”. E prossegue, em relação à teoria dualista, afirmando que, “Segundo a teoria dualista, as normas internas e as internacionais convivem em harmonia, não podendo conflitar, já que têm campos de incidência perfeitamente diferençados. Justamente por isso, os tratados internacionais não podem irradiar efeitos na ordem jurídica interna enquanto a ela não forem formalmente incorporados, por meio de alguma espécie legislativa (lei, decreto legislativo, regulamento etc.)” (Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 254).

271 Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 106.

Congresso Nacional, de cujo entendimento, embora alguns digam que essa tarefa tem papel de mero chancelador do tratado ou acordo firmado pelo Poder Executivo, não há como comungar, porquanto o Congresso deverá analisar e avaliar se esses pactos preservam garantias e cláusulas pétreas estabelecidas, não sendo legítima a validação de instrumentos que contrastem expressamente com a Constituição ou com princípios estabelecidos.

Para o Supremo, a questão de incorporação dos tratados internacionais na ordem interna se consolida nas normas traçadas pela Constituição Federal. Assim, o Supremo Tribunal Federal, na ADI 1480 MC, de relatoria do Ministro Celso de Mello, decidiu:

É na Constituição da República – e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas – que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto Chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.

Naquela decisão também o Ministro destacou que os tratados internacionais estão subordinados ao tratamento sistematizado pela Constituição Federal, sua observância há de ser formal ou materialmente conforme a ela e sua incorporação regular situará o tratado no mesmo plano de validade e eficácia das leis ordinárias, ou seja, mera paridade normativa. Disso podemos concluir que a teoria dualista é a que melhor se adéqua ao sistema constitucional vigente e a qual, podemos dizer, foi encampada pelo Supremo Tribunal Federal, por se harmonizar melhor com os ditames constitucionais.

Contextualizando novamente a nomenclatura tratado, é relevante frisar, no contexto da soberania, que o Brasil promulgou a Convenção de Viena, por meio do Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009, convenção essa concluída em 23 de maio de 1969, que trata sobre o Direito dos Tratados, porém com a reserva aos artigos 25 e 66. O Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação da referida Convenção junto ao Secretário- Geral das Nações Unidas em 25 de setembro de 2009, tendo o decreto em questão ressalvado expressamente em seu texto que ficam “sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição”. A Convenção de Viena aborda tema de peculiar interesse para nosso estudo. Reconhece a Convenção a importância fundamental dos tratados nas relações internacionais, afirma serem eles fontes do Direito Internacional e meios de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, independentemente de seus sistemas constitucionais e sociais, inferindo-os como de relevante importância para a consecução dos princípios do livre consentimento e da boa fé e da regra pacta sunt servanda, princípios reputados por todos como “universalmente reconhecidos”. A Convenção eleva as controvérsias à solução pacífica dos conflitos, fincada nos propósitos enunciados na Carta das Nações Unidas, como nos

[…] princípios da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, da igualdade soberana e da independência de todos os Estados, da não- intervenção nos assuntos internos dos Estados, da proibição da ameaça ou do emprego da força e do respeito universal e observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos272.

Parte deles é inerente à soberania estatal.

Houve, com o passar dos anos, uma proliferação de tratados no âmbito internacional e tornou-se indispensável uma regra que os disciplinasse, interagindo na aplicação e interpretação desse veículo normativo, para a segurança jurídica do direito

272 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 7.030, de

14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Brasília: DOU, 15 dez. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm>. Acesso em: 12 dez. 2015.

internacional. Assim, a Convenção de Viena disciplinando o Direito dos Tratados marcou de forma singular a globalização jurídica desse tipo de norma, dando uma diretriz da regulação das relações no âmbito internacional, em prestígio aos princípios que ali foram elencados.

O Brasil, ao promulgar a Convenção, o fez com ressalvas de dois dispositivos, os artigos 25 e 66:

Artigo 25

Aplicação Provisória

1. Um tratado ou uma parte do tratado aplica-se provisoriamente enquanto não entra em vigor, se:

a) o próprio tratado assim dispuser; ou

b) os Estados negociadores assim acordarem por outra forma.

2. A não ser que o tratado disponha ou os Estados negociadores acordem de outra forma, a aplicação provisória de um tratado ou parte de um tratado, em relação a um Estado, termina se esse Estado notificar aos outros Estados, entre os quais o tratado é aplicado provisoriamente, sua intenção de não se tornar parte no tratado.

Quanto à ressalva da não aplicação do artigo 25 da Convenção de Viena, sua compreensão é facilitada pela teoria dualista, considerando que o Tratado só será apto a ser aplicado quando incorporado definitivamente ao país, o que se dará por meio de um Decreto-legislativo. Um tratado provisório não seria um instrumento válido nacionalmente e não poderia surtir efeitos, o que vale dizer, esse dispositivo estaria infringindo um dispositivo constitucional que confere competência ao poder legislativo, o qual dá a última palavra acerca da adoção definitiva dos tratados. Assim, com a ressalva em questão, evita- se que a norma atinja diretamente a norma constitucional, ferindo as prerrogativas institucionais e a soberania interna.

O artigo 66, de outro lado, dita que: Artigo 66

Processo de Solução Judicial, de Arbitragem e de Conciliação

Se, nos termos do parágrafo 3 do artigo 65, nenhuma solução foi alcançada, nos 12 meses seguintes à data na qual a objeção foi formulada, o seguinte processo será adotado:

a) qualquer parte na controvérsia sobre a aplicação ou a interpretação dos artigos 53 ou 64 poderá, mediante pedido escrito, submetê-la à decisão da

Corte Internacional de Justiça, salvo se as partes decidirem, de comum acordo, submeter a controvérsia a arbitragem;

b) qualquer parte na controvérsia sobre a aplicação ou a interpretação de qualquer um dos outros artigos da Parte V da presente Convenção poderá iniciar o processo previsto no Anexo à Convenção, mediante pedido nesse sentido ao Secretário-Geral das Nações Unidas.

A razão de objeção do Brasil a esse dispositivo é o fato de ele não se encontrar entre aqueles que aderiram à “cláusula facultativa de jurisdição obrigatória”, descrita no artigo 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (CIJ). Assim, o Brasil só se submeterá à Corte Internacional de Justiça por seu próprio consentimento e não será automático o procedimento tal como previsto no artigo em questão, caso haja controvérsia no Tratado firmado e necessite de intervenção judicial, conciliação ou arbitragem. De sorte que os tratados no âmbito do direito internacional revelam-se instrumentos indispensáveis e necessários para as relações exteriores e, tal como preceitua o artigo 27 da Convenção de Viena: “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado. Esta regra não prejudica o artigo 46”, preceito que, assim como o Pacta sunt servanda, vincula e obriga os Estados soberanos. Por esse princípio e por outros instrumentalizados na Convenção de Viena, se considerarmos, até por hipótese, ser essa a norma fundamental dos Tratados, nem ela, nem o tratado em si seriam fontes do direito internacional, sob a ótica do constructivismo lógico-semântico, porquanto os tratados não são veículos introdutores de normas independentes e dependem de outro veículo legislativo para ingressarem no sistema pátrio. Como assevera Tárek Moysés Moussallem, “os tratados não são veículos introdutores de normas hábeis a ejetar enunciados-enunciados no sistema do direito positivo pátrio, justamente por lhes faltar previsão constitucional”273. Ademais, os tratados internacionais têm por finalidade a veiculação de um acordo de vontades firmado entre as pessoas Estatais soberanas, que pode se limitar a uma relação jurídica em um determinado período de tempo ou não, porém sua aplicabilidade é um atributo do poder soberano Estatal internacional e sua finalidade regulatória ou não e fins nacionais deverá ser observada no âmbito interno, depois de atendidas as regras para sua validade e eficácia.

273 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 204.

3.3 A Soberania e a influência dos tratados no sistema constitucional tributário