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1 SOBERANIA COMO VALOR E FUNDAMENTO DO ESTADO

1.4 SOBERANIA COMO FUNDAMENTO DO ESTADO

1.4.1 Valores

Ao tratarmos do tema soberania, considerada a sua concepção moderna, gerada de uma evolução ao longo dos últimos séculos, cremos ser importante explorar, ainda que superficialmente, alguns conceitos sobre a Teoria dos Valores, objetivando demonstrar que soberania se enquadra neles, como valor.

Embora a expressão valor seja relativamente moderna, a Filosofia dos Valores ou Teoria dos Valores tem sido tratada desde Sócrates e Platão. Sócrates cuidou dos valores éticos, em sua objetividade e absoluteidade. Platão desviou-se para a metafísica, com sua Teoria das Ideias, que eram, basicamente, ideias de valores – ideias do bem, do valor ético e do valor estético máximo. Aristóteles substituiu o Cosmos das Ideias pelo Cosmos das Formas, ou seja, a perfeição das coisas e, dentro delas o conceito implícito de valioso, reside nas “formas essenciais”.

Mais modernamente, Kant coloca a ideia de valor no domínio pessoal da consciência. Os valores éticos, para ele, habitam a consciência moral, sem serem apenas subjetivos, mas circundados pela realidade (Metafísica Moral de Kant).

Lotze é considerado o pai da moderna Teoria dos Valores, por ter introduzido claramente, na filosofia contemporânea, os conceitos de “valor” e de “valer”, distinguindo “valor” de “ser”. Assim como apreendemos o ser por meio da inteligência, apreendemos o valor por meio de uma particular forma de sentir espiritual.75

Embora a palavra valor já fosse largamente utilizada em questões econômicas como “valor de troca”, “valor de uso”, “mais ou menos valor” etc., foi Nietzsche quem a introduziu no vocabulário da filosofia alemã.

Brentano, em seu livro Von Ursprung Sittlicher Erkenntnis (Da origem do

conhecimento moral), de 1889, contribuiu, de forma sumamente importante, para com desenvolvimento da moderna Teoria dos Valores. Ele dá ênfase ao fenômeno do valor, considerando os sentimentos como a única das três classes fundamentais dos fenômenos

75 HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. Coimbra: Almedina, 2001, p. 26.

psíquicos (representações, juízos e sentimentos) a interessar à questão dos valores. Através do amar ou odiar, do gostar ou não gostar é que os valores se revelam.76

Segundo Johannes Hessen, “o conceito de valor não pode rigorosamente definir-se. Pertence ao número daqueles conceitos supremos como os de ‘ser’, ‘existência’ etc. que não admitem definição”77.

Para Olívia Tonello Mendes Ferreira:

Se o direito é, como já afirmado, impregnado de valor, faz-se importante uma incursão na própria definição deste, para o que valemo-nos das lições de Tercio Sampaio Ferraz Jr, para quem valores seriam “centros significativos que expressam uma preferibilidade (abstrata e geral) por certos conteúdos de expectativas, ou melhor, por certos conjuntos abstratamente integrados num sentido consistente.” Nesse sentido, Raimundo Falcão, para quem valor é toda força que, partida do homem, é capaz de gerar no homem a preferência por algo, pondera que “o valor gera a preferência. Propicia a escolha. Não é o objeto da preferência ou da escolha”78.

Para Francisco Gérson Marques de Lima, “o valor é um atributo do ser. Assim, o ser é, tem existência (se não for, não existirá), e possui um valor a ele imanente”79.

A medida ou avaliação de um valor ou valoração é o que se chama de juízo de valor. Na vida proferem-se constantemente juízos de valor; eles fazem parte da essência humana. Por exemplo, querer, necessitar, apreciar implicam na valoração daquilo que se quer, se necessita ou se aprecia. Assim também para as mais diferentes coisas, como: alimento, bebida, vestuário, obras de arte, opiniões, atos etc. Aquilo que valoramos não é exatamente o valor, mas, sim, “o bem” ao qual se atribui o valor. Por exemplo, o valor dobem água é “saciar a sede”.

76 HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. Coimbra: Almedina, 2001, p. 28. 77 Ibid., p. 38.

78

FERREIRA, Olívia Tonello Mendes. Teoria dos Valores e a Importância dos Princípios na Interpretação do Direito. In: CARVALHO, Paulo de Barros (Coord.); CARVALHO, Aurora Tomazini de (Org.). Constructivismo Lógico-Semântico. v. I. São Paulo: Noeses, 2014, p. 393, grifo nosso.

79 LIMA, Francisco Gérson Marques de. Interpretação Axiológica da Constituição, sob o Signo da Justiça.

In: SOARES, José Ronald Cavalcante (Coord.). Estudos de direito constitucional: homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: LTr, 2001, p. 58.

O ato de valorar algo não significa criar o seu valor e a sua dimensão. Embora sendo uma operação intuitiva, ele é afetado por fatores objetivos e racionais, sociais, históricos, culturais, morais, psicológicos e territoriais.

A existência humana é a vida, pela qual o homem toma consciência da realidade contendo os objetos do conhecimento que nela habitam e sua liberdade de escolha que orienta a sua conduta e seu poder decisório. Escolher ou decidir significa valorar.

O valor é, digamo-lo, o fator de conduta. Em decorrência, mesmo sem ser o valor, ela contém valor, diluído em sua onticidade dinâmica, como força propulsora, qual combustível diluído na onticidade do funcionamento de um motor. Por conseguinte, a conduta é axiológica, depende do valor assim como não há movimento sem uma força propulsora que o enseje.80 Como a conduta humana contém valor e tem como uma de suas consequências a cultura, então, igualmente, esta contém valor. Daí se conclui que o direito e as normas jurídicas, por serem objetos culturais, são recheados de valores. Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho, “Não é exagero referir-se que o dado valorativo está presente em toda configuração do jurídico, desde seus aspectos formais (lógicos), como nos planos semântico e pragmático. Em outras palavras, ali onde houver direito, haverá, certamente, o elemento axiológico”.81 Assim, um juízo de valor é emitido ao escolher um, dentro muitos possíveis, para ser colocado como antecedente de uma norma jurídica, exercendo aí, o legislador, sua função axiológica. Igualmente, na relação deôntica entre sujeitos cuja conduta se objetiva regular, com os consequentes “obrigatório”, “permitido” e “proibido”, os dois primeiros contêm valores positivos (lícitos), e o último, valor negativo (ilícito), estando “o valor na raiz mesma do dever-ser, isto é, na sua configuração lógico-formal”82. “Todo o dever-ser se funda num valor – ensina essa corrente moderna – e não inversamente. Não é o dever-ser que nos dá o fundamento do valor; é o valor que nos dá o

80

FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 19.

81 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2009,

p. 174.

82 Ibid., p. 175-176.

fundamento do dever-ser”.83 Apenas para um posicionamento de valores dentro da filosofia seguimos os ensinamentos de Johannes Hessen e de Miguel Reale.

Segundo Johannes Hessen, a Filosofia estuda o sentido e o alcance dos atos de moralidade e de religião, além de cultivar ciência e arte dentro do global do espírito humano. As reflexões sobre o conhecimento, a ciência e a verdade (ramo teorético) são estudadas dentro da teoria da ciência, que abrange a lógica e a teoria do conhecimento; aquelas sobre moralidade, arte e religião, ou seja, a essência dos valores éticos, estéticos e religiosos (ramo não teorético) são estudadas dentro da teoria dos valores. Há, ainda, segundo esse filósofo e teólogo católico alemão, dentro da filosofia, a teoria da realidade, que engloba a metafísica e a “teoria das concepções do mundo”.

Miguel Reale admite “a impossibilidade de discriminações rígidas que o trato da matéria revelaria artificiais […]” e resume

[…]as tarefas da Filosofia nestas três ordens de pesquisa, desdobradas, em campos especiais de indagação:

a) Teoria do Conhecimento, ou da validade do pensamento em sua estrutura e com relação aos objetos (Lógica e Ontognoseologia); b) Teoria dos Valores ou Axiologia (Ética, Estética, Filosofia da

Religião, Filosofia Política, Filosofia Econômica etc.); e

c) Metafísica, como teoria primordial do ser ou, numa compreensão mais atual, como fundação originaria do universo e da vida”84.

Deve-se considerar, ainda, que essas teorias filosóficas não são autônomas e separadas; elas, muitas vezes, se entrelaçam e se complementam. Toda concepção do mundo, por exemplo, implica em concepção da vida, e a Teoria dos Valores está, diretamente, relacionada à vida. Ainda, para Miguel Reale, o problema do valor está no centro da Filosofia, e o valor do justo é chave, na Filosofia do Direito (Deontologia Jurídica), paralelamente a outros valores da realidade jurídica.

Não se pode afirmar que alguém, de mente sadia, que não tenha conhecimento teorético a respeito de valores, não consiga dar sentido à sua vida, pois uma das características dos valores é ser intuitivo. Eles são utilizados, até inconscientemente, no

83 HESSEN, Johannes. Filosofia dos Valores. Coimbra: Almedina, 2001, p. 84. 84

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 38-39.

cotidiano, seguindo, muitas vezes, usos, costumes, tradições e meio cultural. Entretanto, o seu estudo, investigação e reflexão teorética tem a propriedade de abrir a mente das pessoas, fazendo com que a intuitividade tímida, vaga, incerta, insegura, imprecisa e hesitante, própria da consciência ingênua e sem experiência de pessoas, principalmente quando confrontadas com opiniões divergentes, se transforme numa consciência segura, porém flexível a valores novos, mais clara e mais rica. Esse conhecimento adicional e diferencial, certamente, não será apenas utilizado em proveito próprio, mas, também, em prol da sociedade, pelo potencial incremento na sua compreensão e razoabilidade, evitando conflitos ao buscar soluções pacíficas a eventuais questões de inter-relacionamento social.

Os conhecimentos axiológicos têm fundamental importância para o direito, pois seu campo de ação, regendo as condutas intersubjetivas, através de enunciados prescritivos produzidos pelos Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário e, ainda, pelo setor privado, está repleto de considerações valorativas. Como assevera Paulo de Barros Carvalho: “Digamos, então, que sobre essa linguagem (a social) incide a linguagem prescritiva do direito positivo, juridicizando fatos e condutas, valoradas com o sinal positivo da licitude e negativo da ilicitude”85.

Seguindo as trilhas de Miguel Reale, para Paulo de Barros Carvalho e Johannes Hessen, os valores apresentam características que servem como “bússolas no desenvolvimento da axiologia”86. São elas: bipolaridade, implicação, referibilidade,

preferibilidade, incomensurabilidade, hierarquia, objetividade, historicidade, inexauribilidade, realizabilidade, atributividade, indefinibilidade e vocação para expressar-se em termos normativos.

a) Bipolaridade – expressa sempre a existência de valores que se situam em extremos opostos como positivo e negativo (marca obrigatória para objetos metafísicos e culturais), ou seja, sempre que houver um valor positivo, aquele que a sociedade, em sua maioria, aceita como capaz de gerar um bem, um estímulo à conduta, haverá um valor negativo, um desvalor, aquele

85 Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 173.

86 BECHO, Renato Lopes. Filosofia do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 58.

que a maioria da sociedade rejeita. São exemplos de valores e de desvalores, respectivamente: o bem e o mal, o belo e o feio, o lícito e o ilícito, o verdadeiro e o falso, o honesto e o desonesto, o amor e o ódio, o positivo e o negativo etc. É apenas possível entre objetos metafísicos e culturais.

b) Implicação – significa que uns influem em outros, direta ou indiretamente. Exemplificando, o bom implica no justo, no belo, no lícito etc. Existe, ainda, a implicação recíproca, por exemplo, o belo e o feio, o bom e o mau etc.

c) Referibilidade – um valor tem sempre um sentido, uma referência, uma tomada de posição do ser humano em relação a essa referência. “Tudo aquilo que vale, vale para algo ou vale no sentido de algo ou de alguém”87. Por exemplo, se o objetivo é a felicidade, valores como a paz, a harmonia, o amor podem levar a ela.

d) Preferibilidade – significa adotar um vetor com direção determinada, apontar para um fim, uma direção escolhida pelo ser humano. Tomando o exemplo de Renato Lopes Becho88, para conservar a liberdade podemos

escolher dois caminhos: ou praticar o lícito, o justo, o bem ou, em caso de ameaça a essa liberdade, colocar-lhe limites, combatê-la de forma preservar o valor liberdade. Neste caso, deu-se preferência à “luta” em relação à paz. e) Incomensurabilidade, ou seja, não se consegue medir ou quantificar, de

forma absoluta, um valor. Não se costuma dizer que uma dor é de uma hora, por exemplo; diz-se apenas que ela é grande, pequena, maior, menor etc. f) Tendência à graduação hierárquica: os valores apresentam uma estrutura

escalonada. Uns estão em graus mais elevados do que outros: os valores éticos são superiores aos estéticos, nobre é mais elevado do que agradável.

87 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 186.

88 BECHO, Renato Lopes. Filosofia do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 59.

Como os valores são incomensuráveis essa graduação não é precisa, mas apenas relativa (mais alto ou mais baixo).

g) Objetividade: os valores advêm de experiência, algo que os suporte ou consciência a que se refiram, sujeitos à comprovação e verificação, das qualidades aderentes aos objetos (reais ou irreais), “consequência natural da particular condição ontológica dos valores” e “a despeito de sua verificação cognoscitiva processar-se mais emocional que racionalmente”89.

h) Historicidade: os valores se constroem ao longo dos tempos, na evolução histórica e social da humanidade, não surgem do nada, de uma hora para outra.

i) Inexauribilidade: significa que haverá sempre algo mais a fazer para a concretude mais efetiva dos valores; nas palavras de Miguel Reale: “o valor não se reduz ao real, nem pode coincidir inteiramente, definitivamente, com ele: um valor que se realizasse integralmente, converter-se-ia em ‘dado’, perderia a sua essência que é a de superar sempre a realidade graças à qual se revela e na qual jamais se esgota”90.

j) Realizabilidade: é a característica de que os valores se concretizam e evoluem, de alguma forma e em algum momento, ao longo da história da humanidade. Nesse sentido, “um ‘valor’ que jamais se convertesse em momento da realidade seria algo de abstrato ou de quimérico91.

k) Atributividade é uma característica dos valores, acrescentada às dez anteriores, por Paulo de Barros Carvalho, que consiste na preferência por núcleos de significação ou por certos conteúdos de expectativa; o ato de valoração estabelece a preferência, a não indiferença de cada sujeito em relação a um objeto atribuindo-lhe qualidades positivas ou negativas.

89 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2009,

p. 178.

90 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 203. 91 Ibid., loc. cit.

l) Indefinibilidade: os valores são conceitos-base, são fundantes da existência e do conhecimento, são indefiníveis.

m) Vocação para expressar-se em termos normativos: pois estão em boa parte das normas jurídicas.

Muitas são as espécies de valores, assim como muitos são os valores dentro dessas espécies. Nessa complexidade, não existe um pensamento comum sobre a questão de classificação dos valores. Miguel Reale prefere uma classificação simples, baseado no conteúdo dos valores; segundo ele,

[…] mais uma exemplificação de valores do que uma classificação que pretenda satisfazer a todas as exigências lógicas. Poderíamos dizer que, dentre os valores fundamentais, destacamos os acima apontados, por serem aqueles em torno dos quais se ordenam valores subordinados, constituindo verdadeiras ‘constelações axiológicas’, que dominam, às vezes de maneira absorvente, comportamentos individuais e coletivos, embora, não é demais repeti-lo, todos eles gravitam em torno do valor primordial, que é o do homem como pessoa, em razão do qual e pelo qual todos os valores valem.92

Essa classificação simplificada concentra os valores em cinco grandes categorias: o verdadeiro, o belo, o útil, o santo e o bem.

O verdadeiro é aquele que condiciona estudos na sua estrutura (Lógica e Ciência) e na sua funcionalidade (Ontognosiologia ou Lógica Transcendental).

O belo é fundamento das artes e razão de ser da Estética.

O útil é todo aquele empregado nos estudos de Economia Política e Filosofia Econômica e é valor fundante de toda atividade econômica, comercial, industrial e agrícola.

O valor do santo ou do religioso é fundamento da religião e da Filosofia da Religião.

O valor do bem é aquele no qual se fundam a Moral (bens individuais) e a Ética, englobando o Direito e os costumes (bens sociais).

92

Filosofia do Direito. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 232-233.

Raimundo Bezerra Falcão93 classifica valores sob os prismas da amplitude, do tempo, da legitimidade e da matéria:

Quanto à amplitude, os valores podem ser:

– universais, quando têm abrangência universal, ou seja, relaciona-se ao homem em qualquer lugar que esteja (sem confundir com absoluto), como a vida e a liberdade;

– sociais, quando relativos a uma determinada sociedade, a um grupo social como o bem social de um grupo laborioso que prefere o trabalho à ociosidade, por exemplo;

– nacionais, aqueles que têm a ver com a nação inteira (mais que apenas um grupo social) e que impulsionam a nação no sentido da construção dos bens que lhe garanta o futuro;

– populares, referindo-se a uma parte da nação, não se confundido, necessariamente, com os grupos sociais ou nacionais;

– particulares, caracterizados por sua menor amplitude, um alcance mais restrito.

Quanto ao tempo, os valores podem ser divididos em:

– permanentes, quando, sem ser eternos (pois estes não existem), acompanham por tempo imemorial os homens, passando de geração a geração, como o respeito à vida e à liberdade, por exemplo;

– duradouros, aqueles que permanecem com o homem por amplos períodos (até seculares), mas possuem duração visualizável dentro da história, como os valores relativos à era feudal ou aqueles relativos à moral cristã, por exemplo;

– efêmeros ou passageiros, consistindo naqueles que aparecem e desaparecem em pouco tempo, são modismos;

93 FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 21-15.

Quanto à legitimidade, os valores podem ser:

– positivos, aqueles que refletem o que a sociedade, em sua maioria, aprova, por expressarem seus interesses, suas aspirações e suas conveniências, tanto de caráter material como de caráter imaterial;

– negativos, ao contrário, são aqueles desprovidos de legitimidade, embora um valor aqui enquadrado possa ser melhor do que um outro da classificação positiva, pois a minoria é que pode estar certa.

Os valores jurídicos são aqueles juridicizados. Os princípios procuram objetivar valores, os valores juridicizados. Se estivermos diante do sistema teremos valores considerados lícitos ou ilícitos.

Isso significa dizer que o legislador quando emite alguma norma faz uso de valores que pretende ver juridicizados. Essas normas postas no ordenamento, prescrevendo condutas humanas, são de certa forma valoradas dentro dos fatos sociais que as cercam, cabendo aos seus destinatários conferir-lhes a atribuição dos sentidos daquilo que se quis valorar, atribuindo-lhe um valor ou desvalor.

Nessa quadra, todos buscamos os valores que integram o sistema, sejam eles jurídicos ou não. Mas, nos dizeres de Renato Lopes Becho:

[…] a teoria dos valores nos oferece instrumental para conhecer o conteúdo dos textos, das decisões, dos atos. E nosso ordenamento jurídico está preenchido de comandos jurídicos de conteúdo ético-valorativo, de ordens para condução da boa-fé, como a determinação para a manutenção de respeito mútuo entre as partes litigantes […]94.

E Francisco Gérson Marques de Lima, destacando texto sobre a Interpretação

Axiológica da Constituição sob o Signo da Justiça, acrescentou:

Parece-nos incontestável que a instância dos valores penetra no mundo jurídico durante a elaboração da norma, quando o legislador, dentro de um ambiente histórico, faz escolhas axiológicas do que deve a norma estabelecer, assegurar ou vedar, segundo a ótica do que seja politicamente melhor para a sociedade e para o Estado. Desta forma, toda a norma é

94 BECHO, Renato Lopes. Filosofia do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 281.

resultado de um juízo de valor (o valorar), espelha um valor intrínseco. Ao aplicar a norma, nova atividade axiológica é feita pelo hermeneuta, pois o momento histórico, as circunstâncias sócio-político econômicas e a orientação Estatal podem ter se modificado. Então, os valores da sociedade, por terem sofrido alteração, reclamam interpretação adequada ao novo ambiente. Assim, um bem ou valor anteriormente tido como valioso pode já não possuir a mesma importância. Então, a sua aquilatação será diferente de outrora, diante dos demais valores. Pode até ser que a sociedade tenha desprezado completamente um valor consolidado na norma, a qual perdera sua eficácia depois de elaborada. Na realidade, a arte de viver é um constante valorar, é um processo consciente e inconsciente de permanente aquilatação das coisas.95

Muito claro o artigo de autoria de Olívia Tornello Mendes Ferreira:

[…] enquanto os valores são imensuráveis e compreendidos de acordo com a ideologia do intérprete, a identificação dos limites objetivos é identificada mais facilmente. Temos, com isso, que os princípios-valores da segurança jurídica, igualdade e liberdade terão um grau de abstração muito maior do que os princípios da anterioridade, estrita legalidade e irretroatividade, por exemplo. Tanto o é que, para se auferir o cumprimento de tais limites, basta examinar se as normas tributárias que instituem ou majoram tributos têm sua vigência condicionada ao exercício financeiro seguinte, foram veiculadas por lei em sentido estrito e alcançam ou não situações anteriores a elas. Já a verificação do cumprimento dos primados segurança jurídica, igualdade e liberdade não é passível de objetivação a tal ponto, sendo certo que o significado varia conforme os valores de cada um que interpreta tais princípios.96

É a teoria dos valores que nos disponibiliza o referencial e os recursos teóricos