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Veículos introdutores primários e secundários

2 TRIBUTAÇÃO: EXERCÍCIO DA SOBERANIA INTERNA DO ESTADO

2.2 FONTES: LEGITIMIDADE DOS VEÍCULOS INTRODUTORES EM

2.2.1 Veículos introdutores primários e secundários

Dentro da proposta de fontes e de uma hierarquia proporcionada por um sistema estruturado logicamente, adotamos a conclusão tecida por Tárek Moysés Moussallem, para quem

[...] a hierarquia dos veículos introdutores de regras jurídicas (Constituição Federal, emenda Constitucional, lei complementar, lei ordinária, etc.) é consequência imediata da hierarquia de suas fontes produtoras, tendo como fundamento de validade último a Constituição Federal caracterizando a unidade do ordenamento jurídico.165

A Constituição da República é sem dúvida, o mais importante veículo introdutor para o direito tributário no Brasil, pois vincula o conteúdo de qualquer outra norma à sua rígida disciplina. O sistema tributário nacional está nela, totalmente delineado, nos seus artigos 145 a 162. A sua rigidez pode ser avaliada pela impossibilidade de poder- se modificar, basicamente, o sistema, a não ser através de emenda constitucional (art. 60),

163 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 86. 164 Ibid., p. 90.

165 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes no Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2006, p. 144.

pela restrição à liberdade à tributação, em relação aos legisladores (ordinários e complementares) e pela total falta de liberdade aos administradores que aplicam a lei.

De fato, dentre as chamadas cláusulas pétreas, aquelas normas constitucionais imutáveis, nem mesmo sujeitas a qualquer emenda constitucional, três delas têm alta relevância à tributação: a forma federativa de estados, a da separação dos Poderes, e a dos direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º CR). A forma federativa instituída pela Constituição Federal outorga competências tributárias e dita o limite da autonomia dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, em relação à União e entre eles.

O princípio da separação dos poderes (art. 2º da CR) aliado à imposição da Carta Maior sobre a necessidade de lei para a criação e exigência de tributos (arts. 5º, inciso II, e 150, inciso I, da CR) impõe ao Poder Executivo restrições a qualquer intento arrecadatório.

Além de direitos individuais, como os direitos à saúde, à educação e à liberdade, entre outros, contemplados como fundamentais na Constituição, que são indiretamente afetados pela tributação, o princípio do direito à propriedade é diretamente afetado por ela através de prestação pecuniária compulsória de acordo com a lei, o que leva à redução do patrimônio do sujeito passivo dessa obrigação tributária, que não pode, entretanto, chegar às raias do confisco, conforme prescrito no artigo 150, inciso IV, da Constituição.

A Constituição, pela sua hierarquia como Lei Maior, impondo diretrizes às demais normas, é, sem dúvida, a mais importante norma introdutória dentro de um sistema hierarquizado de normas do direito tributário. Quando ela fala em “lei”, em seus vários artigos, se expressa de forma pouco técnica, pois, muitas vezes, diz “lei especial” disporá sobre isso, “lei orgânica” fará aquilo, “lei federal” ou “lei estadual” disciplinará a matéria ou, ainda, compete à “lei complementar”, “lei complementar federal” ou “lei complementar estadual” dispor sobre. Em verdade, a Constituição Federal perfilha as espécies normativas que adotou, conforme já citado, em seu art. 59, a saber: a emenda constitucional, a lei complementar, a lei ordinária, a lei delegada, a medida provisória, o decreto legislativo e a

resolução, cada qual com um procedimento específico para sua integração em nosso ordenamento.

As emendas constitucionais, também como veículo introdutório de normas, associam-se às inovações ocorridas no seio da sociedade; com elas, o Poder Constituinte originário autorizou o Poder Constituinte derivado a promover as necessárias alterações no texto constitucional, seja suprimindo ou acrescendo artigos, alíneas ou parágrafos, seja alterando o seu conteúdo, atualizando a Constituição Federal e adaptando-a às necessidades vigentes, ditadas pelo momento, à época de sua alteração, sem que com isso fosse necessária a instalação de uma Assembleia Constituinte, ou mesmo retificar a Constituição Federal por inteiro, posto ser impraticável um Poder originário quando se trata de meras atualizações parciais do texto. Ademais, a instalação de uma Assembleia Constitucional só se justifica como ato fundador de um Estado novo, de um regime ou de uma ruptura com a ordem jurídica vigente.

A Constituição, quando proveniente de um órgão originário, faz criar um sistema de normas jurídicas que regulam o poder, poder este ilimitado, o qual, além de organizar a formação do Estado, poderá também inovar juridicamente, traçar uma estrutura ideológica de princípios, conferindo direitos aos seus súditos, até então inexistentes.

Paulo Bonavides discorre brilhantemente sobre o tema quando trata da titularidade do Poder Constituinte, da sua teoria e legitimidade, e, fazendo uma abstração quanto à atribuição de seu titular, conclui:

O poder constituinte, se fizermos abstração do seu agente ou titular, se reduz formalmente a uma ação constituinte, capaz de criar ou modificar a ordem constitucional ou de produzir as instituições fundamentais de uma determinada sociedade.

Quando se indaga quem é o titular desse poder absoluto, através de cuja vontade nascem, se organizam e funcionam os poderes constituídos – poderes relativos e limitados, órgãos daquela vontade soberana – a inquirição pode ter caráter estritamente científico, com o propósito de demonstrar e identificar no decurso da história que vontades políticas supremas foram potentes para ditar as regras básicas de comportamento e de organização institucional a que se submetem os governados.

Os governantes, comandando e postulando obediência em nome dessas regras ou desse sistema de organização, podem, contudo, ter sua autoridade questionada, numa interrogação de legitimidade acerca da licitude ou dos limites da sobredita obediência. Se isso acontece, principia

então uma reflexão que obrigatoriamente se inclina para o exame dos valores cuja presença justifica tanto o comando como a obediência. O poder constituinte deixa de ser visto como um fato, como o poder que é ou que foi, para ser visto como um fato acrescido de um valor; como o poder que deve ser, conforme o título da legitimidade que lhe sirva de raiz ou respaldo na consciência dos governados. Só então brota uma teoria ou, com mais propriedade, uma doutrina do poder constituído. Se o valor prevalecente na consciência dos governados é aquele que não dispensa a feitura da obra constituinte sem a participação dos cidadãos, a saber, daqueles que até a pouco, tendo sido mero objeto do poder político, se convertem doravante em sujeitos desse mesmo poder, desponta aí uma teoria do poder constituinte, historicamente nova, inédita, revolucionária166.

Isso nos revela que o poder constituinte originário, por suas características, amplitude e importância, não comporta ser instalado a qualquer momento, em especial quando o texto constitucional necessite tão somente de algumas alterações que o conformem com as necessidades e conveniências do momento, lançando mão o texto constitucional, para este particular, dos procedimentos de emendas à Constituição Federal, por órgão denominado reformador ou poder constituinte derivado.

Com muita clareza, Alexandre de Moraes conclui que

[…] a alterabilidade constitucional, embora se possa traduzir na alteração de muitas disposições da constituição, sempre conservará um valor integrativo, no sentido de que deve deixar substancialmente idêntico o sistema originário da constituição. A revisão serve, pois, para alterar a constituição mas não para mudá-la, uma vez que não será uma reforma constitucional o meio propício para fazer valer revoluções constitucionais. A substituição de uma constituição por outra exige uma renovação do poder constituinte e esta não pode ter lugar, naturalmente, sem uma ruptura constitucional, pois é certo que a possibilidade de alterabilidade constitucional, permitida pelo Congresso Nacional, não autoriza o inaceitável poder de violar o sistema essencial de valores da constituição, tal como foi explicitado pelo poder constituinte originário167.

O procedimento para fazer uma emenda ao texto constitucional vem disciplinado no art. 60 da Carta Magna. Traça ele critérios rígidos para que se emende o Texto Maior. Ao contrário do Poder Constituinte originário, esse dito reformador não é

166 Curso de Direito Constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 137-138. 167 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 460.

ilimitado, e o próprio texto constitucional traz as vedações e as limitações ao poder de reforma que os representantes do povo devem observar.

Dessa forma, ainda que necessária e conveniente a alteração do texto constitucional, certas circunstâncias deverão ser observadas, porque assim o constituinte originário o quis, vale dizer, o constituinte derivado atua dentro dos limites estabelecidos pelo próprio texto constitucional, sendo essas limitações de ordem formal, circunstancial, temporal e material, a saber:

a) Limitação formal

Essa limitação refere-se ao próprio processo de emenda, ou seja, à iniciativa: quem pode propor o projeto; o quorum para a sua discussão, votação e aprovação; a Casa iniciadora do projeto (que será sempre a Câmara dos Deputados, caso não provenha o projeto do Senado Federal); o órgão promulgador do texto de emenda; e, por fim, a proibição de ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa a matéria constante de emenda rejeitada ou havida por prejudicada.

b) Limitação circunstancial

A Constituição Federal prevê, ainda, momentos em que seu texto não poderá ser emendado de forma alguma. Para que a emenda possa ser deliberada, deverá o Estado estar em plena harmonia e estabilidade social, não poderá existir qualquer fator que cause a intranquilidade, ou seja, a emenda deverá se dar num momento de paz no país. Para tanto, previu o Texto Magno certos fatores que podem desestabilizar a Nação, que são: a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio.

c) Limitação temporal

A limitação temporal é aquela imposta pelo constituinte originário para que não seja emendada, alterada ou reformada a Constituição antes de decorrido determinado lapso de tempo, contados a partir de sua outorga ou promulgação. Poderá também ser

considerada como limitação temporal eventual fixação de período mínimo entre as alterações porventura a serem levadas a efeito.

Há quem entenda que o fato de um projeto de emenda tido por rejeitado não poder ser reapresentado na mesma seção legislativa significa uma limitação temporal ao direito de emenda, o que, embora implícito, não deixa de ser uma limitação ao poder de reforma à constituição, tendo como fator de limitação o tempo.

d) Limitação material ou substancial

Refere-se à proibição de serem modificados ou reformados determinados dispositivos da Constituição Federal. O texto fala em proposta de emenda “tendente” a abolir determinados preceitos, de forma que não será nem objeto de deliberação se qualquer proposição tenda a macular os dispositivos que menciona. São as chamadas “cláusulas pétreas”, núcleos intangíveis da Constituição Federal.

Tais limitações são divididas pela doutrina em limitações explícitas e limitações implícitas.

e) Limitações explícitas

As limitações explícitas são aquelas que a Constituição Federal expressamente declara, ou seja, aqueles preceitos em que o texto constitucional veda, de forma clara, qualquer tipo de emenda pelo poder reformador. Essas vedações estão contidas no § 4º do art. 60, dispostas em quatro incisos, sendo: “I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais”.

Acentua José Afonso da Silva:

É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: “fica abolida a Federação ou a forma federativa de Estado”, “fica abolido o voto direto […]”, “passa a vigorar a concentração de Poderes”, ou ainda “fica extinta a liberdade religiosa, ou de comunicação […], ou o habeas corpus, o mandado de segurança […]”. A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade

religiosa, ou de comunicação ou outro direito ou garantia individual; basta que a proposta de emenda se encaminhe ainda que remotamente, “tenda” (emendas tendentes, diz o texto), para a sua abolição168.

f) Limitações implícitas

São as que não vêm expressas pelo Texto Maior, não estão claramente tipificadas, mas decorrem do próprio limite do poder de reforma por emenda. As limitações implícitas se fundam na identidade da Constituição Federal; o poder reformador não poderá contrariar seus princípios por ofensa aos preceitos traçados pelo Poder Constituinte originário.

Com muita propriedade, José Celso de Mello Filho aborda a questão, ao comentar a Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, ensinando que

[…] existem, no entanto, as limitações implícitas, que inibem o Congresso Nacional no exercício de sua função constituinte derivada. Essas restrições, inerentes à própria natureza do poder constituinte de 2º grau, excluem do alcance do poder reformador determinadas categorias de normas constitucionais, assim elencadas por JOSÉ AFONSO DA SILVA, com fundamento no magistério de NELSON DE SOUZA SAMPAIO: ‘I – as relativas aos direitos fundamentais e suas garantias, para suprimi- los ou reduzi-los, sendo certo, no entanto, que por direitos fundamentais o citado autor está compreendendo só os direitos individuais (art. 153 da Constituição);

II – as concernentes ao titular do poder constituinte, pois uma reforma constitucional não pode mudar o titular do poder que cria o próprio reformador;

III – as referentes ao titular do poder reformador, pois seria despautério que o legislador ordinário estabelecesse novo titular de um poder derivado só da vontade do constituinte originário;

IV – as relativas ao processo da própria emenda ou revisão constitucional, distinguindo-se quanto à natureza da reforma, para admiti-la quando se tratar de tornar mais difícil seu processo, não o aceitando quando vise a atenuá-lo (grifado – Curso de direito constitucional positivo, 2ª ed., Revista dos Tribunais, 1.984, p. 25).

Os limites implícitos ao Poder Constituinte derivado, secundário, instituído de 2º grau configuram restrições naturais ao exercício do poder

168 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. revista e atualizada nos termos

da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n. 31, de 14/12/2000). São Paulo: Malheiros 2001, p. 61.

reformador. Nesse sentido: NELSON DE SOUZA SAMPAIO, O poder de reforma constitucional, Salvador, Livre Progresso, 1.954, princípios 93 e s.’169.

Essa incursão sobre os meandros dos veículos introdutores no âmbito constitucional se justifica pelo tema em debate. A Soberania encontra suas raízes na Constituição Federal e é nela que todos os atos soberanos se validam. A unidade da federação, tendo a União como sua representante soberana, é extraída da Constituição Federal. A competência de entes federados é igualmente superada pela Constituição Federal, assim como a outorga da competência para a celebração de tratados e eventual conflito surgido, em matéria tributária, entre os entes da federação, poderá ser resolvido no âmbito da Carta Maior.

Nesse contexto e, considerando que estamos a investigar a soberania e as implicações que a competência nos oferece na seara tributária, com foco na Constituição Federal e, seguindo no referencial dos veículos introdutores de normas de conduta, apontando, sobretudo, para o aspecto hierárquico desse veículo introdutor, nos deparamos com a lei complementar170.

A lei complementar é aquela destinada a “complementar e fazer operar a própria Constituição”171 exigindo maioria absoluta tanto da Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, para sua aprovação, versando sobre matérias estabelecidas pelo texto

169

MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 201.

170 Aurora Tomazini de Carvalho ao tratar da hierarquia dos veículos introdutores, no Curso de Teoria Geral

do Direito, O Constructivismo Lógico-Semântico, pondera que “No ordenamento jurídico a lei complementar exerce duas funções distintas, podendo: (i) servir de fundamento para outros atos normativos (ex.: art. 59, parágrafo único, e 146, III, da CF); ou (ii) realizar missões constitucionais próprias, independentemente da edição de outras normas (ex.: art. 154,1, da CF).

Tendo em conta estas diferentes funções, em alguns casos a lei complementar aparece como hierarquicamente superior à lei ordinária, quando lhe serve de fundamento jurídico, noutros casos descabe falar em hierarquia, quando ambas fundamentam-se diretamente no texto constitucional, ocupando tanto a lei complementar quanto a ordinária mesmo patamar jurídico.

Nota-se, aqui, que o critério hierárquico utilizado é o da fundamentação jurídica (subordinação). Sob este enfoque, não há hierarquia entre leis complementares e ordinárias quando ambas buscam seu fundamento jurídico diretamente na Constituição Federal. Só há que se falar em hierarquia, quando a lei complementar disciplina juridicamente a lei ordinária, ou seja, quando esta em vez de fundamentar-se diretamente na Constituição Federal o faz na lei complementar. Utilizando-nos, no entanto, de outro critério hierárquico (como o da qualificação do processo legislativo, por exemplo), a conclusão pode não ser a mesma” (Curso de Teoria Geral do Direito (O Constructivismo Lógico-Semântico). São Paulo: Noeses, 2013 p. 697).

171 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 40.

constitucional. Ao Direito Tributário, aplicam-se o disposto no art. 59, parágrafo único, o disposto no art. 24, inciso I e parágrafos, e o artigo 146 do Texto Constitucional. As leis complementares, muito utilizadas pelo texto constitucional para a disciplina de determinadas matérias, e até mesmo para a consolidação de leis, foram adotadas pelo constituinte como sendo um tipo normativo mais rígido em relação às demais enumeradas. Embora pouco se diferencie em relação à elaboração de uma lei ordinária, que é o tipo normativo mais usual, prevalece em relação a esta última quanto ao seu quorum de aprovação, que é diferenciado, eis que exige maioria absoluta, conforme destacado anteriormente. Daí concluirmos que as leis complementares são editadas unicamente por exigência constitucional e que o requisito de quorum qualificado para sua aprovação ostenta um maior rigor quanto à regulamentação de determinadas matérias que se entende quis o constituinte preservar.

Nesse sentido, Alexandre de Moraes afirma que

[…] a razão da existência da lei complementar consubstancia-se no fato do legislador constituinte ter entendido que determinadas matérias, apesar de evidente importância, não deveriam ser regulamentadas na própria Constituição Federal, sob pena de engessamento de futuras alterações; mas, ao mesmo tempo, não poderiam comportar constantes alterações através de um processo legislativo ordinário. O legislador constituinte pretendeu resguardar determinadas matérias de caráter infraconstitucional contra alterações volúveis e constantes, sem, porém, lhes exigir a rigidez que impedisse a modificação de seu tratamento, assim que necessário172. Segundo Regina Helena Costa, a lei complementar exerce quatro funções em matéria tributária:

1) veicular normas gerais nesse âmbito, dispondo sobre conflitos de competência e regulando as limitações constitucionais ao poder de tributar; 2) instituir os tributos em relação aos quais é expressamente exigida;

3) conferir uniformidade ao regramento de certos impostos dos Estados e Municípios (ITCMD, ICMS e ISS);

172

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 465.

4) estabelecer critérios especiais de tributação, destinados à prevenção de desequilíbrio da concorrência (art. 146-A).173

Ainda, convém esclarecer que, segundo referida doutrinadora, nos casos de regras que tratam de conflitos de competência entre as entidades tributantes considera-se a lei complementar hierarquicamente superior à lei ordinária, e no caso de lei complementar dirigir-se às limitações ao poder de tributar, atribuídas pela Constituição, essa hierarquia não existe. O Código Tributário Nacional tem natureza de lei complementar e estabelece normas gerais sobre legislação tributária (art. 146, inciso III, CR); portanto, as leis ordinárias a ela se subordinam, quando tratam de conflitos tributários.174

A lei comum ordinária, produzida sem a necessidade de um quorum qualificado, como o determinado para a lei complementar, como regra de conduta, rege as relações jurídicas. Se ela obriga, devemos buscar o seu alcance e destinatários. A quem obriga?175,176. Pois poderá obrigar a uns e não a outros, como no caso das relações internacionais.

173 COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 42-43.

174 Humberto Ávila, ao abordar o conteúdo e hierarquia da lei complementar, no sistema constitucional

tributário, assevera: “Isso não significa que as leis complementares não possam ser hierarquicamente superiores às leis ordinárias. As leis ordinárias situam-se, em dois casos, numa relação de hierarquia com as leis complementares: numa relação de hierarquia formal-procedimental, na hipótese de a lei complementar regular o modo de elaboração, redação, modificação e consolidação das leis ordinárias (art. 59); e numa relação de hierarquia material-conteudística, no caso de a lei complementar estabelecer normas gerais predeterminadoras do conteúdo das leis ordinárias instituidoras dos tributos (art. 146). As leis federais e as leis complementares possuem a mesma eficácia territorial. Ambas são editadas pelo Congresso Nacional, especialmente porque este se ocupa tanto de questões federais quanto de questões de interesse nacional. Elas, porém, não se identificam: a lei federal aplica-se a órgãos submetidos à União Federal, e as leis complementares, enquanto leis nacionais, aplicam-se as três ordens jurídicas parciais da União Federal, dos Estados e dos Municípios” (Sistema Constitucional Tributário. 5. ed. São Paulo: