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2 TRIBUTAÇÃO: EXERCÍCIO DA SOBERANIA INTERNA DO ESTADO

2.1 TRIBUTAÇÃO E TRIBUTOS: NECESSIDADE E DEVER

A tributação consiste em uma das incumbências do Estado, que abrange a instituição, a arrecadação e a fiscalização de tributos.

A arrecadação dos tributos é a principal fonte de custeio das necessidades operacionais do Estado, dando sustentação aos serviços administrativos internos, incluindo-

133 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 24. 134

Ibid., p. 31.

135 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 191.

se toda a estrutura dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, serviços diplomáticos em relação a outros Estados, aos órgãos de segurança, aos programas estratégicos de desenvolvimento, necessários a acompanhar o crescimento, a evolução cultural e o próprio crescimento populacional, àqueles relativos à qualidade de vida da população, como a previdência social, a saúde, a educação e muitos outros. Além dos tributos, são possíveis outros tipos de geração de receita, como a exploração do patrimônio estatal, v.g., as taxas relativas a serviços públicos e o lucro da venda de bens produzidos por empresas estatais, e, também, através de mecanismos financeiros, como empréstimos (BNDES, FINAME, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal), emissão de títulos etc.

A instituição de tributos é atividade típica do Estado, indelegável e exercida mediante lei, em sentido formal e material (art. 150, I, CR). Já a arrecadação e a fiscalização tributárias constituem competências administrativas e, portanto, passíveis de delegação a pessoas de direito público e privado (art. 8º, CTN).136

Segundo o Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, Art. 3º, “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Paulo de Barros Carvalho, dissecando os termos legais do artigo antes citado, não traz propriamente uma definição, por entender que coube à lei, considerada a sua análise semântica, a respectiva definição, ponderando que

Tributo é nome de uma classe de objetos construídos conceptualmente pelo direito positivo. Trata-se de palavra ambígua que pode denotar distintos conjuntos de entidades (relação jurídica, direito subjetivo, dever jurídico, quantia em dinheiro, norma jurídica e, como prefere o Código Tributário Nacional, a relação jurídica, o fato e a norma que juridiciza o fato)137.

Geraldo Ataliba define juridicamente tributo como a

136

COSTA, Regina Helena. Curso de Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 25.

137

Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 396.

[…] obrigação jurídica pecuniária, ex lege, que se não constitui em sanção de ato ilícito, cujo sujeito ativo é uma pessoa pública (ou delegado por lei), e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade da lei, obedecidos os desígnios constitucionais (explícitos ou implícitos)138. Para Alfredo Augusto Becker, o conceito jurídico de tributo se entrelaça e depende da ocorrência de dois fatores: o primeiro é a realização da hipótese de incidência e o segundo, uma vez realizada a regra jurídica, é a obrigação dela resultante para os sujeitos envolvidos. Diz ele:

A regra jurídica especificamente tributária é a que, incidindo sobre fato lícito, irradia relação jurídica, em cujo polo negativo situa-se, na posição de sujeito passivo, uma pessoa qualquer e em cujo polo positivo situa-se, na posição de sujeito ativo, um órgão estatal de função executiva e com personalidade jurídica.

[…]

O tributo é o objeto daquela prestação que satisfaz aquele dever.139

Roque Carrazza assim define o que seja tributo: “tributo é a relação jurídica que se estabelece entre o Fisco e o contribuinte (pessoa colhida pelo direito positivo) tendo por base a lei, igualitária, decorrente de um fato lícito qualquer, e cujo adimplemento é exigido compulsoriamente e em moeda”140.

Ricardo Lobo Torres traz a seguinte definição de tributo, conciliando o Código Tributário Nacional com a Constituição Federal de 1988:

Tributo é o dever fundamental, consistente em prestação pecuniária, que, limitado pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva dos princípios constitucionais da capacidade contributiva, do custo/benefício ou da solidariedade e com a finalidade principal ou acessória de obtenção de receitas para as necessidades públicas ou para atividades protegidas pelo

138

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed., 15. tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 34.

139

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 279- 280.

140 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed., revista, ampliada e

atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 434.

Estado, é exigido de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência específica outorgada pela Constituição.141 Renato Lopes Becho define tributo como “o objeto da relação jurídica de direito público interno, criado por lei, de natureza pecuniária, compulsória e decorrente de fatos jurídicos lícitos”142.

Pacifica-se nas definições apresentadas, a relação entre o sujeito passivo e o sujeito ativo da relação tributária, constituída pelo comportamento do primeiro em levar dinheiro aos cofres públicos, ou seja, a obrigação de pagar, conduta humana impositiva por aquele que detém competência para exigir a exação. O artigo 3º do Código Tributário Nacional veicula um enunciado prescritivo, porque foi emitido por pessoa legalmente competente e autorizada a editá-la (legislador), e fornecerá, com seu conteúdo, ao intérprete, mecanismos para construir uma significação, uma norma jurídica que disciplinará os comportamentos dela decorrentes. É a Constituição Federal que delimita essa competência, o que significa dizer que ela é a segurança jurídica de que o cidadão não será tributado indevidamente; a Constituição é a garantia e o instrumento do estado de direito.

O cidadão, detentor da soberania popular outorgada aos seus representantes, submete-se aos termos das legislações que se encontram em conformidade com a Constituição; nesse sentido, a obrigação tributária reveste-se de um dever no âmbito do Estado Democrático de Direito Tributário, a par do Direito Financeiro, que se responsabiliza por adequar a receita às despesas públicas, sendo a receita fator preponderante para o custeio da atividade pública, da qual somos todos responsáveis.

Esse dever fundamental é bem retratado por José Casalta Nabais, citado por Leandro Paulsen, o qual afirma convictamente que,

Como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem como mero dever fundamental para o estado, nem como um mero sacrifício para

141 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Os Tributos na

Constituição. v. IV, 2. ed. revista e atualizada. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 63.

142 BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. Teoria Geral e Constitucional. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 2014, p. 65.

os cidadãos, constituindo antes o contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em estado fiscal. Um tipo de estado que tem poder na subsidiariedade da sua própria acção (económico-social) e no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu sustento, o seu verdadeiro suporte.143

Cumpre-nos ressaltar, em mínimas palavras, de forma pragmática, o significado dos termos tributo, fisco, tributo fiscal, tributo parafiscal e tributo extrafiscal.

Tributo é o valor em dinheiro, baseado em lei e na relação jurídica específica, entregue ao Estado. Fisco significa a logística do tributo, ou seja, o seu percurso desde o valor arrecadado pelos agentes fiscais ao local, aos ‘cofres’, onde são guardadas as quantias recolhidas.

Fiscalidade é a situação mais comum em que os tributos são instituídos apenas para abastecer os cofres públicos.

A extrafiscalidade é aquela em que a atividade impositiva além do objetivo arrecadatório (como o da fiscalidade) cumprem interesses, sociais, políticos ou econômicos. São exemplos de impostos extrafiscais: os Impostos de Importação (II) e de Exportação (IE), que podem ajustar as alíquotas incidentes sobre o valor das mercadorias importadas ou exportadas, de forma a proteger os produtores nacionais; o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), orientado pelo princípio da seletividade em função da essencialidade dos produtos; o Imposto Territorial Rural (ITR) em vista dos gravames aos imóveis inexplorados ou de baixa produtividade.

Uma oportuna observação é aquela de Paulo de Barros Carvalho:

Há tributos que se prestam, admiravelmente, para introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais ao setor da fiscalidade. Não existe, porém, entidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão-só a fiscalidade, ou, unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma

143

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 6. ed. revista, atualizada e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 21-22.

figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro.144

Parafiscalidade é uma fiscalidade paralela, ou seja, o tributo tem a finalidade de abastecer não os cofres públicos, mas, sim, aqueles de entidades diferentes ou destacadas do Estado. Paulo de Barros Carvalho define a parafiscalidade “como o fenômeno jurídico que consiste na circunstância de a lei tributária nomear sujeito ativo diverso da pessoa que a expediu, atribuindo-lhe a disponibilidade dos recursos auferidos, tendo em vista o implemento de seus objetivos peculiares”145.

Tais espécies de tributos estão previstas, principalmente, nos artigos 149 e 149- A, da Constituição Federal. São exemplos de contribuições parafiscais aquelas relativas: aos recolhimentos ao INSS, às anuidades para desempenho de funções profissionais recolhidas à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e aos Conselhos Federais ou Regionais de Profissões regulamentadas (CREA, CRECI, CRM etc.).

A denominação de “contribuição parafiscal” é contestada ou, pelo menos, considerada ultrapassada, por autores como Leandro Paulsen:

Chamavam-se parafiscais porque não eram destinadas ao orçamento do ente político. Mas temos, atualmente, tantas contribuições destinadas a outras entidades como destinadas à própria Administração, sem que se possa estabelecer, entre elas qualquer distinção no que diz respeito à sua natureza ou regime jurídico a que se submetem. Ser ou não ser parafiscal é uma característica acidental, que, normalmente, sequer diz com a finalidade da contribuição, mas com o ente que desempenha a atividade respectiva.146

Porém, como afirma Paulo de Barros Carvalho, “Os signos fiscalidade, extrafiscalidade e parafiscalidade são termos usualmente empregados no discurso da Ciência do Direito […] Raríssimas são as referências que a eles faz o direito positivo, tratando-se de construções puramente doutrinárias”147.

144 Direito tributário: linguagem e método. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2009, p. 245-246. 145 Ibid., p. 247.

146

Curso de Direito Tributário Completo. 6. ed. revista, atualizada e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 51.

147 Op. cit., 2009, p. 244.

Não vamos nos aprofundar nessa questão por considerar que a distância deste trabalho em relação a questões puramente doutrinárias gradua a nenhuma relevância esse tipo de divergência.

A Constituição é um conjunto de normas do nosso ordenamento jurídico que ocupa o topo da chamada pirâmide jurídica.148 Todas as demais normas são consideradas inferiores a ela e com ela devem harmonizar-se sob pena de estarem fora da pirâmide, ou seja, de não terem fundamento de validade, não podendo produzir efeitos de direito.149 “Sobremais, ela dá validade a si própria, já que encarna a soberania do Estado que a Editou”150. As normas jurídicas constitucionais dão as diretrizes sobre os poderes estatais, estabelecendo quais são eles, quem os pode exercer, como podem ser exercidos, assim como os direitos e garantias das pessoas em relação a esses poderes.151

Nesse contexto nos interessa a Ordem Tributária Nacional, parte do texto constitucional, que dá as diretrizes tanto ao Administrador quanto aos Administrados, pelos princípios gerais em matéria tributária que traça, ordenando a competência tributária dos Entes Federativos, as limitações ao poder de tributar, além de discriminar a utilização das rendas auferidas pelo poder de tributar, formatando todo o sistema.152Ora, se os limites para

148 Roque Antonio Carrazza é enfático quanto a importância e grau de hierarquização da Constituição. Assim

diz ele: “As normas constitucionais, além de ocuparem a cúspide da ‘pirâmide jurídica’, caracterizam-se pela imperatividade de seus comandos, que obrigam — reiteramos — não só as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou de direito privado, como o próprio Estado.

O que estamos procurando ressaltar é que a Constituição não é um mero repositório de recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas, inclusive pelo legislador infraconstitucional, pelo administrador público e pelo juiz. Afinal, são elas que protegem os cidadãos das eventuais arbitrariedades estatais” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 29. ed., revista, ampliada e atualizada até a Emenda Constitucional n. 72/2013. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 35).

149 Extensivamente, às demais normas da pirâmide jurídica, a validade de uma norma superior prevalece

sobre uma inferior. Por isso, não é sem razão que Roque Carrazza toma a Constituição como Lei fundamental estruturante e organizadora dos demais ordenamentos. Diz ele: “A Constituição, longe de ser, na estrutura hierárquica do ordenamento, simplesmente uma lex superior, também é a matriz de todas as manifestações normativas do Estado, já que regula o ‘processo de criação de normas jurídicas’ e ‘traça os princípios, as diretivas e os limites para o conteúdo das leis futuras’” (ibid., p. 38).

150 Ibid., p. 28.

151 Não podemos nos esquecer das Constituições Estaduais e das Leis Orgânicas Municipais, além do Distrito

Federal, ordenamentos que se regram e guardam observância estrita à Constituição Federal.

152 A Constituição Federal, ao tratar do Sistema Tributário Nacional, dispõe nos artigos 145 a 149, além das

competências tributárias, os princípios gerais que norteiam a tributação; nos artigos 150 a 152, trata das Limitações ao Poder de Tributar; nos artigos 153 a 154, os Impostos que poderão ser instituídos pela

a imposição tributária estão dispostos na Constituição Federal, sendo uma obrigação/dever do sujeito passivo, encontraremos na lei a sua discriminação.

Com estas breves considerações, sobre generalidades acerca do tema

tributação, sua evolução histórica e definição de tributos, volvemos a pontuar dentro do sistema tributário nacional a importância da tributação sob o pálio da soberania, como valor jurídico, para, na sequência, adentrarmos nas implicações que ocorrem ao analisarmos a competência tributária.

Vimos que a definição de soberania, desde a época do absolutismo, das guerras e conquistas, e no mundo contemporâneo, mostra-se, no âmbito doutrinário, muito controvertida e complexa. Estabelecer a noção de soberania sob um único plano não se mostra possível, pois pode ser analisada por vários aspectos, desde o sociológico, o político, o histórico e o jurídico, este último traduzido pela ordem jurídica que lhe confere “uma posição jurídica de supraordenação e de independência”153. Não seria despropositado afirmar que a soberania distingue o Estado como poder, embora não absoluto, especialmente nas relações supranacionais, que encontra limites na própria Constituição Federal, tanto em sua soberania interna quanto externa, pois é ela que cria o Estado, dando- lhe a conformação e o poder que podem ser exercidos, nas mais variadas espécies de atuação. Não é desarrazoado afirmar que a supremacia e o poder que a Constituição confere ao Estado são legitimados pelo princípio da soberania. Ao jungir a soberania aos estritos limites da ordem constitucional ela toma contornos jurídicos e seu exercício só ocorrerá se observada a Constituição, de forma que, para adentrar no âmbito da competência tributária, imersa na legitimidade da soberania estatal, devemos nos ater ao sistema traçado pelo direito positivo. O Poder de Tributar está para soberania, assim como a independência para legislar sobre tributos está para a sujeição e o respeito aos comandos constitucionais estabelecidos.

União Federal, pelos Estados e pelo Distrito Federal; no artigo 155, a competência dos Municípios para a instituição de tributos; e, por fim, nos artigos 157 a 162, a forma pela qual serão dividas as receitas tributárias arrecadadas.

153 TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional Sobre as Rendas de Empresas. 2. ed. rev., atual. e ampl.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 63.