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4. AS RESPONSABILIZAÇÕES APLICADAS À SAMARCO

4.1 A materialização da responsabilidade civil ambiental

4.1.2 Termo de Ajustamento de Conduta

4.1.2.1 Termo de transação e ajustamento de conduta

O Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) foi assinado em 02 de março de 2016 no âmbito da ACP nº 0069758-61.2015.4.01.3400. Os

239 Art. 5º, §6º da lei nº 7.347/1985: ‘’(...) Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos

interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial’’.

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compromitentes desse acordo foram a União, Estado de Minas Gerais, Estado do

Espírito Santo, além de diversas autarquias federais e estaduais241. Enquanto que

os compromissários foram a Samarco, e as suas controladoras, quais sejam, Vale e BHP Billiton Brasil.

Esse acordo possuía como escopo a recuperação, mitigação, remediação, compensação e reparação, inclusive indenização, dos impactos socioambientais e

socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem da Samarco242, através

da implementação de programas socioeconômicos e socioambientais. Os referidos programas podem ser definidos, como o conjunto de medidas e de ações, executadas de acordo com um plano técnico e fundamentado, fiscalizadas e supervisionadas pelo poder público, conforme estabelecem os itens IX e X da

cláusula 01243.

Os programas socioeconômicos foram agrupados em sete eixos temáticos, conforme estabelece a cláusula 18 do acordo: organização social; infraestrutura; educação, cultura e lazer; saúde; inovação; economia e gerenciamento do plano de ações.

A organização social engloba os seguintes programas: (i) programa de levantamento e de cadastro dos impactados; (ii) programa de ressarcimento e de indenização dos impactados; (iii) programa de proteção e recuperação da qualidade de vida dos povos indígenas; (iv)programa de proteção e recuperação da qualidade de vida de outros povos e comunidades tradicionais; (v) programa de proteção social; (vi) programa de comunicação, participação, diálogo e controle social, (vii)programa de assistência dos animais.

O eixo intitulado de Infraestrutura abarca os programas a seguir: (i) programa

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Os demais compromitentes estão elencados no TTAC., que por sua vez encontra-se disponível em: < https://www.samarco.com/wp-content/uploads/2016/07/TTAC-FINAL.pdf > Acesso em: 05 de nov. 2019.

242 Conforme o quarto CONSIDERANDO da fl. 06 do acordo: ‘’ CONSIDERANDO o ajuizamento da

Ação Civil Pública em face da SAMARCO e dos ACIONISTAS, registrado sob o nº 0069758- 61.2015.4.01.3400, em trâmite na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, por meio do qual se pretende a recuperação, mitigação, remediação, compensação e reparação, inclusive indenização, dos impactos socioambientais e socioeconômicos causados pelo EVENTO’’.

243 Cláusula 01, IX e X do TTAC: ‘’(...) IX. PROGRAMAS SOCIOECONÔMICOS: Conjunto de

medidas e de ações a serem executadas de acordo com um plano tecnicamente fundamentado, necessárias À reparação, mitigação, compensação e indenização pelos danos socioeconômicos decorrentes do EVENTO, fiscalizadas e supervisionadas pelo poder público, nos termos do ACORDO; X. PROGRAMAS SOCIOAMBIENTAIS: Conjunto de medidas e de ações a serem executadas de acordo com um plano tecnicamente fundamentado, necessárias à reparação e compensação pelos danos socioambientais, decorrentes do EVENTO, fiscalizadas e supervisionados pelo PODER PÚBLICO, nos termos do ACORDO’’.

de reconstrução, recuperação e a realocação de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira; (ii) Programa de recuperação do Reservatório da UHE Risoleta Neves; (iii) programa de recuperação das demais comunidades e infraestruturas impactadas entre Fundão e Candonga, inclusive Barra Longa.

A Educação, Cultura e Lazer, assim como a infraestrutura envolve três programas, a saber: (i) programa de recuperação das escolas e reintegração da comunidade escolar; (ii) programa de preservação da memória histórica, cultural e artística; (iii) programa de apoio ao turismo, cultura, esporte e lazer.

Os eixos temáticos da Saúde, Inovação e Gerenciamento do plano de ações versam, cada um, sobre apenas um programa, quais sejam, respectivamente: programa de apoio à saúde física e mental; programa de apoio à pesquisa para desenvolvimento e utilização de tecnologias socioeconômicas aplicadas à remediação dos impactos; programa de gerenciamento dos programas socioeconômicos.

O eixo Economia, por sua vez, refere-se ao segundo eixo temático com o maior número de programas: (i) programa de retomada das atividades aquícolas e pesqueiras; (ii) programa de retomada das atividades agropecuárias; (iii) programa de recuperação e diversificação da economia regional com incentivo à indústria; (iv) programa de recuperação de micro e pequenos negócios no setor de comércio, serviços e produtivo; (v) programa de estímulo à contratação local; (vi) programa de auxílio financeiro emergencial aos impactados; (vii) programa de ressarcimento dos gastos públicos extraordinários dos compromitentes.

Em relação aos programas socioambientais destaca-se que eles também foram agrupados de acordo com eixos temáticos, conforme estabelece a cláusula 15 do acordo, quais sejam: Gestão dos Rejeitos e recuperação da qualidade da água; Restauração florestal e produção de água; Conservação da biodiversidade; Segurança hídrica e qualidade da água; Educação, comunicação e informação; Preservação e segurança ambiental; Gestão e uso sustentável da terra; Gerenciamento do plano de ações.

Três desses eixos versam sobre três programas cada, ao passo que quatro deles abarcam dois programas. Esses eixos e seus respectivos programas serão explicitados nos parágrafos a seguir.

Restauração florestal e produção de água: (i) Programa de recuperação da área ambiental 1, nos municípios de Mariana, Barra longa, Rio Doce e Santa Cruz

do Escalvado, incluindo biorremediação.; (ii) Programa de recuperação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e áreas de recarga da Bacia do Rio Doce controle de processos erosivos; (iii) Programa de recuperação de nascentes.

Conservação da biodiversidade: (i) programa de conservação da biodiversidade aquática, incluindo água doce, zona costeira e estuarina e área marinha impactada; (ii) programa de fortalecimento das estruturas de triagem e reintrodução da fauna e flora terrestre; (iii) Programa de conservação da fauna e flora terrestre.

Educação, comunicação e informação: (i) Programa de educação ambiental e preparação para as emergências ambientais; (ii) Programa de informação para a população da área ambiental 1; (iii) Programa de comunicação nacional e internacional.

Gestão dos rejeitos e recuperação da qualidade da água: (i) Programa de manejo dos rejeitos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, considerando conformação e estabilização in situ, escavação dragagem, transporte, tratamento e disposição; (ii) Programa de implantação de sistemas de contenção dos rejeitos e de tratamento in situ dos rios impactos.

Segurança hídrica e qualidade da água: (i) Programa de coleta e tratamento de esgoto e da destinação de resíduos sólidos; (ii) Programa de melhoria dos sistemas de abastecimento de água.

Preservação e segurança ambiental: (i) Programa de gestão de riscos ambientais na área ambiental 1 da bacia do Rio Doce; (ii) Programa de investigação e monitoramento da Bacia do Rio Doce, áreas estuarinas, costeira e marinha impactadas.

Gestão e uso sustentável da terra: (i) Programa de consolidação de unidade de conservação; (ii) Programa de fomento à implantação do CAR e dos PRAs na área ambiental 1 da Bacia do Rio Doce.

Por fim, destaca-se que o eixo temático de Gerenciamento do plano de ações abrange apenas um programa, qual seja: Programa de gerenciamento do plano de recuperação ambiental dos corpos hídricos diretamente atingidos pelo evento.

A implementação dos supracitados programas socioambientais e

socioeconômicos ficariam a cargo de uma fundação de direito privado instituída pela Samarco e suas controladoras, mas com autonomia em relação aos referidos,

conforme se extrai da cláusula 5, IV do acordo244.

A fundação, em tela, seria regida por um estatuto próprio245, fiscalizada pelo

Ministério Público246 e o aporte financeiro para manutenção da fundação e execução

dos programas iria advir da Samarco e de suas controladoras247, sempre

resguardando a autonomia prevista na referida cláusula 5, IV do TTAC.

Acerca do aporte financeiro da Fundação, destaca-se que a Samarco deveria fazer um depósito de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais) para o início

de suas atividades, de acordo com a cláusula 229 do TTAC248, além da injeção de

quantias anuais pré-estabelecidas para que a Fundação pudesse desempenhar as

suas atividades, conforme cláusula 226249.

A fundação de direito privado, prevista no TTAC foi instituída em agosto de 2016, sendo intitulada de Fundação Renova. Acerca da composição da Renova destaca-se que ela reúne técnicos e especialistas de diversas áreas do conhecimento, além de entidades de atuação socioambiental e de conhecimento científico, totalizando cerca de 7.000 (sete mil) pessoas (entre colaboradores e parceiros) que laboram na reparação ambiental. Conta, ainda, com o envolvimento de mais de 25 (vinte e cinco) universidades e 40 (quarenta) organizações não

governamentais e instituições parceiras250.

Além da Fundação Renova, foi instituto por meio do TTAC o Comitê Interfederativo (CIF), enquanto uma instância externa e independente da fundação

244 Cláusula 5º, IV do TTAC: ‘’ A Samarco, a Vale e a BHP instituirão uma Fundação de direito

privado, com autonomia em relação às instituidoras, com o objetivo de gerir e executar todas as medidas previstas nos programas socioeconômicos e socioambientais.

245 Cláusula 209, parágrafo segundo do TTAC: ‘’ A Fundação será sediada em Belo Horizonte/MG e

será regida pelo seu estatuto social’’.

246 Cláusula 224 do TTAC: ‘’A fundação será fiscalizada, na forma da lei, pelo Ministério Público’’. 247 Clausula 225 do TTAC: ‘’ A Samarco, a Vale e a BHP serão instituidoras e mantenedoras da

Fundação nos termos estabelecidos na cláusula 209, de forma a implementar projetos aprovados no âmbito dos programas previstos neste acordo’’.

248 Cláusula 229 do TTAC: ‘’No prazo de 30 (trinta) dias contados da emissão do CNPJ da Fundação,

a Samarco fará um depósito inicial de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais), que corresponde ao início do aporte de 2016’’.

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Cláusula 226 do TTAC: ‘’ A Samarco deverá realizar aportes anuais no curso dos exercícios de 2016, 2017 e 2018, nos montantes definidos abaixo, sempre em observância aos termos estabelecidos nos parágrafos desta cláusula e cláusula seguintes: I. Exercício de 2016: aporte de R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais); II Exercicio de 2017: aporte de R$ 1.200.000.000,00 (um bilhão e duzentos milhões de reais); III. Exercício de 2018: aporte de R$ 1.200.000.000,00 (um bilhão e duzentos milhões de reais). Para o ano de 2019 o aporte previsto foi de R$ 2.800.000.000,00 (dois bilhões e oitocentos milhões de reais) de acordo com o sitio eletrônico da própria fundação. Nesse sentido, consultar: DADOS da reparação. Fundação Renova. Disponível em: < https://www.fundacaorenova.org/dadosdareparacao/ > Acesso em: 05 de nov. 2019.

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Esses dados foram extraídos do próprio sitio eletrônico da Fundação renova, que foi inclusive uma obrigação imposta pelo TTAC de acordo com a Cláusula 222.

formada exclusivamente por representantes do poder público251. Além de promover uma interlocução permanente com a Fundação, o Comitê Interfederativo é responsável por definir as prioridades na implementação e execução dos projetos a

cargo da fundação, além de acompanhar, monitorar e fiscalizar os resultados252.

Também caberá ao CIF validar os programas e projetos apresentados pela

Fundação253 e indicar a necessidade de eventuais correções e readequações. E em

caso de divergência entre a Renova e o CIF, qualquer uma das partes poderá

submeter a questão ao painel de especialistas254 e, posteriormente, caso seja

necessário, ao juízo competente255.

O CIF também poderá impor, não só à Samarco e suas controladoras, mas também à Fundação Renova, multa por obrigação descumprida e multa diária enquanto persistir o descumprimento, sempre que após o prazo dado pelo Comitê para cumprimento espontâneo, a obrigação não é adimplida por culpa exclusiva da

referida mineradora ou da Renova256.

Destaca-se que o TTAC foi homologado em 05 de maio de 2016 pelo núcleo

251 Cláusula 242. Parágrafo primeiro: ‘’ O comitê interfederativo será uma instancia externa e

independente da fundação, formado exclusivamente por representantes do poder público’’.

252 Cláusula 06, XX do TTAC: ‘’(...) O poder público constituirá um comitê interfederativo, como

instância externa e independente da fundação, para interlocução permanente com a fundação e para definir prioridades na implementação e execução dos projetos, acompanhando, monitoramento e fiscalizando os resultados’’.

253 Cláusula 06, XXI do TTAC: ‘’(...) Caberá ao comitê interfederativo validar os programas e projetos

apresentados pela fundação, levando em consideração os princípios e os demais termos do Acordo, sem prejuízo da necessidade de obtenção das licenças ambientais junto ao órgão ambiental competente, bem como de outros órgãos públicos, conforme os procedimentos previstos neste acordo’’.

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O painel de especialistas refere-se a a uma instancia permanente e externa à fundação, formada por três membros, para fornecer opiniões técnicas não vinculantes para as partes, com o objetivo de resolver conflitos entre a fundação e o comitê interfederativo, conforme se depreende da Cláusula 246 do TTAC e de seu parágrafo primeiro.

255 Cláusula 06, XXIII do TTAC: ‘’(...) O comitê interfederativo examinará os programas e projetos

submetidos e indicará a necessidade de correções, readequações ou fará questionamentos nas ações a serem desempenhadas. Permanecendo divergência entre a fundação e o comitê interfederativo, qualquer das partes poderá submeter a questão ao painel de especialistas, bem como, posteriormente, se for o caso, ao juízo competente’’.

256 Cláusula 247, caput, e parágrafos primeiro e seguindo do TTAC: ‘’ Em caso de descumprimento

por culpa exclusiva da Fundação, da Samarco ou de qualquer das acionistas de suas respectivas obrigações assumidas em qualquer das cláusulas constantes deste acordo, ressalvadas as hipóteses de caso fortuito ou força maior, o comitê interfederativo comunicará formalmente À parte inadimplente o descumprimento, com cópia para as demais empresas, para que estas tenham ciência e a inadimplente adote as medidas necessárias para cumprimento das obrigações ou justifique o seu não cumprimento, estabelecendo prazo compatível para devida adequação. Parágrafo primeiro: No prazo estabelecido nos termos do caput, a inadimplente poderá cumprir integralmente a obrigação indicada ou, desde que devidamente justificado ao Comitê Interfederativo, solicitar a dilação do prazo conferido. Parágrafo segundo: Decorrido o prazo definido e permanecendo o descumprimento por parte da inadimplente, esta sujeitar-se-á à fixação de multa punitiva por obrigação descumprida e multa diária enquanto persistir o descumprimento total da obrigação’’.

de conciliação do TRF da 1ª região. Mas a sua homologação foi suspensa por liminar pelo STJ em junho de 2016 e anulada pela 5ª Turma do TRF da 1ª região em 17 de agosto de 2016, isso porque foi decidido que o núcleo de conciliação do TRF da 1ª região não seria competente para esse ato, mas sim o juízo natural da

causa257.

Com a anulação da homologação, a ACP nº 0069758-61.2015.4.01.3400 não teve a sua fase de conhecimento extinta, tal como previa a cláusula 253, caput e

parágrafo único do TTAC258. Também não foram extintas as ações conexas com a

referida ACP, conforme prelecionava a cláusula 254 do acordo259.

Mas na prática, tanto a fundação renova quanto o Comitê Interfederativo continuaram vigorando, mesmo após a referida anulação, no que tange a implementação dos programas socioambientais e socioeconômicos, tendo em vista que o Termo de Acordo Preliminar (TAP) chancelou essa continuidade, mas em conformidade com alguns parâmetros nele estabelecidos.

Em que pese o TAP, como o próprio nome sugere ser apenas preliminar, em virtude de ser anterior a um possível termo de ajustamento de conduta definitivo, que resolva o mérito processual, isso não desvirtua o fato de que condutas das partes foram ajustadas pelo mesmo, o que torna necessário ele ser objeto de um item autônomo, conforme explicitado a seguir.