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Tiago Brandão, 2 Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de

Lisboa (IHC, FCSH-UNL

brandao.tiago@gmail.com

Resumo: A partir de uma visão global do caso português, procurar-se-á neste artigo sintetizar

algumas interpretações que nortearam estudos anteriores, nomeadamente algumas reflexões dispersas sobre a história da política científica em Portugal.Reflexões quanto a um trajeto histórico, elaboradas a partir de um estudo sobre as origens da JNICT e a própria génese da política científica portuguesa. Brandão (2012b) começa-se por recuar no século XX português, revisitando uma periodização para a história das políticas científicas em Portugal e enquadrando a emergência de um modelo tecnocrata de política científica (alegadamente sistémico e ‘vinculacionista’). Dar-se-á breve descrição da situação ocorrida durante a Revolução de Abril (1974-1976), que sugerirmos olhar como um ponto de chegada do processo português, assinalando as ruturas e as continuidades que serão por fim objeto de algumas consideraçõesfinais, deixando-se porém em aberto a possibilidade de definir períodos posteriores a partir de nova investigação.

Palavras-chave: história da política científica, organização da ciência, instituições científicas,

tecnocracia, JNICT

1 Tema objeto de comunicação intitulada “Política e Ciência no século XX. História da organização da Ciência e política científica em Portugal”, realizada no âmbito do Ciclo de seminários “IX Ciclo Anual Jovens Cientistas Sociais | 40 anos de abril”, no dia 18 de junho de 2014. Estudo desenvolvido com apoio de uma bolsa FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia( refª SFRH/BPD/84971/2012).

2 Doutor e investigador integrado do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (IHC, FCSH-UNL). Tem vindo a estudar a história da organização da ciência, trabalhando sobre a temática da construção da política científica em Portugal. Formado em História, desenvolveu tese de Doutoramento intitulada “A Junta Nacional de InvestigaçãoCientífica e Tecnológica (1967-1974). Organização da Ciência e política científica em Portugal” (2012).

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Introdução

Em termos temáticos, qualquer estudo da política científica deve ter presente que se situa no âmbito dessa crescente disposição relacional entre Ciência e Política, um fenómeno histórico progressivamente percetível no século XX, visível no projeto de organização da Ciência, assumido pelo Estado, e tendo passado por diversos momentos, tendo em vista atingir diversas finalidades – desenvolvimento científico, progresso material, legitimação e afirmação do poder do Estado –, envolvendo assim atores e interesses potencialmente divergentes.

Especificamente, no contexto da história portuguesa, iremos introduzir o leitor à problemática histórica da construção da ‘política científica nacional’ 3 em Portugal, procurando-se dar maior alcance histórico a essa terminologia (e.g. Gonçalves, 1996 e 1998). Há que captar como essa perceção de construção da política científica, não apenas numa ótica cumulativa, mas igualmente encadeando paradigmas (e.g. Ruivo, 1994), é fundamental para compreender e enquadrar o significado da criação da JNICT – Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, por muitos anos considerada o marco de nascimento da política científica portuguesa, e em rigor o principal e único antepassado direto4 da atual FCT Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Julga-se ainda que é oportuno relembrar alguns dos mitos em torno da história da política científica, recorrentes sobretudo na comunidade científica portuguesa. Desde logo, i) a ideia de que só podemos falar de política científica a partir da Segunda Guerra Mundial (e.g. o exemplo espanhol contraria claramente esta noção – Sanz-Menéndez, 1997, Sánchez-Ron 1988 ou López-Ocón, 2008) e que, inclusive, ii) para que se pudesse considerar política científica, existem determinados pressupostos teóricos e explícitos a incorporar na sua conceção – por exemplo, a intenção explícita de articular os objetivos de apoio à investigação com o desenvolvimento económico e, consequentemente, a noção de que a história da política científica se resume às intenções, programas e mecanismos de apropriação económica e tecnológica da investigação científica. Em terceiro lugar, no caso português, decorre em parte daqui iii) a ideia de que não existia política científica antes da criação da JNICT;5 a partir

3 A ‘política científica nacional’ foi uma fórmula usada com assinalável frequência pelos atores da administração da ciência e era então o tom presente na Magna Carta da JNICT – Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, criada em 1967.

4 Não se deve considerar o INIC – Instituto Nacional de Investigação Científica um antepassado da JNICT, pois o INIC (criado em julho de 1976) coexistira com a JNICT, sendo o resultado de uma partição do Instituto de Alta Cultura (1936) e, anteriormente, da longínqua Junta de Educação Nacional (JEN, 1929) – parte desse património histórico deu origem ao atual Instituto Camões (1992). (Rollo et al., 2012) Correspondia pois a linhagem JEN-INIC a um modelo de política científica distinto daquele que enformou a criação da JNICT, que por sua vez coabitara já com o IAC e depois com o INIC. Só posteriormente, em 1992 foi o INIC incorporado à JNICT, num processo algo controverso precedido por alguns episódios de competição institucional e embate de visões distintas para a política científica portuguesa.

5 Entendia-se inclusive que, inevitavelmente durante todo o Estado Novo, pelo facto de a comunidade científica portuguesa ter sofrido as perseguições políticas – não só com o quadro legal discricionário que proporcionou a depuração do funcionalismo público (e.g. Rosas, 1999; Rollo, 2011), mas porventura até mais por causa de uma permanente e transversal

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daqui, outra leitura que se generalizou foi a de que iv) a existência da JNICT antes de 1974 era irrelevante, acrescendo-se ainda uma perceção generalizada de que esta Junta

coordenadora, enquanto agência de política científica, v) teria sido sempre um órgão de financiamento, o que não corresponde à realidade do período que entretanto se estudou já com maior detalhe (Brandão, 2012b). Embora, progressivamente, esse perfil de agência financiadora venha de facto a prevalecer, nomeadamente após a JNICT vencer a competição com outras entidades do ‘sistema científico nacional’ (e.g. INIC – Instituto Nacional de Investigação Científica e LNETI – Laboratório Nacional de Engenharia e Tecnologia), à medida que se aprofundaria o processo de integração da política científica europeia, cuja implicação resultará na progressiva centralização na JNICT de todos os fundos disponíveis para a Ciência e Tecnologia (C&T) em Portugal.

Em suma, aquilo que importa realçar, para ancorar uma leitura sobre a emergência da política científica portuguesa, é a importância em relembrar o trajeto, um processo – em linguagem historiográfica –, que precede e enquadra esse marco da ‘política científica nacional’, que foi a criação da JNICT. Para compreender apolítica científica portuguesa, na verdade, e respetivas questões, incluindo tanto o presente como o legado,importa iralém do quadro nacionalista e autoritário do Estado Novo. Assim, a partir de uma proposta de narrativa histórica, que se tem vindo a adiantar, em contextualizações plasmadas nos trabalhos académicos entretanto produzidos (Brandão, 2008, 2012a e 2012b) e em colaborações no seio do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa (IHC, FCSH-UNL), incluindo projetos de investigação e artigos redigidos em autoria conjunta (Rollo et al., 2011 e 2012), tem-se avançado na compreensão do que era até então o conhecimento sobre a organização da ciência portuguesa e das políticas científicas em Portugal. (e.g. Ruivo, 1998; Heitor e Horta, 2004; Henriques, 2006)

Debrucemo-nos então sobre a problemática histórica da construção da política científica portuguesa, captando as lógicas, preocupações e orientações que moldaram a‘emergência’ da política científica em Portugal, estimulando a leitor a importância em compreender globalmente e numa perspetiva histórica as instituições e políticas científicas portuguesas. De forma a dar alcance à ideia de ‘construção’ da política científica, comecemos assim por revisitar as periodizações da política científica em Portugal, observando-a enquanto processo histórico e deixando uma proposta quanto aos trajetos da organização da ciência e da política ingerência política devido ao predomínio de critérios ideológicos no próprio processo de recrutamento universitário (Brandão, 2011; Carvalho, 1974) –, esse clima de repressão e obscurantismo teria inviabilizado totalmente a existência de uma ciência e investigação não só portuguesas como intramuros, nas próprias universidades, centros, institutos e laboratórios nacionais; daqui decorre mesmo a ideia arreigada de que estudar a política científica implicaria branquear as condicionantes à prática científica desses anos de regime autoritário; decorre mesmo a leitura de que não faria sentido nem seria possível estudar a política científica, pois o regime não teria tido política científica – todavia, com efeito, mesmo que assim fosse, a inexistência de uma política científica é ainda assim uma política... Em cima disto, muitos simpatizantes e até historiadores das oposições antifascistas e da história da cultura olham de soslaio para os estudos sobre organização da Ciência, respetivas instituições e políticas científicas, mormente no contexto do Estado Novo português.

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científica portuguesa, dando uma ideia panorâmica e realçando os paradigmas6 que foram conformando a ‘política científica nacional’. Ou seja, procuraremos aqui elaborar uma proposta de narrativa histórica, de natureza político-institucional, sobre os trajetos históricos da política científica portuguesa, assim implicitamente matizando o caráter excecional com que frequentemente é mencionada a criação da JNICT.

Evolução e sobreposição de paradigmas na ‘política científica nacional’

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