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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.3 Tipologias Baseadas no Sistema de Prestação do Serviço

Um dos trabalhos mais reconhecidos e relevantes no sentido de classificar diferentes tipos de serviços é de autoria de Lovelock (1983). Neste artigo, o autor apresenta uma revisão de diferentes esquemas de classificação até então propostos e, como objetivo central do texto, propõe uma classificação própria. Esta apresenta cinco diferentes enfoques, procurando responder as seguintes questões:

Qual é a natureza do ato do serviço? Qual tipo de relacionamento a organização de serviço tem com o seu cliente? Quanto espaço existe para a customização ou julgamento por parte do prestador do serviço? Qual é a natureza da demanda e da oferta do serviço? Como o serviço é entregue? (LOVELOCK, 1983, p.47).

Para responder tais questionamentos, o autor desenvolveu uma análise bi-dimensional para cada questão, resultando nas alternativas de classificação apresentadas no Quadro 2. Outro importante enfoque classificatório foi proposto por Chase (1978), no qual os serviços são analisados tendo como base o grau de contato requerido entre o cliente e a empresa no momento da criação do serviço. Segundo Chase, “contato refere-se à presença física do cliente no sistema” e criação do serviço refere-se ao “processo de trabalho que é gerado na prestação do serviço em si” (1978, p. 401). Serviços de alto contato são aqueles nos quais o cliente necessita interagir com elementos da empresa durante uma elevada percentagem de tempo para que o serviço seja prestado. Por outro lado, serviços de baixo contato se caracterizam como situações opostas, “infreqüentes ou de curta duração” (CHASE, 1978, p.402). Kotler (2000) mantém uma linha de

classificação de serviços já adotada em obras anteriores do autor, sendo de especial atenção dois enfoques específicos: categorização quanto à base de prestação (pessoas versus equipamentos) e quanto à necessidade ou não da presença do cliente no local de entrega do serviço.

Com base nos esquemas apresentados, é possível identificar uma clara relação entre o tipo de serviço e o sistema de entrega a ser utilizado. Por exemplo, serviços que sejam direcionados a pessoas e que exijam que o cliente se desloque até um determinado local ampliam o grau de contato, exigindo um desenho do SES que muito provavelmente terá que levar em conta a grande maioria dos fatores que constituem o servicescape. De outra parte, certos serviços direcionados a pessoas, mas que podem ser prestados a distância, tendem a gerar um baixo grau de contato, exigindo um cenário de serviços menos complexo no que tange à ótica do cliente.

Quadro 2: Esquema de Classificação de Serviços de Lovelock.

ENFOQUES DIMENSÕES

NATUREZA DO ATO DE

SERVIÇO

Serviços direcionados a pessoas ou coisas

x

Serviços de natureza tangível ou intangível

RELACIONAMENTO COM OS CLIENTES

Relacionamentos de associação ou não-formais

x

Serviços contínuos ou discretos

CUSTOMIZAÇÃO E

JULGAMENTO

Nível de customização alto ou baixo

x

Nível de personalização alto ou baixo

NATUREZA DA

DEMANDA/OFERTA

Flutuações de demanda elevadas ou reduzidas

x

Picos de demanda dentro da capacidade ou acima da capacidade

MÉTODO DE ENTREGA DO SERVIÇO

Disponibilidade em um único local ou em vários locais

x

Deslocamento do cliente à empresa ou da empresa ao cliente ou transação a distância. Fonte: Adaptado de Lovelock (1983).

É interessante notar que o sistema de entrega é influenciado pelo tipo de serviço, conforme visto acima; porém, este sistema também pode influenciar as características do serviço, alterando sua posição nos esquemas de classificação propostos. Considere-se o exemplo do setor bancário: a rigor, um banco poderia situar-se em diferentes posições dentro dos esquemas de classificação, dependendo do posicionamento estratégico que adote. Adotando um posicionamento de serviço personalizado, no qual o cliente necessite ir até uma agência e ser atendido por funcionários, o banco se caracteriza como de alto contato e baseado em pessoas. Por outro lado, o mesmo banco pode adotar um modelo distinto, no qual o cliente mantenha um contato de nível intermediário ao operar sistemas de auto-atendimento. Ou ainda, pode ser um banco cujas transações sejam exclusivamente feitas a distância, através da internet, gerando

assim um sistema de entrega totalmente distinto do primeiro, baseado em equipamentos e de baixo contato.

Outro exemplo marcante relaciona-se aos serviços educacionais universitários. Há alguns anos, literalmente todas as Universidades apresentavam um mesmo modelo de prestação de seus serviços, baseado no ensino presencial. Neste sistema, os clientes de cursos de graduação, especialização, mestrado ou doutorado obrigatoriamente deveriam comparecer regularmente à instituição de ensino, interagindo com uma enorme quantidade de elementos do servicescape. Hoje, uma Universidade pode adotar um modelo exclusivamente presencial, um mix de cursos presenciais e cursos a distância ou ainda oferecer cursos exclusivamente a distância. Neste último caso, o contato do cliente com a instituição de ensino é significativamente reduzido, tanto quanto à dimensão física, quanto à dimensão social.

Observa-se que, principalmente com a proliferação de diferentes tecnologias, os esquemas de classificação tornaram-se frágeis e, em muitos casos, devem ser considerados não para uma categoria de serviços – p. ex., serviços bancários –, mas para diferentes empresas individualmente, como elementos de segmentação e posicionamento de oferta. Obviamente, alguns serviços são mais facilmente generalizáveis, mas quando surgem tecnologias que permitem a um cirurgião operar a quilômetros de distância, sem sequer ter um contato direto com o paciente, fica difícil ignorar a extensão pela qual os avanços tecnológicos estão alterando os ambientes de prestação dos serviços.

Bitner (1992) propõe uma tipologia baseada em quem desempenha as ações dentro do servicescape. Os três tipos de serviços são: a) auto-serviço (desempenhado somente pelo cliente), b) serviço interpessoal (desempenhado tanto pelo cliente quanto por funcionários) e c) serviço remoto (desempenhado apenas por funcionários). Embora adequada para a época em que foi proposta, esta tipologia apresenta-se contraditória e inadequada nos dias de hoje. Basicamente, com o surgimento da internet, clientes podem acessar serviços a distância (remotos) e, ao mesmo tempo, desempenharem as funções do serviço dentro da perspectiva do auto-atendimento.

Essa limitação é superada no trabalho de Meuter et al. (2000), o qual explora os sistemas de auto-serviço baseados em tecnologias que agem como interfaces entre o cliente e o prestador do serviço (telefone, internet, quiosques interativos e vídeo/CD). Além disto, os autores apresentam três categorias de acordo com a proposta relativa ao uso da tecnologia (aquilo que o cliente recebe ao utilizar a tecnologia): serviço ao cliente, transações e auto-ajuda.

Serviços ao cliente estariam relacionados à noção de produto ampliado (SHOSTACK, 1977) ou serviços suplementares (LOVELOCK; WRIGHT, 2001). As categorias transacionais e de auto-ajuda, contudo, apresentam ambigüidades que limitam sua aplicação. A rigor, cada tecnologia – ou uma combinação delas – pode ser utilizada em um mesmo sistema de entrega do serviço (MEUTER et al., 2000). Por exemplo, os autores citam a realização de check-outs em hotéis através de auto-atendimento tanto como um serviço ao cliente quanto como uma transação. O mesmo vale para empresas aéreas que disponibilizam tanto a efetivação de reservas quanto a própria compra do bilhete através da internet.

Por outro lado, sistemas de auto-ajuda, exemplificados como recebimento de informações por telefone, auto-treinamento e ensino a distância (MEUTER et al., 2000) também podem ser questionados. Treinamento é uma das variáveis apontadas na literatura como serviço ao cliente (KOTLER, 2000), da mesma forma que o fornecimento de informações é considerado um serviço suplementar (LOVELOCK; WRIGHT, 2001). Por fim, o ensino a distância muitas vezes é o serviço central ou básico de uma instituição de ensino (SHOSTACK, 1977; LOVELOCK; WRIGHT, 2001), não podendo ser visualizado no mesmo nível que serviços complementares. Assim, a divisão dos serviços feita por Meuter e seus colegas quanto à proposta no uso da tecnologia demonstra-se ambígua e pouco consistente.

Baseada na tipologia proposta por Bitner (1992), nas interfaces tecnológicas de Meuter et al. (2000) e na literatura de serviços (BATESON, 1995; HOFFMAN; BATESON, 1997 e LOVELOCK; WRIGHT, 2001) quanto ao sistema de entrega de serviços, é proposta a tipologia apresentada no Quadro 3.

Inicialmente, o nível de serviço deve ser identificado, sendo que os serviços centrais caracterizam-se como o produto básico, focado diretamente na necessidade do cliente e gerador do benefício básico do produto. Serviços suplementares, por sua vez, representam elementos adicionais que facilitam o uso do serviço e ampliam o valor percebido pelo cliente (LOVELOCK; WRIGHT, 2001).

Sob a ótica do sistema de entrega, podem ser considerados dois grandes grupos: auto- serviço e serviço interpessoal. No primeiro caso, a participação do cliente é ampla e este se torna o principal responsável pelo serviço realizado, já no caso dos serviços interpessoais, o cliente possui menor participação e a responsabilidade fica basicamente com o funcionário da empresa.

Quadro 3: Proposta de Tipologia de Sistemas de Entrega de Serviços. SISTEMA DE ENTREGA NÍVEL DO SERVIÇO AUTO-SERVIÇO A DISTÂNCIA AUTO-SERVIÇO PRESENCIAL SERVIÇO INTERPESSOAL PRESENCIAL SERVIÇO INTERPESSOAL A DISTÂNCIA

SERVIÇO CENTRAL Internet Banking Caixas Eletrônicos Transporte Aéreo de

Passageiros Ensino a Distância

SERVIÇO SUPLEMENTAR Monitoramento de Encomendas Check-out Automático em Hotéis Treinamento

Presencial Chats de Orientação Suporte on-line Fonte: Elaborado pelo autor.

Em termos do ambiente de prestação do serviço – servicescape –, a realização do serviço a distância apresenta características absolutamente distintas da situação na qual a presença do cliente é necessária. Cria-se, portanto, uma subdivisão dentro da categoria de auto-serviço: sistemas a distância (operados por telefone ou internet, por exemplo) e sistemas presenciais (nos quais o cliente necessita ir até algum ambiente de prestação de serviço proporcionado pelo ofertante). De modo similar, as interações interpessoais podem ocorrer tanto em situações onde cliente e funcionário dividem o mesmo ambiente, como quando cliente e funcionário estão longe um do outro.

É interessante notar que a tipologia proposta no Quadro 3 é compatível com a idéia discutida anteriormente de que a amplitude de alternativas de sistemas de entrega disponíveis determina que as tipologias de serviços devem ser empregadas como uma ferramenta de suporte às decisões de segmentação e posicionamento de mercado. Pode-se destacar, também, que a adoção de um modelo dominante não necessariamente elimina a presença de características de outro SES. A análise de diferentes exemplos e alternativas de SES tende a ser infinita. Mais do que exercitar sua aplicabilidade, é fundamental identificar contribuições relevantes à estratégia das empresas, para que estas decidam adequadamente à respeito de qual – ou quais – sistema deverão adotar.

Diversos fatores estão inter-relacionados com a adoção do SES de uma empresa. Muito embora os aspectos que influenciam o lado da demanda representem o enfoque primário do presente trabalho, será apresentado a seguir uma breve síntese de fatores influenciadores pelo lado da oferta, ou seja, aspectos organizacionais que devem ser considerados no momento de adotar e gerenciar um SES.